domingo, 8 de dezembro de 2019

Vinicius Torres Freire - A inflação vai bem, o povo vai mal

- Folha de S. Paulo

Não há alta geral de preços ou carestia da comida; faltam emprego e salário

O preço da carne de boi dominou o carnaval de escárnio e memes das redes sociais das últimas semanas. Tomou o lugar do dólar como motivo de piada e tema da análise econômica popular, por assim dizer.

O preço do boi gordo teve aumentos exorbitantes desde novembro; o do porco subia assim desde abril.

Esses saltos mexeram apenas um pouquinho com a média da inflação recente, embora ainda assim a carestia da carne reduza o bem-estar e implique restrição do consumo de um alimento simbólico, sinal de vida remediada.

A inflação geral (IPCA) foi de 3,3% nos últimos 12 meses. O preço da comida que a gente leva para casa, “alimentação no domicílio”, no dizer do IBGE, aumentou 3,5%. A inflação vai bem, mas o povo vai mal.

A inflação do bife não é, portanto, símbolo de uma inflação da comida. Não foi o caso da inflação do tomate, que era assunto pop e sinal expressivo de grande irritação com o custo dos alimentos pouco antes do Junho de 2013.

Naquela época, abril de 2013, o IPCA da “alimentação no domicílio” aumentava ao ritmo de 16% ao ano (ante um IPCA geral de 6,5% ano). Até abril de 2016, houve outro repique do IPCA da comida, também de 16% ao ano (o IPCA geral subia 9,3% ao ano).

Note-se de passagem que, desde o começo da recessão, o preço da eletricidade subiu quase o triplo do preço das carnes; o preço do gás, quase o dobro.

De qualquer modo, o preço do boi gordo aumentou 45% em um ano. Jamais esteve tão alto desde pelo menos julho de 1997 (início da série do Cepea, da Escola de Agronomia da USP, ajustada pela inflação), alto além do normal, muito além da média histórica. Esteve anormalmente baixo entre o segundo trimestre de 2017 e o segundo trimestre deste 2019. Coisa parecida, em escala menor, aconteceu com o preço do porco.


Foi mais ou menos o que disse a ministra da Agricultura, Tereza Cristina: “A arroba [do boi] não vai baixar mais ao patamar em que estava”. Causou indignação, mas parece certa. Como o padrão das declarações do governo de Jair Bolsonaro vai do disparate ignaro à desumanidade atroz, a ministra apanhou por conta.

Claro que a fama dos seus colegas fazendeiros que querem dar cabo da floresta e dos índios não ajuda, para dizer o mínimo sarcástico.

Problemas no mercado mundial e nas mumunhas do comércio exterior levaram o preço da carne à estratosfera, o que não dá para comentar aqui e agora nestas colunas. Mas convém reafirmar que a inflação vai bem, mas o povo vai mal.

Desde fins de 2014, o salário médio subiu pouco menos do que a inflação: caiu, em termos reais. Caiu ainda mais para o povo miúdo, pois a desigualdade de rendimentos aumentou na crise.

Nesses anos, quase todos os empregos novos (o saldo) são por “conta própria” e “sem carteira”, duros, inseguros e míseros. São seis anos de desemprego, medo de desemprego, subemprego, indignidade salarial, de volta da fome, de piora e diminuição de serviços de saúde pública e desesperança na ideia de melhoria de vida, que dirá de ascensão social.

E daí? Inflação de comida costuma talhar a popularidade de governantes. Mas não há inflação de comida, apesar do bife de ouro. Não há inflação alguma, aliás. O Banco Central pode talhar os juros de novo nesta quarta-feira (11), por favor.

Há, porém, sinais de irritação (o escárnio com o bife e o dólar) e angústia estafada com emprego e salário ruins, crise que não vai passar tão cedo, apenas anos depois de o PIB começar a andar.

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