sábado, 5 de janeiro de 2019

Merval Pereira: Alianças internacionais

- O Globo

Metade da América do Sul tem governos de centro ou centro-direita, dominando a maioria do PIB e da população

O governo Bolsonaro que ora se inicia tem proximidades ideológicas com dois movimentos internacionais que se unem em torno de ideias políticas de direita com pensamento liberal na economia. A emergência de uma direita politicamente forte no mundo, culminando em nossa região com a de Bolsonaro, leva a esquerda a perder força na América do Sul, com metade dos países sendo governados por partidos de direita, revertendo uma situação geopolítica. Há cinco anos, dos 12 países da região, só três eram governados por partidos de centro ou à direita: o Chile, de Sebastián Piñera, o Paraguai, de Federico Franco, e a Colômbia, de Juan Manuel Santos. Hoje, metade da região tem governos de centro ou centro-direita, dominando a vasta maioria da população e do PIB.

Steve Bannon, ex-conselheiro de Donald Trump e ideólogo de uma direita internacional, projeta um grupo para reunir os partidos de direita ou extrema direita da Europa em torno de discussões políticas comuns. Eduardo Bolsonaro, eleito o deputado federal mais votado da história do país, pretende ser o líder intelectual da direita na região, e está em sintonia com Bannon.

Na América Latina, a Fundação Índigo, ligada ao PSL, fez recentemente uma reunião em Foz do Iguaçu com diversos representantes de partidos de direita ou centro-direita, que pretendem ser um contraponto ao Foro de São Paulo, que reúne a esquerda de vários países, criado em parceria entre Lula e Fidel Castro, e chegou a eleger a maioria dos presidentes de países vizinhos.

Ao mesmo tempo, a adesão do novo governo brasileiro a uma política externa alinhada aos Estados Unidos leva a uma maior aproximação com Israel. A anunciada decisão de transferir a embaixada brasileira para Jerusalém, acompanhando a decisão de Trump, tem a ver com o apoio que evangélicos fundamentalistas lá e cá dão aos governos Trump e Bolsonaro.

O pastor Silas Malafaia chegou a afirmar que os evangélicos apoiaram Bolsonaro sobretudo porque ele se comprometeu com o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel, o que foi reafirmado por Bolsonaro ao próprio primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que permaneceu no Brasil por cinco dias.

*Miguel Reale Júnior: Contra o pacto e contra os brasileiros

- O Estado de S.Paulo

Isolamento do País no concerto internacional deixa os brasileiros no exterior desassistidos

A migração tem se tornado problema em todos os continentes, com significativas populações se deslocando para habitar outras terras, trazendo problemas sociais, mas, ao mesmo tempo, contribuindo para o desenvolvimento dos locais de destino. Hoje, mais de 250 milhões de pessoas estão em outros países como imigrantes regulares ou irregulares, essa é uma questão a ser enfrentada pelo conjunto das nações, como reconhecem os 160 signatários do Pacto Global da Migração, firmado dia 10 de dezembro em Marrakesh, no 70.º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU.

O Brasil e a América Latina tiveram intensa participação na elaboração do Pacto Global da Migração, fruto do trabalho de anos, como explicou Alicia Bárcena, diretora da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal). As cinco comissões econômicas regionais das Nações Unidas ajudaram a compreender as causas e o tamanho das migrações, bem como a característica das pessoas: seus idiomas, habilidades, necessidades de saúde, nutrição e educação.

Assim, foi possível perceber, como se assinala no pacto, a importância da união, do espírito de cooperação, no qual todos ganham, ao se criar uma estrutura juridicamente não vinculativa, fruto do reconhecimento de que nenhum Estado pode abordar a migração por conta própria, dada a natureza intrinsecamente transnacional desse fenômeno.

Conforme António Guterres, secretário-geral da ONU, o Pacto Global de Migração, além de não ser juridicamente vinculativo, tem a natureza de uma cooperação internacional, enraizada num processo intergovernamental de negociação de boa-fé. Dessa maneira, há proteção da soberania de cada nação, preservando-se o direito soberano dos Estados de determinar sua política nacional de migração e a prerrogativa de, dentro de sua jurisdição, distinguir entre o status de migração regular e irregular, levando em consideração diferentes realidades, políticas, prioridades nacionais para entrada, residência e trabalho.

João Domingos: A mira é o PT

- O Estado de S. Paulo

Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela

Com menos de uma semana do governo declaradamente de direita de Jair Bolsonaro, é possível identificar na direção da máquina do Estado alguns nichos já muito bem definidos. Uns trabalham em silêncio, ou já adiantam medidas que pretendem tomar, como os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; outros mostram ponderação, como os ministros das áreas de infraestrutura; e há os que fazem um barulho danado com suas posições polêmicas, seja por declarações, seja por manifestações nas redes sociais. Entre estes últimos estão os ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O presidente da República é outro que está no meio dos barulhentos.

Bolsonaro não abandonou o discurso de campanha nem na posse nem depois dela. É provável que vá mantê-lo por um bom tempo, enquanto sentir necessidade de falar as coisas que seu eleitor gosta de ouvir: liberação da posse e flexibilização do porte de armas, fim do auxílio-reclusão, adeus ao indulto de fim de ano para presos, manutenção da prisão para condenados em segunda instância, salvo-conduto para policiais no enfrentamento com bandidos, ataque à corrupção, combate ao PT para que a bandeira nacional nunca seja vermelha e enxotamento do socialismo do País (dois exageros), para citar alguns dos temas que garantiram popularidade ao presidente.

Jair Bolsonaro sabe que, ao abordar esses assuntos nos discursos, nas entrevistas ou pelas redes sociais, ele consegue falar diretamente com o eleitor que votou nele. Então, mãos à obra. Ao mesmo tempo, seus técnicos, no caso Guedes, Moro e os ministros da infraestrutura, vão preparando as reformas que serão enviadas ao Congresso, o plano de privatização e de investimentos.

Demétrio Magnoli: O Deus deles e o de todos

- Folha de S. Paulo

Nenhuma autoridade menciona Deus em vão, mas para iludir, enganar, trapacear

“Não usarás o nome de Deus em vão” (Êxodo 20:7). Bolsonaro mencionou Deus abundantemente nos seus dois discursos de posse —e sempre em vão.

O Deus que autoriza ou sacraliza escolhas políticas nasce quando o poder se apropria da fé, para separar os filhos de Deus segundo a fidelidade a uma autoridade terrena.

Na Roma imperial, a fé exprimiu a aspiração ancestral de igualdade política. O cristianismo difundiu-se entre o povo pois a proclamação de que “somos todos filhos de Deus” erguia uma muralha lógica contra a discriminação.

Constantino curvou-se a ela e, para conservar o Império, instituiu a tolerância religiosa (313). Daí, seguiu-se o Concílio de Nicea (325), a conversão do imperador em seu leito de morte (337) e o Edito de Tessalônica (380), de Teodósio, que elevou o cristianismo à condição de religião de Estado. No fim do percurso, completou-se a inversão: o poder terreno adquiria o direito de discriminar invocando
o nome de Deus.

A ideia original dos “filhos de Deus” é inclusiva. São “filhos de Deus” todos os seres humanos, mesmo os infiéis ou pecadores. O rebanho abrange os que cultuam deuses pagãos e os que clamam contra a autoridade.

Nesse sentido, a fé cristã mantém coerência com o princípio iluminista da igualdade política. “Nós não tratamos de Deus” —a advertência de Alastair Campbell, assessor de Tony Blair, evitou que o primeiro-ministro britânico concluísse seu discurso à nação, no início das hostilidades no Iraque (2003), com a frase “Deus nos abençoe”.

Marcos Augusto Gonçalves: Um novo Febeapá

- Folha de S. Paulo

Frases ditas por ministros são promissoras para quem sonha com uma nova edição

Em 1966, o jornalista, humorista e compositor Stanislaw Ponte Preta publicou uma reunião de crônicas que escrevia para o jornal Última Hora. Sérgio Porto (1923-1968), seu nome verdadeiro, dedicava-se naquela época a ironizar situações bizarras que se produziam sob o regime militar instituído em 1964.

O livro intitulava-se “Febeapá”, sigla para “Festival de Besteira que Assola o País”. Ao todo foram três volumes, que foram reunidos em 2015 pela Companhia das Letras.

Traziam passagens como essa: “Em Mariana (MG), um delegado de polícia proibiu casais de sentarem juntos na única praça namorável da cidade e baixou portaria dizendo que moça só poderia ir ao cinema com atestado dos pais”.

Bem, seria uma injustiça atribuir apenas ao período militar ocorrências como essas. Temos —e não estamos sozinhos nisso— secular tradição de bobagens produzidas por governos de todos os tipos, à direita ou à esquerda.

Julianna Sofia: Rotação e translação

- Folha de S. Paulo

Discurso lúcido e franco de Guedes perde força com pragmatismo de Brasília

O discurso preceptoral de Paulo Guedes (Economia) ao assumir a superpasta inflamou a banca financista e a elite empresarial por ser lúcido no diagnóstico e franco nas intenções ultraliberais. Bastou um movimento de rotação para o inescapável choque de Brasília dar contornos mais realistas a alguns dos conceitos guedistas.

Para o economista, se o governo Jair Bolsonaro aprovar em alguns meses a reforma da Previdência, estará garantido por dez anos o crescimento econômico. No dia seguinte, o presidente anunciou na TV que aproveitará a proposta de Michel Temer, mas indicou que suavizará o texto.

Bolsonaro quer tratar da escadinha para fixação de uma idade mínima só para o período de seu mandato; e, a despeito da convergência de regras pretendida por Temer, ele não tratará todos de forma igual. A fala vaga e sem detalhes desanimou investidores porque prenuncia desidratação, reduzindo o efeito fiscal da reforma. Sem reversão da dívida pública, não haverá crescimento.

Guedes ainda discorreu sobre um plano B caso a reforma não vingue. Os parlamentares precisarão ingerir remédio mais amargo e aprovar emenda constitucional para desvincular e desindexar o Orçamento.

Míriam Leitão: Hora da clareza na Previdência

- O Globo

Se o risco é de colapso, como disse corretamente Bolsonaro, já passou da hora de o governo saber o que fazer para reformar a Previdência

Está na hora da clareza sobre a reforma da Previdência e nesta primeira semana de governo ela ficou mais obscura. O ministro Paulo Guedes, na posse, deu a entender que há uma alternativa à reforma, e todos sabem, inclusive ele, que não existe. O presidente Jair Bolsonaro na entrevista ao SBT criou mais dúvida quando falou de uma idade mínima menor do que a que está na reforma do ex-presidente Temer. O ministro Onyx Lorenzoni disse que era para ser mais suave, mas, na verdade, ela pode até ser mais dura dependendo do que se entender do que o presidente disse.

Não há mais tempo para o improviso e as falas conflitantes. O próprio presidente disse que a questão é urgente:

— Mais dois, três anos, vamos entrar em colapso. Nós não queremos que o Brasil chegue na situação da Grécia e todos vão contribuir um pouco para que ela seja aprovada.

Se o risco é de “colapso”, o governo precisa saber o que fazer. O que Bolsonaro disse é que a idade mínima será de 57 anos e 62 anos para a entrada em vigor em 2022. Bom, se for isso, é mais dura do que a de Temer, que previa 62 e 65 anos apenas em 2038. Na proposta que está no Congresso, a idade mínima de 62 anos, para homem no INSS, só seria atingida em 2032. Se na de Bolsonaro vai ser em 2022, então é dez anos antes. Agora, se ele está dizendo que essa será a idade mínima ao fim do processo, então está enfraquecendo a reforma.

Esses improvisos de Bolsonaro em assunto que ele não domina criaram ontem uma crise com a área econômica. Ele anunciou de manhã aumento de IOF e mudanças no Imposto de Renda e foi desmentido pelo secretário da Receita, Marcos Cintra. O ministro Paulo Guedes ficou em silêncio apesar de a confusão ter estourado em sua área.

Está aí um assunto que não precisava de dúvidas. Houve muita bateção de cabeça na época da transição. Bolsonaro indicou que vai aproveitar a reforma que já está na Câmara, mas com mudanças:

Adriana Fernandes: Incoerências

- O Estado de S.Paulo

Na primeira oportunidade, o governo mostrou incoerência entre o discurso e a prática

O governo do presidente Jair Bolsonaro começou com a agenda política se sobrepondo à pauta econômica. Menos de 48 horas depois do aplaudido discurso de posse do novo ministro da Economia, Paulo Guedes, a realidade política se impôs revelando uma série de divergências internas justamente em torno das primeiras medidas econômicas.

A fala do presidente Bolsonaro sobre a proposta de reforma da Previdência, os desencontros em torno do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para operações de crédito externos e sua decisão de prorrogar os incentivos fiscais nas áreas de atuação da Sudene e Sudam vão na contramão do que prometeu Paulo Guedes no seu discurso histórico.

Para completar a dia caótico da sexta-feira, Bolsonaro ampliou a confusão da comunicação ao dar detalhes de mudança em estudo da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) que, embora seja compromisso seu de campanha, ainda não está pronta pela equipe econômica.

O presidente deu a entender que a mudança seria anunciada poucas horas depois. O que aconteceu, na verdade, foi uma sequência de recuos.

Menos impostos, menos benefícios tributários e unidade em torno da reforma da Previdência foram promessas de Paulo Guedes, que empolgou os convidados da sua posse, na quarta-feira. Com um discurso apontado por muitos como histórico e “música aos ouvidos”, o ministro prometeu um choque liberal na economia e atacou – sem meias palavras – velhas práticas de empresários e políticos que “corromperam” os gastos públicos.

O fato é que, por trás da decisão de sancionar a prorrogação dos incentivos fiscais, já prevalecem os sinais da articulação política para a eleição das presidências da Câmara e do Senado – ponto central para a governabilidade e aprovação da reforma da Previdência e das outras medidas que a equipe econômica quer encaminhar ao Congresso.

Vinicius Torres Freire: Novo governo se enrola com o conflito dos impostos

- Folha de S. Paulo

Assessores parecem querer reformular o imposto sem o "tá ok" do chefe

Economistas de Jair Bolsonaro dizem com frequência que impostos sobre empresas vão baixar. Logo, a arrecadação vai diminuir. Então, alguém vai ficar com esta conta: vai pagar mais imposto.

Por quê? O governo não pode tomar ainda mais empréstimos para cobrir suas despesas. Mesmo se cortar muito gasto, faltará dinheiro por anos: ainda haverá déficit e dívida crescente, um motivo principal desta meia década de crise.

Quem vai ficar com o mico?

Pode ser a classe média remediada ou ricos. Mas não sabemos. Parece que o governo também não. O próprio presidente não sabe o que seus assessores sabem e vice-versa, mesmo quando se trata de decisões que já teriam sido firmadas. Ou não.

No meio desta sexta (4), Bolsonaro disse que assinara um aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras). Era solução lamentável, dizia o presidente, para compensar uma perda de receita aprovada em 2018 pelo Congresso.

Horas depois, um ministro e um secretário negavam que havia decreto ou que haveria alta de imposto. Por cortesia, diga-se que foi um lapso. Ou não.

Assim que tratou do IOF, Bolsonaro contou que Paulo Guedes (Economia) anunciaria a "possibilidade" ou a "ideia inicial" de diminuir o Imposto de Renda da Pessoa Física. Rendimento superior a R$ 4.664,68 não pagaria mais a alíquota de 27,7%, mas de 25%.

Ficaria bem prometer um docinho de IR menor quando se aplicava uma injeção de IOF maior, mas nem isso fazia sentido.

Não era preciso compensar o IOF. Não é essa a discussão do IR entre economistas do governo, embora não se saiba bem quem está mal informado, se o presidente ou seus assessores que planejam reformular o imposto sem o "tá ok" do chefe.

Ricardo Noblat: Por que não te calas, Bolsonaro?

- Blog do Noblat

Tropa desautoriza o capitão

Na última quarta-feira, em entrevista à GloboNews, o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República, já se vira obrigado a desautorizar o capitão Jair Bolsonaro.

Não, ainda não está certa a transferência de Telavive para Jerusalém da embaixada o Brasil em Israel, esclareceu Heleno. Por ora, a ideia está na cabeça de Bolsonaro sem data para passar ao papel.

Ontem, foi o caos. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, e o secretário especial da Receita, Marcos Cintra, foram escalados para apagar os mais recentes incêndios provocados pelo presidente recém-empossado.

Não, não era verdade que Bolsonaro assinara um decreto elevando o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para aplicações no exterior como ele mesmo havia anunciado de manhã.

E não, também era falsa a informação dada por Bolsonaro que a alíquota máxima do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas seria reduzida imediatamente de 27,5% para 25%.

Quanto à redução da alíquota, segundo Bolsonaro, o anúncio seria feito à tarde pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, depois de se reunir com a Comissão de Valores Mobiliários. Guedes cancelou a reunião e sumiu.

A política dos perdedores

Derrotados nas eleições tentam manter influência no jogo político

Por Amália Safatle | Valor Econômico

SÃO PAULO - O escritor e jornalista britânico George Orwell dizia que a história é contada pelos vencedores. Ouvir os perdedores, no entanto, ajuda a compreender o fim de um ciclo no Brasil, que varreu nomes históricos (ao menos temporariamente), levou a uma renovação de 53% na Câmara e de 85% no Senado e inaugura, no período pós-eleições de 2018, um novo cenário político.

Na campanha eleitoral pautada pela rejeição a partidos, a políticos tradicionais e ao sistema vigente, venceu quem teve o menor descrédito e ocupou o vácuo de um centro que se esvaziou. Os perdedores foram, portanto, elemento definidor nos resultados das eleições, a começar da Presidência da República.

"Noventa milhões não votaram em [Jair] Bolsonaro, mas é preciso fazer um registro importante: 100 milhões não votaram no PT. Ou seja, o presidente foi eleito porque sua rejeição foi menor do que a petista", afirma o analista político Carlos Melo, professor do Insper. Octavio Amorim Neto, professor titular da Fundação Getulio Vargas do Rio, emenda: "No desabamento completo do centro político brasileiro, quem preencheu o vácuo foi Bolsonaro".

O fato de os perdedores estarem sem mandato não os tira do jogo a partir de agora. Alguns nomes, por meio de seus partidos e possíveis articulações e composições, funcionarão como peso e contrapeso, moldando as condições de governabilidade e a capacidade de sucesso do novo governo.

O jogo começará efetivamente no dia 1º, quando toma posse o novo Congresso. "Como teremos uma Câmara absolutamente fragmentária e um Senado que renovou 85%, haverá uma inexperiência brutal", afirma Ciro Gomes, candidato derrotado à Presidência da República pelo PDT e que integra o bloco de oposição. "Se fizermos um movimento competente, poderemos forçar Bolsonaro ao jogo democrático. Estimulá-lo, mas ao mesmo tempo garantir, se for necessário, a imposição desse jogo a ele. E é disso que nós estamos cuidando."

O "nós" incluía, até o mês passado, PSB, PCdoB, PDT e Rede, que conta com apenas um deputado, mas cinco senadores. Após a derrota acachapante de Marina Silva na eleição presidencial de 2018, o Rede, de futuro incerto, cogita uma fusão com o PPS, assunto que será tema de congresso do partido a ser realizado neste mês.

"Diante de riscos imediatos pela invocação que Bolsonaro faz contra questões muito importantes no processo político e civilizatório de qualquer nação, há necessidade de fazer uma oposição democrática", diz Marina. Para ela, trata-se de não sabotar ou torcer pelo "quanto pior, melhor". "Oposição contribui para o governo sendo oposição", resume.

Ciro diz que quer fazer oposição em outro plano. "Não em cima do desastre, porque o desastre não me ajuda. O desastre ajuda a fortalecer quem deu a Bolsonaro essa vitória, o PT." Ele afirma que aceitaria apoiar a reeleição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), desde que haja um compromisso com três agendas centrais: garantir a democracia, perseguir o interesse nacional e proteger os pobres, temas de um livro de sua autoria, que estava sendo finalizado em dezembro. "Quer dizer que Maia tem de romper com Bolsonaro? Não, [quem diria] isso é o PT! Achamos completamente legítimo que Maia dialogue com o presidente da República."

Marina Silva defende que não se deve ter uma ansiedade tóxica sobre quem comandará a oposição. "Não precisa ter um centro fixo para um partido, para uma liderança. Senão você enfraquece a própria ação", diz a professora e ex-candidata que retomou a rotina de aulas e palestras. Ela entende a frente como "um processo multicêntrico de contribuições", ou seja, "em alguns momentos haverá alguém que terá uma fala com maior legitimidade, e essa fala se intercalará com outras".

O governo assume sob uma situação econômica ainda adversa, já constrangido por suspeitas de desvios levantadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e diante de uma população ávida por saúde, emprego, combate à corrupção, segurança e educação, conforme pesquisa Ibope divulgada no mês passado. "Uma parcela da população votou em Bolsonaro porque deseja respostas rápidas. Se tivesse paciência, teria votado em Geraldo Alckmin [PSDB]", diz Melo.

Nesse contexto, Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora aposentada do Departamento de Ciência Política da USP, lembra que o presidente Bolsonaro formou seu ministério sem negociar com os partidos que o apoiam, cumprindo uma promessa de campanha. Cita estudos de Octavio Amorim Neto, segundo os quais governos compostos dessa maneira, independentemente da qualidade dos escolhidos, são mais frágeis e sujeitos a crise na medida em que não possuem uma base firme no Legislativo. "Foi o que aconteceu no final do governo João Goulart e durante o governo Fernando Collor, dois presidentes que não completaram seu mandato", afirma.

"No começo, governar assim é perfeitamente possível. Jânio Quadros fez isso, Fernando Collor fez isso. Mas, a partir de um certo momento, os presidentes vão sentindo a necessidade de uma integração maior com o poder político, com o Congresso Nacional", diz o veterano Edison Lobão (MDB-MA), que acumulou 32 anos de mandatos no Congresso, governou o Estado do Maranhão, foi ministro em dois governos, presidiu o Senado Federal - e não se reelegeu senador em outubro.

Em seu currículo consta também a Emenda Lobão, que restabeleceu as eleições diretas de governadores e senadores a partir de 1982, mas ele mesmo se absteve na votação das Diretas-Já para Presidência da República por considerar que "era necessário haver mais segurança na consolidação do processo". Hoje, diante da gestão Bolsonaro, Lobão questiona: "Quero saber até que ponto o presidente conduzirá o governo com essa linha de atuação".

O professor de relações internacionais da USP José Augusto Guilhon-Albuquerque considera que será necessário articular uma coalizão estável em torno de um programa mínimo de objetivos. "Bolsonaro já está aprendendo a fazer política politiqueira, dificilmente fará as reformas vitais e terá de negociar no dia a dia, com um alto custo e aumento da insatisfação popular."

Para o cientista político, a indignação do povo continuará a piorar, porque é praticamente impossível para o novo governo resolver problemas essenciais que atingem de imediato o homem comum e só podem apresentar resultados a longo prazo. Guilhon diz não acreditar que haverá lua de mel. "Não esqueçamos que o desgaste de Dilma [Rousseff] começou na noite da apuração e só foi aumentando até a posse."

Segundo pesquisa do Datafolha, no entanto, 65% dos entrevistados acham que a situação econômica do Brasil vai melhorar nos próximos meses, ante apenas 23% que diziam isso no levantamento anterior, de agosto de 2018. É o mais alto índice de uma série histórica que começa em 1997, no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Segundo pesquisa CNI/Ibope, a expectativa de 64% dos brasileiros é de que governo Bolsonaro será ótimo ou bom. Desse percentual, 39% dizem acreditar que a futura administração será ótima e 25%, boa. Para 18%, o governo será regular; para 4%, ruim; e para outros 10%, péssimo.

Sobre o apoio formal do MDB ao governo eleito, Lobão diz que o partido tem sido parte do equilíbrio democrático e trabalha pela governabilidade. "Dependendo do convite que possa vir, não se furtará a ajudar o governo que chega com ideias, em muitos casos, parecidas com as do partido." Já o correligionário Eunício Oliveira (MDB-CE), que ocupa a presidência do Senado e também não se elegeu, preferiu não conceder entrevista. Um interlocutor afirmou, no entanto, que Eunício defendia que o MDB "se desgovernasse" por um tempo, para se afastar da imagem de "partido do governo", e então repense e se reestruture politicamente.

"Eunício está se reorganizando mentalmente para a política. E ainda não se desapegou das funções no Senado", disse a fonte. Enquanto isso, prossegue o interlocutor, Eunício deverá manter-se na função de tesoureiro do partido, tendo o senador Romero Jucá como presidente e o ex-presidente Michel Temer como presidente de honra. Será preciso ver, no entanto, os desdobramentos da Lava-Jato sobre integrantes do MDB, como Lobão, Temer e Jucá, ainda mais considerando a aprovação por comissão da Câmara, em dezembro, do fim do foro privilegiado para crimes comuns. Isso faz com que ministros, parlamentares, governadores e prefeitos possam ser processados na Justiça de primeira instância.

Sobre a Lava-Jato, Lobão afirma que em relação a ele "existem investigações, algumas arquivadas por absoluta falta de provas. E outras em curso. Se há uma delação, é preciso uma investigação para mostrar que a delação não procede". Dos seus 82 anos, diz que contribuirá com o partido como puder, oferecendo sua experiência por meio de aconselhamentos e opiniões. "Entendo que a política é exercida não apenas pelo detentor de mandatos eletivos, mas por quem tem vocação. Sairei do mandato, mas não da política."

Para Amorim Neto, não se pode esquecer a frase do historiador e sociólogo brasileiro Francisco José de Oliveira Viana (1883-1951): "A história do Brasil é um museu de elite". Com isso, o professor da FGV quer dizer que as elites brasileiras não são totalmente superadas como no modelo europeu, em que a aristocracia é varrida do mapa e surgem novos atores. "Aqui, não. As velhas elites são preservadas de alguma maneira." Muita gente, principalmente de uma geração mais antiga, vai aposentar-se, mas, a seu ver, a capacidade de perdedores ressurgirem das cinzas dependerá muito do desempenho do governo federal e da situação dos políticos em seus respectivos Estados.

"Se, por exemplo, a gestão de Wilson Witzel [PSC-RJ, eleito governador do Rio] der errado rapidamente, não é impossível que eleitores voltem a sentir saudades do MDB, que teve Eduardo Paes como candidato derrotado à reeleição. Além disso, quadros relativamente novos, como os ex-senadores Lindbergh Farias [PT-RJ] e Vanessa Grazziotin [PCdoB-AM] têm mais chance de retornar", afirma Amorim.

Já Carlos Melo entende que se encerrou um ciclo, sem que o novo ainda tenha se consolidado. É possível que líderes como Romero Jucá, senador derrotado em Roraima, voltem a ganhar a eleição no seu Estado. "Regionalmente esses homens são capazes de se articular, dado o fracasso de seus sucessores. Jucá pode tornar a ser senador por causa do caciquismo regional. Mas voltará a ter a mesma mobilidade que tinha no Senado?"

Essa questão é, para o cientista político, uma incógnita, pois, por mais que tenha elementos para analisar como o senador pensa e age, Melo não faz ideia das características que o Senado terá daqui a quatro ou oito anos. "Gosto muito da frase 'Nada é, tudo flui', do [cientista político] Sérgio Abranches no livro 'A Era do Imprevisto'. As instituições estão se alterando, ficando muito diferentes em relação ao que esses atores aprenderam sobre elas. Estarão eles capacitados para voltar a atuar nessas instituições? Creio que não."

Melo lembra da acirrada eleição de 2014 entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) e compara com a situação em que esses políticos estão hoje. A ex-presidente da República, derrotada no próprio Estado, não conseguiu vaga para o Senado mineiro, enquanto Aécio teve de buscar um cargo de deputado federal para se proteger de denúncias com o foro privilegiado. Eram atores relevantes que "evaporaram" em apenas quatro anos.

De lá para cá houve fatos como Lava-Jato e impeachment, mas o professor do Insper atribui a velocidade da mudança, em grande parte, a transformações de caráter estrutural provocadas pela tecnologia digital. Passou a haver, de forma inédita, um uso massivo no campo político de canais como WhatsApp e redes sociais, eliminando intermediários, rompendo hierarquias e horizontalizando o poder, sem falar no peso da disseminação das notícias falsas.

Trata-se, a seu ver, de um fenômeno capaz de alterar instituições e configurações de liderança. Mais que fechar ciclos, essas mudanças provocam a necessidade de transição geracional. "Quem será o próximo líder do PT em dez anos? Não será Lula, e ninguém pode garantir que será [o candidato derrotado à Presidência Fernando] Haddad. Aliás, não se pode nem mesmo garantir que haverá PT nos próximos dez anos. Mas há dez anos você podia garantir que o PT continuaria existindo", afirma.

O professor ainda cita outros casos: Leonel Brizola, Mário Covas e Ulysses Guimarães eram políticos com grande ascendência sobre os seus liderados. "Hoje, Ciro não tem a ascendência sobre o PDT que o Brizola tinha. Alckmin não tem a ascendência sobre o PSDB que Covas tinha. Aliás, este é um dos motivos da crise política", avalia.

Para Cássio Cunha Lima (PSDB-PE), derrotado na reeleição ao Senado, os partidos em geral terão de se repensar porque perderam muita importância com as redes sociais. "Cada um com seu smartphone encontra seu nicho de pensamento e forma sua corrente política. Bolsonaro é presidente do Brasil ao largo dos partidos políticos. O partido político surgiu no século XIX a partir de pessoas com interesses, como os trabalhistas, convergindo ideias e temas. Hoje, as pessoas convergem pelas redes, e os partidos começam a ficar tontos nesse processo. O Congresso é analógico, mas a sociedade é digital", afirma o ex-senador, que a partir de 2019 pretende voltar a advogar e prestar consultoria nos temas de gestão de crise.

O Congresso fragmentado do ponto de vista partidário requererá grande trabalho de articulação para constituir maiorias em apoio às propostas do governo, na visão de Maria Hermínia. "A gestão da economia e da questão fiscal, central para o êxito do governo, exigirá muita coordenação e negociação política, sobretudo porque esse governo tem uma agenda de reformas econômicas bastante ambiciosa, muitas delas requerem reforma constitucional, de difícil execução simultânea mesmo para um ministro mais familiarizado com o Congresso ou com os meandros da administração pública", diz a cientista política.

O ponto mais sensível será a reforma da Previdência, crucial para o sucesso do governo estreante, como ressalta Argelina Figueiredo, doutora em ciência política pela Universidade de Chicago. "Reformar a Previdência é o que nós, cientistas políticos, chamamos de 'política politicamente inviável', porque afeta camadas muito grandes da sociedade e impõe algumas perdas para obter benefícios futuros."

Argelina diz acreditar em uma boa vontade inicial dos partidos opositores em relação ao novo governo, lembrando que eles nunca foram obstáculo a nenhum governo. "A oposição feita ao Collor, por exemplo, não chegou a paralisar o governo nem mesmo em relação à drástica medida do confisco da poupança. Embora determinado por Medida Provisória, o Congresso poderia, a rigor, ter barrado, e mesmo quem não participava do núcleo eleito foi minorando os efeitos do confisco sem tomar uma atitude radical."

Cunha Lima também diz acreditar que nos primeiros meses não haverá problemas de governabilidade. "A tradição brasileira é de absoluta boa vontade com os governos legitimados pelas urnas. Bolsonaro chega ao Palácio do Planalto com 57 milhões de votos e, num primeiro momento, ninguém vai brigar com essa decisão do eleitor", afirma.

Após conversas internas e com o presidente no fim de 2018, o PSDB procurou afastar as ambiguidades, depois de uma campanha eleitoral que bateu duramente no candidato Bolsonaro. "Não podemos errar, o partido tem que ter clareza na posição de contribuição com o próximo governo, até por uma questão de brasilidade e também do interesse majoritário dos nossos eleitores", afirma Antônio Imbassahy [PSDB-BA]. Derrotado na reeleição à Câmara, o deputado diz ainda não ter definido posição em relação às suas próximas atividades na vida pública. "Após o encontro que tivemos com Bolsonaro [em novembro], medimos as redes sociais e houve uma aceitação extraordinária, fenomenal, excelente. A população está nessa direção, de ajudar o cara, ajudar o país", afirma. Procurado pela reportagem, Geraldo Alckmin, presidente nacional do partido, disse que não concederia entrevista neste momento.

Para Cunha Lima, o esforço será para preservar o PSDB coeso. "Existe uma nova realidade na composição de forças partidárias com a eleição do governador João Doria [em São Paulo]. No momento em que ele é o grande vencedor do partido, precisa de um papel de maior destaque. A política, como na vida: quem ganha leva. E quem ganhou foi João Doria", afirma. "Agora, caberá a ele, como vencedor, ter a grandeza de saber conduzir essa vitória para agregar e somar com os tucanos fundadores do partido, que já deram contribuição muito grande. [A coesão] vai depender muito dele, da forma como conduzirá esse processo."

O senador diferencia o PSDB do histórico inimigo PT: "Não faremos uma oposição irracional, cega, como a que deverá ser feita pelo PT. Igualmente não seremos base incondicional do governo como o PSL. Vamos formar blocos na Câmara e no Senado para construir cada vez mais nossa posição de centro, sobretudo no campo econômico, e discutir outros temas de caráter comportamental, de relação com a sociedade. O espírito será de colaboração", afirma. "Vai ficar, a meu ver, o PT isolado em uma posição mais extremada."

Roberto Freire: Oposição ao novo governo deve ser democrática

“As oposições não podem aceitar a bobagem do ‘Fora Bolsonaro’.

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse em sua conta no Twitter que a oposição ao novo governo não pode “aceitar a bobagem” do #Fora Bolsonaro, uma das expressões que estiveram entre os assuntos mais comentados nos últimos dias nas redes sociais.

Para ele, a oposição a Bolsonaro deve ser “democrática e não pensar ser resistência própria das guerras”.

  Temos que pensar uma ação comum mínima para enfrentar retrocessos que virão e já são vistos na organização das novas funções do governo. A oposição deve ser democrática e não pensar ser resistência própria das guerras”, escreveu no Twitter.

Paralisia no PSDB dá espaço a Doria

Governador de São Paulo se adianta à presidência do partido e anuncia apoio tucano à reeleição de Rodrigo Maia no comando da Câmara

Adriana Ferraz e Pedro Venceslau | O Estado de S.Paulo

A paralisia do PSDB desde outubro, quando registrou seu pior desempenho em uma eleição presidencial e viu sua bancada cair de 54 para 29 deputados, abriu caminho para o governador João Doria assumir o comando de fato da sigla e falar em nome dos tucanos sem ser contestado. Em vez do ex-governador Geraldo Alckmin, que é presidente nacional do PSDB, foi Doria quem anunciou ontem, em São Paulo, o apoio do partido à reeleição do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Doria e Maia se encontraram no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual, dois dias após o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, fechar com a candidatura do deputado do DEM. Oficialmente, a visita foi de cortesia.

Antes disso, Doria já tinha se antecipado à máquina partidária ao dizer que o PSDB vai apoiar o governo Bolsonaro. Vários quadros tucanos foram incorporados ao segundo escalão do governo federal à revelia da direção executiva da legenda.

Em discursos, Doria tem feito críticas abertas ao PSDB e defendido a “reestruturação” do partido. O governador até lançou o deputado Bruno Araújo (PE), um nome de sua confiança, à presidência do partido na convenção marcada para maio. Ao Estado, Araújo defendeu uma guinada conservadora no PSDB, tese que é rechaçada pelos fundadores do partido.

“Há uma paralisia do partido, que entrou em choque após o desastre eleitoral e ainda não saiu. Mas isso não dá ao Doria o direito de se colocar como um führer”, disse o ex-governador Alberto Goldman, que integra a executiva nacional do PSDB.

Aliado de Doria e futuro presidente do PSDB paulista, o deputado Marco Vinholi saiu em defesa do governador. “João Doria é a principal expressão do partido. Sobre Goldman, defendemos que o processo de expulsão dele do PSDB seja célere”, disse o tucano. O ex-governador paulista é alvo de um processo interno de expulsão do PSDB feito a pedido pelo grupo de Doria. Ele se filiou à legenda nos anos 1990. Doria é um dos fundadores da sigla.

Confusão: Editorial | O Estado de S. Paulo

Chacrinha, o velho guerreiro, pode ser um modelo para qualquer presidente da República, principalmente por sua competência, por sua imaginação e por seu empenho, nunca pelo mais notável de seus bordões: “Eu não vim para explicar, eu vim para confundir”. O presidente Jair Bolsonaro nunca deveria esquecer essa restrição. Se um governante é levado a sério, suas palavras têm peso e produzem consequências. Até seus gestos, expressões faciais e poses podem ser interpretados e convertidos em mensagens, voluntárias ou involuntárias. Pode alguém surpreender-se quando seus comentários sobre a reforma da Previdência, inesperados e mal explicados, geram confusão, dúvidas e inquietação no mercado financeiro, como ocorreu na manhã de sexta-feira? Modéstia pode ser uma virtude, mas qualquer figura de grande responsabilidade, especialmente num alto posto da República, tem de reconhecer o valor das próprias palavras.

A confusão começou quando o presidente, numa entrevista ao SBT, defendeu idade mínima de 62 anos para homens e de 57 para mulheres como uma das condições para aposentadoria. No projeto em exame no Congresso as idades são 65 e 62, com longos períodos de transição. O governo, imaginava-se até aquele momento, aproveitaria o texto já em tramitação, com poucas alterações, para ganhar tempo. Não se esperavam novidades importantes no fim de semana. A proposta oficial seria conhecida em alguns dias, quando fosse encaminhada à Presidência pela equipe econômica.

A entrevista ao canal de TV foi na quinta-feira à noite. Na manhã seguinte as palavras do presidente foram o grande assunto das primeiras páginas dos jornais mais importantes e de todos os noticiários de rádio e televisão. Horas antes da abertura do mercado já se especulava sobre como reagiriam os investidores. Como o presidente havia falado sem esclarecer os detalhes, abriu-se espaço para comentários sombrios. Alguns exemplos:

1) a fala presidencial mostra descompasso com a equipe econômica. Qual será a influência real de um ministro da Economia assim desprestigiado?

2) o presidente resolveu propor mudanças mais brandas que as previstas no projeto em exame no Congresso (Essa interpretação foi reforçada por uma explicação apresentada por aliados: a ambição foi reduzida como estratégia, porque o ótimo é inimigo do bom);

3) um dos efeitos dessa atitude será a redução do poder de barganha do Executivo. Os negociadores entrarão em campo já em desvantagem;

4) o presidente está pouco interessado na reforma da Previdência, aceita resultados pobres e quer livrar-se rapidamente do assunto.

Todos esses comentários foram lidos ou ouvidos na manhã de sexta-feira. A interpretação menos sombria, e aparentemente mais tranquila, surgiu num breve comentário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia: se essa proposta de idade mínima for para valer, só terá sentido se for sem período de transição.

Planos privatistas: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo anima mercado com sinais; resta a resistência da opinião pública e, talvez, de Bolsonaro

Em manifestações até aqui sem contraponto, os novos ministros ligados à infraestrutura indicaram que pretendem intensificar privatizações. A despeito do entusiasmo despertado entre investidores pelas declarações, ainda não é claro se o restante do governo Jair Bolsonaro (PSL) está igualmente engajado na empreitada.

De todo modo, constitui um sinal importante a decisão do titular das Minas e Energia, o almirante Bento Albuquerque, de manter no cargo o presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Junior —que tem conduzido um processo de capitalização da estatal.

Não se sabe se a intenção é seguir o modelo proposto durante o governo Michel Temer (MDB), pelo qual a participação do governo no capital cairia, possivelmente até o ponto de perda do controle acionário da geração de energia.

Quando candidato, Bolsonaro rejeitou tal ideia, e seu histórico de posições estatizantes e nacionalistas reforça a incerteza. Ainda assim, a notícia sobre a continuidade no comando da empresa foi bem recebida pelo mercado, com alta do preço das ações em 20%.

É equivocado fazer concessões antes da própria reforma: Editorial | O Globo

Bolsonaro enfraquece posição do governo ao anunciar flexibilizações prévias no projeto da Previdência

Promessas de campanha pouco valem, mas falar sentado no gabinete de presidente da República tem grande importância. É o que aconteceu com a entrevista concedida pelo presidente Jair Bolsonaro ao SBT, levada ao ar na tarde de quinta-feira, em que um dos assuntos tratados foi a estratégica reforma da Previdência.

Não foi um bom momento para o recém-chegado governo Bolsonaro. Pois, se na posse de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, um dia antes, a firmeza na explanação da necessidade de as finanças públicas entrarem nos eixos animou as expectativas dos mercados, onde as contas são feitas, as rápidas declarações de Bolsonaro foram em sentido contrário.

Desconte-se que a proposta formal da reforma ainda não chegou ao Planalto, mas, mesmo assim, e até por isso, convém que o presidente evite lançar ideias, mais ainda quando elas não atendem à necessidade de mudanças fortes no sistema previdenciário.

Se o Congresso as aceitará ou não, trata-se de um próximo capítulo. Bolsonaro não pode é ensaiar recuos antes da negociação propriamente dita com um Congresso cuja nova legislatura só será instalada em fevereiro.

João Cabral de Melo Neto: O fim do mundo

No fim de um mundo melancólico
os homens lêem jornais.
Homens indiferentes a comer laranjas
que ardem como o sol.

Me deram uma maçã para lembrar
a morte. Sei que cidades telegrafam
pedindo querosene. O véu que olhei voar
caiu no deserto.

O poema final ninguém escreverá
desse mundo particular de doze horas.
Em vez de juízo final a mim preocupa
o sonho final.