domingo, 27 de janeiro de 2019

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*

Passados 26 dias de sua posse, o governo Bolsonaro não mostrou ter uma alma. Falta-lhe quase tudo: programa, projeto de País, discurso, comunicação, temperança, conhecimento do terreno, prudência, capacidade de articulação, quadros técnicos e políticos competentes. Exceção feita às áreas da Economia, da Justiça e de Infraestrutura, o restante é um amontoado de figuras menores, com mentalidade provinciana, que falam pelos cotovelos, mas dizem pouco, como se tivessem, repentinamente, caído do céu para realizar uma tarefa que desconhecem e para a qual não foram treinadas. A improvisação dá o tom.

Os ataques ao “globalismo” feitos em nome de uma “Pátria soberana” que abaixa a cabeça para os poderosos do mundo são acompanhados de um esforço contumaz para desmontar os pilares institucionais, éticos e políticos da política externa brasileira. Desprezam as perspectivas que trabalham pela construção de um sistema internacional mais cooperativo e sustentável, livre de muros e barreiras ideológicas. O presidente disse em Davos que praticará uma política econômica de abertura e acima de ideologias, ao passo que seu ministro do Exterior se derrama em pregações ideológicas e fala em fechar o País aos “globalistas”. É uma dentre várias dissonâncias.

Entoar a cantilena autoritária da “caça aos marxistas” nas escolas só serve para ocultar a falta de um plano de ação que se dedique a recuperar o sistema escolar. A política educacional desponta com um vezo moralista e conservador que ignora as graves deficiências que minam a educação brasileira. Há, também, falas ministeriais despropositadas, sem pés nem cabeça, feitas como se estivessem referidas a outro tempo histórico e a um País datado.

*Professor titular de teoria política e coordenador do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais da Unesp. ‘Almas e demônios’, O Estado de S. Paulo, 26/1/2019.

Bolívar Lamounier *: O primeiro gol tem de vir antes do segundo

- O Estado de S.Paulo

Indiferente ao destino coletivo, nossa elite deleita-se com as tetas volumosas do Estado

O título deste artigo é um lugar-comum a que os locutores esportivos recorrem quando lhes ocorre apontar que um dos times contendores está se deixando levar pelo açodamento. Correria não adianta, tem de ser um gol de cada vez.

Tal advertência é igualmente importante, mas nem sempre observada, na política. Exceção à regra, o economista Alexandre Schwartsman tem insistido nela em suas palestras e seus artigos. O Brasil - diz ele - defronta-se com duas agendas, uma urgente e uma importante. Urgente é o conjunto de desafios que o governo Bolsonaro terá de vencer, de um jeito ou de outro, desde logo o ajuste fiscal (que inclui a reforma da Previdência). É o primeiro gol, sem o qual não haverá o segundo.

Se o primeiro ficar para o quatriênio seguinte, estaremos no mato sem cachorro, e assim sucessivamente, num mato cada vez pior, até que um dia nem teremos como pensar na agenda “importante”. Esta, diz Schwartsman, são os megaproblemas que nos esperam no médio prazo - 15 ou 20 anos, digamos; um mar de terrores que poderá até pôr em risco nossa existência como entidade nacional autônoma. Não precisamos esforçar-nos muito para trazer alguns exemplos à mente. Nosso descalabro educacional (o ministro Vélez Rodríguez está nos devendo um pronunciamento mais substancioso a esse respeito), meio ambiente e saneamento (que o ministro Ricardo Salles tem tratado com propriedade, mas por enquanto não lhe ocorreu que o saneamento é um problema gravíssimo até nos bairros ditos “nobres” da maior cidade da América do Sul). Desenvolvimento da média e pequena empresas - ou alguém acha que ficando na rabeira da China conseguiremos resolver nossos problemas de desemprego e criar uma classe média robusta? Nesse particular, alvíssaras, Joaquim Levy, presidente do BNDES, começou a solfejar a música que queríamos ouvir.

O problema é que temos pela frente dois formidáveis empecilhos, que afetam tanto a agenda urgente como a importante.

O primeiro é uma decorrência direta da radicalização política dos últimos anos e, em particular, do clima de “prende, mata e esfola” que emprestou seu sinistro colorido à campanha presidencial. As sequelas ainda estão aí, à vista de todos. Tenderão a se diluir, claro, a não ser que sejamos mesmo um país de lunáticos. E a consequência, enquanto não se diluem, é que a capacidade do atual governo de mobilizar a opinião, dramatizando a urgência da agenda urgente, permanece num patamar modesto.

Vera Magalhães: A hora do Congresso

- O Estado de S.Paulo

Parlamentares estarão à altura de votar importantes mudanças econômicas?

O Congresso que assume na próxima sexta-feira é profundamente diferente do anterior. Foram varridos caciques políticos que há décadas pontificavam nos plenários da Câmara e do Senado, oscilando como pêndulos na órbita do governo de turno, perpetuando oligarquias da velha política na base do fisiologismo raiz.

Agora, os últimos remanescentes dessa era geológica da política, como Renan Calheiros, dividirão a ribalta, e lutarão pela sobrevivência, com os espécimes da chamada “nova política”. Não se trata de um grupo homogêneo por nenhum prisma que se analise: social, político-ideológico ou cultural.

As urnas despacharam para Brasília mais representantes de igrejas, um número recorde de parlamentares de farda, uma quantidade considerável de youtubers e expoentes de outras mídias sociais, representantes de movimentos ativistas e paraquedistas eleitos de carona pura e simples na onda Jair Bolsonaro (caso do tio do dog que teve a sacada de fazer os sanduíches batizados com o nome do então candidato).

Que bicho isso vai dar, é impossível dizer antes que a legislatura comece. Justamente porque o caráter heterogêneo das duas Casas, a pulverização partidária que houve nas eleições, a renovação inclusive etária, o apelo midiático trazido na bagagem pelos novos eleitos e as tarefas muitas vezes contrárias a essas características que os esperam podem causar um caldo de cultura bastante complexo e imprevisível.

Merval Pereira: O vento do Poder

- O Globo

Escândalos envolvendo o filho indicam que talvez Bolsonaro não chegue ao dia 1º de fevereiro com essa bola toda

A impressionante deterioração do prestígio do presidente Jair Bolsonaro, a menos de um mês de ter sido empossado, está provocando um rebuliço no Congresso, onde lideranças que negociam a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado recuam e avançam, na tentativa de entender para que lado o vento do poder está soprando.

Já houve momento em que ser o candidato do governo valia ponto, e o senador Renan Calheiros se apressou a anunciar que “o novo Renan” queria negociar com o governo Bolsonaro. Também Rodrigo Maia, tentando a reeleição, foi visto ao lado do presidente, todo sorridente, depois de ter sua recandidatura não rejeitada pela cúpula do novo governo.

Em poucos dias, porém, o vento mudou de rumo. Os escândalos envolvendo o filho do presidente, o senador eleito Flávio Bolsonaro, estão indicando que talvez Bolsonaro não chegue ao dia 1º de fevereiro, dia da eleição, com essa bola toda.

É hora de demonstrar independência, de vender a idéia de que, nesta hora, o Congresso pode tomar as rédeas da política e tem, pela primeira vez, desde o governo Fernando Henrique a bordo do Plano Real, a chance de ser o protagonista da História, conduzindo o governo em vez de ser conduzido por ele.

A partir do Plano Real, o Congresso, na análise de lideranças partidárias que buscam equilibrar-se na corda bamba em que se transformou o momento político, o Executivo, que sempre teve muitos poderes, emparedou o Congresso devido à popularidade de seus eleitos.

Antes, Collor conseguiu passar até mesmo o bloqueio generalizado das contas bancárias e investimentos, Lula até conseguiu eleger Dilma. Nos dois casos, os presidentes que tinham, por razões diversas, chegado ao poder com prestígio que fazia o Congresso se dobrar à sua vontade, acabaram impedidos em processos político-administrativos por terem se isolado nas relações com o Congresso.

Bernardo Mello Franco: O vice que diverge

- O Globo

Num governo que insiste em manter a retórica agressiva da campanha, Mourão tem se destacado como uma voz moderada. É uma boa surpresa

Na sexta-feira, o vice-presidente Hamilton Mourão afirmou que quem ameaça um deputado “está cometendo um crime contra a democracia”. Não foi só uma manifestação de solidariedade a Jean Wyllys, que desistiu do novo mandato. Ele aproveitou o caso para demarcar mais uma divergência em relação a Jair Bolsonaro, que preferiu debochar do desafeto.

Num governo que insiste em manter a retórica agressiva da campanha, Mourão tem se destacado como uma voz moderada. Ele reforçou essa diferença nos últimos dias, ao estrear como presidente em exercício.

O vice não ocupou o gabinete do titular, mas ignorou a recomendação para permanecer calado. Falou à vontade, quase sempre na contramão do companheiro de chapa.

Na terça-feira, Bolsonaro faltou a uma entrevista coletiva em Davos e se gabou, no Twitter, de supostamente “deixar a imprensa aterrorizada”. Meia hora depois, Mourão usou o microblog para agradecer “pela dedicação, entusiasmo e espírito profissional” dos repórteres que acompanham suas atividades em Brasília.

No dia seguinte, o vice descartou a possibilidade de expulsão da embaixada da Palestina em Brasília. Em agosto, Bolsonaro havia ameaçado desalojar a representação diplomática, em mais um aceno ao governo ultraconservador de Israel. “Não tem nada disso. Os dois Estados são reconhecidos”, retrucou Mourão.

Elio Gaspari: O valor do silêncio do general calado

O Globo / Folha de S. Paulo

A eleição de Jair Bolsonaro propagou o vírus da anarquia militar. Aqui e ali ouve-se falar em “núcleo militar” influindo no governo e “desconforto” fora dele. Desde que o presidente disse ao ex-comandante do Exército que “o que nós já conversamos morrerá aqui”, disseminou-se a curiosidade em torno do que conversaram. O fato da vida é que, para impedir-se a eleição de um candidato do PT, com suas obras e suas pompas, levou-se ao Planalto um capitão de pouca disciplina que, em 1988, baldeou-se para a atividade parlamentar. Ele levou na vice um general de quatro estrelas (da reserva) que anos antes perdera o comando das tropas do Sul por ter feito um discurso político.

O general tal acha isso, o general qual acha aquilo. Falta registrar que todos os militares que ocupam cargos civis estão na reserva e comandam apenas poderosas mesas. Chefe militar acha, mas não fala. Ninguém ouviu uma só palavra do general Enzo Peri, que comandou o Exército de 2007 a 2015. O mesmo se pode dizer de Gleuber Vieira, comandante de 1999 a 2003. Ambos tipificam o general calado. Não falavam antes de assumir o comando, nem falaram depois. O general calado é um enigma em si mesmo. Move-se dentro das normas da corporação. Manda, mas não fala, mesmo em épocas em que falam generais que não mandam ou, pelo menos, não mandam tanto quanto se pensa. Olhando-se para trás, é fácil ver o peso do general calado.

Castelo Branco só falou em março de 1964, dias antes da deposição do presidente João Goulart. Emílio Médici foi o silêncio da orquestra e chegou à Presidência sem dizer uma palavra fora das reuniões de generais. Os irmãos Geisel, Orlando e Ernesto, nunca falaram.

O general Euler Bentes, que em 1978 foi candidato a presidente pelo MDB (o de Ulysses e Franco Montoro, não o que está aí) nunca falou enquanto esteve na ativa. Derrotado, retirou-se no seu “Sítio do Pica Pau Amarelo” e morreu em 2002. Seu curto necrológio foi publicado abaixo da notícia da morte de “Mocinha”, a inesquecível porta-bandeira da Mangueira.

No ocaso da ditadura e da anarquia militar, havia alguns generais falantes, mas ninguém se lembra, por exemplo, de Ademar Costa Machado e de Jorge de Sá Pinho. Estavam no Alto Comando que barrou as bruxarias da anarquia e garantiu a eleição de Tancredo Neves (pode ser verdadeira a história segundo a qual Tancredo pediu para conversar com Costa Machado, a quem queria colocar no governo. Ele pediu que se encaminhasse a solicitação ao Ministério do Exército). Para dançar um tango e para alimentar a anarquia, não basta um militar, mesmo que seja da reserva. É indispensável uma vivandeira paisana. Durante a campanha eleitoral do ano passado, um general organizou uma reunião para ouvir uma palestra de paisano sobre obras de infraestrutura. Na sessão de perguntas, um oficial quis saber qual dos dois candidatos a presidente teria mais qualificações para tocar o assunto. O comandante da guarnição pediu que a pergunta fosse ignorada e que o oficial saísse da sala.

Ouvir o silêncio do general calado é tarefa impossível, mas uma coisa é certa: ouvir as falas dos generais da reserva em funções civis ou mesmo fora delas, como se falassem pelos quartéis, estimula a anarquia, embaralha os problemas e confunde a audiência. dos movimentos do “Mestre” também conhecido como “Cardeal”.

Dorrit Harazim: O Jardim do Éden

- O Globo

Fórum que pretende reduzir desigualdade não se destina a resolver problemas, e sim a apresentar ideias e adensar networking entre poderosos

Aos 92 anos, o naturalista britânico Sir David Attenborough tem obra aclamada e capital moral para nos ensinar montes sobre a vida no planeta Terra. Pena que seu discurso no Fórum Econômico de Davos, esta semana, recebeu menos atenção do que o fato de o príncipe Albert de Mônaco tê-lo entrevistado no evento. Nada como um príncipe para turbinar o noticiário, independentemente da qualidade do sangue azul que corre nas veias da realeza.

Attenborough apresentou-se literalmente como um homem de outra era. “Nasci durante o Holoceno — o período de estabilidade climática que durou 12 mil anos e que permitiu aos humanos assentarem-se, cultivarem a terra e criarem civilizações”, explicou. Nesse período, o homem aprendeu a trocar ideias e mercadorias, tornando-nos “a espécie globalmente conectada que somos hoje”. Ao longo de sua vida, porém, tudo isso mudou. “O Holoceno acabou. O Jardim de Éden deixou de existir. Mudamos o mundo de tal forma que os cientistas já falam de uma nova era geológica...”

Difícil atestar se o alerta de Attenborough, segundo o qual ameaças ambientais são, em essência, o perigo número 1 para a economia global, teve algum impacto em Davos. Em contrapartida, levantamento feito pela ONG britânica CDP (sigla de Carbon Disclosure Project) junto a mais de sete mil empresas do mundo inteiro, mereceu a devida atenção. O trabalho revela os dois lados da moeda ambiental: o que impulsiona ainda mais os negócios, e o que ameaça paralisar gigantes corporativos. Ambos em decorrência dos mesmos desastres e tragédias climáticas.

A newsletter americana Axios pinçou algumas respostas-choque das empresas consultadas pela CDP sobre o impacto do clima nos seus negócios. A gigante farmacêutica Merck & Co, por exemplo, prevê um aumento no número de pessoas doentes mundo afora, o que alavanca a demanda por toda uma gama específica de medicamentos. As concorrentes Eli Lilly e Pfizer apostam na mesma linha.

Luiz Carlos Azedo: O paciente

- Correio Braziliense / Estado de Minas

Bolsonaro quer abreviar o período de repouso, após cirurgia de retirada de colostomia, o que não é recomendado pelos médicos; pretende montar um “gabinete presidencial” no próprio hospital

Inspirado no livro de investigação médica O paciente (Editora Cultura), do historiador Luís Mir, o filme de Sérgio Rezende sobre a morte de Tancredo Neves, o presidente da República que não chegou a tomar posse na redemocratização do país, é uma boa pedida para o fim de semana. Mostra o que não deve ser feito com um paciente quando ele é o mandatário da nação. Isto é, dar mais relevo às contingências políticas e ao seu papel na História do que ao tratamento médico adequado para a enfermidade que o acomete.

É óbvio que a referência ao filme decorre do fato de que o presidente Jair Bolsonaro será internado hoje, no Hospital Alberto Einstein, em São Paulo, para ser operado amanhã bem cedo. O objetivo é a retirada da bolsa de colostomia implantada devido à complexa cirurgia pela qual passou em setembro, depois de ser esfaqueado durante ato de campanha eleitoral em Juiz de Fora. O episódio dramático comoveu o país e teve um papel decisivo na eleição. A cirurgia está programada desde dezembro, quando deveria ter sido realizada. Durante dois dias, o vice-presidente, Hamilton Mourão, assumirá o comando do Palácio do Planalto. Sua interinidade durante a recente viagem de Bolsonaro a Davos, na Suíça, mostrou que está muito à vontade no cargo.

Bolsonaro goza de excelente situação clínica. Tem demonstrado até grande vigor físico, apesar das limitações impostas pelo colostomia, haja vista a sua carregada agenda presidencial. Segundo o porta-voz da Presidência, general Otávio Rego Barros, após a cirurgia, “os médicos indicam e iluminam a necessidade de restrito descanso de 48 horas”. Mourão já anunciou que deverá comandar uma reunião do conselho de governo na próxima terça-feira, no Palácio do Planalto. Bolsonaro viaja acompanhado da primeira-dama, Michelle, do ministro Augusto Heleno (GSI) e do próprio Rêgo Barros. Vai direto do aeroporto para o hospital.

Bolsonaro e seus assessores mais próximos tentaram abreviar o período de repouso absoluto, o que não é recomendado pelos médicos, e ainda pretendem montar um “gabinete presidencial” no próprio hospital. Ao contrário de Tancredo, que escondeu a doença enquanto pôde, Bolsonaro sempre tratou com transparência a sua real situação de saúde. Além disso, o contexto é completamente diferente: Tancredo se elegeu num colégio eleitoral, desafiando o regime militar; Bolsonaro foi vítima de uma tentativa de homicídio em plena campanha eleitoral, por muito pouco não morreu, e foi eleito pelo voto direto.

Marcus Pestana: A gente se acostuma, mas não devia, com as manobras ilegais

- O Tempo (MG)

A escolha entre pagar os servidores ou pagar as prefeituras

Certa vez, Marina Colasanti teceu uma bela crônica que dizia: “A gente se acostuma a acordar de manhã, sobressaltado porque está na hora, a tomar café correndo porque está atrasado... A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que de tanto se acostumar, se perde por si mesma. A gente se acostuma, eu sei, mas não devia”.

Ocorreu-me esta crônica diante do noticiário sobre as relações do governo de Minas Gerais com os municípios mineiros. Aquilo que é absurdo virou rotina, e perdemos a dimensão da gravidade do que está ocorrendo.

O Brasil é o quinto maior país do mundo em território, com seus mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Os 208 milhões de brasileiros se espalham por 5.570 municípios, 853 em Minas Gerais. A nossa diversidade é fantástica. Nossa Federação é original, os municípios têm autonomia política e administrativa. Diante disso, como pensar em democracia forte e políticas públicas efetivas sem o fortalecimento dos municípios?

Amanheci no dia 19 de janeiro com a manchete do “Valor Econômico”: “Déficit conjunto de seis Estados atinge 74 bi”. E o pior era o gráfico logo abaixo, mostrando que a mais grave situação é a de Minas Gerais. Ocupamos hoje o triste primeiro lugar no ranking nacional da irresponsabilidade fiscal, com um déficit financeiro projetado, para 2019, de nada mais, nada menos, do que R$ 30 bilhões.

Luiz Sérgio Henriques: Andrea Camilleri: uma voz contra a ultradireita italiana

- Esquerda Democrática

A nova direita europeia, que tantos admiradores tem entre nós, continua a seguir seu programa anti-imigração: a "pureza étnica" é um dos seus princípios orientadores, ao lado do conservadorismo nos costumes e do ataque à sociedade aberta e multicultural que a globalização – um dos lados positivos dela – traz consigo.

Em Castelnuovo di Porto, no Lácio, centenas de imigrantes já integrados à sociedade italiana acabam de ser violentamente removidos. O escritor Andrea Camilleri ergue sua voz em defesa daqueles "estrangeiros" – ainda por cima tão necessários num país que envelhece rapidamente, como é a Itália, nisso semelhante a muitos outros países europeus.

São tempos de egoísmos nacionais ou, seria melhor dizer, nacionalisteiros. Tempos em que a imaginação política fica bloqueada, o pensamento dominante se restringe a um "Me first", o humanismo e a solidariedade são apontados como ideias fora de lugar e de propósito. Tempos de "vulgaridade nazista", como o grande escritor faz questão de sublinhar, e aqui não é o momento de questionar o uso, adequado ou não, do termo "nazismo".

O importante é que Camilleri reúne forças para bradar: "Non in nome mio". "Non nel nostro nome", acrescentaríamos. Em lugar nenhum, nunca.

Ricardo Noblat: Bolsonaro magoou

- Blog do Noblat | Veja

A síndrome do espaço seguro

O presidente Jair Bolsonaro continua por aqui com a imprensa – à parte, naturalmente, aquela que lhe garante um espaço seguro para dizer o que quer sem ser contestado.

No dia em que poderia ter ocupado o centro do palco com sua viagem a Brumadinho e o anúncio das providências tomadas pelo governo para evitar a repetição de tragédias como aquela, ele emudeceu.

Não quis conversa com jornalistas. Evitou cruzar com eles. Embarcou e desembarcou em Brasília de cara fechada. Magoou, enfim. Não engoliu as críticas ao seu desempenho medíocre em Davos.

Mas não só por isso. Está indignado com o tratamento dado pela imprensa ao caso de Flávio. Temeu que lhe perguntassem a respeito. Naquelas circunstâncias, ninguém o faria. Preferiu não arriscar.

Hélio Schwartsman: Ideias arbitrárias

- Folha de S. Paulo

Opinião de Damares sobre rosa e azul acaba levantando uma questão interessante

Na nova era em que entrou o Brasil, menino veste azul e menina veste rosa, sentenciou a ministra Damares Alves. A opinião esclarecida rapidamente se encarregou de apontar a inconsistência da asserção ministerial. Numa sociedade aberta, cada qual usa a cor que preferir, e o agente estatal que faz algo para mudar isso viola o beabá da democracia liberal.

Embora não tenha sido sua intenção, Damares acabou levantando uma questão interessante. Os signos, símbolos e metáforas que escolhemos para representar coisas e ideias são inteiramente arbitrários ou podem estar calcados em predisposições cerebrais?

Obviamente, há muito de aleatório no fato de designarmos como “cadeira” e não como “xepetec” o objeto que utilizamos para sentar. Existem, contudo, situações em que a relação entre significado e significante parece menos caprichosa.

O leitor dificilmente fala huambisa, a língua de uma tribo da Amazônia peruana. Ainda assim, se ouvir os nomes que ela dá para pássaros e peixes, distinguirá um do outro num número alto de vezes (perto de 60%). É que os nomes de pássaros “se parecem” com pássaros, e os de peixes, com peixes. Um exemplo: chunchuikit e máuts.

Esse tipo de achado não se limita a palavras onomatopeicas ou metáforas que se repetem em diferentes idiomas. Estudos mostram que existe até correlação entre cor e estado emocional. Primatas machos ficam mais agressivos diante do vermelho, cor que, nos órgãos sexuais femininos, indica fertilidade. Um trabalho sugere que times que usam uniforme vermelho ampliam em 2% a 3% sua chance de vitória.

E quanto ao azul para meninos e rosa para meninas? Há pesquisas que indicam que fêmeas de mamíferos têm leve predileção por cores mais quentes como vermelho e rosa. Mas é bobagem vincular isso a bebês, o que parece mais um modismo cultural. No Ocidente, ele inexistia até o fim do século 19.

Bruno Boghossian: Indústria do perdão

- Folha de S. Paulo

Fiscalizações e multas não existem por capricho ou por desejo autoritário dos governantes

Empresários gostam de se queixar de abusos em fiscalizações e punições aplicadas por órgãos oficiais. Para eles, existe uma “indústria da multa” no Brasil que prejudica os negócios. Catástrofes como o rompimento da barragem de Brumadinho sugerem que o país tem, na verdade, uma indústria do perdão.

A repetição de tragédias é um indício de que alguns setores se acostumaram com a boa vontade dos governantes. Companhias continuam rodando com operações inseguras, enquanto o Estado se contenta em fazer inspeções para inglês ver.

A supervisão de determinadas atividades privadas existe não por mero capricho ou por um desejo autoritário dos governantes. Na essência, esse controle é necessário porque contribui para reduzir riscos e prevenir danos graves ou irreparáveis.

As vidas dos funcionários da Vale se perderam para sempre em Brumadinho. Danos ambientais como os observados em Mariana em 2015 não serão recuperados nesta geração.

Janio de Freitas: As tragédias permitidas

- Folha de S. Paulo

Faltaram providências para que administradoras de barragens fizessem inspeções

A par das causas físicas e empresariais, a Procuradoria-Geral da República, os Ministérios Públicos federal e de Minas e o Judiciário destacam-se entre os responsáveis pela segunda tragédia causada por ruptura de barragem. Sentenças rigorosas, e em tempo admissível, para os culpados pela tragédia em Mariana levariam os administradores de barragens a fiscalizações sérias e permanentes. E à prevenção devida aos habitantes, seus bens e áreas produtivas atingíveis por possível ruptura --caso óbvio de Brumadinho.

Faltaram ainda àqueles poderes providências, por exemplo, para que todas as empresas administradoras de barragens fizessem, em seguida ao desastre de Mariana, inspeções e laudos formais em prazo determinado.

Talvez evitassem em Brumadinho o desaparecimento de tantas pessoas, colhidas na ingenuidade perversa do perigo. E por certo o fariam em outras barragens também deixadas ao seu potencial ameaçador.

Já sabemos como aqueles poderes procederão outra vez.

ESTÁ NO AR
Excluído do Exército, sob ponderações no Superior Tribunal Militar que puseram em dúvida até seu equilíbrio mental, Bolsonaro ficou à distância de sua classe por muito tempo. Embora refletindo-a nas opiniões e, proveito também eleitoral, nas reivindicações.

A perspectiva da candidatura à Presidência mudou sua relação com o passado. Por utilitarismo, sem dúvida, Bolsonaro empenhou-se em ser dado como capitão, representante legítimo de todas as idiossincrasias e da radicalidade conservadora, anticultural e patrioteira da caserna. O candidato identificado com as Forças Armadas.

Os comandos do Exército aceitaram o risco dessa identificação, apesar da preocupação até revelada. Os da reserva, categoria em que as pretensões de superioridade e os sectarismos podem se mostrar mais, regozijaram-se com a atitude de Bolsonaro.

O então comandante do Exército, general Villas Bôas, que se reconhecera como um dos preocupados, formalizou a aceitação do risco, aparentando dá-lo por extinto.

Vinicius Torres Freire: Brasil na lama e em ruínas

- Folha de S. Paulo

Além do vômito letal da represa de lixo da Vale, obras públicas caem aos pedaços

Faz mais de cinco anos, a gente tem a impressão de que o Brasil está em ruína progressiva. O sabor político do sentimento depende do gosto ideológico do freguês. Quanto ao sentido literal da expressão “ruína”, há sinais e sintomas evidentes de que o país está caindo aos pedaços.

Por exemplo, qualquer pessoa sensata vai se perguntar como é possível que se repita em três anos um horror como esse das barragens de Minas Gerais, essa desgraça revoltante na represa de lixo da Vale. Mas a coisa já ia longe.

A gente está com a pulga atrás da orelha de uma cabeça com cabelos em pé, aqui em São Paulo. Há notícias em série sobre o mau estado das pontes e dos viadutos da capital do estado mais rico e mais cheio de universidades de ponta do país.

No final do ano passado, um viaduto da marginal do Pinheiros cedeu e foi interditado. Na semana que passou, foi a vez de um viaduto que liga a marginal do Tietê à Via Dutra.

Oito pontes e viadutos vão passar por vistoria de emergência, entre eles duas pontes sobre a marginal do Tietê.

As marginais são uma das duas grandes vias de circulação expressa e de saída da cidade. Se param, a cidade não consegue chegar nem na breca.

Problema local? Hum.

Míriam Leitão: Foco errado no setor elétrico

- O Globo

Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)

Em uma cruzada pela finalização da usina nuclear de Angra 3, o Ministério de Minas e Energia (MME) divulgou nota na última terça-feira para contrariar a lógica: disse que não haverá impacto para o consumidor com o aumento do preço de referência do projeto, que dobrou de R$ 240 para R$ 480 o MWh. Segundo o MME, o texto desta coluna no domingo passado, sob o título “Segurança nacional”, estava equivocado e fazia uma análise “superficial” do tema pois ignorava a complexidade do sistema elétrico. O problema é que no setor há quem diga exatamente o contrário. Diversas associações já se manifestaram contra a retomada do projeto, com cálculos entre 2% e 3% de aumento na tarifa. O efeito real, na verdade, é incerto, porque a usina precisará de mais R$ 15 bilhões de investimentos — além dos R$ 15 bi que já foram gastos — e só ficará pronta em 2026, no melhor cenário. A obra começou nos anos 80, foi interrompida diversas vezes e tem um histórico de atrasos. 

Nada garante que desta vez será diferente. A maior justificativa para a conclusão do projeto não parece ser a segurança energética, porque nesse período outras fontes de energia “firme”, como gás natural, poderiam entrar no sistema a custos mais baixos, entre R$ 160 e R$ 220. Além de Angra 3, o MME já fala na construção de mais oito usinas nucleares. Com as reservas de gás do pré-sal praticamente inexploradas e o monopólio da Petrobras no setor ainda a ser quebrado, o que parece equivocado é o foco na fonte nuclear.

José Roberto Mendonça de Barros *: No mercado de petróleo não tem doutor

- O Estado de S.Paulo

Por mais experiência que se tenha, sempre ocorrem choques inesperados

Em 1964, eu fazia o curso de Economia da FEA-USP, quando tive de começar a cuidar de uma fazenda de café na região de Maringá (PR). A tecnologia mais simples da época permitia tocar a propriedade com viagens a cada 45 dias, sem que tivesse no local nenhuma estrutura administrativa mais pesada. Hoje, isso seria muito difícil.

Essa experiência, que durou 20 anos, foi complementada por outra: durante 1965 trabalhei, com Guilherme Silva Dias, como assistente de pesquisa, num projeto, que virou clássico, onde o professor Antonio Delfim Netto mostrou que a política de valorização dos preços do café dos anos 50 havia resultado numa elevação da concorrência, de sorte que “blends” de cafés robusta africano e arábica suaves da Colômbia (na base 75/25) reproduziam vantajosamente o produto brasileiro, o que acarretou uma perda progressiva de mercado. Finalmente, uma ligação de alguns anos com o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) complementou meus horizontes do que hoje é conhecido como agronegócio.

Mas, em 1965, ainda era um aprendiz e, com a colheita em andamento, tive minha primeira experiência de vender café. Nervoso, verde aos 21 anos, com medo de fazer bobagem, dependia do suporte da Cooperativa dos Cafeicultores de Mandaguari (Cocari), cujo presidente era o saudoso Orípes Rodrigues Gomes. Na décima vez em que lhe perguntei se era bom vender naquele momento, tive a primeira grande lição de economia na prática. Orípes me disse algo do tipo: “Menino, eu acho que é hora de vender, mas lembre-se que no mercado de café não tem doutor”.

Estelionato à vista: Editorial | Folha de S. Paulo

Mudança na Lei de Acesso à Informação contribui para diminuir transparência

No que pode ser descrito como um estelionato eleitoral, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) baixou um decreto para alterar algumas regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação. Na prática, as mudanças têm o poder de diminuir a transparência da administração pública federal.

Bolsonaro, como se sabe, baseou boa parte da campanha presidencial num discurso inflamado contra a corrupção. Derrotar práticas políticas tradicionais e abrir a caixa-preta das gestões petistas estavam entre os objetivos alardeados.

Depois de receber a faixa, o mandatário reforçou a mensagem. No dia 7, em cerimônia com os novos comandantes do Banco do Brasil, da Caixa Econômica e do BNDES, afirmou: “Transparência acima de tudo. Todos os nossos atos terão que ser abertos para o público”.

Entretanto o decreto publicado na quinta-feira (24) rasga essas bandeiras. Assinado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão, permite que ocupantes de cargos comissionados classifiquem dados do governo federal como ultrassecretos e secretos, o que os torna sigilosos por 25 e 15 anos, respectivamente.

Pelo texto anterior, a classificação mais restritiva só poderia ser feita por 251 autoridades: presidente e vice, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.

Com a nova norma, assessores comissionados que estão entre os de nível mais elevado no Executivo detêm o mesmo poder. Assim, agora são 449 pessoas com capacidade de tornar sigiloso por 25 anos qualquer documento federal.

Muito a explicar: Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro, numa demonstração de bom senso, disse em entrevista à agência Bloomberg que, “se ficar provado” que seu filho Flávio “errou”, ele “terá que pagar por essas ações, que não podemos aceitar”. Afinal, proteger o filho, encalacrado em um escândalo cada vez mais esquisito, acarretaria ainda mais desgaste político a seu governo, justamente no momento em que precisa demonstrar firmeza para enfrentar a dura negociação com o Congresso com vistas a aprovar as medidas que considera essenciais para o País. É pena, no entanto, que o bom senso tenha durado apenas algumas horas. Em entrevista à TV Record, Bolsonaro afirmou que “não é justo atingir um garoto, fazer o que estão fazendo com ele, para tentar me atingir”. Desse modo, o presidente imprudentemente se ligou às desventuras do filho, o que tem o potencial de comprometer o próprio governo.

O maior interessado nessa vinculação, claro, é Flávio Bolsonaro. Incapaz de dar explicações plausíveis para as muitas suspeitas que pairam sobre ele, o senador eleito sugere que o escândalo está sendo alimentado por gente cujo objetivo é desestabilizar a Presidência do pai.

É evidente que, em se tratando de um filho do presidente, e considerando-se que esse filho é muito próximo de Bolsonaro e se mete em tudo que se refere ao governo do qual não faz parte - filho não é cargo nem tem autoridade como tal -, tudo o que envolve o escândalo tem potencial de causar danos ao governo. Esse certamente é o maior motivo pelo qual é de grande interesse do País que Flávio Bolsonaro dê os necessários esclarecimentos a respeito de tão rumorosas suspeitas.

Bolsonaro em busca de um discurso responsável sobre o meio ambiente: Editorial | O Globo

À medida que desce do palanque, presidente procura ponto de equilíbrio acerca do assunto

Na noite de terça-feira passada, em Davos, quando fez seu pronunciamento no Fórum Mundial, o presidente Jair Bolsonaro, à saída do jantar oferecido pelo presidente do encontro, Klaus Schwab, foi perguntado pelo jornal “Valor Econômico” se o Brasil ficará no Acordo de Paris. “Por ora”, foi a resposta.

No seu discurso, mais cedo, o presidente defendera a compatibilização entre atividades produtivas e a preservação do meio ambiente, algo desejável e possível.

Neste contexto, a resposta meio evasiva do presidente significou um avanço em relação à campanha, quando dissera que retiraria o país do pacto multilateral.

Outra mudança de postura para melhor ocorreu em relação ao destino do Ministério do Meio Ambiente, que se tornaria um apêndice da Agricultura, mas foi mantido independente.

O fato é que o Brasil só tem a ganhar na preservação ambiental. Pois assim evitará sanções no comércio exterior a suas commodities agropecuárias, em que tem poucos concorrentes. Conquistou posições de liderança na soja e em carnes, e precisa proteger essas exportações de barreiras criadas como retaliação ao desmatamento.

Vinicius de Moraes: Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.