terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Opinião do dia: Cristovam Buarque*:

A diferença entre a “razão” e o “certo” também aparece nos demais problemas. Queremos resolver os problemas do desemprego, da concentração de renda, da baixa produtividade, da persistência da pobreza, mas, no lugar de iniciarmos o processo de redondear o Brasil por meio da necessária revolução — para termos uma educação de base com qualidade e igual para todos —, preferimos soluções simplistas. O problema é que, para redondear os problemas, seria preciso eleger políticos que acreditem que o Brasil é complexo, é redondo, e digam isso aos eleitores, desde a campanha. Mas para o eleitor é mais obvio e crédulo ver o Brasil plano e votar com a razão do horizonte curto, mesmo que as propostas escolhidas não resolvam, mas iludam, como a visão da Terra plana iludiu por milênios.”

*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF). ‘O Brasil é redondo’, O Globo, 28/1/2019

Gil Castello Branco: Mariana, Brumadinho e...

- O Globo

No triste fim de semana passado, lembrei-me de um texto de George Santayana, filósofo e poeta espanhol. Uma das frases é instigante: “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua.”

De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?

Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.

Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.

Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?

José Casado: Lama política e corporativa

- O Globo

Afundam, se arrastam e escavam na lama à procura dos soterrados pela escória química da Vale. São servidores públicos, bombeiros na maioria. Trabalham para o Estado de Minassem saber quando e como serão pagos. O último governador, Fernando Pimentel, expoente do Partido dos Trabalhadores, foi embora sem pagar afolha de 2018. E o sucessor, Romeu Zema, do Partido Novo, não tem ideia de quando vai conseguir saldara dívida.

Minas entrou em colapso pouco antes de uma subsidiária da Vale e BHP Billiton despejar um rio de lama tóxica sobre 230 cidades mineiras e capixabas, deixando um legado de miséria e desemprego na região onde a mineração avança desde a Colônia. Naquele 2015, a Petrobras também entrou em convulsão. Por corrupção, em parceria com grupos privados como Odebrecht, SBM (Holanda) e Keppel Fels (Cingapura).

Os executivos Murilo Ferreira (Vale) e Andrew Mackenzie (BHP) acertaram com os governos Dilma Rousseff, Fernando Pimentel (MG) e Paulo Hartung (ES) a contenção dos danos corporativos (US $2 bilhões) a 3% das suas vendas (US$ 60 bilhões).

Bernardo Mello Franco: A força do lobby da lama

- O Globo

Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, depois de Mariana

Depois da tragédia, vêm as promessas. Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, quando o rompimento de outra barragem matou 19 pessoas em Mariana.

O Congresso criou duas comissões especiais para discutir a catástrofe da Samarco. O trabalho resultou em seis projetos para reforçar a fiscalização sobre as mineradoras. Até hoje, nenhum deles foi aprovado.

O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) tentou endurecer a Política Nacional de Segurança de Barragens. Sua proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, mas foi arquivada. “Forças subterrâneas impediram a votação”, diz o tucano.

O deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) propôs regras mais rígidas para as empresas que armazenam rejeitos tóxicos. O texto também foi bloqueado antes de chegar ao plenário. “O lobby das grandes mineradoras é pesado”, ele reclama.

Eliane Cantanhêde: Tragédia sem ideologia

- O Estado de S.Paulo

Em Brumadinho, setores público e privado destruíram famílias e atingiram o futuro

Em entrevista à Rádio Eldorado, o ministro Ricardo Salles disse que o meio ambiente “não é questão de direita e esquerda” e “não pode ser capturado por barreiras ideológicas”. Quem haveria de discordar? O ministro tem toda razão, mas nem por isso deixou de jogar pesadas críticas sobre a esquerda.

Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora, ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília e Fernando Pimentel em Minas.

Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita, mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. E lembrou que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já imaginaram uma terceira Mariana?

Luiz Carlos Azedo: Viver é muito perigoso

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, o país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítima de Brumadinho, na esperança de eventuais sobreviventes”

Foi bem-sucedida cirurgia à qual foi submetido ontem o presidente Jair Bolsonaro, para retirar a bolsa de colostomia e religar o trânsito intestinal. Segundo a Presidência, “o presidente possuía em razão das outras duas cirurgias uma quantidade muito grande de aderências. E essas aderências exigiram do corpo médico uma verdadeira obra de arte em relação à cirurgia”. A operação durou oito horas, mais do que o dobro do previsto. Foi mais complexa do que se imaginava.

Enquanto Bolsonaro se recupera da cirurgia, a vida segue seu perigoso curso, como diria o jagunço Riobaldo, personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O país acompanha comovido o trabalho de resgate dos corpos das vítimas, na esperança de eventuais sobreviventes, do rompimento da represa de rejeitos de minérios de Brumadinho, na Grande Belo Horizonte. Essa é a nossa maior tragédia humana do gênero, que já contabiliza mais de 60 mortos e quase três centenas de pessoas desaparecidas. Foi muito mais grave do que a de Mariana, ocorrida há três anos e dois meses, cujo impacto ambiental no Rio Doce foi maior do que o atual, que transformou num rio de lama de minério o Córrego do Feijão, afluente do Rio Paraopeba, que deságua no São Francisco.

Equipes de resgate do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil do governo de Minas foram reforçadas por tropa especializada de militares israelenses, enquanto efetivos e equipamentos do Exército, disponíveis em Juiz de Fora e Belo Horizonte, não foram mobilizados ainda, aparentemente por entraves burocráticos. É muita tolice criticar a presença dos israelenses, que têm equipes treinadas para resgates em escombros. Embora nunca tenham passado por uma situação igual no seu país, os especialistas israelenses também se destacaram no México, socorrendo vítimas de terremotos.

Há muito mais do que marketing político na operação. Israel quer estreitar relações com o Brasil e vender sua alta tecnologia. Há empresas brasileiras que também desejam fazer isso, mas foram desconsideradas pela Vale, que optou por economizar naquilo que não deveria, principalmente depois da tragédia de Mariana. Como se sabe, metade da Samarco, empresa responsável pela tragédia de Mariana, é da Vale que, por sua vez, também não assume a responsabilidade pelo que aconteceu em Brumadinho. Não devemos demonizar a mineração, mas isso não significa passar a mão na cabeça da diretoria da Vale, cujo presidente, se fosse japonês, já teria feito harariqui.

Fernando Exman: Presidente Bolsonaro, agora é para valer

- Valor Econômico

Fim do recesso diminui margem de erro do governo

O governo toma forma e já é possível compreender como agem o presidente da República e seus ministros. No entanto, só será possível ter alguma ideia de como se comportarão expostos às ações da oposição e à interação com os demais Poderes a partir de sexta-feira, quando o Legislativo e o Judiciário retornarem do recesso.

O presidente permanecerá internado em São Paulo por mais alguns dias, após a cirurgia de retirada da bolsa de colostomia. Mesmo assim, agora os agentes econômicos ávidos por reformas e os eleitores que votaram por novas práticas políticas terão mais condições de aferir como se darão as relações entre o governo e os congressistas.

Também está ainda no campo das expectativas como se dará a convivência entre o Planalto e o Judiciário. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, diz desde o ano passado que pretende conduzir o STF para longe das atribuições dos demais Poderes. Mas agora o destino político de Flávio Bolsonaro também passou a depender da Corte.

Desde que tomou posse, há cerca de um mês, o presidente Jair Bolsonaro encontrou considerável liberdade de ação. Na visão de autoridades do governo, até mesmo os seguidos recuos observados nas últimas semanas deveriam ser vistos sob o aspecto positivo. Tais idas e vindas demonstrariam a flexibilidade de Bolsonaro e derrubariam o estigma de radical que marcou sua imagem nos últimos anos, argumentam.

Longe da capital federal, a oposição oscilou entre a omissão e a falta de capacidade de articulação para a formação de um bloco capaz de construir obstáculos significativos ao governo. Desde o início do mês, restringiu sua atuação aos caracteres publicados nas redes sociais, como se as palavras de ordem remanescentes da campanha eleitoral da qual saiu derrotada fossem suficientes para fiscalizar a atuação do governo.

O fato é que praticamente todas as crises que a administração Bolsonaro enfrentou até agora foram provocadas por seus próprios equívocos ou erros de aliados, incluindo nesta seara as denúncias sobre os negócios ou o comportamento dos filhos do próprio presidente.

Hélio Schwartsman: Sirenes que não soam

- Folha de S. Paulo

Andar de bicicleta sem capacete só mudou após aprendermos mais sobre traumas

Nossa espécie é péssima em avaliar riscos. Um ser humano típico tem medo de cobras e tubarões, mas não hesita muito em fumar ou acelerar seu carro. Nos EUA, onde as estatísticas são mais confiáveis, cobras e tubarões matam, respectivamente, cinco e 0,5 pessoas por ano, enquanto o cigarro e os acidentes de trânsito geram 480 mil e 35 mil óbitos anuais.

Nossa sirene interna dispara diante de ameaças que perderam relevância no ambiente urbano, mas é cega para perigos produzidos pela modernidade, como morar a jusante de barragens ou construir cidades em zonas de terremoto.

Imagino que a fiscalização precária e sede de lucros contribuíram para a tragédia em Brumadinho, mas o ingrediente que mais me chama a atenção é que os dirigentes da Vale acreditavam que a barragem era segura, tanto que instalaram o refeitório da empresa bem abaixo dela. De algum modo, a noção de que todo projeto de engenharia carrega risco e a informação de que operavam com uma tecnologia ultrapassada, cuja avaliação de segurança está repleta de pontos cegos, não foram assimiladas pela cúpula da empresa —o que é assustador para uma companhia que lida essencialmente com problemas de engenharia.

Ranier Bragon: A farra dos falastrões

- Folha de S. Paulo

Por esse discurso, o vilão não é o malfeitor, mas aquele que flagra o delito

Jair Bolsonaro, do PSL, e Romeu Zema, do Novo, tomaram posse há 28 dias e não têm culpa pelo que aconteceu em Brumadinho.

Mas o presidente e o governador de Minas são expoentes de uma corrente —apoiada por parte da sociedade— segundo a qual o errado não é o madeireiro que desmata ilegalmente, o empresário que burla normas sanitárias ou mantém trabalhadores em condições sub-humanas, mas sim o fiscalzinho de colete e seu maldito bloquinho de multas.

Sob o lema de que “é preciso tirar o Estado do cangote de quem produz”, promove-se atualmente uma das mais vigorosas campanhas de contestação ao trabalho fiscalizador do Estado, em diversas áreas: ambiental, alimentícia, trabalhista.

Longe de combater velhacarias que plantam dificuldade para vender facilidade, muitos querem mesmo é tirar o Estado do próprio cangote.

Bolsonaro e ministros não se cansam de vociferar contra a “indústria das multas”, o excesso de fiscalização, de regulamentação. Coincidentemente, o presidente foi flagrado em 2012 pescando em uma estação ecológica protegida por lei, em Angra dos Reis (RJ). Segundo a autuação, ele se recusou a mostrar documentos e ligou para o então ministro da Pesca do PT, Luiz Sérgio, para tentar dar a famosa “carteirada”.

Ricardo Noblat: Onde estão Flávio e Queiroz?

- Blog do Noblat / Veja

O mais discreto dos filhos do capitão

Onde possa haver jornalistas, ou mesmo apenas a sombra de um, o deputado Flávio Bolsonaro não deve pôr os pés. Para evitar perguntas incômodas sobre os rolos de Queiroz e os seus. Flávio foi orientado assim por sábios conselheiros.

Por isso, ele nem mesmo compareceu ao hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde seu pai foi operado ontem. A família em peso estava lá – Michele, a mulher, e os filhos Carlos, Eduardo e Renan, esse o número 4, por ora silencioso à falta de um mandato.

Há semanas que Flávio passou a engrossar a turma dos foragidos encabeçada pelo ex-motorista Fabrício Queiroz e integrada pela mulher e as duas filhas dele, ex-funcionárias do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio, e do pai capitão em Brasília.

É um Flavio discreto, discretíssimo, que hoje se limita a postar em sua página no Twitter mensagens em sua própria defesa. Diga-se a seu favor que Flávio sempre foi o mais contido e moderado dos filhos do capitão – Renan à parte.

Joel Pinheiro da Fonseca: Lei e/ou crime

- Folha de S. Paulo

Flávio e Jair Bolsonaro foram, no passado, defensores de milícias e esquadrões da morte

Conforme brilhantemente mostrado por Celso Rocha de Barros em sua coluna desta segunda (28), Fabrício Queiroz —ex-assessor de Flávio Bolsonaro— parece afundado até o pescoço em sua relação com a milícia de Rio das Pedras. Com as informações disponíveis hoje, contudo, não dá para estabelecer um vínculo concreto entre a família Bolsonaro e alguma milícia carioca.

No plano ideológico, no entanto, a ligação é direta: não só Flávio, como também Jair Bolsonaro foram, no passado, defensores de milícias e esquadrões da morte.

Em 2003, em discurso na tribuna da Câmara sobre a atuação de um grupo de extermínio na Bahia, o então deputado Jair Bolsonaro opinou: “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio, no meu entender, será muito bem-vindo. Se não houver espaço para ele na Bahia, pode ir para o Rio de Janeiro. Se depender de mim, terão todo o meu apoio.”

Em 2008, novamente na Câmara, defendeu a instituição da milícia. “Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes. Existe miliciano que não tem nada a ver com gatonet, com venda de gás. Como ele ganha R$ 850 por mês, que é quanto ganha um soldado da PM ou do bombeiro, e tem a sua própria arma, ele organiza a segurança na sua comunidade.”

Pablo Ortellado*: Jogando com a ambiguidade

- Folha de S. Paulo

Presidente deu declarações ambíguas no Twitter que foram interpretadas por seguidores como ataques a Jean Wyllys

Na semana em que Jean Wyllys abriu mão do mandato para escapar de ameaças de morte, Jair Bolsonaro decidiu brincar com o contexto das palavras. Numa sequência de declarações ambíguas no Twitter, o presidente alimentou a intolerância dos seus seguidores, enquanto se albergava na literalidade descontextualizada do que havia dito.

Quando Wyllys anunciou na tarde do dia 24 que desistia do mandato de deputado e que pretendia sair do Brasil, uma onda de comoção tomou as mídias sociais. Cidadãos de todas as orientações reconheceram que a democracia saía abalada quando um parlamentar eleito abria mão do mandato porque não suportava mais viver uma rotina de agressões e ameaças.

Assim que a solidariedade com Wyllys se espalhou, uma campanha impulsionada pela direita começou a ridicularizar os temores do deputado e a celebrar que sairia do país. Ativistas promoveram a hashtag #VaiPraCubaJean com deboches e insinuações contra o político que fugia do clima de intolerância. Bolsonaro tweetou: “Grande dia!”; seu filho Carlos tweetou em seguida, com indisfarçada ironia: “Vá com Deus e seja feliz!”.

Depois da repercussão negativa, Bolsonaro alegou outro contexto, dizendo que “grande dia” se referia às suas atividades em Davos. Seus seguidores, porém, não tiveram dúvida sobre o que o presidente se referia —a grande maioria dos comentários e retweets fazia menção à decisão de Jean Wyllys.

No final daquele dia, uma tese estapafúrdia começou a ser difundida. Apoiadores de Bolsonaro começaram a divulgar nas mídias sociais que Wyllys estaria envolvido ou seria o mandante da facada em Bolsonaro e que o abandono do mandato e o autoexílio seriam um pretexto para escapar das investigações.

A tese apareceu primeiro no Twitter, ganhou ampla difusão no YouTube e ocupou as manchetes dos sites hiperpartidários na madrugada do dia 24. Na manhã do dia 25, Bolsonaro de novo interveio apostando na ambiguidade. No Twitter e no Facebook, publicou uma imagem listando suspeitas que persistiriam sobre o atentado contra ele, entre elas, diversas insinuações sobre a participação do PSOL. Em nenhum momento o texto menciona Jean Wyllys, mas, outra vez, ninguém teve dúvida sobre a tese que o presidente estava endossando.

Bolsonaro acredita que pode conciliar o papel de governante com o de agitador das massas, o de propagador de boatos e o de lacrador das mídias sociais.

Cedo ou tarde vai aprender que, além de não condizer com a compostura que se espera de um presidente, o jogo da mobilização permanente favorece sempre quem está na oposição.

*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

José Padilha*: Sergio Bolsomoro

- Folha de S. Paulo

Ministro corre risco se abdicar de convicções éticas

O governo Bolsonaro já começou carimbado por suspeitas gravíssimas de corrupção. Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro, está para lá de enrolado com as movimentações atípicas nas contas de seu ex-assessor e na sua própria conta.

Não precisamos de Sherlock Holmes, ou de Capitão Nascimento, ou mesmo do deputado Fraga para concluir o óbvio: ninguém movimenta recursos de maneira tão anormal quanto Flávio Bolsonaro e seu ex-assessor. Depósitos em dinheiro, feitos um seguidinho do outro, dia após dia... Se o cara não tem algo sério a esconder, no caso a famosa prática de receber parte do salário de funcionários da Alerj, podemos dizer que se esforçou muito para parecer culpado.

Aliás, o senador continua se esforçando para parecer culpado nas entrevistas que concede para tentar explicar o que parece ser inexplicável, e faz o mesmo em sua atuação no âmbito jurídico.

Seu pai, o presidente eleito para salvar os brasileiros da corrupção (real) de PT/PMDB, já o jogou do convés do barco: "Se errou, vai ter que pagar". Presidente, ao que tudo indica, vai ter que pagar. Muito provavelmente por corrupção e desvio de verbas públicas, além de possível associação com milicianos. E não se esqueça: teve um capilé que foi parar na conta da primeira-dama...

O que me leva ao título deste artigo: Sergio Moro, o novo e poderoso ministro da Justiça, ungido pela eficiente luta contra a corrupção empreendida no âmbito da Operação Lava Jato, vai ficar assistindo a tudo isso sem fazer ou falar nada?

Queira ou não queira, ao aceitar o convite de Jair Bolsonaro para trabalhar no Ministério da Justiça, Sergio Moro avalizou implicitamente o governo Bolsonaro. Deu a este governo um carimbo de ética e de luta contra a corrupção. E, ao fazê-lo, colocou a sua biografia em jogo.

Lembro a Sergio Moro a famosa história do grande economista liberal Eugênio Gudin (1886-1986), que, apesar de ter controlado a crise econômica resultante da instabilidade política durante a transição do governo Vargas para o de Juscelino Kubitschek, pediu o boné assim que percebeu que o governo de Juscelino não seria orientado por visão liberal do controle dos gastos públicos.

Ou seja, não flexibilizou as suas convicções pessoais sobre a economia para se ater ao poder. (Espero o mesmo de meu amigo Paulo Guedes!) Pois bem: Sergio Moro vai flexibilizar as suas posições éticas para ficar em um governo que já nasce maculado?

Ana Carla Abrão*: Terra de Cora

- O Estado de S.Paulo

O Goiás rico e próspero se perdeu com os empréstimos generosos e gastos crescentes

Quem vai a Goiás pela primeira vez ainda hoje se surpreende com a terra vermelha, o clima quente e seco e a luminosidade de um céu azul claro e um sol que não descansa. Além disso, logo percebe que muito além da pamonha, do pequi e das fazendas onde se cria gado, há ali uma economia diversificada, com uma indústria que se instalou em torno do agronegócio e juntos garantem um nível de riqueza que não se imaginaria possível duas ou três décadas atrás.

Esse é um Goiás rico, próspero, que cresceu acima da média nacional por mais de dez anos e cuja pujança é de causar inveja a vários Estados periféricos que, por estarem também longe dos grandes centros consumidores ou por terem menor potencial econômico, ficam à mercê dos repasses federais e a duras penas enfrentam as dificuldades de um país tão diverso e desigual como o Brasil.

Mas a partir de 2010, compensando um arrefecimento na taxa de crescimento da arrecadação própria, Goiás começou a receber empréstimos generosos dos bancos públicos, amparados por um governo federal cada vez mais camarada. E Goiás se perdeu, assim como tantos outros Estados. Limites foram ignorados e o que antes era receita extraordinária se transformou em despesa ordinária, obrigatória e crescente. Já em 2014 o desequilíbrio era grave, numa combinação de crise econômica com excessos nas isenções fiscais e gastos sempre crescentes.

Míriam Leitão: Trem descarrilado da mineração

- O Globo

Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)

Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho. Em 2015, Vale e BHP tentaram se eximir de responsabilidade pela operação da Samarco, apesar de a empresa ser uma joint venture entre as duas gigantes da mineração, com 50% de participação de cada. Há um ano, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, dizia em um evento para investidores em São Paulo que o trabalho de recuperação do Rio Doce era “uma história extraordinária” e que a “resposta das duas companhias estava à altura do desastre”.

O que as reportagens mostravam era uma realidade diferente: muita reclamação, atrasos e um dano ambiental incalculável. Ontem, a bateção de cabeça envolveu o vice-presidente, Hamilton Mourão, que falou que o comitê de gestão de crise poderia recomendar a destituição da diretoria da Vale, apesar de não ter certeza de que isso era possível. Por se tratar de uma empresa privada com ações em bolsa, a afirmação causou estranheza. Certamente, não é esse o caminho para eventuais punições aos executivos da mineradora.

Logo em seguida, foi a vez do advogado Sergio Bermudes falar que a Vale não reconhecia responsabilidade pelo acidente e que pediria o desbloqueio de todos os seus bens. O sentimento de perplexidade foi generalizado, e a companhia se viu obrigada a soltar dois comunicados oficiais para desdizer o advogado. A Justiça criminal ficou parada após Mariana, os órgãos de fiscalização continuaram esvaziados diante da crise fiscal. A mineração no Brasil cresceu demais, e parece que não há ninguém no controle.

Nilson Teixeira*: No fiscal, não há plano B sustentável

- Valor Econômico

Os governos federal e dos Estados têm preferido promover alquimias contábeis a adotar ajustes dolorosos

O desempenho fiscal do setor público tem sido muito desfavorável nos últimos anos. O superávit primário médio entre 2001 e 2013 foi de 2,9% do PIB ao ano - variando entre 1,7 % do PIB em 2013 e 3,7% do PIB em 2005, suficiente para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB. Desde 2014, o setor público tem apresentado elevado déficit primário como percentual do PIB: 0,6% em 2014, 1,9% em 2015, 2,5% em 2016, 1,7% em 2017 e previsto 1,8% em 2018. Essa dinâmica contribuiu para o aumento da dívida bruta do governo geral de 52% do PIB em 2013 para estimados 77% do PIB em 2018. Em parte, essa deterioração deveu-se a políticas erradas do governo Dilma e à insustentável expansão dos benefícios sociais, inclusive previdenciários.

A participação das despesas obrigatórias no total de gastos do governo federal tem crescido continuamente, alcançando quase 80% em 2018. O mesmo ocorre com a proporção dos gastos relativos à Previdência Social e à folha de pagamentos, que alcança cerca de 70%. Enquanto isso, a parcela efetivamente discricionária diminuiu para menos de 10%. Desse total, os investimentos públicos recuaram muito e, hoje, representam bem menos do que 5% dos gastos.

Nos últimos dois anos, o governo Temer reduziu a expansão de vários benefícios sociais ao eliminar desvios e distorções na concessão de diversos auxílios oferecidos pelo Estado, através de uma extensa auditoria e da melhoria dos métodos de concessão desses benefícios. O governo Bolsonaro também espera cortar distorções em mais 0,15% do PIB. Apesar disso, a contribuição nos próximos anos para o recuo do déficit primário advindo da fiscalização e do corte de investimentos públicos é limitada e tende a sumir.

A sustentabilidade fiscal só será conquistada com um forte contingenciamento da expansão dos gastos. Mesmo sem esses ajustes, porém, o déficit primário pode diminuir por um período curto com ações pelo lado da receita. A reversão desse déficit em 2019 e 2020, por outro lado, é mais difícil e depende de um crescimento brutal das receitas fiscais, em particular das não administradas, com a venda, por exemplo, do excedente de petróleo do contrato do Estado com a Petrobras.

Marli Olmos: Montadoras enfrentam a 'fúria dos deuses'

- Valor Econômico

Sobretaxa para carro importado marcou Inovar-auto

Na antiguidade, trovões podiam ser interpretados como sinal de que a imprudência de algum pecador havia despertado a ira dos deuses. Seria um exagero afirmar que os dirigentes da indústria automobilística têm sido castigados por algum herói mitológico. Mas a sucessão de desastres que atinge o setor há pelo menos três anos serve como pista de que erros estratégicos - alguns imperdoáveis - somados a circunstâncias desfavoráveis à forma de usar o automóvel empurram os fabricantes de veículos para uma espécie de "tempestade perfeita".

Os deuses das civilizações passadas não perdoariam os envolvidos no escândalo conhecido como "dieselgate", que começou na Volkswagen e respingou em várias outras montadoras. Em setembro de 2015, a Agência Americana de Meio Ambiente acusou a Volks de ter violado testes de emissões com a ajuda de um dispositivo que fraudava o controle de gás nitrogênio. A empresa admitiu a manobra e diretores foram presos.

A indústria de veículos provavelmente tem sido uma das maiores vítimas da rápida evolução tecnológica que envolve uma série de coisas usadas pelo ser humano. Mas é, ao mesmo tempo, também culpada pela demora em reinventar-se. Muito bem preparadas e estruturadas para um modelo de produção que ao longo de quase um século deu certo, algumas dessas empresas relutaram em juntar-se ao "inimigo". Ou seja, levaram um tempo para perceber a necessidade de fazer parcerias com empresas de tecnologia, como o Google.

E levaram um susto ao assistir à ascensão de novatas prestadoras de serviço de transporte por aplicativo. O valor de mercado da Uber está em US$ 62 bilhões, com chances de aumentar rapidamente logo depois do seu lançamento no mercado de ações, que está para acontecer.

MDB busca candidatura única no Senado

Com dois pré-candidatos, partido quer evitar fissura na disputa pelo comando da Casa

Renan Truffi, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - A bancada do MDB no Senado se reúne nesta terça-feira, 29, para tentar evitar uma fissura no partido às vésperas da eleição para o comando da Casa. No encontro, os emedebistas vão decidir se mantêm a candidatura de Simone Tebet (MS) à presidência do Senado ou se lançam o senador Renan Calheiros (AL), mesmo diante de uma campanha negativa contra o parlamentar alagoano, alvo principal dos outros candidatos na disputa e nome considerado hostil pelo governo Jair Bolsonaro – ele tem o apoio de parte da bancada petista na Casa.

O temor de representantes da cúpula do partido é de que o MDB chegue nesta sexta-feira, 1.º, dia da eleição, dividido entre dois candidatos, o que representaria, nas palavras de um cacique da sigla, uma “fratura exposta”.

Nesta segunda-feira, 28, o presidente do MDB, senador Romero Jucá (RR), propôs um acordo que resulte numa candidatura única.

A presidência do Senado é vista como uma forma de a legenda manter poder após as eleições 2018, quando o MDB viu suas bancadas no Congresso diminuírem significativamente. Na Câmara, o partido caiu de 66 deputados eleitos em 2014 para 34 em 2018; no Senado, o número de parlamentares eleitos baixou de 18 para 12.

Simone, porém, tem dito aos membros do partido que deve disputar o comando da Casa mesmo que Renan obtenha a maioria dos votos na bancada. Neste caso, ela se lançaria como candidatura avulsa contra o alagoano e os dois disputariam os votos dos outros senadores no plenário. Na avaliação de aliados da senadora de Mato Grosso do Sul, o maior obstáculo para sua vitória é o poder de articulação de Renan dentro da sigla. Nas outras bancadas da Casa, no entanto, Simone teria um cenário mais favorável do que o colega de partido.

O impasse e a possibilidade de um tensionamento fizeram com que aliados de Renan buscassem, inclusive, o apoio do ex-presidente e ex-senador José Sarney (MDB-MA), que costuma influenciar as decisões do partido mesmo após se distanciar dos mandatos no Legislativo. Sarney teria elogiado a conduta Simone, mas indicado que Renan tem mais força para vencer a disputa na Casa.

Tucano. Ainda assim, a senadora espera que, nos próximos dias, o PSDB, do senador Tasso Jereissati (CE), defina um posicionamento favorável a ela na eleição. A expectativa é de que os tucanos anunciem formalmente que, caso o MDB decida pelo nome de Simone, o PSDB lhe dê apoio.

Rachado, MDB reúne bancada no Senado para tentar definir candidato

Vandson Lima e Fabio Murakawa | Valor Econômico

BRASÍLIA - Maior partido do Senado, o MDB reúne hoje a sua bancada para começar a decidir quem será seu candidato à presidência da Casa. Com uma bancada dividida, promessas e traições à vista, existe a possibilidade de candidatura à revelia. Os dois postulantes - Renan Calheiros (AL) e Simone Tebet (MS) - terão estratégias diferentes para tentar chegar ao comando do poder Legislativo.

Senadora em primeiro mandato, Simone dirá aos pares que tem compromissos de apoio de PSL e PSDB, firmados respectivamente por Major Olímpio (PSL-SP) e Tasso Jereissati (PSDB-CE), caso vença a disputa interna. Também alegará que a rejeição nacional a Renan, ligado à chamada "velha política", torna maiores as chances de uma derrota do alagoano - e, por consequência, de o MDB perder a presidência do Senado.

Com isso, ela pressionará os emedebistas, defendendo que, externamente, seu nome está tão bem cotado que poderia levá-la a uma cartada: concorrer no plenário contra Renan, como candidata avulsa, mesmo que derrotada no partido.

Quatro vezes presidente do Senado, Renan vai na linha oposta. Ele defenderá que só será candidato se unir o MDB em torno de si. Seu cálculo político é que, respaldado pela sigla e tendo feito acenos recentes ao governo do presidente Jair Bolsonaro, em especial à equipe econômica, ele diminuirá resistências.

Articulador hábil, Renan tem colhido promessas veladas de apoios em todas as frentes. Do PSDB ao PT, passando por PSD e Podemos, há senadores que garantem a Renan que, no sigilo garantido pelo voto secreto, estarão com ele, o que lhe faz acreditar que terá maioria.

O Valor apurou que a cúpula do MDB prefere o nome de Simone, mas a estratégia de Renan.

As críticas do senador alagoano ao governo Michel Temer não foram esquecidas pelo núcleo mais próximo ao ex-presidente. Além de Romero Jucá (RR), que deixará de ser senador na véspera da eleição para a presidência da Casa, os ex-ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha, seus interlocutores no Congresso, têm mais simpatia pelo nome de Simone.

Entretanto, para Jucá, que é presidente nacional do MDB, a perspectiva de o partido sair rachado no processo eleitoral, o que ocorrerá caso Tebet decida concorrer à revelia da bancada, desfavorece seus planos de manter-se no comando da legenda.

É neste ponto que a candidatura de Renan ganha força junto às esferas de poder do MDB. Ele não cogita, em nenhuma hipótese, concorrer de forma avulsa, caso não seja o preferido da bancada.

Acordo com PP e MDB amplia chance de Maia liquidar disputa na Câmara no primeiro turno

Painel – Folha de S. Paulo

Está feito Ao selar, na noite desta segunda (28), acordo com o PP, o MDB e o PTB, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), praticamente garantiu a reeleição. O acerto, inclusive, amplia a chance de ele liquidar a disputa no primeiro turno. A esquerda deve organizar bloco purista, beneficiando o democrata.

Está feito 2 Como mostrou o Painel na noite desta segunda (28), Maia conseguiu desfazer o único bloco que ameaçava sua reeleição ao comando da Casa.

Tragédia força recuo em crítica à fiscalização: Editorial | O Globo

Bolsonaro atacou na campanha cuidados com o meio ambiente que fizeram falta em Brumadinho

É comum governantes reverem alguma promessa de campanha quando assumem o poder. Pois a realidades emprese impõe, e vai depender da sensibilidade do político fazer correções de rota, de forma mais rápida ou não, para não insistir com ideias equivocadas, inviáveis.

Com Jair Bolsonaro não será diferente, e, em menos de um mês de Planalto, acontece a tragédia de Brumadinho, no rompimento de uma represa de rejeitos de mineração da Vale, na Mina do Feijão, sendo contabilizados até ontem à tarde quase 300 desaparecidos ejá com 65 mortes confirmadas. Deverá ser o maior acidente de trabalho da história do país.

A catástrofe atinge em cheio promessas do ainda candidato Bolso na rode flexibilizara fiscalização ambiental, para melhorar avidados empresários. Intenção louvável em si, se o objetivo for depurar o ambiente de negócios no país, deteriorado, segundo pesquisas, entre outras causas, pela espessa cultura burocrática do Estado brasileiro.

Mas Brumadinho força o presidente e equipe a fazerem uma reflexão. Afinal, há três anos, ocorreu acidente idêntico, também em Minas Gerais, na região de Mariana, em que o rompimento de uma barragem de mineração da Vale riscou do mapa a localidade de Bento Rodrigues e enlameou o Rio Doce, jogando rejeitos de minério no Atlântico, a 600 quilômetros de distância. Até então o maior desastre ambiental do país, responsável por 19 mortes.

Quando a impunidade mata: Editorial | O Estado de S. Paulo

O Brasil parece incapaz de punir quem age de maneira irresponsável e coloca em risco a vida de terceiros. Se o fizesse, conforme mandam a lei e os imperativos morais, quase com certeza tragédias como a ocorrida em Brumadinho (MG) não ocorreriam.

Em meio à comoção geral que esses terríveis eventos suscitam, autoridades se apressam a prometer rigor na investigação dos fatos, na identificação dos culpados e na edição de medidas para impedir que os desastres se repitam. As empresas envolvidas pedem desculpas e se comprometem a renovar seus protocolos de segurança, e o Ministério Público promete caçada implacável aos criminosos. O País já viu esse filme incontáveis vezes, sempre com o resultado da impunidade geral.

Espera-se que, ante as centenas de vítimas soterradas sob 12 milhões de metros cúbicos de lama e rejeitos de mineração, nesse desastre de proporções inéditas que cobriu o País de vergonha e indignação, os responsáveis sejam devidamente castigados, à altura do crime cometido. Pois é de crime que se trata.

Mas o fato é que, passados alguns dias da ruptura da barragem da mineradora Vale, tudo se repete como nas tragédias anteriores. O presidente da Vale, Fabio Schvartsman, pediu “desculpas a todos os atingidos, à sociedade brasileira”, embora considere o desastre “indesculpável”. Em seguida, porém, assegurou que a Vale, “uma empresa muito séria”, “fez um esforço imenso” e tomou “uma lista infindável de ações” para “deixar nossas barragens na melhor condição possível” – tudo isso, disse o executivo, “especialmente depois de Mariana”.

Tragédias na mineração poderiam ter sido evitadas: Editorial | Valor Econômico

Depois de ser protagonista, junto com a anglo-australiana BHP, no maior desastre ambiental da história do país - o rompimento da barragem de resíduos em Mariana, que arrasou o Vale do Rio Doce - a Vale agora está envolvida, três anos depois, em uma das mais letais tragédias da mineração no país. O rompimento, na sexta-feira, da barragem da mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG) provocou 65 mortes (até a noite de ontem) e 292 pessoas estavam desaparecidas. As chances de resgate de sobreviventes agora são pequenas.

Há um cipoal de responsabilidades nas tragédias recentes da mineração no país. Com a devastação ambiental produzida em Mariana, a Vale, sócia da BHP e sob comando de Murilo Ferreira, deveria ter mais que redobrado os esforços de segurança e reforçado sua gerência de riscos em todas as minas que opera com sistema de barragem semelhantes à do Fundão. O rompimento em Brumadinho, bem pior em número de vítimas, põe em dúvida a atitude da empresa com a segurança das comunidades e de seus próprios funcionários, submersos pela lama da barragem rompida.

Fabio Schvartsman, principal executivo da companhia, disse que "seguiu toda a orientação dos técnicos e esse negócio deu no que deu" (Globonews). "Quer dizer, não funcionou". A estabilidade da barragem foi atestada pela última vez em setembro pela consultoria alemã Tüv Süd.

Ambientalistas e ONGs apontam que a Vale recebeu em tempo recorde licença para aumentar substancialmente a produção em Brumadinho e que na renovação de sua licença, em reunião na Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo mineiro, em dezembro, o representante do Ibama se absteve de votar e houve voto contrário do representante do Forum Nacional da Sociedade Civil (Fomasc). Apontam também o poder das mineradoras sobre a regulação do setor. Após a tragédia de Mariana, Ministério Público e ambientalistas enviaram propostas de mudança da legislação, entre elas a de fim do automonitoramento, necessidade de revisões periódicas das barragens de acordo com seu nível de risco e proibição da concessão de licenças para construção ou ampliação de reservatórios em locais com comunidades próximas ao curso dos rios (Folha de S. Paulo, 27 de janeiro). A Assembleia Legislativa ignorou as propostas.

Metas econômicas: Editorial | Folha de S. Paulo

Lista de prioridades do governo Bolsonaro para os primeiros cem dias deixa a desejar, sobretudo pela ausência de temas como reforma da Previdência

Com as promessas sobre reformas reiteradas no encontro anual da elite global, em Davos, o governo Bolsonaro conseguiu manter a animação do mercado financeiro na semana passada.

Mesmo num contexto conturbado, a Bolsa de Valores acumulou alta de 11% desde o começo do ano (até sexta, 25), e as taxas de juros de longo prazo vinham caindo.

E isso a despeito da falta de detalhes no compromisso com a reforma da Previdência expressado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pelo ministro Paulo Guedes. O titular da Economia só mencionou a pretensão de poupar algo entre R$ 700 bilhões e R$ 1,3 trilhão.

Trata-se de objetivo mais ambicioso que o da gestão anterior, mas, com as expectativas infladas, mostrar a viabilidade da proposta torna-se ainda mais importante.

Causa estranhamento, nesse quadro, que a lista do governo com 35 prioridades para os primeiros cem dias tenha passado ao largo de itens fundamentais, como a própria Previdência e os tão almejados avanços na área tributária.

No campo econômico como um todo, aliás, o documento deixa a desejar. Mesmo que ali estivessem arroladas apenas metas de curto prazo, a ausência de pilares do discurso de Guedes suscita desconfiança.

Fernando Pessoa: Acordo de noite

Acordo de noite subitamente,
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a natureza lá fora.
O meu quarto é uma cousa escura com paredes vagamente brancas.
Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.
E esta pequena cousa de engrenagens que está em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar o que isto significa,
Mas estaco, e sinto-me sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única cousa que o meu relógio simboliza ou significa
Enchendo com a sua pequenez a noite enorme
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com a sua pequenez...