quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: O Estado de S. Paulo

Apesar de ser uma votação secreta, muitos senadores mostraram a cédula aberta na hora de votar, num prenúncio das muitas confusões que ainda estão por vir nessa legislatura. Quando a lei não é bem vista, muitos preferem ignorá-la. A opinião pública, ou o que cada um acha que é a opinião pública, torna-se a lei absoluta. Não é esse o espírito que deve vigorar numa República, especialmente entre membros do Senado.

Não há dúvida de que o senador Renan Calheiros não reunia as condições para presidir o Senado dentro do que se espera da “nova política”. Mas o que foi feito nos dois primeiros dias de fevereiro envergonha a história do Senado. Não há possibilidade de boa política fora dos cânones institucionais. O Regimento Interno do Senado é lei para os senadores - ele não pode ser ignorado quando o seu conteúdo desagradar a alguns. O novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, mostrou do que é capaz quando seus interesses estão em jogo. Não foi um bom começo.

Editorial: ‘Uma grande bagunça’, O Estado de S. Paulo, 5/2/2019

Malu Delgado: A vida em Marte e no Congresso Nacional

- Valor Econômico

Articulações no Congresso são extensão de 2018

Veio do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o alerta sobre a necessidade de todos preservarmos o planeta, sob o risco de sermos obrigados a viver em Marte. A aridez diária das disputas e a inexistência de lideranças capazes e dispostas a trabalhar pela preservação do ambiente político no Brasil quase impõem a vida em outro planeta como, de fato, a única alternativa possível.

As articulações que guiaram a sucessão no Congresso Nacional atestam a extensão da briga eleitoral ao terceiro turno e a incapacidade dos atores políticos de construir entendimentos que levem em conta projetos para o país. Como definiu um parlamentar experiente, "desgraçadamente" a política não está no comando.

Não há nenhuma grandeza na renúncia de Renan Calheiros (que desistiu apenas por não suportar o vexame público da derrota), nem tampouco na persistência do senador Davi Alcolumbre em permanecer horas grudado à cadeira da presidência do Senado num momento em que não havia certeza alguma sobre seu destino. A desgraça da "não política" leva a episódios patéticos e lamentáveis, como os conhecidos duelos entre Antonio Carlos Magalhães, do então PFL, e Jader Barbalho, do velho PMDB, no mesmo Senado.

Mas ainda causa certo espanto ver uma senadora da República se apossar de uma pasta de documentos que não lhe pertencem e convidar o colega a pegá-la na marra, como se estivéssemos todos brincando de pique-pega no jardim de infância.

Hoje os memes ajudam a tentar interpretar as desgraças da política (ou da falta dela) com humor, mas é pouco provável que se chegue a algum resultado positivo se permitirmos que as enquetes de Facebook esgotem discussões em plenário, como sugere o novato e midiático senador Jorge Kajuru.

É ingenuidade pensar que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, seja o único e grande vitorioso da sucessão do Senado, pelo fato de ter apoiado Davi Alcolumbre, um senador de primeiro mandato do DEM e cujos passos até então não demandavam atenção, exceto por sua cordialidade. "É um meninão simpático", definiu um colega, horas antes da eleição, sem ter ainda certeza se lhe daria o voto.

Alcolumbre só virou presidente do Senado por desdobramentos do pleito presidencial de 2018. Não chegaria ao posto sem a cisão evidente no MDB capitaneada pela senadora Simone Tebet e a articulação intensa de tucanos experientes, como Tasso Jereissati e Antonio Anastasia. Caso o MDB tivesse algum bom senso em não bancar a candidatura de Renan Calheiros, talvez o senador do DEM nunca tivesse chegado lá. Mais do que despertar a fúria do antipetismo, Renan era "tudo isso que está aí", ou seja, o que Bolsonaro derrotou em outubro de 2018.

Carlos Melo*: Janelas para o futuro estão fechadas

- Folha de S. Paulo

O 'novo' na política patina em antigos problemas

A política brasileira quase nunca surpreende, e qualquer absurdo tem precedente. Ainda assim, mesmo quem acompanha sua dinâmica há tempos ficou perdido com os episódios do Senado, logo na abertura da atual legislatura. É dispensável repetir o que se passou e talvez impossível explicar o que ocorreu; no Brasil, a realidade bate, de longe, a ficção. Mas curiosas são as semelhanças entre aquela eleição e a da Presidência da República, ano passado --além das coincidências com o que ocorre pelo mundo.

Como o eleitor comum, os senadores votaram "contra", não "a favor"; o gesto foi, antes, de desamor. Quando é assim, perdem-se rigor e critérios; faz-se opção emocional, pressionada por sentimentos e circunstâncias, sem pesar consequências.

As qualidades do escolhido deixam de ser importantes, desde que seja capaz de derrotar o mal maior -- seja ele o PT ou Renan Calheiros. Os símbolos da tragédia passada precisam ser removidos e não há possibilidade de diálogo, menos ainda de conciliação.

Claro que erros do passado precisam ser cobrados. Mas há exageros, perdendo-se o sentido de complexidade sistêmica que envolve a crise. Culpa-se o status quo pelos males do mundo moderno, sem perceber o status perdido diante de ondas de comunicação e novos processos políticos derivados da transformação tecnológica. Como se fosse possível negar a realidade e a modernidade incômodas, demoniza-se o adversário e substituem-se "ideologias" --o termo voltou à moda-- por outras ainda mais ultrapassadas.

São utopias regressivas, sobretudo, nos costumes; uma fuga para a nostalgia de um passado que retornará apenas como farsa. Um novo tipo de bonapartismo tende a piorar o que já era péssimo. Um otimismo forçado precisa ser sustentado, mas no íntimo suspeita-se que foi um tiro no pé.

Enfim, a despeito de qualquer alerta, a derrota do inimigo é mais comemorada que a vitória de quem ficará responsável pelo Executivo ou Legislativo --o Judiciário parece mais protegido, pelo menos por quanto tempo.

Vera Magalhães: Negociação inevitável

- O Estado de S.Paulo

A área política do governo está convencida de que a reforma ambiciosa consignada na minuta divulgada pelo Estado não é muito palatável nem a Jair Bolsonaro nem ao Congresso. Daí porque três ministros opinaram à coluna que será preciso suavizar a proposta para que ela seja aprovada. A divergência é qual o melhor momento para começar a fazer concessões: se antes de fechar o texto do Executivo ou já no parlamento.

A divulgação antecipada do texto serviu como termômetro da reação da sociedade. O entusiasmo do mercado e dos especialistas e a ausência de gritaria maior por parte de corporações foram considerados sinais positivos para a largada. O temor era de que uma oposição vigorosa a um texto que ainda não é final, pois não passou pelo crivo de Bolsonaro, pudesse queimar a largada da campanha publicitária que o governo prepara para embalar a reforma numa narrativa favorável. Ela será na linha de que tirar o peso excessivo do sistema previdenciário sobre as contas públicas vai liberar o Estado para prestar serviços melhores e realizar investimentos que permitam a retomada do emprego e dos gastos sociais. Nas palavras de um dos negociadores, humanizar a ideia de reformar a Previdência.

A vitória de Rodrigo Maia (DEM-RJ) e a disposição do presidente da Câmara de fazer a reforma avançar rápido são motivo de alívio nos diferentes gabinetes do Executivo. A ordem é, inclusive, tratar Maia como corresponsável pela reforma, dividindo com ele os louros (e, portanto, a responsabilidade de chegar aos 308 votos necessários) pela sua aprovação. Isso porque os negociadores de Bolsonaro se lembram dos atritos entre ele e a equipe de Michel Temer e querem evitar esses tropeços – ainda mais de obstáculos já esperados no Senado.

Bernardo Mello Franco: O pacote de Moro e a licença para matar

- O Globo

Pacote de Moro dá forma a uma obsessão de Bolsonaro: o excludente de ilicitude. Hoje a polícia brasileira já é a que mais mata no mundo

O pacote de Sergio Moro deu forma jurídica a uma obsessão de Jair Bolsonaro: o chamado “excludente de ilicitude”. O presidente quer mudar a lei para permitir que os policiais atirem sem risco de punição. “Se alguém disser que quero dar carta branca para policial militar matar, eu respondo: quero sim”, ele explicou, no início da campanha.

O Código Penal já diz que não há crime quando o agente mata “em estado de necessidade”, “em legítima defesa” ou “em estrito cumprimento de dever legal”. O projeto de Moro amplia as hipóteses de impunidade. Afirma que o juiz poderá “reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la” se o policial matar sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

A eleição de 2018 consagrou o discurso do “bandido bom é bandido morto”. A bancada da bala aumentou, e Bolsonaro chegou ao Planalto repetindo que “soldado nosso não senta no banco dos réus”. “Enquanto nós não dermos essa carta branca para o policial atirar para matar, nós não teremos como reduzir a violência no Brasil”, ele disse. O problema é que os números indicam exatamente o contrário. A polícia nunca matou tanto, e o país nunca registrou tantos homicídios.

Ignacio Cano*: Velhas práticas de segurança

- O Globo

Se um profissional da segurança perde a vida quando é surpreendido e reage, o que não acontecerá com o cidadão comum

As novas políticas de segurança no Rio de Janeiro e a iniciativa dos governos federal e estadual estão se configurando a partir de dois elementos centrais.

O primeiro é a retração do Estado. O discurso oficial encoraja as pessoas a se armarem para se protegerem. Assim, o Estado se omite no seu dever de proteger o cidadão, que deve, ele próprio, arcar com esta responsabilidade. O Estado se omite, igualmente, no seu dever de fiscalizar. Um exemplo é o decreto sobre a posse de armas, que exige que a pessoa possua um cofre em alguns casos, mas admite a autodeclaração como comprovação. Entretanto, a difusão das armas não vai melhorar a segurança, como prova o fato de que boa parte dos policiais assassinados no Brasil morre ao tentar resistir a um assalto. Se um profissional da segurança perde a vida quando é surpreendido e reage, o que não acontecerá com o cidadão comum.

Por outro lado, o Estado do Rio desmantela a Secretaria de Segurança com a promessa de “liberar” as polícias de supostas interferências. Ora, é público que as secretarias de Segurança no Brasil apresentam graves limitações na sua capacidade de comandar as polícias. O problema central não tem sido a interferência política, mas a incapacidade de aplicar políticas de segurança pública integradas. O fim da secretaria tornará isto ainda mais difícil e fortalecerá a agenda corporativa dentro das polícias, além de comprometer ainda mais o controle interno e externo da atividade policial.

De fato, o fim da secretaria, a fala de Bolsonaro dizendo que agora no Brasil “mandam os capitães” e as propostas de sequer investigar as mortes cometidas por policiais (como se agora fossem devidamente investigadas) devem soar como música aos ouvidos dos milicianos e dos policiais corruptos.

Elio Gaspari*: Moro pôs a bola em campo

- Folha de S. Paulo / O Globo

Pacote do ministro inaugurou governo Bolsonaro e, ao discuti-lo, Congresso precisa mostrar a que vem

Sergio Moro lapidou o discurso desconexo de defesa de lei e da ordem que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República. Para listar apenas alguns aspectos do pacote do ministro, homicida ficará trancado por, pelo menos, três quintos da duração da sentença; condenados na segunda instância irão para a tranca e caixa dois passará a ser crime.

A repressão aos crimes de colarinho-branco será tão dura quanto aquela que habitualmente atinge pessoas de pele negra. Essas propostas serão festejadas nos balcões das lanchonetes, por onde passam pessoas que têm medo de andar na rua à noite.

Moro quer trazer para o direito brasileiro a instituição saxônica das "soluções negociadas". Na essência, elas permitem um acordo entre réu e a Promotoria. O cidadão reconhece sua culpa, negocia a redução da pena com o promotor e com isso descongestiona-se o Judiciário.

Na teoria, faz sentido. Na prática, toda importação de regras do direito saxônico equivale a tentar calçar um par de stilettos de Christian Louboutin nos pés de um jogador de futebol.

O calo resultante da divulgação por Moro, no meio da campanha eleitoral, de um anexo irrelevante e inconclusivo da colaboração do ex-ministro Antonio Palocci está na memória política do país.

Felizmente, Moro fala agora em "soluções negociadas". Até há pouco falava em "plea bargain", talvez para evitar uma das traduções possíveis e evitando a palavra "barganha".

No Judiciário americano todas as delações protegidas pela teoria curitibana da "bosta seca" teriam sido mandadas ao lixo. Lá, se um delator diz uma coisa e outro diz o contrário, mexe-se na bosta seca, empesteia-se a sala e anula-se uma delas, ou as duas.

Hélio Schwartsman: O pacote moral

- Folha de S. Paulo

Proposta de Sergio Moro traz pontos positivos e negativos

Não gosto da ideia de legislar por pacotes, mas receio que isso tenha se tornado uma exigência do marketing político. Idealmente, deveríamos discutir de modo separado e desapaixonado cada um dos projetos de mudança na lei propostos pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Com efeito, não há por que vincular, por exemplo, alterações nos embargos infringentes à regulamentação dos presídios de segurança máxima.

Como é inevitável, o pacote traz pontos positivos e negativos. O mais fundamental é, a meu ver, a prisão após a segunda instância. Se quisermos um sistema que funcione, é preciso assegurar a efetividade das decisões da Justiça desde as esferas iniciais, como ocorre na maior parte do mundo desenvolvido. Não dá para permitir que réus adiem a sanção até a prescrição e além. Creio, porém, que Moro colocou isso entre as medidas só para fazer uma pressãozinha política, já que a questão não será decidida pelo Parlamento, e sim pelo STF.

Outro ponto de que gosto é o “plea bargain”, o acordo pelo qual o réu admite a culpa em troca da redução da pena, dispensando o julgamento. E Moro foi equilibrado ao restringir a inovação para casos com pena de até quatro anos. Dá para testar o mecanismo antes de estendê-lo.

Bruno Boghossian: A toga e o terno

- Folha de S. Paulo

Ministro ameaça barrar mudança em lei e senador propõe CPI contra tribunais

Apesar de apelos a uma convivência pacífica, o Congresso e o Judiciário parecem se pintar para uma guerra. O ano começou com magistrados ameaçando barrar mudanças na lei, propostas de CPI contra tribunais e um terreno fértil para o avanço inédito de pedidos de impeachment de ministros do Supremo.

O recomeço das atividades de parlamentares e juízes indica que os Poderes estão prestes a entrar em choque. Em seu primeiro discurso como presidente do Senado, Davi Alcolumbre desafiou o STF e disse que o Legislativo não se curvará “à intromissão amesquinhada do Judiciário”.

Os magistrados também tiraram a poeira da toga. Ricardo Lewandowski publicou na Folha um artigo em que fala em “limite às reformas” e avisa: se o Congresso mexer em leis para retirar direitos adquiridos, usará a caneta para “recompor a ordem constitucional vulnerada”. Seria um desastre para o ajuste econômico planejado pelo governo e para as mudanças na Previdência.

Nem Sergio Moro deve ter sossego. Integrantes do STF dizem que o pacote de combate ao crime do ministro da Justiça está cheio de buracos e que não permitirão alterações na lei para autorizar prisões após condenação em segunda instância.

O mal-estar cresceu depois que o senador Alessandro Vieira propôs uma CPI para investigar tribunais por uso político de pedidos de vista e conflitos de interesse. Ele diz que o objetivo não é perseguir magistrados, mas jogar luz sobre as cortes. “Se isso acabar mostrando erros e eventuais crimes, paciência”, conclui.

Ricardo Noblat: Se Davi pode, por que Flávio não?

- Blog do Noblat | Veja

A justiça vale para todos

Está certo Davi Alcolumbre (DEM-AP), eleito no último sábado presidente do Senado pelos próximos dois anos, quando diz que não vê nada demais na indicação pelo PSL do seu colega Flávio Bolsonaro para comandar a terceira secretaria da Casa, o que lhe garante um lugar de destaque entre seus pares.

“Acho que o partido vai indicar o quadro do partido que o partido decidir. Não posso me meter”, justificou-se. Lembrado que Flávio está metido em rolos que envolvem até milicianos procurados pela polícia, Davi argumentou: “Investigados têm tantos nomes no Brasil. A gente precisa aguardar e ter tranquilidade”.

De fato, o Congresso está repleto de políticos investigados, denunciados, processados, vários deles condenados e uns poucos presos, esses com direito a exercer o mandato durante o dia na Câmara dos Deputados e no Senado desde que retornem à noite e passem os fins de semana na Penitenciária da Papuda.

O próprio Davi faz parte da horda dos parlamentares investigados. Responde a dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Em 2016, ele teria usado notas fiscais frias inidôneas para a prestação de contas e contratação de serviços com data posterior à data das eleições. No ano passado, fez algo parecido, e um pouco mais.

Nada que tenha causado embaraços a Davi na hora de pegar em armas como representante da nova política para corajosamente enfrentar e vencer o mais repulsivo e sagaz representante da velha política, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

Para onde vai o MDB
Quem sabe?

Agora que não tem mais a presidência da República para chamar de sua, que murchou de 14 para 7 senadores, que perdeu para o DEM o comando do Senado, e que ficou sem perspectiva de poder nos principais Estados, para onde irá o MDB?

Resposta do ex-presidente José Sarney que colheu mais uma derrota humilhante no Maranhão e que agora só tem um dos filhos (Zequinha) ocupando cargo público, e assim mesmo em um governo estadual:

– O MDB é uma nau sem rumo.

Vinicius Torres Freire: Confusão ruim na Previdência

- Folha de S. Paulo

Rascunho do projeto da reforma que vazou é precário em termos técnicos e políticos

Vazou um rascunho ruim da reforma da Previdência. Por exemplo, pelo que vai escrito ali, a idade mínima de aposentadoria para homens pode subir de imediato para pelo menos 65 anos (caso o homem tenha contribuído por menos de 30 anos até a promulgação da reforma).

Para quem completar 35 anos de contribuição entre 2019 e 2024, as regras ficam meio parecidas com aquelas que ora regulam a concessão de aposentadorias.

Em resumo breve, o texto desse rascunho da reforma tem uma regra de transição ruim, pouco progressiva. Politicamente, causaria escândalo.

Dois integrantes do Ministério da Economia dizem que o rascunho da reforma da Previdência não seria o dessa minuta vazada, mas que “as linhas e a intenção geral” da reforma seriam essas.

Tomara que não seja mesmo esse o projeto. O texto tem erros banais, como artigos e parágrafos que remetem em cascata para lugar nenhum ou para assuntos que não tratam do assunto da remissão. Não dá para entender partes da lei.

Tem outros problemas, como o já mencionado, da transição mal pensada e de incongruência de aposentadorias para homens e mulheres, a depender do caso de regra de transição em que se enquadre a cidadã ou o cidadão. No geral, de resto, a redação é fraca.

Muito importante, esse rascunho remete a uma regulamentação por lei complementar que, em tese, pode introduzir variações grandes no que vai dito e permitido pelos artigos que emendam a Constituição. Tudo bem, em tese.

Um dos objetivos da reforma deste governo é desconstitucionalizar a legislação previdenciária. Mas, sem conhecer essa regulamentação, o sentido da reforma pode ficar no ar.

Apesar de refutar o teor desse rascunho, o pessoal do Ministério da Economia preferiu não comentar porque haveria (haveria?) um texto com tantos problemas rodando por aí. Diz apenas que não se trata do projeto de reforma ou que não se trata de sua versão “revista e autorizada”, menos ainda de versão do conhecimento de Jair Bolsonaro.

No entanto, estão lá ideias já aventadas pela equipe econômica, como a redução dos benefícios para idosos em situação de miséria e a do valor das pensões por morte.

Não foi possível descobrir se o vazamento desse texto ruim tinha algum objetivo.

Se foi intencional, ficam as hipóteses:

1) difunde-se a ideia vaga de que a reforma será “dura” ou “ampla”, como queiram. A seguir, se apresenta uma reforma atenuada. Estratégia velha do bode na sala, de quem trabalha a favor da mudança previdenciária;

2) difunde-se a ideia vaga de reforma “dura” com o objetivo de provocar confusão e reações negativas, de modo a juntar mais gente na oposição à reforma. Estratégia também manjada de quem quer impedir mudanças.

Luiz Carlos Azedo: O valor da reforma: R$ 1 trilhão

- Correio Braziliense / Estado de Minas

Maia tem compromisso com a reforma, mas advertiu Guedes de que o governo precisa se esforçar para votá-la em dois meses”

O ministro da Economia, Paulo Guedes, depois de encontro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que a proposta de reforma da Previdência que o governo Bolsonaro pretende encaminhar ao Congresso poderá representar uma economia aos cofres públicos de R$ 1 trilhão. Guedes também conversa com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Faz articulações junto ao Congresso e ao Judiciário para negociar a tramitação do projeto, que ainda depende de aprovação de Jair Bolsonaro. Guedes disse que o governo fez simulações sobre o tempo mínimo de contribuição e também sobre a idade mínima, mas ainda depende de o presidente bater o martelo.

Guedes esteve também com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, na noite de segunda-feira. A conversa foi sobre o risco de judicialização da reforma, que não é pequeno. O governo quer blindar a reforma na Corte. Também trataram da situação dos estados, cuja crise fiscal gerou várias Ações Diretas de Inconstitucionalidade, que deverão ser julgadas no próximo dia 27 de fevereiro. O ministro da Economia quer desafogar financeiramente os estados, que estão quebrados e podem complicar o cenário econômico; em contrapartida, espera o apoio dos governadores para que a reforma inclua estados e municípios.

O giro do ministro de Guedes também tem por objetivo evitar que a reforma esbarre numa ampla coalizão institucional, como aconteceu em outras tentativas. Corporações poderosas atuam no Congresso e no Judiciário contra a reforma, que atinge privilégios do setor público. A reforma do ex-presidente Michel Temer estava pronta para ir a plenário, mas não foi adiante depois das denúncias feitas contra ele pelo ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, com base na delação premiada do empresário Joesley Batista, do grupo JBS. Enfraquecido, o seu governo não teve como garantir a base necessária para aprovação da reforma. Agora, a situação é completamente diferente, com um governo recém-eleito e com alta taxa de aprovação popular.

Cristiano Romero: Obstáculo da reforma está na desinformação

- Valor Econômico

Por que privilégios do funcionalismo não revoltam jovens da Vila?

Uma das características marcantes do debate nacional é a manipulação da informação. É mais fácil "dialogar" quando o interlocutor não sabe exatamente do que se está falando. Muito antes do advento das "fake news" que se propagam feito erva daninha nas redes sociais, notícias falsas, lendas urbanas e mistificações já se disseminavam com enorme facilidade para além das conversas de bar.

A ignorância repetida como verdade, registre-se, nunca foi privilégio de pessoas com baixo acesso à educação formal e aos meios de comunicação. Nas universidades públicas, lócus do conhecimento e supostamente do livre debate de ideias, elites intelectuais, reféns do corporativismo, são contrárias às reformas de que o Brasil precisa para se tornar socialmente mais justo. Funcionam como igrejas, de um credo só, onde opiniões que questionem o status quo de seus "donos" (professores e funcionários) não são bem-vindas. Mesmo quem tem por ofício, como os jornalistas, informar da maneira mais ampla, objetiva e desinteressada possível, queda-se muitas vezes pelo caminho obscuro da desinformação. O alheamento aos problemas renitentes deste imenso país é um defeito inaceitável na conduta de quem possui o dever de informar.

A discussão urgente sobre a necessidade de o país mudar as regras de aposentadoria de seus cidadãos, principalmente dos funcionários públicos, é hoje a principal vítima da manipulação de informação, uma forma perversa de se perpetrar a desinformação. Uma sociedade mal informada é campo fértil para a sagração de populistas, demagogos e patrimonialistas.

A defesa de ampla e profunda reforma previdenciária é missão árdua em Brasília, palco das decisões nacionais. Em tese, não deveria ser tão difícil, afinal, se a reforma é para reduzir privilégios do funcionalismo público de um lado e, do outro, adequar as regras de aposentadoria dos trabalhadores do setor privado - que se aposentam pelo INSS, com piso de um salário mínimo e teto pouco acima de R$ 5 mil - à evolução da demografia, o pendor por mudanças seria determinado pelo grupo mais numeroso de brasileiros. Infelizmente, não funciona assim.

Míriam Leitão: O que não pode cair na reforma

- O Globo

Por Alvaro Gribel (Míriam Leitão está de férias)

O projeto que vazou sobre a reforma da Previdência não é a versão que será encaminhada ao Congresso porque ainda passará pelo filtro do presidente Jair Bolsonaro. Ainda assim, o economista Fábio Giambiagi se debruçou sobre o texto porque de alguma forma ele servirá de parâmetro para a versão final da PEC. Segundo ele, há duas medidas com forte impacto fiscal e que precisam sobreviver às negociações. A primeira é a criação dos fundos estaduais de previdência, que vão desafogar as finanças dos estados. A segunda é o sistema de pontos, que soma a idade ao tempo de contribuição, para se conseguir a aposentadoria integral. “Esse projeto é mais duro do que a reforma do Temer e isso é importante porque é preciso recuperar o tempo perdido. Também reúne ideias da própria PEC 287, do projeto Tafner/Armínio e tem a previdência fásica do ministro Lorenzoni. Essa união de propostas pode facilitar a busca de um consenso”, explicou. A reforma original de Temer buscava economizar cerca de R$ 800 bilhões em 10 anos. Guedes falou em R$ 1 trilhão no mesmo período, mas há versões mais leves. Quem compreende a gravidade da crise torce para que o ministro da Economia consiga exercer a sua influência sobre o presidente.

‘Tem que pegar todo mundo’
A bancada do Partido Novo se reuniu ontem com o secretário de Previdência, Rogério Marinho, para esclarecer pontos da reforma e acertar a estratégia de comunicação da proposta. O Novo é o partido que tem maior afinidade com a agenda liberal do ministro Paulo Guedes e deve dar os oito votos de sua bancada para a aprovação da PEC. Segundo o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), o partido vai defender que o texto contemple todas as categorias, incluindo políticos e militares, mas não deve se opor caso a proposta vá diretamente a plenário. “A discussão pode ser feita com a sociedade e no próprio plenário. Se for para o país ganhar tempo nessa burocracia da Câmara, não vejo problema em pular as comissões”, afirmou.

Monica De Bolle*: Generais no labirinto ‘populista’

- O Estado de S.Paulo

Os generais, quem diria, são a maior esperança para que o Brasil retome algum senso de competência e disciplina

Em coluna recente para o Financial Times, Gideon Rachman argumentou que a era “populista” pode durar trinta anos, ou seja, que os movimentos que levaram ao Brexit e à vitória de Donald Trump em 2016 não vão retroceder tão cedo. Em particular, Rachman afirma que o presidente norte-americano tem diversos admiradores mundo afora, incluindo Jair Bolsonaro no Brasil. Independentemente do que se acredite sobre a durabilidade dos “populismos”, é fato incontestável que o começo do fim da era da globalização triunfante começou em 2008. O que acontecerá daqui para frente é fruto de muitas especulações e de usos confusos de termos como “populismo”.

Há populismo no mundo? Se definirmos populismo como algo que não está necessariamente atrelado a alguma ideologia e que utiliza espécie de retórica particular e simplória para separar segmentos da população – o povo versus o resto, o povo “puro” em contraposição ao resto “corrupto” – o encontraremos por toda a parte e em todos os continentes. Em alguns casos, o populismo se confunde com visões nacionalistas, como exemplifica o discurso de Steve Bannon, ex-estrategista de Trump e espécie de encantador de serpentes nacionalista-populistas. Disse ele em uma entrevista ao final de 2018 para a BBC: “O nacionalismo econômico significa colocar o seu país em primeiro lugar no que diz respeito à economia, e maximizar o valor da cidadania”. Essa forma de definir o nacionalismo econômico leva, necessariamente, a um discurso contrário à imigração, contrário à atuação de empresas estrangeiras, inequivocamente excludente. O povo é o cidadão nascido e forjado na pátria amada. O resto é ameaça à sua sobrevivência, à sua identidade cultural, à sua grandeza, à grandeza da Nação.

Dessa visão nacionalista-populista surgem inevitavelmente as questões identitárias presentes mundo afora, e, desde a eleição de Bolsonaro, Brasil adentro. Frases como “temos de resgatar os valores judaico-cristãos”, “é preciso combater o marxismo cultural”, “é premente extirpar a ideologia de gênero” aludem aos espantalhos que criam o sentido de “nós” e “eles” que forma o núcleo da nova direita religiosa ultraconservadora do País. Com o discurso excludente e acusatório, essa nova direita religiosa e ultraconservadora é inequivocamente nacionalista-populista. Aqui nos Estados Unidos, ela compõe boa parte do eleitorado do Partido Republicano. Em alguns países europeus, versões dessa variante de direita estão presentes nos partidos que hoje representam aquilo que nos acostumamos a chamar de “extrema-direita”. O crescimento desse eleitorado e o fortalecimento desses partidos nas economias avançadas explicam porque Gideon Rachman acredita que a era populista-nacionalista pode perdurar por tanto tempo.

Respostas vazias: Editorial | Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro recorre a evasivas diante de evidências acerca da conduta de ministro

A constatação de que nos últimos anos políticos e executivos ligados a grandes empresas e legendas tradicionais, como PT, PP, PMDB e PSDB, viram-se implicados em desvios de grande vulto não basta para transformar em inocente quem tenha incorrido em ilícitos de escala menos espetacular.

Subtrair milhões ou milhares de reais de recursos do contribuinte e aceitar vantagens de variadas proporções em prejuízo do bem público são ocorrências que devem ser consideradas malversações e enquadradas na lei.

Chama a atenção que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e alguns de seus auxiliares venham preferindo tergiversar acerca de episódios que, em pouco mais de um mês, já macularam a imagem de campeões da ética alardeada em campanha pelos atuais governantes.

Nesse curto interregno, soube-se ¬—ou rememorou-se— que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), recebeu colaborações eleitorais pelo caixa dois; que o titular do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi condenado por improbidade administrativa.

No caso mais delicado para o Planalto, veio à tona que o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e seu pai, o presidente da República, mantiveram laços estreitos com Fabrício Queiroz, policial e ex-assessor parlamentar envolvido com operações financeiras suspeitas e milicianos do Rio de Janeiro.

De mais recente, descobriram-se evidências de que Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), hoje ministro do Turismo, organizou um esquema de candidaturas artificiais em seu estado, para as quais distribuiu verbas públicas que chegaram a empresas ligadas a seu gabinete.

O pontapé inicial da reforma: Editorial | O Estado de S. Paulo

O governo poderá economizar R$ 1,3 trilhão em dez anos, a partir da aprovação da reforma da Previdência, segundo minuta do projeto obtida pela Agência Estado, mas o ganho se torna mais notável se contemplado de outra perspectiva. Além de evitar um desastre, uma boa reforma permitirá melhores serviços públicos e maiores investimentos para a expansão da atividade, a criação de empregos e a elevação das condições de vida de muitos milhões de famílias.

Divulgada a minuta, surgem detalhes e números para um debate mais concreto e mais produtivo sobre a modernização do esfrangalhado sistema de pensões e aposentadorias. Há outras simulações em exame, segundo o secretário da Previdência Social, Rogério Marinho, mas o texto agora conhecido tem elementos suficientes para um pontapé inicial na discussão pública.

As propostas do Executivo foram classificadas como duras - um elogio, neste caso - por analistas do setor financeiro. Não parece, no entanto, haver muito espaço para concessões quando os detalhes forem discutidos. Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o presidente Jair Bolsonaro rejeita a idade mínima igual para homens e mulheres.

O mínimo comum de 65 anos seria, portanto, o primeiro ponto contestado e sujeito a alteração. Além disso, já houve resistência, no Congresso, à possível diminuição do Benefício de Prestação Continuada, pago a pessoas muito pobres e com deficiências. A ideia é desvincular esse pagamento do salário mínimo. Alguma compensação pode ser proposta, como a redução da idade mínima, hoje fixada em 65 anos, mas o debate é politicamente complicado, porque envolve a assistência aos mais desprotegidos.

Eleição no Congresso abre caminho para as reformas: Editorial | Valor Econômico

O governo de Jair Bolsonaro foi bem-sucedido em seu primeiro teste de força no Congresso, com a eleição dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. Com isso, aplainou o início do caminho para a aprovação das reformas que prometeu fazer. Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara, e Davi Alcolumbre (DEM-AP), no Senado, estão comprometidos, em graus distintos de adesão e independência, com a agenda governista, o que é meio caminho andado, embora daí não decorra que o apoio às reformas será facilmente conseguido.

A escolha de Maia para comandar a Câmara, com apoio do PSL, trouxe ganhos adicionais para o partido de Bolsonaro, que liderará duas das mais importantes comissões, a de Constituição e Justiça e a de Finanças. Eleito com 334 votos, Maia já se mobilizava independentemente do Planalto e garantiu por si próprio um arco de apoio de legendas que lhe dá autonomia em relação ao governo. Logo após a vitória, Maia, desafeto do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, disse que o DEM não é governo, que os governadores precisam ser ouvidos na reforma da Previdência, que essa reforma ainda não está madura e que ela seguirá todos os processos rotineiros de sua tramitação na Câmara.

Maia tem simpatia pelo programa liberal do ministro Paulo Guedes e, como um dos políticos experientes em meio a um bando de novatos, especialmente do PSL, deu dois conselhos ao governo, em entrevista à "Folha de S. Paulo" (4/2). A insistência na agenda de costumes por Bolsonaro poderá prejudicar o andamento da reforma principal, a do regime previdenciário. "Se ficar estressando o plenário, o ambiente para votá-la vai ser muito precário", afirmou. Ele também está curioso para saber com que meios a coordenação política do governo obterá apoio dos congressistas recalcitrantes a seus projetos. Como o governo deu o ministério e a nomeação dos auxiliares a ministros escolhidos sem consulta aos partidos, ele "tira as condições de construir uma maioria no formato antigo", concluiu.

Pacote de Moro tem o rigor necessário: Editorial | O Globo

Mas seria impossível um conjunto tão amplo de propostas prescindir de ajustes e de um amplo debate

Se é prática política desejável cumprir o prometido em campanha, o governo Jair Bolsonaro deu um passo certo com a apresentação, anteontem, do conjunto de propostas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, para o combate à corrupção, à violência e ao crime organizado — portanto, também como forma de reduzir a epidemia de homicídios que acomete o país.

As sugestões, dispostas em 14 projetos de lei e distribuídas por 34 páginas, abrangem mudanças no campo do Direito Penal e avançam em questões operacionais importantes. Caso da ampliação da coleta de DNA de todo condenado por crime doloso, logo na sua entrada no sistema penitenciário; e da adoção definitiva do sistema de videoconferência, para a tomada de depoimentos de presos, sem necessitar seu deslocamento aos fóruns, fonte de grandes despesas aos estados e causa da retirada de muitos policiais das ruas.

Um dos destaques do pacote, já esperado, é o estabelecimento em lei da atual jurisprudência, assentada pelo Supremo, da prisão na confirmação da sentença em segunda instância. Como vigorou desde o Código Penal de 1941 até 2009, quando houve mudança de entendimento do STF, e depois retornando àquela jurisprudência em 2016, prestes novamente a ser discutida na Corte, em abril. A iniciativa de Moro vai ao encontro dos anseios da sociedade pelo fim da cultura de impunidade, em todo tipo de crime. Antecipou o ministro que, caso o STF volte atrás, o governo impetrará recurso.

Ao aceitar o convite de Bolsonaro, o juiz Sergio Moro, um dos vetores-chave da Operação Lava-Jato, deixou no ar o temor de que, devido à sua experiência, o superministério da Justiça e Segurança tivesse uma inclinação maior para o combate ao crime do colarinho branco, quando o país enfrenta uma crise de segurança pública que ameaça o próprio estado democrático de direito.

Affonso Romano de Sant’Anna: O operário da utopia

Apanhado em meio à noite,
jogado no chão da cela,
o corpo conhece, nú,
a primeira humilhação.
Outras virão: o soco,
o choque, a ameaça,
o urro na escuridão. - Quantos volts
suporta o corpo
- em coação,
até que dele escorra o fel
da delação? - O que procura o torturador
nas pedras do rim alheio
como vil minera/dor?
-O que ama esse ama/dor
da morte?
esse morcego suga/dor
sob os porões da corte?
esse joga/dor
do jogo bruto?
esse serviçal da morte
e cria/dor
- do luto? O torturador se julga, e acaso o é,
um trabalha/dor diferente:
seu trabalho é destruir
o sonha/dor insistente
como o médico que resolvesse
matar de dor
- o paciente.
Mas sob a tortura
o que há de melhor no homem.
jamais se manifesta. Quando muito
podeis catar pelo chão
o pouco que dele resta.
Mas soltai-o em festa, ao sol
e vereis que a verdade
de seus gestos se irradia.
Livre
vestindo a pele do dia,
o torturado caminha
com seu corpo tatuado
de violência e poesia.
Mas ele não marcha só.
Apenas segue na frente
na direção da utopia.