domingo, 17 de fevereiro de 2019

Opinião do dia: Gustavo Bebianno

O problema não é o pimpolho. O Jair é o problema. Ele usa o Carlos como instrumento. É assustador”.


Em Lauro Jardim na coluna governo, “Jair é o problema”, O Globo, 17/2/2018

Luiz Sérgio Henriques*: Os fatos da Venezuela

- O Estado de S. Paulo

Absurdo drama humano, motivo de vergonha para seus promotores e quem lhes dá apoio

Certamente próxima do fim, mas sem que se possa excluir como desfecho uma intervenção externa ou uma guerra civil catastróficas, a tragédia venezuelana em curso põe de ponta-cabeça o mundo tal como o temos experimentado. É verdade que parte da esquerda global - seria mais apropriado falar de extrema esquerda - permanece irredutível na defesa do que seria uma “revolução nacional e democrática”, com todos os seus erros e até crimes, contra a ameaça iminente do “imperialismo”, acorrentando-se com cegueira deliberada ao destino da ditadura bolivariana. Não menos verdade é que, dada a gravidade dos acontecimentos, atores como Donald Trump e os que a ele se associam de forma subordinada podem apresentar-se, pelo menos taticamente, como defensores de uma agenda humanitária que raramente, até agora, deram mostras de considerar com seriedade.


Trump, afinal, é o político que constrói muros, mesmo quando na fronteira se amontoam refugiados de países centro-americanos literalmente devastados pela “guerra às drogas”. E o nativismo que apregoa é versão particularmente grosseira daquele “esplêndido isolamento”, uma das vertentes, ainda que não a única, do modo norte-americano de estar no mundo. O nacionalismo que pratica e, ao mesmo tempo, ajuda a difundir entre sócios menores hostiliza instituições multilaterais que, com todas as suas limitações, participam do “governo global” minimamente necessário numa fase histórica em que o mundo objetivamente se unifica, ao menos em termos econômicos, e a interdependência se afirma como possível fator de paz e entendimento.

Naturalmente, há razões geopolíticas de muito peso no movimento para além da própria fronteira, em direção ao sul do continente. Há motivos econômicos óbvios e há novos aliados ideológicos a serem mobilizados em ordem unida: a conjunção de astros aqui parece muito favorável, pouco depois do encerramento do ciclo dos governos ditos nacional-populares. Mas a justificativa imediata e, em seus termos estritos, rigorosamente defensável decorre de algo com que governos de direita e extrema direita dificilmente contam, a saber, uma emergência humanitária sem precedentes, acarretada, no caso, pelo colapso do frágil e ruidoso experimento de Hugo Chávez e Nicolás Maduro.

Celso Lafer*: Sobre a identidade internacional do Brasil

- O Estado de S. Paulo

Manifestações iniciais do governo Bolsonaro revelam dificuldade em orientar o País no mundo

O tema da identidade é parte da pauta da política externa dos países. Diz respeito à relação de continuidade e mudança, seja por razões internas ou externas, da sua ação diplomática. Busca esclarecer, como observa Karl W. Deutsch, em que medida as transformações da conduta externa mantêm o fio da continuidade que permite falar em identidade internacional.

No trato da identidade internacional do Brasil, tenho utilizado a lógica organizadora do que Renouvin e Duroselle denominam “forças profundas”. São explicativas dos elementos históricos da continuidade de nossa política externa desde a independência que mantêm uma coerência, de duração longa, não obstante as mudanças compreensíveis e as incoerências conjunturais, provenientes das contradições da vida e das ações políticas. É essa dimensão de coerência que esclarece, como mostrou Rubens Ricupero, o relevante papel da diplomacia na construção do Brasil, incluída a constituição mais pacífica da nossa escala continental, uma singularidade que nos diferencia de outros países de escala continental, como EUA e Rússia.

A política externa e a atividade diplomática têm como item permanente da agenda defender os interesses de um país no plano internacional. Identificar esses interesses para traduzir necessidades internas em possibilidades externas, diferenciando-os dos interesses e perspectivas dos demais atores que operam na vida internacional, é um exercício diário de representação da identidade internacional de um país.

Ortega y Gasset realçava que a perspectiva organiza a realidade. Nesse contexto, numa acepção mais abrangente, a política externa articula a expressão de um ponto de vista de um país sobre o mundo e seu funcionamento. No caso do Brasil, os fatores de persistência esclarecem a dimensão da continuidade deste ponto de vista que resulta da memória de uma tradição diplomática que o Itamaraty preserva.

San Tiago Dantas esclarecia que a continuidade é um requisito da política externa, observando que isto não acontece da mesma maneira em relação aos problemas administrativos do país, no âmbito dos quais mudanças de rumo não têm os mesmos inconvenientes do que ocorre em matéria de ação exterior do Estado: é fundamental “que a projeção da conduta do Estado no seio da sociedade internacional revele um alto grau de estabilidade e assegure crédito aos compromissos assumidos”.

Eliane Cantanhêde: A militarização do governo

- O Estado de S.Paulo

Enquanto Bolsonaro gera crises, generais executam uma política clara de ocupação de espaços

A queda estrondosa do ministro Gustavo Bebianno e a confirmação de que o Brasil vive a era da “filhocracia” reforçam uma tendência clara: quanto mais o presidente Jair Bolsonaro tropeça nos próprios pés, mais os militares se aprumam, ganham poder e se infiltram em todos os setores do governo, não mais apenas em áreas fortes do Exército, como a infraestrutura, mas até em política externa, educação e meio ambiente.

Ao anunciar nesta semana o fim da Superintendência do Ibama no DF e a substituição de exatamente todos os demais 26 superintendentes estaduais, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem um objetivo muito claro: substituir pelo menos 20 deles por militares.

“Não se pode brincar com isso, os superintendentes é que concedem licenças e alvarás e eu não sou obrigado a conhecer gente confiável em todos os Estados, no Amapá, no Acre, em tantos lugares em que nunca fui”, diz Salles.

Ele pediu ajuda ao Ministério da Defesa e aos generais do entorno de Bolsonaro para sugerir nomes. Como os militares têm boa formação e se aposentam cedo, como coronéis e capitães, não é difícil encontrar mão de obra. Eles, aliás, já ocupam cargos-chave no ministério de Salles, inclusive a chefia de gabinete.

Vera Magalhães: Autocombustão

- O Estado de S.Paulo

Crise que prolonga paralisia de governo que mal começou foi fabricada pelo presidente

O governo Jair Bolsonaro já estava paralisado sem nem ter começado. A expectativa era de que essa letargia cessaria com a alta do presidente da República após duas semanas de internação. Mas a prioridade de Bolsonaro e família ao deixar o hospital não era a reforma da Previdência, mas incinerar um aliado nas redes sociais, sem se dar conta de que a chama poderia voltar e chamuscar o próprio governo.

A semana terminou com Gustavo Bebianno ainda pendurado ao cargo por um fio. Parece que Bolsonaro vai demiti-lo oficialmente na segunda-feira, mas não é bom cravar nada. Afinal, o presidente chamou o seu secretário-geral da Presidência de mentiroso enquanto ainda estava no hospital, deixou o filho brincar de fritá-lo no Twitter, deu ordem para mantê-lo no cargo e, depois, o demitiu verbalmente. Mas nada está formalizado. Este, aliás, não é um governo que se atenha a formalidades.

Num show de horrores digno de programa de barraco familiar vespertino, Carlos Bolsonaro deixa vazar áudios privativos do presidente e o ministro atingido replica fazendo vazar conversas suas com o mesmo presidente. Eis a “nova era” da comunicação direta com o povo. Um coquetel perigoso de despreparo, arrogância, autoritarismo e ingenuidade leva os Bolsonaros a jurarem que estão revolucionando a forma de fazer política e se comunicar, mas se esquecem de que as armas que usam para aniquilar inimigos (mesmo aqueles que eram amigos até ontem) podem se voltar contra eles. Afinal, se não há privacidade assegurada, vale tudo na selva das redes sociais.

Merval Pereira: Nas redes da intriga

- O Globo

O novo ativismo é individualista, isolado, orientado para questões de estilo de vida e crescentemente apolítico

A crise que culminou com a queda do ministro da Secretaria-Geral da Presidência guarda dentro de si uma crise maior, alimentada pelo próprio Governo, a crise da democracia representativa. Esse é um fenômeno contemporâneo globalizado que vai se alastrando à medida que os novos meios de comunicação vão abrindo espaço cada vez maior para a participação direta dos cidadãos nas decisões politicas.

Esse empoderamento do cidadão tem seu lado negativo quando os políticos passam a se guiar pelas redes sociais, em vez de liderar ações necessárias ao país, mesmo quando impopulares. O atual Congresso é exemplo concreto desse momento conturbado que vive a democracia. Parlamentares montam estúdios em seus gabinetes para lançar mensagens permanentes, e votam de acordo com as redes sociais.

Um governo eleito fundamentalmente pela ação nas redes sociais, beneficiado pelo poder de expor suas ideias sem ser confrontado, devido à possibilidade de não comparecer a debates de televisão, sente-se dono da comunicação politica. E reputa de “inimigos” aqueles que contestam suas decisões. Um governo desse tipo fica exposto a intrigas e manipulações várias.

O caso em questão é exemplar dessa situação. Se o ministro Gustavo Bebianno foi demitido devido às acusações de manipulação ilegal de dinheiro na campanha eleitoral, a mesma decisão deveria ter atingido o ministro do Turismo, acusado também de desviar recursos partidários utilizando-se de “laranjas”.

Na verdade, independente de Bebianno ser ou não culpado, o que determinou sua derrubada foi uma disputa de poder com o filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro. Especialista em usar as mídias sociais para defender seus pontos de vista, ele teve atuação permanente durante a campanha, mesmo que apartado do aparato formal.

Míriam Leitão: As revelações da crise política

- O Globo

Caso Bebianno envolve suposto desvio de dinheiro público, nos moldes da velha política, intervenção familiar, e cargos em estatais como moeda de troca

O governo Bolsonaro tem 48 dias e já viveu várias crises, a última tem elementos perigosos e reveladores. Primeiro, o caso do ministro Gustavo Bebianno envolve suposto desvio de fundos públicos, nos mesmos moldes da velha política que o presidente Jair Bolsonaro prometeu combater. Segundo, exibiu também de forma extravagante a anomalia que se temia: a intervenção da família nas questões de governo. Por fim, Bolsonaro tentou ajeitar tudo oferecendo a Bebianno uma diretoria da Itaipu, como se cargo fosse moeda de troca.

Bebianno foi copa e cozinha de Bolsonaro desde a pré-campanha. Não há o que o atinja que não respingue no presidente. Fez parte do círculo mais restrito que iniciou a caminhada que levou Bolsonaro ao Planalto. Foi o coordenador da campanha e, portanto, tinha o poder de distribuir dinheiro. O esquema que está sendo revelado é conhecido no Brasil. Verba eleitoral vai para candidatos-laranja, que depois não sabem explicar como foi usado o dinheiro. Neste caso, não falta nada, nem a gráfica suspeita.

A primeira reação do grupo governista foi a odiosa frase do presidente do PSL, Luciano Bivar, para explicar os duzentos e poucos votos na candidata que recebeu a maior parte do fundo partidário. “Política não é muito a vocação da mulher. Essa regra (de 30% de candidaturas femininas) violenta o homem”. Para ele, a vocação da mulher é ser bailarina. O país está tão calejado de frases discriminatórias que isso nem provocou maiores reações.

Afinal, na mesma semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu os processos contra Bolsonaro, que foi acusado de incitação ao estupro. O STF fez isso porque ele virou presidente, e assim determina a lei, mas o tribunal não consegue explicar por que não o julgou em tempo hábil.

Bernardo Mello Franco: A mentira é o de menos

- O Globo 

A polêmica sobre os diálogos de Bebianno é irrelevante. O que importa é saber quem embolsou o dinheiro do laranjal e o que ele está disposto a revelar sobre a campanha

Na versão oficial, o novo governo terá a primeira baixa por causa de uma mentira. O vereador Carlos Bolsonaro acusou o ministro Gustavo Bebianno de relatar conversas inexistentes com o pai. “Mentira absoluta”, tuitou o Zero Dois. O presidente apoiou o filho e reforçou a fritura do auxiliar.

O tiroteio verbal agravou a crise, mas desviou o foco de sua origem. Bebianno está na berlinda porque comandava o PSL quando o partido que prometeu limpar a política declarou gastos com candidatos fantasmas. A família do presidente culpa o ministro pelo laranjal. Ele ameaça espremer o chefe depois que virar suco.

Como os repasses saíram do fundo eleitoral, o conflito de versões é o que menos importa. O essencial é saber quem embolsou o dinheiro público. E o que Bebianno está disposto a revelar sobre a “campanha mais pobre da história do Brasil”, nas palavras do presidente.

Se a mentira virasse critério de corte, sobraria pouca gente no governo. Na última semana, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sugeriu que Chico Mendes era grileiro de terras. O ambientalista lutou pela floresta amazônica e foi assassinado a mando de um fazendeiro. Salles foi condenado por improbidade administrativa, acusado de fraudar mapas para favorecer uma mineradora.

Ascânio Seleme: Pai Permissivo

- O Globo

Pai permissivo detesta enfrentar seus filhos. Desde muito cedo faz todos os gostos dos meninos, mesmo quando racionalmente reconheça que deveria agir de modo contrário. Teme que as crianças se irritem com a negativa, façam uma cena e lhe tirem a tranquilidade. Esse homem é um egoísta que não quer problema e faz qualquer concessão para evitar conflito. Seus filhos são mimados e crescem com uma autonomia inadequada para suas idades e capacidades cognitivas. São meninos-problema e serão homens-problema.

O pai permissivo é um covarde por natureza. No fundo, ele tem medo dos filhos. No começo, é medo de se incomodar com o que julga ser bobagem, e vai deixando os filhos agirem como bem entenderem. Com essa lógica medrosa, permite que esses jovens cresçam sem controle e se tornem homens que desrespeitam limites. Daí, o pai começa a ter medo físico dos filhos.

Como o pai permite tudo, ou não se importa com nada, os filhos acabam tendo seu desenvolvimento psicoemocional descompensado. Sua capacidade de interagir em casa e na rua, sobretudo na rua, é balizada por essa permissividade. Esses meninos ficam autoritários, brigões, não aceitam não como resposta. Suas habilidades sociais são reduzidas, qualquer faísca é capaz de provocar reações bruscas, burras e algumas vezes brutais.

Esses meninos são normalmente arrogantes. Acham que podem tudo, afinal cresceram num ambiente em que tudo podiam. Muitos filhos de pais permissivos já quebraram empresas que herdaram da família. Como qualquer coisa que fizessem era abençoado pelo pai, envelheceram sem conhecer as suas próprias limitações e, acreditando saber mais do que de fato sabem, acabaram destruindo patrimônios. Esse é apenas um dos muitos problemas de arrogância gerada desde o berço.

Elio Gaspari: A rebelião do andar de cima

O Globo / Folha de S. Paulo

Quem se encantou pela franquia Bolsonaro achando que se livraria das bandeiras do corporativismo petista, não sabia o tamanho do ativismo do andar de cima. O presidente anunciou que “vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil”. Todos, não.

Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro. Em todos os casos mobilizaram-se servidores do andar de cima, gente com salários mensais que vão de R$ 20 mil a sabe-se lá quanto.

A primeira rebelião veio dos procuradores da Fazenda Nacional. Paulo Guedes queria colocar um diretor do BNDES na cadeira de procurador-geral. A corporação rebelou-se, avisando que centenas de procuradores abandonariam seus cargos em comissão, pois o procurador-geral deveria ser escolhido no quadro da instituição. Ganharam.

O segundo confronto deu-se com os auditores da Receita Federal. A Agência Nacional de Aviação queria que eles cumprissem a norma da revista ao entrarem em áreas restritas dos aeroportos. Os descontentes mostraram seu desagrado apurrinhando a vida de milhares de passageiros, obrigando-os a esperas de até quatro horas nas filas das alfândegas. Resolveram inspecionar todas as malas desses supostos contrabandistas. No dia seguinte três ministérios foram acionados e o governo cedeu.

A terceira rebelião veio dos procuradores da República. Até a última terça-feira, 192 doutores devolveram 325 funções não remuneradas. Eles apresentam reivindicações técnicas, nas quais está embutida uma questão salarial, escondida nos penduricalhos de uma categoria que ganha, no barato, R$ 25 mil líquidos. Por trás dessa rebelião está o painel da sucessão da procuradora-geral, Raquel Dodge. A batalha ainda não terminou. Até hoje, magistrados e procuradores ganharam todas.

Ativismo do andar de cima é outra coisa.

Janio de Freitas: O poder do plural

- Folha de S. Paulo

Se os generais voltam à influência no lusco-fusco ou participam com mais clareza, é incógnita

Uma pergunta que não se deve fazer: afinal, quem é que manda? Consta que embaraçar o interlocutor, mesmo nos novos costumes, continua sendo indelicado. E frustrar a curiosidade é um mal inexpressivo, na bagunça de males corrosivos em que estamos imersos. A rigor, nem haveria resposta com razoável firmeza.

Certo, que prescinda de comprovação, já tantas de conhecimento geral, só o fato de que quem deveria mandar é o único que não manda. Por ignorância impenetrável do que não seja vulgarmente rasteirinho.

De direito, é seu o poder de decisão, de mando, de rumos. Esses e outros poderes, porém, desde a posse do presidente estiveram de fato e sem direito com um vereador e um deputado, Carlos e Eduardo, em razão do sobrenome e desrazão, digamos, mental. O pai submete-se, obediente e confiante, ao que presume serem a capacitação e a lucidez dos filhos.

A incompatibilidade que pressionou pela exoneração de Gustavo Bebianno, secretário-geral da Presidência, foi com o filho vereador. O pai apenas seguiu o disposto por Carlos, aparentando como seu o desejo de que o secretário se exonerasse depois de chamado por Carlos de mentiroso, em público. Em contraste com essa ruptura, ao tempo mesmo em que a pressão transbordava e parecia vitoriosa, o comentário pedido por jornalistas ao vice Hamilton Mourão recebia resposta sucinta e direta: "Vamos pacificar isso". A situação negava sentido à frase.

Vinicius Torres Freire: Chineladas do governo e Previdência

- Folha de S. Paulo

Rolos dos Bolsonaros, salário mínimo e revolta da viúva podem sabotar reforma

O governo vaza pelos jornais que seu plano de reforma da Previdência vai dar em economia de R$ 1 trilhão em dez anos. Suponha-se que essa conta esteja certa.

O governo de Michel Temer previa que sua reforma economizaria R$ 802 bilhões, tal como foi proposta em 2016 (atualizados alguns valores básicos). Em cinco meses de emendas e lipoaspiração no Congresso, a economia baixou a R$ 611 bilhões.

A reforma andava já mal das pernas quando Temer caiu no grampo de Joesley Batista, morreu politicamente e levou a Previdência consigo para a cripta.

A reforma de Bolsonaro também deve ser lipoaspirada pelo Congresso. Tanto mais será reduzida quanto mais mexer com temas sensíveis e quanto mais sensível estiver o governo a crises.

Antes de falar de política, alguns números de importância sociopolítica: a economia da reforma Temer chegaria a mais de R$ 1 trilhão caso o salário mínimo fosse reajustado apenas pela inflação (sem aumento real). Seria, pois, uma poupança adicional de R$ 200 bilhões —note-se a relevância do assunto.

Bolsonaro terá de definir até abril, no meio do debate da reforma, uma nova regra de reajuste para o salário mínimo. Na Previdência, terá de definir quais benefícios vão valer pelo menos um salário mínimo.

Bruno Boghossian: Marketing forjado em sangue

- Folha de S. Paulo

Cultura de execuções extrajudiciais vira política de segurança, mas não resolve violência

Ao entrar para a política, o ex-juiz Wilson Witzel (PSC) deve ter perdido o hábito de ler os autos antes de dar uma sentença. O governador se antecipou às investigações e declarou que a operação policial que matou 13 pessoas em favelas do Rio, há nove dias, foi “uma ação legítima para combater narcoterroristas”.

Os parentes dos mortos admitem que eles estavam envolvidos com o tráfico de drogas. Dizem, porém, que eles haviam se rendido e foram executados. Nove deles foram mortos juntos, dentro de uma casa. A polícia afirma que não houve ilegalidade, mas prometeu investigar o episódio. Witzel não quis nem fazer o teatro.

O governador só está interessado no marketing do sangue. Comemorou uma operação que não fez nem cócegas nas grandes facções e tentou explorar o caso para fazer propaganda do suposto “rigor” com que pretende agir contra o crime.

Se Witzel acha que essa é a saída para resolver o caos da violência pública e combater o domínio territorial dos traficantes, o Rio está lascado.

Luiz Carlos Azedo: Sargento de milícias

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“O colapso dos esquemas de corrupção política tradicionais fortaleceu o poder político das milícias fluminenses, que agora rondam o Palácio do Planalto”

O romance Memórias de um sargento de milícias, de Manuel de Antônio de Almeida, publicado integralmente em 1854, é um manual da picardia característica dos cariocas e fluminenses. Faz uma espécie de “fusion” identitária entre classe média e as camadas populares do Rio de Janeiro, na qual traça o arquétipo da malandragem. Foge das características do romantismo brasileiro da época, porque seu personagem principal, Leonardo, é um cara muito esperto, que se torna sargento graças à proteção de seu padrinho, Major Vidigal. Não é um herói nativista ou patriótico, capaz de servir de paradigma de nobres costumes para construção da identidade nacional, como outros personagens da literatura da época.

Como retrata a vida no Rio de Janeiro por ocasião da chegada de D. João VI e da corte portuguesa, em 1808, foge à regra das histórias baseadas no cotidiano das elites cortesãs, embora também faça a crítica do comportamento delas. É uma mistura de romance picaresco e crônica dos costumes, cuja originalidade e importância aumentam com o tempo, porque mostra características identitárias que se afirmaram como permanentes ao passar dos anos. Coube ao acadêmico Antônio Cândido destacar a importância literária do romance escrito em forma de folhetim e publicado originalmente no Correio Mercantil, entre 1852 e 1853.

No ensaio Dialética da malandragem, um marco da crítica literária no Brasil, Antônio Cândido mostra que o romance de Manoel Antônio de Almeida estabelece um nexo entre a ordem e a desordem, a primeira representada pelo Major Vidigal; a segunda, por Leonardo, mas ambos oscilam entre um polo e outro: ordem e desordem se articulam solidamente, mas “o mundo hierarquizado na aparência se revela essencialmente subvertido, quando os extremos se tocam”. Manuel Antônio de Almeida não faz juízo de valor sobre os personagens, cujas ações certas e erradas se misturam. Na sua obra, como na vida, o bem e o mal se contrabalançam a todo instante.

Luciano Huck: Inaceitável

- Folha de S. Paulo

Nenhum país avança com tanta gente em favelas

Não consigo pensar em nenhum país que seja realmente admirado e tido como referência em qualquer área do desenvolvimento humano que ainda tenha parte significativa de sua população vivendo em favelas.

Mas o que se vê por aqui não é aceitável. Enquanto a humanidade se vê a caminho de extrair minério no espaço, de se deslocar em carros autônomos, de interagir com inteligência artificial, vivendo sua quarta revolução industrial, por aqui não vemos nenhum sinal, rumo ou projeto para solucionar esse que é um dos mais evidentes e escancarados retratos da injustiça social do nosso país.

A materialização do abismo social que nos divide é capaz de colocar no mesmo CEP a miséria e o luxo em cidades partidas como o Rio de Janeiro, consegue proezas como fazer a expectativa de vida oscilar mais de uma década nas poucas quadras que separam o Arpoador do Pavão Pavãozinho.

Por mais pujantes que sejam a cultura produzida nas comunidades, o intenso comércio, a vida colorida e sorridente, os bailes, a energia empreendedora, os costumes que transbordam do morro para o asfalto, definitivamente não é justo.

Não podemos aceitar que nenhum brasileiro ainda viva em condições tão adversas; das escadas intermináveis enfrentadas todos os dias por senhoras carregadas de sacolas aos valões, passando pelas paredes que emendam com paredes, vielas sinuosas, esgoto a céu aberto, balas perdidas, ausência do Estado e todas as mazelas que a total falta de planejamento urbano e uma ocupação caótica podem trazer.

E, por favor, que ninguém apareça com a velha “solução mágica”: a ideia de gastar bilhões do erário com construções de qualidade e arquitetura questionáveis, a quilômetros de distância dos centros urbanos, cercadas por nada e serviço nenhum, e muitas vezes nem sequer atendidas pelo transporte coletivo.

Dorrit Harazim: A grandeza da mãe de Boechat

- O Globo

À dor pessoal, Mercedes Carrascal incorporou o inconformismo diante da brutalidade social. Estava exaurida e não deve ter ouvido os aplausos incontidos que recebeu

De pouco adianta reproduzir na íntegra, palavra por palavra, o depoimento de Mercedes Carrascal no velório do filho. Para captar a dimensão humana dessa senhora de 87 anos que acaba de perder o segundo de seus sete filhos, seria necessário vê-la por inteiro, ouvir as infinitas nuances de sua voz dolorida e firme. Felizmente, os 8min11s do depoimento estão imortalizados na internet. Ainda assim, este espaço pede licença para deixar registrada também em versão impressa a lucidez dessa argentina que emana humanidade em momento tão brutal de sua vida.

Ficará faltando muito do tanto que nos ensina a mãe do jornalista Ricardo Boechat, morto há uma semana em desastre de helicóptero em São Paulo. Mas é uma forma de homenagear ambos.

Pergunta da mídia: Quem era o Boechat para a senhora?

Dona Mercedes: “Um dos meus bebês... Foi um patinho feio, nasceu feinho, mas já com dois meses era um bebê muito bonitinho: bocão grande, olhinhos muito vivos, carinha muito cor de rosa, carequinha...

Era um menino despachado, um menino do qual os velhos gostavam muito porque ele gostava de falar com as pessoas de idade, de perguntar coisas, e nós velhos gostamos de contar — vocês estão vendo como eu estou aqui contando...

Eu tive sete filhos... tinha. Ficaram seis vivos... agora só ficaram cinco... Tenho orgulho de todos, cada um num sentido... Quando me diziam ‘Ah, você é mãe do Boechat?’, eu perguntava ‘de qual deles?’, porque todos são meus filhos e para mim todos têm o seu peso no meu coração. Eu sou uma leoa como mãe. Se tiver de defender qualquer um deles contra alguma injustiça, podem acreditar que vou às últimas, às últimas mesmo.”

Eles são grandes porque a senhora é gigante ...? (Dona Mercedes estampa cansaço com a pergunta-clichê e corta o tema)

( Pergunta sobre o que Boechat pensaria da dimensão nacional do velório em curso )

“Acho que ficaria assombrado com a quantidade de gente que demonstrou carinho por ele, pois não fazia as coisas aguardando recompensa. Fiquei de boca aberta com os depoimentos de pessoas de todas as classes sociais sobre o meu filho...

O que eu digo é que o caixão não era um caixão do Ricardo. Adorei a coisa do táxi em cima, porque isso era o Ricardo. Deixou de ser um caixão de luxo. (Referia-se ao bigorrilho luminoso colocado sobre o féretro fechado, homenagem da classe a seu radialista mais querido ) Agradeço à Band pelo caixão, pois vivemos num país, numa sociedade, em que o aparente é importantíssimo, mas aquela coisa de táxi foi maravilhosa. Eu falei, gente! Agora sim é o caixão do Ricardo.

Bernardo Carvalho*: O antimito

- Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Esquerda precisa incorporar espírito trágico para romper com alucinação coletiva

Pode ser uma tentação combater um populismo com outro. O caminho parece curto e natural, mas leva sempre aos piores equívocos.

O problema das artes contemporâneas não são os intelectuais (um dos bodes expiatórios preferidos dos populismos), mas o oposto do que se espera de uma atividade reflexiva: sua redução a convenções e proposições aceitáveis, ilustrações do lugar-comum, reprodução de discursos mais ou menos domesticados e consensuais.

Intelectual de esquerda, crítico e professor emérito de história da arte na Universidade da Califórnia em Berkeley, o inglês T.J. Clark entende que há de fato um problema com as esquerdas hoje, mas não o identifica a um elitismo nas artes.

No recém-publicado “Heaven on Earth – Painting and the Life to Come” (“o céu na Terra – a pintura e a vida por vir”), ele analisa obras de Giotto, Brueghel e Picasso, entre outros, para tentar compreender a encrenca política em que nos metemos.

Um dos fatores da crise estaria na tendência natural de não querermos ser contrariados, exacerbada até as raias do infantilismo pela combustão inédita de elementos psicossociais e tecnologia digital nas últimas décadas, da qual os populismos de direita souberam tirar o melhor proveito.

Clark se pergunta por que as desigualdades sociais e econômicas do capitalismo dos últimos 40 anos desembocaram em movimentos de direita e políticas de ressentimento. A resposta, segundo ele, estaria na recusa não só do público mas da própria esquerda em encarar as contradições.

O crítico vai buscar na pintura a representação silenciosa de um mundo com os pés no chão, menos vulnerável às promessas e aos ideais dos discursos épicos e religiosos nos quais hoje estamos enredados.

Zander Navarro*: O Brasil contra si mesmo

- Ilustríssima / Folha de S. Paulo

Sociólogo defende a tese de que a complacência, atitude de subordinação acrítica e frouxidão valorativa, é a marca mais característica dos brasileiros, o que enrijece chances de transformação social.

Neste ensaio submeto argumentos sobre a armadilha histórica que os brasileiros armaram para si mesmos e exponho uma tese geral a respeito de nossos comportamentos sociais.

Enfatize-se que “brasileiros” talvez não seja a categoria adequada para iluminar a identidade nacional, exceto pelos contornos do território. É imprecisa classificação, em função da vastidão do país, de suas gigantescas diferenças regionais e da escandalosa desigualdade socialque sempre mantivemos, além de outras facetas (ou vilanias) típicas de nosso curso histórico. Como brasileiros, nunca fomos um todo, mas sempre múltiplos, sugerindo fragmentação e apenas o embrião de uma sociedade.

Nem sequer o registro de nossas guerras e conflitos principais contribuiu para o adensamento de uma identidade. Guerras totais e dilacerantes são demarcadoras, alicerçando a autonomeação de um povo que se mobiliza para a defesa do território, de uma religião ou das formas culturais ameaçadas. Um de seus resultados é a coesão social, ancorada em valores que fundamentariam uma classificação comum. Apenas a linguagem comum e a delimitação de fronteiras seriam suficientes para a designação de “brasileiros”?

Todos nós, contudo, compartilhamos um ingrediente cultural irremovível, embora variável em suas manifestações concretas. Trata-se de uma entranhada tessitura que une todos os indivíduos, a despeito de diferenças de classe, diversidades regionais, inserção econômica ou outros indicadores que segmentam os grupos sociais.

É o elo que realmente nos aproxima —uma atitude permanente de complacência, a marca comportamental mais distintiva de todos nós. Uma atitude imanente à subjetividade do “ser brasileiro”. Nela encontra-se o farol do cotidiano e o determinante principal que nos permite, como membros da sociedade, atribuir significado às nossas ações.

Esse atributo orientador produz desastroso impacto na estruturação da nação, pois impõe, entre muitas outras, duas marcas profundamente negativas: a superficialidade de tudo o que se faz e, sobretudo, o escancarado desprezo social por qualquer reclamo de rigor e precisão. Afeta até mesmo a nossa noção de tempo e a esperança de futuro, pois tudo que puder ser adiado assim será.

A formulação e as modalidades de complacência, em sua concretude, combinam três grandes processos históricos, os quais, associados e convergentes, materializaram ao longo do tempo uma força cultural impositiva, formal ou tácita. E esse é nosso principal bloqueio para impulsionar voos de transformação mais ousados em direção a uma sociedade melhor, qualquer que seja esta última.

O que é complacência? Significa atitude passiva de subordinação acrítica e frouxidão valorativa dos indivíduos, em contextos variados e em todos os estratos sociais. É qualificação adequada, devido a sua ambiguidade, situando-se entre extremos, um deles negativo, sugerindo indolência, lassidão, preguiça e até adulação, incorporando igualmente o seu significado de tibieza. Sobretudo, demonstrando subserviência.

Complacência, porém, é também uma palavra que encerra outro extremo, benigno e virtuoso, pois pode sugerir comportamentos sociais que demonstrariam suavidade, ampliando a tolerância. Isso explicaria o estereótipo do “povo alegre e cordial”. Por esse ângulo, os brasileiros seriam mais receptivos à diversidade, ao pluralismo e às diferenças sociais.

Entre esses extremos, que variáveis seriam predominantes para determinar a concretude de nossos comportamentos complacentes? Seriam as circunstâncias do cotidiano ou os diferenciados contextos socioeconômicos e espaciais da sociedade brasileira? Ou o “peso da história”, sobretudo a escravidão?

Clã Bolsonaro planeja deixar PSL e ir para a nova UDN

Clã Bolsonaro negocia migrar para nova UDN

Filhos do presidente articulam deixar PSL e ingressar em sigla em formação que pretende reeditar antiga União Democrática Nacional, símbolo da centro-direita no País

Marcelo Godoy, Pedro Vasconcelos | O Estado de S. Paulo

Com o PSL em crise e sob suspeita de desviar verba pública por meio de candidaturas “laranjas” nas eleições de 2018, os filhos do presidente Jair Bolsonaro (PSL) negociam migrar para um novo partido, que está em fase final de criação. Trata-se da reedição da antiga UDN (União Democrática Nacional).

Segundo três fontes ouvidas pela reportagem em caráter reservado, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se reuniu na semana passada em Brasília com dirigentes da sigla para tratar do assunto. Ele tem urgência em levar adiante o projeto. Eleito com 1,8 milhão de votos, Eduardo teria o apoio de seu irmão, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ). Com esse movimento, a família Bolsonaro buscaria preservar seu capital eleitoral diante do desgaste do partido.

Enquanto ainda estava internado no hospital Albert Einstein, em São Paulo, Jair Bolsonaro acionou o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, para que determinasse investigações sobre o caso.

As suspeitas atingiram o presidente da legenda, deputado federal Luciano Bivar (PSL-PE), e foram pano de fundo da crise envolvendo o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, que foi chamado de mentiroso por Carlos Bolsonaro depois de afirmar que tratara com o pai sobre o tema. Após cinco dias de crise, Bebianno deve ser exonerado do cargo nesta segunda-feira, 18, por Bolsonaro.

Além de afastar a família dos problemas do PSL, a nova sigla realizaria o projeto político de aglutinar lideranças da direita nacional identificadas com o liberalismo econômico e com a pauta nacionalista e conservadora, defendida pelo clã Bolsonaro.

No começo do mês, Eduardo foi ungido por Steve Bannon, ex-assessor do presidente americano Donald Trump, como o representante na América do Sul do The Movement, grupo que reúne lideranças nacionalistas antiglobalização.

De saída, Bebianno se diz ‘perplexo’ e ataca Bolsonaro

Ministro culpa presidente por sua demissão; general é cotado para o cargo

Fora do governo depois de bater de frente com Carlos Bolsonaro, Gustavo Bebianno culpou o presidente pela sua saída, informa LAURO JARDIM. “O problema não é o pimpolho, é o Jair”, afirmou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência a interlocutores: “É uma pessoa louca, um perigo para o Brasil”. Em declarações públicas ontem, admitiu que deve ser exonerado e disse estar “perplexo” com o tratamento que recebeu. O general Floriano Peixoto é cotado para assumir o cargo.

Um ministro perplexo: “acredite no que quiser”

Prestes a ser demitido, Bebianno diz ter passado por humilhação pública

Renata Mariz e Jussara Soares | O Globo

BRASÍLIA - Com a demissão selada, o ministro Gustavo Bebianno, da Secretaria-Geral da Presidência, disse estar “perplexo” com as decisões de Jair Bolsonaro durante a crise que levou à sua saída, lançou indiretas em rede social sobre “deslealdade” e insinuou que o presidente recebeu informações incorretas durante a internação. A demissão deve sair oficialmente amanhã, segunda-feira, o que prolonga seu desgaste no cargo. Na madrugada de sábado, o ministro reproduziu um texto da internet dizendo que pessoas desleais viverão “esperando o mundo desabar na sua cabeça”.

— Não sou eu que dispenso o tratamento, eu estou recebendo o tratamento com perplexidade. Quem dispensa o tratamento é que tem que explicar os seus motivos — afirmou ontem a jornalistas.
Nas últimas horas em que deve permanecer no cargo, o ministro pretende conversar com aliados, assessores e amigos para traçar a estratégia da sua saída. Magoado com Bolsonaro, ele avalia que a fritura da última semana o expôs a uma humilhação pública. Bebianno, que se aproximou do presidente como um fã, tem sido aconselhado a falar o menos possível em uma ação de contenção de danos. 

Com a exoneração de Bebianno prevista para ser publicada no Diário Oficial da União amanhã, o general Floriano Peixoto, secretário-executivo, deve assumir a pasta interinamente. Esvaziado ainda durante a transição, Bebianno se cercou de militares em seu gabinete. A iniciativa foi vista como uma forma de se blindar dos ataques do vereador Carlos Bolsonaro, filho do presidente, de quem se tornou um desafeto durante a campanha eleitoral.

O texto publicado no Instagram de Bebianno não cita Bolsonaro e é atribuído ao jovem escritor baiano Edgard Abbehusen: “Saímos de qualquer lugar com a cabeça erguida ao carregar no coração a lealdade”. E conclui: “O desleal, coitado, viverá sempre esperando o mundo desabar na sua cabeça”. Na manhã de ontem, ao deixar o hotel onde mora em Brasília, Bebianno foi questionado sobre se a mensagem foi dirigida a Bolsonaro e afirmou que apenas “teve vontade” de postar: —Foi uma mensagem que eu tive vontade de publicar. Conceitual.

Bebianno reconhece que deve ser exonerado

Bebianno se diz perplexo por ter tratamento diferente ao dado ao ministro do Turismo

Titular da Secretaria-Geral é pivô da crise de candidaturas de laranjas do PSL

Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Pivô da crise de candidaturas de laranjas, o ministro Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral) se diz perplexo com a diferença do tratamento que vem recebendo em comparação ao do ministro Marcelo Alvaro Antonio (Turismo).

"Eu estou recebendo tratamento com perplexidade. Quem dispensa o tratamento é que tem que explicar os seus motivos", diz, ao reclamar da diferenciação.

Responsabilizado por transferências de recursos públicos a candidatos laranjas do PSL, Bebianno afirmou ter recebido a sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que será exonerado na segunda-feira (18).

A demissão de Bebianno, ainda não oficializada pelo Palácio do Planalto, é discutida após ele ter sido chamado de mentiroso por Bolsonaro.

O presidente negou ter mantido conversas com seu auxiliar na última semana e disse, ao ser questionado sobre as investigações, que o chefe da Secretaria-Geral poderia "voltar às origens".

Tanto Bebianno quanto Alvaro Antonio se tornaram alvo de suspeita após a revelação pela Folha de candidaturas de laranjas do PSL nas eleições de 2018.

"No caso de Minas Gerais, do Marcelo Alvaro Antonio, por que que eu não sou culpado então?", perguntou.

Pragmatismo para crescer: Editorial | O Estado de S. Paulo

Inflação controlada e juros baixos são condições para uma economia saudável, mas crescimento de longo prazo, com expansão segura dos negócios e do emprego, envolve muito mais que isso, como lembram os diretores do Banco Central (BC) na ata da última reunião de seu Comitê de Política Monetária (Copom). O lembrete é especialmente oportuno, porque pouco se têm mencionado metas mais ambiciosas que a arrumação do Orçamento e a reforma da Previdência. Estas são tarefas de enorme importância, sem dúvida, mas qualquer pauta econômica para o Brasil, neste momento, tem de ser muito mais ampla. O presidente Jair Bolsonaro e seus ministros continuam falando muito menos sobre modernização e dinamização da economia do que sobre questões ideológicas e de costumes.

Os desafios diante do governo são postos em adequada perspectiva na ata do Copom. As principais tarefas são tratadas em duas etapas, como deveriam ser num verdadeiro plano de governo.

Crise dos estados passa a atrair a devida atenção: Editorial | O Globo

Governos esperam o STF declarar constitucionais pontos da Lei de Responsabilidade para se ajustar

O amadurecimento do debate sobre a Previdência tem sido impulsionado pela própria evolução da crise fiscal. Pesquisas recentes feitas no Congresso detectaram amplo apoio à reforma dos sistemas de seguridade — INSS, servidores públicos e militares —, embora haja fundas divergências no detalhamento das mudanças. Algo a ser resolvido na negociação política.

Um aspecto específico da crise fiscal que atua em favor da reforma é o estrangulamento dos estados, obrigados, como a União, a arcar com despesas carimbadas em saúde e educação, e engessadas, como os salários e os benefícios previdenciários dos servidores. Estas são despesas autônomas que aumentam também por mecanismos de indexação, e por isso o governador — ou prefeito — nada pode fazer a não ser raspar o caixa para pagar a folha de pessoal (incluindo aposentadorias e pensões). E sem poderem emitir títulos de dívida, como a União. Explica-se por que em hospitais e emergências no Rio, estado e município, o atendimento está caótico: falta tudo, inclusive manutenção de prédios e equipamentos. Mas nem todo político admite que a principal causa é o poder de sucção do dinheiro disponível exercido pela folha de salários e benefícios previdenciários. Temem fustigar corporações.

Um governo peculiar: Editorial | Folha de S. Paulo

Generais, Guedes e Moro tentam desarmar crises e sustentar gestão Bolsonaro no seu início

A administração do presidente Jair Bolsonaro, prestes a atingir a marca dos 50 dias, oferece um primeiro esboço de seu modo de funcionamento, embora sujeito obviamente a transformações substanciais. Trata-se de um governo peculiar.

Quadros oriundos do alto oficialato das Forças Armadas constituem a espinha dorsal política. No Palácio do Planalto, nos ministérios e nas estatais, formam uma rede aparentemente articulada incumbida de tocar a máquina federal e de contra-arrestar os vetores estrambóticos que a todo momento espocam no seio do governismo.

A crise envolvendo o ministro da Secretaria-Geral, Gustavo Bebianno, foi a demonstração mais recente e ostensiva da ubiquidade da ala militar, que até a última hora trabalhou para mantê-lo no cargo.

Desde o início da gestão, generais atuaram para desarmar bombas plantadas pelo presidente da República, por seus filhos arruaceiros e por um chanceler que resolveu frequentar a franja lunática do movimento neopopulista.

Charles Baudelaire: A serpente que dança

Em teu corpo, lânguida amante,
Me apraz contemplar,
Como um tecido vacilante,
A pele a faiscar.

Em tua fluida cabeleira
De ácidos perfumes,
Onde olorosa e aventureira
De azulados gumes,

Como um navio que amanhece
Mal desponta o vento,
Minha alma em sonho se oferece
Rumo ao firmamento

Teus olhos que jamais traduzem
Rancor ou doçura,
São jóias frias onde luzem
O ouro e a gema impura.

Ao ver-te a cadência indolente,
Bela de exaustão,
Dir-se-á que dança uma serpente
No alto de um bastão.

Ébria de preguiça infinita,
A fronte de infanta
Se inclina vagarosa e imita
A de uma elefanta.

E teu corpo pende e se aguça
Como escuna esguia,
Que às praias toca e se debruça
Sobre a espuma fria.

Qual uma inflada vaga oriunda
Dos gelos frementes,
Quando a água em tua boca inunda
A arcada dos dentes

Bebo de um vinho que me infunde
Amargura e calma,
Um líquido céu que se difunde
Astros em minha alma!

(Tradução de Ivan Junqueira)