quinta-feira, 11 de abril de 2019

Merval Pereira: Governo e seita

- O Globo

Bolsonaro se dedicou muito mais nesses primeiros cem dias a defender sua pauta de costumes e valores

Nos cem primeiros dias do governo Bolsonaro, já dá para ver que temos dois governos, um que funciona, outro que parece uma seita religiosa sem um líder ou, pior, com líderes atrapalhados, que às vezes pode ser o próprio presidente, outras é o guru dele, o professor on-line Olavo de Carvalho, que vem acumulando poder na mesma proporção que provoca confusão.

Seus seguidores, especialmente os filhos de Bolsonaro, ouvem seus conselhos e nomeiam e desnomeiam ministros baseados neles, com facilidade assustadora. São uma fonte de incertezas, e muitos, entre eles membros do núcleo militar que Olavo vem inutilmente chamando para um bate-boca virtual, consideram que estão atrapalhando a recuperação da economia.

O balanço deste início de governo não é positivo, e essa constatação já aparece na queda da popularidade do presidente. Mas houve pontos relevantes. O governo andou no caminho certo em áreas importantes: economia e segurança pública, além da infraestrutura, que está dando consequência à decisão de privatizar setores básicos para o desenvolvimento.

Mas andou irremediavelmente errado em setores essenciais, como a Educação e as Relações Exteriores. O ministro Ernesto Araújo continua desmontando o que considera o aparelhamento no Itamaraty, desprezando o conhecimento de embaixadores experientes, como fez agora com Sérgio Amaral, removendo-o de Washington para tentar colocar no lugar um assessor também ligado ao autointitulado filósofo de Virgínia, que ajuda a governar pelo Skype.

Luis Antonio Verissimo: Que fatos?

- O Globo

A máxima do Marx, segundo a qual a história só se repete como farsa, tem uma versão brasileira: aqui a história não se repete, se corrige. Discute-se se o que houve em 64 foi um golpe ou uma revolução redentora, e o que veio depois foi ou não foi uma ditadura de 20 anos. Uma facção sustenta que houve, sim, um golpe e uma ditadura e que os fatos confirmam isso, outra facção sustenta que nunca houve golpe, e os 20 anos de ditadura foram um mal-entendido, uma terceira facção aceita que houve um golpe e uma ditadura, e os fatos confirmam isto, mas que não se deve dar importância demais aos f atos. Os fatos são volúveis, os fatos são tiranos, não é justo que a memória de uma nação se submeta aos fatos sem poder reagir.

Por exemplo: por que devemos conviver com a lembrança cruel dos 7 a 1 na Copa de 2014 só por respeito aos fatos, que não tiveram nenhum respeito por nós e nosso futebol pentacampeão? Poderíamos eliminar os fatos da memória um por um, sem escrúpulos, pois se trataria da nossa paz de espírito, da autoestima nacional. Com a derrota dos fatos, mandaríamos os alemães pra casa, humilhados. Não precisaríamos nem ganhar a Copa, bastaria nos livrarmos do 7 a 1.

Quem acredita que podemos corrigir o passado pode se aproveitar do fato de termos um presidente que também acredita, e já anunciou isso várias vezes. Bolsonaro é da linha “Fatos? Que fatos?”, como a maioria dos militares, que prefere exorcizar um passado incômodo ou insistir que salvaram a pátria, e só divergem na quantidade de truculência justificável para cumprir a missão. Não se sabe se Bolsonaro vai endossar a linha oficial de que a história se corrige ou vai deixar pra lá. De qualquer maneira, continuar negando que houve um golpe e 20 anos de um regime discricionário é continuar vivendo uma farsa.
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“Marxismo cultural” é uma frase ominosa, aproxima-se demais de “macartismo cultural”, e é um pretexto para os estragos que pode fazer na educação e na produção intelectual brasileiras, se o obscurantismo se impuser.

Bernardo Mello Franco: Novo ministro é um Vélez sem sotaque

- O Globo

Com Abraham Weintraub, o MEC deve continuar refém da guerra ideológica. O novo ministro repete chavões contra o “comunismo”. Falta um plano para melhorar o ensino

O ex-ministro Ricardo Vélez queria reescrever livros didáticos para falsificar o passado. Seu sucessor quer usar o cargo para turbinar o bolsonarismo no futuro. Com Abraham Weintraub, a Educação deve continuar refém de cruzadas ideológicas. O novo ministro promete ser um segundo Vélez, sem o sotaque colombiano do original.

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, Weintraub insistiu na pregação contra o “marxismo cultural”, um mantra dos olavetes. Disse que é preciso “tomar cuidado com tudo o que sair do MEC, como livros didáticos”. “Estamos preocupados com vazamentos, com sabotagens”, confidenciou, em tom de paranoia.

O novo ministro rejeitou o título de “caçador de comunistas”, mas disse que buscará a “redenção” de quem pensa diferente. “A pessoa não é má pura e simplesmente. Está envolvida numa mentira e aquilo é uma realidade para ela. Precisamos explicar que é uma ideologia errada”, dissertou.

Carlos Alberto Sardenberg: De cabeça para baixo

- O Globo

Municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes; a maioria sem a menor condição de gerar receitas

Futebol de praia, jogo oficial, bola alta na área: o jovem atacante tenta a bicicleta, fura espetacularmente e se estatela na areia. O experiente técnico, quase um educador, observa, meio conformado: meu filho, você de cabeça para cima já não é lá essas coisas...

Pois tem muita jogada aqui no Brasil que está de cabeça para baixo. Pacto federativo, por exemplo. Prefeitos fazem marcha a Brasília para exigir participação maior no bolo tributário nacional. Querem mais dinheiro distribuído pelo governo federal. O presidente Bolsonaro vai lá e recolhe aplausos ao garantir que vai entregar.

Qual dinheiro?

O governo federal está quebrado, lutando para conseguir um déficit de R$ 139 bilhões neste ano, que será o sexto rombo anual seguido. Também, claro, o sexto ano seguido de crescimento da dívida pública.

Para voltar ao superávit e estancar a expansão da dívida, o governo federal precisa de um ajuste (uma combinação de mais receita e menos despesa) de R$ 300 bilhões.

Isso quando a carga tributária já é muito pesada, e os serviços públicos carecem de tudo, de material a profissionais.

Nisso, o pessoal do Ministério da Economia ainda arrisca a bicicleta. Promete reduzir impostos e distribuir mais para estados e municípios.

Os municípios estão quebrados. Dezenas foram criados em anos recentes, a maioria sem a menor condição de gerar receitas próprias. A Constituição de 1988 distribuiu mais impostos para os municípios. As prefeituras, em regra, aumentaram os gastos de pessoal e diminuíram as despesas com prestação de serviços. São, geralmente, inviáveis.

Ascânio Seleme: Nossa culpa, nossa máxima culpa

- O Globo

Nenhuma dúvida de que a responsabilidade pela tragédia da enchente que matou dez pessoas e convulsionou o Rio na segunda e terça-feira deve ser compartilhada pelo prefeito Marcelo Crivella, em razão da sua reconhecida incompetência administrativa, pelo governador Wilson Witzel, que fingiu não ter nada a ver com o dilúvio, e por algumas outras entidades políticas que se sucederam no comando da cidade e do estado e que não cumpriram com suas obrigações constitucionais e devem responder por omissão criminosa.

Mas há outros vilões nesse drama vivido mais uma vez no Rio. Nós, os moradores da cidade, somos também culpados por este quadro. Vivemos de costas para a nossa cidade, nos lixamos para ela. Não faltam alertas, não faltam iniciativas como o “Rio, eu amo, eu cuido”, não faltam bons cariocas que não jogam um fiapo fora do local a ele designado. Mas sobram os que apenas usam e abusam da cidade. São os sujismundos que entopem de lixo as ruas, os rios, os bueiros.

A nossa cidade é um lixo só. Para onde quer que você olhe, verá papel, plástico, pedaços de madeira, vidro, ferro, restos de obras, material orgânico, entulhos de todos os tipos espalhados pelos quatro cantos. Num único dia, no sábado da semana que antecedeu ao carnaval, a Comlurb recolheu 43,7 toneladas de lixo deixadas na rua por onde passaram 61 blocos. Uma vergonha. Há três semanas, durante uma operação especial realizada pela Secretaria municipal de Ordem Pública, foram coletadas 2,8 toneladas de rejeitos ao redor da Uerj, no Maracanã. Até os universitários tratam com descaso a sua cidade.

Míriam Leitão: A crise do Rio não é tolerável

- O Globo

Eventos insólitos, declarações abusivas e agressões diárias ao cidadão do Rio são insultos que temos tolerado, mas não devíamos

O Rio é o lugar onde mais se sente o peso do não-governo. O morador da cidade tema sensação cotidiana de que não existe prefeito. Na chuva que desabou sobre o Rio matando, ilhando, destruindo o patrimônio das famílias, ameaçando os moradores, nos últimos dias, isso ficou mais concreto. O governador acha que não lhe cabe fazer juízo de valor sobre o assassinato com 80 tiros de uma pessoa inocente, na frente do filho de sete anos, porque “não é juiz da causa”. Deputados foram empossados na cadeia, dois últimos governadores estão presos. Eventos insólitos, declarações abusivas e agressões diárias ao cidadão do Rio são insultos que temos tolerado, mas não devíamos.

É comum se falar sobre o peso do governo. Ele cobra impostos demais, a burocracia é enervante, as decisões são erradas. No Rio se sente isso também, mas o mais forte é o sentimento da ausência, da não existência de uma ordem pública mínima. As autoridades não executam as tarefas para as quais foram eleitas. A dúvida é por que se candidatam?

As cidades bem geridas seguem hoje uma agenda de proteção contra a crise ambiental e climática. Há uma lista de providências nos centros urbanos para enfrentar o aumento da frequência e do rigor dos eventos climáticos extremos. Uma cidade cheia de encostas à beira-mar, onde historicamente a ocupação do solo foi feita de forma desordenada, tem que se preparar em dobro.

As respostas do prefeito Marcelo Crivella nesta crise, como em qualquer outra, são revoltantes. A prefeitura tinha, na conta dele, 20 funcionários na rua, eles não chegaram ao local porque saíram tarde. Sobre ele e seu secretariado, disse que trabalham muito e por isso demoraram a aparecer. Por fim, 24 horas depois de iniciada a tragédia ele admitiu que não foi prudente.

William Waack: O tempo de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Para o atual governo o tempo está correndo muito mais rápido – e contra

No universo da física newtoniana no qual vivemos o tempo tem uma medida padrão igual para todo mundo. Não é a que vale para os cem dias de Jair Bolsonaro na Presidência. O tempo da política nem sempre combina com a duração das unidades do tempo cronológico. Para o atual governo, o tempo subjetivo correu muito mais rápido.

Essa rapidez na passagem do “tempo político” é em função de dois fenômenos separados, mas que andam de mãos dadas. Um é o grau de expectativa do público em geral frente ao governo que prometeu mudar o País em prazo recorde. O outro é o grau de intolerância e descrédito com que o mesmo público em geral encara a política. Jair Bolsonaro incentivou e continua incentivando os dois fenômenos.

Não adianta, como integrantes do governo tentam, enumerar medidas, decretos, projetos, propostas ou nomeações como forma de “provar” que as coisas andaram rápido. Nem adianta se queixar de “impaciência” por parte de milhões de pessoas que abraçaram a forte ilusão, reiterada em campanha eleitoral, segundo a qual o capitão resolveria logo o pelotão de problemas.

Eugênio Bucci*: A mentira na política e o ideário fascista

- O Estado de S.Paulo

Ou a sociedade civil se levanta ou as piadas de mau gosto ganharão a fisionomia do horror

Antes de tratar da mentira devo dissipar eventuais impressões de que alguém aqui vá falar como dono da “Verdade”. Nem a filosofia detém a propriedade da “Verdade”, que lhe foge como nuvem nas rarefações da metafísica. A ciência também não pontifica sobre a “Verdade”. Uma conclusão científica tem crédito não por ser perfeita ou inabalável, mas por ser falível; só vai vigorar por ser falha e só vai prevalecer até que sua falha seja demonstrada. Confiar na ciência é confiar num método, não numa “Verdade”. Bem sabemos que, por vezes, a ciência se desvia e seus representantes começam a falar como se fossem profetas, mas aí a razão se perde e o discurso da ciência vira um dispositivo de poder para interditar o pensamento. É a treva.

De sua parte, a política, também ela, já se deu conta de que não tem como apresentar respostas para a questão da “Verdade”. Quando tentou, a história não terminou bem. Os iluministas do século 18 prometiam que a opinião pública faria emergir a “Verdade”, que brotaria dos subterrâneos da fome. Depois deles, na Rússia czarista do início do século 20, os bolcheviques vieram com um jornalzinho chamado Pravda (nada menos que “a verdade”, em russo). Deu no que deu. Os iluministas perderam a cabeça. Os bolcheviques, a alma. De minha parte, portanto, não sou candidato a ser dono de nenhuma “Verdade” grandiosa. Nem dono, nem inquilino.

José Serra*: Entropia exponencial

- O Estado de S.Paulo

Urge reformar o sistema eleitoral, causa da fragmentação partidária que gangrena a política

É tentador atribuir os atropelos deste início do mandato do presidente Jair Bolsonaro principalmente à sua personalidade, à inexperiência política de seus aliados ou até à heterogeneidade de concepções e de métodos dos grupos mais importantes que formam o governo. Isso tudo é verdadeiro e o enfoque é plausível, de modo que a maioria tende a jogar todo o peso dessas dificuldades nas idiossincrasias do atual governo e quase desconsidera os limites impostos por nosso disfuncional sistema político, resumido na combinação do presidencialismo com o um Legislativo pulverizado em 28 partidos, dos quais 14 não ultrapassam 5% das cadeiras na Câmara.

Reconhecer, como cabe, e como considero, que parte da instabilidade atual é de fabricação própria do governo Bolsonaro não deveria obscurecer o fato de que as dificuldades de formação de maiorias programáticas seriam inevitáveis qualquer que fosse o governo, em razão do nosso desagregador modelo eleitoral e partidário.

O que a maioria dos brasileiros espera e exige? A retomada do desenvolvimento econômico, com mais e melhores empregos, ao lado de drástica redução nos índices de violência.

Nenhum passo importante será dado na direção do desenvolvimento sustentado sem um forte ajuste fiscal. Nossa situação fiscal é patologicamente injusta. A carga tributária é elevada para um país emergente, além de mal utilizada. Os investimentos públicos minguaram, a nossa infraestrutura decadente não permite aumentos sistêmicos de produtividade e a política fiscal beneficia os mais ricos. Os salários do funcionalismo público não têm relação alguma com a produtividade e os regimes de previdência dos servidores não têm sustentabilidade atuarial. Em resumo, transformaram-se em instrumentos de concentração de renda.

Zeina Latif*: A verdadeira nova política

- O Estado de S.Paulo

Na prática, temos caminhado para um sistema semi-presidencialista

Uma boa forma de avaliar o início do governo Bolsonaro na área econômica é verificar o grau de continuidade da agenda do governo anterior. Em outubro, defendi que, apesar da renovação política, seria essencial dar prosseguimento à agenda econômica iniciada por Michel Temer.

Por este aspecto, há, naturalmente, boas e más notícias. Do lado positivo, há a proposta de reforma da Previdência e os leilões de infraestrutura - aeroportos, terminais portuários e ferrovia Norte-Sul. Em ambos os casos, em diferentes graus, há continuidade. Com competência, o ministro de Infraestrutura Tarcisio de Freitas, ex-secretário do PPI (Programa de Parcerias de Investimento) de Temer seguiu o trabalho iniciado no governo anterior. Já a proposta de reforma da Previdência, apesar de ser um novo projeto, reflete o aprendizado com a experiência do time antecessor.

A nota negativa é a pouca efetividade da Casa Civil, que é a responsável pela coordenação do governo e definição de prioridades. A percepção é de que muitos esforços iniciados no governo anterior foram descontinuados. Mudanças nos marcos regulatórios de setores de infraestrutura e no funcionamento de agências reguladoras, por exemplo, não parecem estar tendo o devido cuidado. Nada que não possa ser corrigido. Afinal, passaram-se apenas 100 dias.

Luiz Carlos Azedo: A embaixada em Washington

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A embaixada em Washington é uma posição estratégica, que já teve um papel muito relevante para a política interna no Brasil, sendo ocupada por grandes personalidades”

Quem será o novo embaixador em Washington? Disputam a posição o diplomata Nestor Folster e o consultor Murilo Aragão. O primeiro é o candidato do escritor Olavo de Carvalho, por ele apresentado ao presidente Jair Bolsonaro; e o segundo, dos empresários ligados à Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos. Se não fosse muito escandaloso, Bolsonaro indicaria o próprio filho, deputado Eduardo Bolsonaro(PSL-SP), eleito com 1,8 milhão de votos, única testemunha da conversa do pai com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Mas ninguém se surpreenda se Bolsonaro decidir por um general de sua confiança.

O cargo está vago desde ontem, após a demissão do embaixador Sérgio Amaral pelo ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que o removeu para o escritório de representação do Itamaraty em São Paulo, uma espécie de geladeira semidomiciliar. A demissão foi publicada ontem no Diário Oficial da União, mas já havia sido anunciada por Bolsonaro num café da manhã com jornalistas, no Palácio do Planalto, às vésperas de viajar para seu encontro com Trump.

Na ocasião, o presidente da República alegou que a mudança era necessária porque sua imagem não estava boa no exterior. Bolsonaro queixou-se de que é apresentado fora do país como ditador, racista e homofóbico, sem a devida defesa dos diplomatas brasileiros. Sobrou para Sérgio Amaral e mais 14 embaixadores, entre os quais, o da França, Paulo César de Oliveira Campos, que pode vir a ser o próximo defenestrado.

Sérgio Amaral estava à frente da embaixada brasileira nos Estados Unidos desde 2016, indicado pelo presidente Michel Temer. Já havia ocupado o posto em 1984, no governo João Figueiredo, e em 1992, no governo Itamar Franco. Sérgio Amaral está desde 1971 no Ministério das Relações Exteriores; serviu também nas embaixadas do Reino Unido e da França, que fazem parte do circuito Elizabeth Arden (uma famosa marca de cosméticos), ao lado da de Roma. Entre 2001 e 2003, Amaral comandou o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Também foi porta-voz da Presidência, entre 1995 e 1999, ambos na gestão de Fernando Henrique Cardoso.

Bruno Boghossian: As cinzas dos 100 dias

- Folha de S. Paulo

Presidente prometeu destruir antes de construir, mas não aponta caminhos

Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro registrou no TSE o documento que deveria ser seu plano de governo. Era uma apresentação de PowerPoint com tons de messianismo, ataques à esquerda e quase nenhuma proposta concreta. O arquivo ganhou o título de “Projeto Fênix”, mas até aqui seu mandato se especializou em produzir cinzas.

Para detonar o que chama de indústria da multa, o governo anunciou a retirada de radares de velocidade das estradas e o aumento do limite de pontos para cassar a carteira de motoristas infratores. O Brasil é o quinto país do mundo em mortes no trânsito, mas o presidente não explica como vai resolver o problema depois de afrouxar essas regras.

Na educação, a promessa era extinguir uma fantasmagórica doutrinação marxista. Enquanto isso, o MEC ficou travado e sem direção nos primeiros meses de governo. A qualificação de professores e o ensino infantil, que eram citados como prioridades nos slides eleitorais, não apareceram com destaque em nenhum projeto da pasta até agora.

A burocracia e o custo da máquina pública tornam injustas cobranças por resultados nos cem primeiros dias de mandato. A marca simbólica é mais uma oportunidade para governantes apresentarem um planejamento detalhado e caminhos objetivos. Em sua largada, Bolsonaro decidiu seguir no sentido contrário.

Há três semanas, o presidente disse que precisava “libertar o Brasil da ideologia nefasta da esquerda” antes de construir qualquer projeto. “Temos que desfazer muita coisa para depois começarmos a fazer”, afirmou. Esse discurso podia até funcionar na eleição, mas ninguém vai voltar às urnas amanhã. O papo de destruição não reduz o desemprego nem melhora a saúde pública.

Mariliz Pereira Jorge: Quatro anos de muita zona

- Folha de S. Paulo

Numa hipótese muito otimista, seremos um país tirando o nariz para fora da lama

Cem dias de governo e já deu para entender duas coisas fundamentais sobre como serão os próximos anos. Façamos o jogo do otimista, porque o do contente está impossível. Vamos acreditar que a reforma da Previdência será aprovada, assim como o pacote anticrime, e que o MEC cessará sua sequência de cabeçadas. A economia melhora, o desemprego diminui, a violência é controlada, o número de miseráveis voltar a cair.

Ok, tudo dando certo, mas anotem: o governo Bolsonaro, até o fim do mandato, será isso aí que vivemos até agora, uma zona. Porque é o seu único jeito de tocar as coisas. Apesar de ter reconhecido (tarde demais) que não nasceu para ser presidente, Jair parece continuar sem interesse em aprender. E o problema de não saber nada de coisa alguma se reflete na inabilidade de recrutar gente que não seja só fonte inesgotável de polêmicas.

Zona total. Um presidente sem traquejo político, com total desconhecimento do que seja governar, cercado de incompetentes, de filhos deslumbrados, de ministros despreparados, de gurus aloprados e com uma base de governo que não dá apoio e, todos, com a infinita capacidade de arranjar problemas e zero talento para apontar soluções.

Fernando Canzian: Sem emprego, Bolsa Família não elimina pobreza ou impopularidade

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro anunciou um 13º aos beneficiários do programa federal

Antes dele e para muitas famílias, o Estado nunca havia entrado pela porta. Quando o fez, foi dando um cartão para sacar dinheiro. Mas é como arma política que o Bolsa Família vem sendo identificado desde o início do governo Lula (2003-2010), quando o Banco Mundial ajudou o Brasil a copiar o bem-sucedido Oportunidades mexicano.

Em seu lançamento, ele já serviu como uma espécie de compensação à base social do PT para o ajuste fiscal que Lula seria obrigado a fazer em 2003, quando o Brasil ainda era devedor no Fundo Monetário Internacional —instituição irmã do Banco Mundial em Washington.

Nos anos seguintes, o mapa dos atendidos pelo programa (metade no Nordeste) acabaria virando uma espécie de "decalque" das votações do PT na reeleição de Lula e nas duas vitórias de Dilma Rousseff.

Mas a popularidade recorde de Lula ao final de 2010 e as eleições de Dilma vieram sobretudo na esteira de um forte aumento na renda dos brasileiros via trabalho e novos empregos, especialmente os formais.

Tomando o período de 2004 a 2014, a decomposição das famílias por faixa de renda revela que apenas as muito pobres tiveram ganhos expressivos com o Bolsa Família, segundo dados da FGV Social e do IBGE.

Vinicius Torres Freire: Batatas e feijões caros na política

- Folha de S. Paulo

Alta do preço da comida deve ter contribuído para o mau humor do início do ano

A piora dos humores nacionais neste início de ano em parte se deve à inflação da comida, é muito provável.

Os preços dos alimentos não subiam tanto desde o em geral terrível 2016 ou desde o fatídico 2013, embora a carestia deste 2019 não tenha sido tão grande quanto naqueles anos.

Não se quer dizer também que a inflação total esteja em alta. Trata-se de um problema por ora bem restrito, que não tende a se difundir sem mais pelos demais preços, embora seja um problema real, humano, que causa algum ruído sociopolítico. Inflação de comida em alta tira prestígio de governos.

Quem vai ao mercado tem visto legumes, batatas, frutas e grãos caros, ruins e feios, quando não faltam.

Nos últimos 12 meses, o custo da “alimentação no domicílio”, como aparece nas tabelas do IBGE, aumentou 8,7%. Apenas no mês de março, a inflação média total foi de 0,75%. O equivalente a um quarto dessa alta se deveu aos preços de tomate, feijões e batata-inglesa.

No mês, os preços dos combustíveis para veículos também ajudaram a fazer o estrago, pesando outro quarto no IPCA de março.

Para o povo miúdo, bem mais da metade do país, comida mais cara é um óbvio sofrimento, ainda mais depois de meia década de empobrecimento geral, embora muito governante ainda desdenhe de inflação (Dilma Rousseff teve tal atitude, um dos tantos motivos de sua desgraça).

Muita gente ainda deve se lembrar de que, um par de meses antes do tumulto geral de junho de 2013, houve a “inflação do tomate”, metonímia da carestia geral da comida, que chegou a subir quase 16% em um ano. O preço do tomate subia então a 194% ao ano; agora, aumentou 28,5%. Os problemas maiores da temporada são a batata (alta de 91%) e o feijão-carioca (alta de 135%).

O que houve?

Laura Carvalho*: Bode na sala

- Folha de S. Paulo

Maior benefício de aprovar a Previdência seria tirar tema do centro do debate econômico

“Acho que a questão mais importante para o país é a Previdência. Isso não quer dizer que tentativas golpistas não sejam importantes”, afirmou a presidente Dilma Rousseff em café da manhã com jornalistas no Palácio do Planalto em 15 de janeiro de 2016, após o primeiro ano de forte recessão na economia.

Os parlamentares discordaram: era mais importante derrubar a presidente eleita.

Mas, após mais de três anos de crise econômica, política e institucional, a Previdência continua insistindo em tomar o lugar do crescimento e do emprego no centro do debate nacional.

Em dezembro de 2016, mês em que foi aprovada a PEC do teto de gastos, Michel Temer enviou sua primeira proposta de reforma ao Congresso. Para além da impopularidade das medidas, que impactavam excessivamente os mais pobres, a perda de capital político após o Joesley Day exigiu uma revisão significativa do texto.

Na nova versão, divulgada um ano depois, o tempo mínimo de contribuição passou a ser de 15 anos (em vez dos 25 anos exigidos no primeiro texto); a idade mínima tornou-se de 62 anos para mulheres e 65 para homens (em vez de 65 para ambos), e abriu-se mão de qualquer alteração no BPC (Benefício de Prestação Continuada) e na aposentadoria rural.

Obviamente, as mudanças no texto —para muito melhor, diga-se de passagem— não foram suficientes para angariar o apoio dos parlamentares em pleno ano eleitoral.

Claudio de Oliveira: Crise econômica e guerra ideológica

Nos cem dias de governo, Bolsonaro deveria ter se concentrado em tirar o país da crise econômica, adotar medidas de retomada do crescimento e criar postos de trabalho para 13, 1 milhões de desempregados, 27,9 milhões de subocupados e 4,9 milhões de desalentados.

Para tanto, deveria ter se empenhado em buscar um grande entendimento com os partidos no Congresso com vistas a aprovar reformas estruturantes, necessárias a um desenvolvimento em bases sustentáveis.

Em vez disso, gastou energia em uma guerra ideológica de temas absolutamente secundários e alheio aos interesses da maioria dos brasileiros.

As reformas do Estado já estavam fortemente colocadas nas eleições de 2010, diante da aceleração do gasto público, muito superior ao crescimento do PIB e da arrecadação, antevendo-se, assim, uma crise fiscal.

Nesse cenário, observou-se uma forte queda do investimento privado, crucial para o desenvolvimento econômico dentro de nossa realidade de economia de mercado.

Desde 2012, as contas públicas somente ficaram no azul graças à contabilidade criativa e às pedaladas fiscais, fechando no vermelho a partir de 2014.

Para grande parte dos analistas do mundo, inclusive de instituições internacionais respeitáveis, há nuvens carregadas no horizonte da economia global. O Brasil deveria ajeitar a casa desde já e não deixar para trocar o telhado durante a tempestade.

Ribamar Oliveira: As concessões que o governo pode fazer

- Valor Econômico

Preocupação é com regras de transição e tempo de contribuição

Os parlamentares resistem às mudanças propostas pelo governo no Benefício de Prestação Continuada (BPC), nas regras de aposentadoria na área rural, à desconstitucionalização das regras previdenciárias e à criação do sistema de capitalização. Mesmo que estes itens sejam retirados do texto da reforma da Previdência, a perda será muito pequena e a economia de R$ 1 trilhão em dez anos será preservada, assegura fonte credenciada ouvida pelo Valor.

A preocupação do governo é com alterações que possam ser feitas pelos parlamentares na idade mínima para requerer aposentadoria pelos trabalhadores urbanos e servidores, nas regras de transição, no tempo de contribuição e no cálculo dos benefícios. Esses são os pilares que sustentam a estimativa do governo de ganho com a reforma da Previdência.

No caso do BPC, o governo propôs que seja concedido um benefício de R$ 400 por mês para a pessoa em condição de miserabilidade que completar 60 anos (renda per capita mensal inferior a 1/4 do salário mínimo). O valor do benefício será igual ao piso salarial quando a pessoa chegar aos 70 anos. Atualmente, quem está em condição de miserabilidade e chega aos 65 anos recebe o salário mínimo mensal.

Nos últimos dias, o ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu mudar a proposta para que o benefício de R$ 400 ao completar 60 anos seja opcional, com o valor chegando a um salário mínimo aos 70 anos. Se preferir, a pessoa pode continuar recebendo o piso salarial quando completar 65 anos. De qualquer maneira, o governo estima que o ganho fiscal com a mudança, ao longo dos próximos dez anos, é nulo. Abrir mão desta proposta, portanto, não afeta a economia esperada com a reforma.

O objetivo da medida seria, de acordo com a explicação oficial, corrigir uma distorção na regra atual, pois o trabalhador de baixa renda e que contribui para a Previdência termina se aposentando, em média, aos 63 anos e passa a receber um salário mínimo. Em outras palavras, não há estímulo para que ele contribua para a Previdência pois receberá o mesmo que a pessoa que não contribui.

Maria Cristina Fernandes: Um presidente indomável

- Valor Econômico

De tutelado pela farda, Bolsonaro fez dela sua prisioneira

Ocupantes de oito cargos de primeiro escalão, os militares do governo deram à largada do presidente da República um duplo verniz de força e moderação. A ascendência sobre Jair Bolsonaro de um general cabeça-branca, comandante bem-sucedido em força de paz das Nações Unidas, e ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, deu forma à tutela.

O presidente alimentou a narrativa com discursos no plural majestático. De um lado, mostrou-se curvado aos valores outrora desprezados da hierarquia. Do outro, os generais, convencidos pelo poder de galvanizar as massas do insubordinado capitão, pareciam apostar que a parceria lhes devolveria prerrogativas perdidas e um novo status para os projetos militares.

Se os cem primeiros dias do governo mostraram algo, no entanto, é que Bolsonaro é um presidente indomável. A nomeação de um ministro como Abraham Weintraub é a coroação da vitória do radicalismo obscurantista sobre qualquer poder moderador do qual os generais deste governo acreditaram ou fizeram acreditar ser titulares.

O presidente da República dá sinais crescentes de que prestigia as alas comandadas por seus filhos e pelo guru de Virgínia em detrimento dos militares que levou para o governo, a começar do seu protetor-mor, o cansado general Heleno Ribeiro, a cujas intervenções Bolsonaro hoje reage com cara de paisagem. Prestigiou Olavo de Carvalho em meio a um tuitaço deste contra seu vice-presidente e não fez um único desagravo aos petardos lançados na direção do seu ministro da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz.

Ao prestigiar os formuladores da doutrina bolsonarista de mobilização, em detrimento dos militares ou de sua base no Congresso, o presidente da República sinaliza o rumo de seu governo. A queda acentuada na popularidade ligou o sinal de alerta em relação à erosão do apoio institucional. Com a perda no capital político acumulado junto a empresários, investidores e parlamentares, Bolsonaro acelerou a aposta no núcleo duro de seu eleitorado, aquele que reage mais prontamente ao apelo ideológico da caça aos ladrões, corruptos e comunistas.

A entrevista do novo titular do MEC à Renata Agostini, de 'O Estado de S.Paulo' não poderia ter sido mais clara. Na educação, a liberdade de escolha e a propensão à indisciplina variam conforme a renda. Como só o analfabetismo explica o voto no PT, sua missão passa pelo resgate da ignorância política de 45 milhões de eleitores. Seria apenas risível não fosse Abraham Weintraub um gestor focado e azeitado com o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, inquilino de poderoso gabinete da Esplanada.

Ricardo Noblat: A fraquejada do general

- Blog do Noblat / Veja

“Incidente lamentável” uma ova!
Entre as muitas coisas espantosas ditas este ano no Congresso por deputados, senadores ou meros visitantes está a declaração feita ontem pelo general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, na Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados.

Ponto para o general que se apressou a dar satisfações sobre o a morte do músico Evaldo dos Santos Rosa, no Rio. O carro em que Evaldo estava com a família foi alvo de 80 tiros disparados por soldados do 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar.

Em compensação, por ignorância, ingenuidade ou porque de fato acredita, o general afirmou que as milícias que hoje controlam partes do Rio surgiram com a “intenção de proteger as comunidades”. E ainda acrescentou: “Na boa intenção”.

Milícia é coisa de policial militar aposentado e de muitos ainda na ativa. Como o Estado não oferece ao cidadão segurança contra o crime organizado, é o que a milícia faz. Mas nunca o fez de maneira desinteressada e sem nada cobrar. Sempre foi um negócio, e ilegal.

Mais de 2,5 milhões de cariocas, hoje, vivem num Estado de exceção. Quer dizer: em áreas dominadas por facções criminosas e por milícias. A lei que ali existe é a lei do crime. Ora as facções e as milícias operam em conjunto. Ora lutam por espaços.

A quimera de policiais bonzinhos, inicialmente interessados em proteger as comunidades só porque o Brasil está acima de tudo e só abaixo de Deus, jamais passou de uma quimera, capaz, pelo jeito, de enganar até generais como é o caso do ministro da Defesa.

Azevedo e Silva poderia ter-se limitado a deplorar a morte do músico, a manifestar solidariedade à sua família e a prometer que os responsáveis pelo crime serão punidos. Mas, não. Para o crime reservou uma expressão branda: “lamentável incidente”.

Também o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro, chamou o bárbaro assassinato de “lamentável incidente”. Tão loquaz nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro não tocou no assunto. O governador do Rio preferiu tirar o corpo fora.

Incidente, segundo os dicionários, é algo que “incide, sobrevém; que tem caráter acessório, secundário; incidental, superveniente.” Atingir um carro com 80 tiros não é uma coisa secundária. Não tem caráter acessório. Não foi algo incidental.

Se apenas um tiro tivesse sido disparado e matado um inocente, que nome se daria a isso? Ou não dariam nome algum? Ou o ministro da Defesa sequer teria ido à Câmara se explicar? Lugar de soldado armado é na guerra ou no quartel. Nas ruas, não é.

A fraquejada do capitão

Para aprovar a reforma da Previdência vale qualquer coisa
As conversas do presidente Jair Bolsonaro com chefes de partidos, deputados e senadores avulsos são puro teatro. De nada estão servindo para a aprovação pelo Congresso da reforma da Previdência. É o que dizem os próprios interlocutores do capitão.

Primeiro porque Bolsonaro não tem paciência para conversas longas. Durante algumas delas até se mostra sonolento. Segundo porque ele não entende do assunto. Por não entender, costuma concordar com o que ouve e só. E isso não quer dizer nada.

80 tiros: Editorial / Folha de S. Paulo

Exército deve explicações a respeito de ação hedionda que matou um homem no Rio

“Tudo indica que houve o fuzilamento do veículo de uma família de bem indo para um chá de bebê. Uma ação totalmente desproporcional e sem justificativa.”

A afirmação, sobre a execrável ação militar que matou o músico Evaldo Rosa dos Santos, no domingo (7), no Rio, foi feita pelo delegado Leonardo Salgado, da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil, responsável pela perícia no local.

Constatou-se o disparo de mais de 80 tiros e nenhuma arma foi encontrada com os ocupantes do automóvel atacado— entre os quais o filho da vítima, de 7 anos.

Tentou-se, de início, acobertar a barbárie. A primeira versão divulgada alegava uma fantasiosa reação defensiva ao que teria sido uma investida de bandidos armados.

Uma nota do Comando Militar do Leste dizia, ainda no domingo, que a patrulha havia se deparado com um assalto e que dois criminosos dentro de um veículo dispararam. O grupo, então, teria respondido à “injusta agressão”.

Encarregado das investigações, o Exército, a seguir, curvou-se às evidências, e a farsa teve de ser abandonada. Foram identificadas contradições nos relatos e dez militares foram afastados e detidos em flagrante. O processo, contudo, correrá na Justiça Militar.

O pulo da inflação: Editorial / O Estado de S. Paulo

O salto da inflação em março, quando os preços ao consumidor subiram 0,75%, puxados por alimentação e transportes, pode ser um desvio temporário, mas é um motivo a mais para o governo se preocupar com as expectativas. Por enquanto o bom humor parece prevalecer no mercado, apesar da surpresa negativa. Ninguém havia previsto uma alta superior a 0,67% na pesquisa habitual da Agência Estado. Mesmo diante do número pior que o esperado, economistas do mercado mantêm, no entanto, a aposta numa inflação mais branda nos próximos meses e um resultado final próximo da meta em 2019. Há até quem preveja um novo corte dos juros básicos pelo Banco Central (BC) antes do fim do ano. Essa expectativa é um dos aspectos mais positivos da economia brasileira neste momento. É essencial preservá-la.

À primeira vista há algo assustador na recente aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a mais importante medida oficial da inflação, elaborada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A alta de 0,75% foi a maior para um mês de março desde 2015, quando a variação chegou a 1,32%.

Naquele tempo, o Brasil sofria os efeitos da irresponsabilidade fiscal do governo da presidente Dilma Rousseff. Além disso, os aumentos haviam disparado, depois de uma desastrosa fase de contenção política das tarifas de eletricidade.

O choque de seriedade a partir da troca de governo, em 2016, permitiu conter a inflação e baixar os juros básicos ao menor patamar da história da taxa Selic, de 6,50% ao ano. A alta do IPCA no mês passado pode parecer, sem maior análise, uma nova perda de rumo, mas os fatos, tudo indica, são muito menos preocupantes.

Com o salto da inflação mensal de 0,43% para 0,75%, a variação acumulada em 12 meses passou de 3,89% em fevereiro para 4,58% em março e ultrapassou a meta de 4,25% fixada para 2019. Mas a maior parte do resultado de março é explicável pela alta de apenas dois grupos de preços, alimentação e transportes.

A derrocada dos manufaturados nas exportações brasileiras: Editorial / Valor Econômico

O crescimento da economia mundial é um fator decisivo para o avanço das exportações brasileiras. A expansão do nível de atividade local, por seu lado, joga em sentido contrário, revelam dois estudos do Relatório de Inflação do Banco Central de março. Conclusões mais amplas, que não estão nesses textos: falta competitividade para que os produtos brasileiros ganhem espaço mesmo quando mercados são adversos e, relacionado a isso, o canal das exportações não é perene. As empresas preferem recolher-se ao mercado interno quando ele dá mostras de prosperidade. No curto prazo, as exportações brasileiras vão se contrair porque não só o comércio internacional e o PIB mundial estão crescendo menos como a economia doméstica pode ter expansão maior, ainda que tímida e sujeita a retrocessos.

De 2002 até hoje, o coeficiente de exportações - a porcentagem da produção destinada ao mercado externo em 47 setores industriais -, variou muito pouco e gira em torno de 10%. Já o coeficiente de importações, que mede o grau de bens vindos do exterior usados na produção, variou bastante em distintos períodos. De 2002 a 2013, a fatia de importados subiu quase sem parar e dobrou de tamanho, de 10,8% para 20,7%. Após 2013, com a depreciação cambial e a brutal recessão brasileira, manteve-se estável.

Uma desvalorização cambial de 1% diminui o coeficiente de importação em 0,6% em um ano. O crescimento doméstico tem efeito oposto - 1% a mais no PIB eleva o coeficiente em 1,6%. Explica o avanço das importações a forte apreciação cambial entre 2008-2011 e a significativa aceleração do ritmo de expansão doméstica. O crescimento mundial, retomado a partir de 2012 e a desaceleração brasileira a partir de 2013 contribuíram para ampliar, ainda que modestamente, o coeficiente de exportação. E, no que foge à lógica dos livros-texto, as exportações mostraram-se praticamente insensíveis ao câmbio - apenas 3 dos 47 setores analisados tiveram aumento de maneira "estatisticamente significativa". Uma das hipóteses é que os modelos específicos utilizados não são apropriados para captar essa influência.

Tragédia expõe falta de prevenção e planejamento: Editorial / O Globo

Prefeitura do Rio não gastou um centavo este ano com obras de contenção de encostas

Há muitos protocolos de emergência que podem ser acionados para reduzir os impactos de temporais sobre a população — protocolos esses que foram ignorados pela prefeitura nas chuvas de segunda e terça-feira, deixando os cariocas largados à própria sorte. Por outro lado, quando surgem os primeiros sinais de tempestade, em geral é tarde demais para tomar algumas medidas que dependem de planejamento, tempo e continuidade administrativa, fatores que costumam provocar ojeriza nos políticos.

As obras de combate a enchentes e contenção de encostas são uma dessas medidas. Podem salvar vidas e evitar transtornos para a população, mas costumam ser deixadas de lado, potencializando tragédias. É o que aconteceu no Rio, onde dez pessoas morreram em consequência do último temporal. Não há dúvida de que os índices pluviométricos foram excepcionais — os mais altos dos últimos 22 anos — , mas os impactos
serão maiores ou menores dependendo do que é feito para preveni-los ou ao menos minimizá-los.

Alguns números ajudam a entender a letalidade dos últimos temporais — o anterior, em fevereiro, deixou sete mortos. Como mostrou reportagem do GLOBO, este ano a prefeitura não investiu um centavo sequer em drenagem (desobstrução de bueiros, manutenção de redes pluviais etc.) e contenção de encostas. De acordo com dados do Rio Transparente, os R$ 12,6 milhões liberados nos primeiros quatro meses de 2019 foram usados para pagar dívidas do ano passado. No que diz respeito ao combate a enchentes, foram gastos apenas R$ 208,3 mil.

O que é o marxismo cultural, que o novo ministro da Educação quer combater?

Fábio Zanini / Folha de S. Paulo

Além da baixa qualidade do ensino público, da desmotivação dos professores e da falta de infraestrutura nas escolas, o novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, parece ter outro inimigo, talvez até mais poderoso: o marxismo cultural.

O risco que essa forma de esquerdismo representa para ele ficou claro logo no início de uma palestra em dezembro do ano passado, num fórum conservador em Foz do Iguaçu (PR) (veja o vídeo). Contra ameaça tão premente, a receita de Weintraub é simples: doses cavalares do pensamento do filósofo Olavo de Carvalho.

O que é esse fantasma da direita chamado “marxismo cultural”? Liberais, conservadores, bolsonaristas e olavetes têm uma relação ambivalente com o conceito.

Por um lado, consideram-no uma ameaça existencial. Ao mesmo tempo, o veem como uma espécie de “fruto proibido”: reconhecem que o marxismo cultural exerce uma influência sobre o pensamento contemporâneo que eles podem apenas sonhar em igualar. E querem fazer igual, mas com o sinal trocado.

A própria expressão é controversa. Raramente você verá um esquerdista que a utiliza. Costuma ser mencionada por uma ala da direita radical que acredita na existência de uma espécie de conspiração socialista de dominação global. Nela, como disse na mesma palestra Arthur Weintraub (irmão do novo ministro), cabem o PT, Cuba e o ex-presidente dos EUA Barack Obama. Olavo de Carvalho e seus discípulos partilham da tese.

Há dezenas de referências de esquerda que estariam na origem do marxismo cultural, mas vou destacar duas: o italiano Antonio Gramsci(1891-1937) e a turma da Escola de Frankfurt, surgida nos anos 1920.

Baseado nas conversas que ando tendo, digo sem medo de errar que hoje Gramsci rivaliza com Karl Marx na trinca dos maiores inimigos da direita (o terceiro elemento é o economista britânico John Maynard Keynes). Sua contribuição ao pensamento de esquerda foi fazer uma releitura da teoria marxista, reduzindo o peso do materialismo econômico e transportando-a para o campo da cultura.

Ou seja, para Gramsci, tão ou mais importante que a batalha pelos meios de produção é o conceito de hegemonia cultural. A maneira como é contada a história, os valores da sociedade civil, as manifestações culturais são os campos onde a guerra é travada.

A Escola de Frankfurt, sob o comando de Max Horkheimer (que Arthur Weintraub cita várias vezes na palestra), expandiu esse conceito e apoiou-se em disciplinas como sociologia, filosofia e as teses existencialistas para reanalisar o marxismo.

Mas o gramscismo e os discípulos de Horkheimer (entre eles pensadores influentes, como Theodor Adorno e Herbert Marcuse) só passaram a habitar os pesadelos da direita muitas décadas depois de seu surgimento, nos ano 1990.

Não é difícil entender o motivo. Na análise feita pela direita, a esquerda se reinventou a partir da queda do bloco comunista: desistiu de apresentar uma alternativa ao capitalismo e passou a priorizar a hegemonia cultural, em universidades, na imprensa, nas artes, na economia e em muitos outros campos.

Como diz Arthur Weintraub na palestra de Foz do Iguaçu: “A coisa é séria. Quando caiu o Muro de Berlim, a gente pensou: ‘puxa vida, agora acabou, não tem mais comunismo’. Mas eles se reinventam”.

Multiculturalismo, globalismo, desenvolvimentismo, feminismo, ações afirmativas, social-democracia, secularismo, aquecimento global, ambientalismo e dezenas de outras manifestações que questionam ou relativizam o sistema liberal, os valores conservadores e a civilização judaico-cristã ganharam o rótulo de “marxismo cultural”.

Mas é como me disseram já diversos direitistas: culpados fomos nós, que deixamos o campo cultural aberto para a esquerda. Agora, é hora de reagir, na mesma moeda: instilando valores conservadores na academia, na mídia, no cinema, na literatura.

Essa é a cruzada de Olavo, do novo ministro da Educação e de muitos outros.

João Cabral de Melo Neto: Catar feijão

Catar feijão se limita com escrever:
Jogam-se os grãos na água do alguidar
E as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo;
pois catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco,
o de que, entre os grãos pesados, entre
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.