terça-feira, 23 de abril de 2019

Roberto Freire*: A irracionalidade anda a galope

- Poder 360 – 22/04/2019

Governo Bolsonaro está à deriva
Temos um ex-presidente preso
Tenta-se rebaixar o Judiciário
A República está desalinhada

Um espectro ronda o Brasil, o espectro da irresponsabilidade.

Desde o processo eleitoral do ano passado, em virtude da disseminação de novas tecnologias da informação e de certa falência do modelo político brasileiro, o debate sobre o futuro do país vem se dando sobre trilhas tortas, no qual ideias e propostas altruístas e legítimas convivem com mitos, mentiras, todo tipo de manipulação e enganos. E em uma escala monumental, envolvendo em tempo real milhões de brasileiros, eleitores, cidadãos.

O próprio resultado das eleições, inquestionável, pode ser analisado por esse prisma. Em um movimento de repúdio a gestões hegemonizadas pelo PT e apoiada em amplos segmentos do conservadorismo e da direita, a maioria dos eleitores que foram às urnas optou por um conjunto de ideias soltas, meramente ideológicas, e não por um projeto de desenvolvimento com rosto, linha, com um porto a ser alcançado.

Passado o processo eleitoral, veio a política real. Um governo à deriva, um presidente que diz não entender nada de economia e que nasceu para ser militar e não para ser líder maior do País, um ministro da Justiça que alçou o combate à corrupção à instância de ideologia, um ministro da Fazenda que acredita ser o presidente, um chanceler que busca revisar a história de maneira tosca e abusiva, um guru ao estilo Rasputin com um imaginário séquito de alunos convertidos a uma religião do atraso, um ministro do meio ambiente avesso e cético em relação às mudanças climáticas, um vice que surpreende e vivifica ideias realmente republicanas, um governo com base parlamentar em crise e seu próprio partido virando mais amontoado que ajuntamento e se dividindo publicamente.

É impressionante como tudo na República está desalinhado. À esquerda e à direita, cada um tentando se salvar em seu quadrado político, ou de interesse pessoal. O outrora partido no poder, que teve tudo para deixar ao país uma boa herança pela esquerda, ficou preso ao seu líder maior hoje na prisão e não vem a público trazer nada de novo.

Outrora grandes partidos de centro e social democrata também caíram na inação em virtude de a Justiça ter lançado redes sobre seus principais expoentes políticos. Partidos fisiológicos, principalmente ao centro e à direita, continuam esperando pela fisiologia. A contra-política, ou melhor, a “nova política” imperando e a economia afundando.

Uma democracia convive com ex-presidente da República e líderes outrora proeminentes presos, com empresários intocáveis recolhidos a celas, com impeachment, com o rigor da Justiça –que sempre deve ser rigorosa, amparada na Constituição e no arcabouço legal. Todavia, pode fenecer, se conviver com movimentos que visam desacreditar a política, os políticos e, principal e especialmente, as instituições democráticas e republicanas.

Estamos a ver nas últimas semanas uma escalada perigosa para desmoralizar o Judiciário, com foco maior no seu vértice, o STF (Supremo Tribunal Federal). Colaboraram para essa situação controversas decisões e posicionamentos do STF e de alguns dos seus ministros, ressaltando-se a recente e equivocada imposição de censura a alguns veículos de imprensa no país.

A história passada e recente nos oferece exemplos de que tal escalada resulta em colapso democrático nos países que a experimentaram. À esquerda, a Venezuela de Chávez/Maduro. À direita a Hungria e a Turquia, dentre outros.

Hoje vivemos uma corrida no Congresso Nacional para ver quem consegue atingir mais rapidamente os clássicos 15 minutos de fama, daí a multiplicidade de discursos, solicitações de comissões parlamentares de inquérito, pedidos de impeachment e outras iniciativas ligeiras, apressadas.

Tudo sendo replicado nas redes sociais por milhões de mensagens, avivando não o espírito democrático dos cidadãos críticos, mas a sanha autoritária e golpista que sempre esteve presente em movimentos de direita, em alguns partidos de esquerda antidemocráticos e, claramente, em grupos da campanha e que agora formam alas dentro do governo Bolsonaro.

Na democracia e dentro da lei a crítica deve ser livre e destemida. Nenhum Poder da República e suas instituições estão livres do crivo da cidadania, mas a liberdade corre risco se houver a desmoralização de qualquer uma delas. Se há de fato denúncia de crime de responsabilidade contra o presidente ou ministro do Judiciário então se façam articulações políticas sólidas no Congresso e se decidam em relação ao caso, porém sem o fogo-fátuo e as luzes da ribalta que se apagam.

Levar um ministro ao impeachment por um processo maduro não agride a democracia, porém abrir a caixa de pandora aos 7 cantos é irresponsabilidade. Até a esperança se solta.

*Roberto Freire é presidente do Cidadania

Merval Pereira: Inimigos cordiais

- O Globo

Mesmo traçando rotas distintas, Zizek e Peterson terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre adversários de ideias

As posições ideológicas estão tão extremadas em nossos dias que o que era considerado “o debate do século”, entre o filósofo e cientista social esloveno Slavoj Zizek, ícone da esquerda mundial, e o psicólogo canadense Jordan Peterson, representante da direita radical, cujos programas na internet atraem milhares de seguidores pelo mundo digital, foi considerado frustrante.

O evento, denominado “Felicidade: marxismo vs capitalismo”, foi realizado sexta-feira em Toronto, no Canadá, no Sony Centre, o maior teatro do país, o que fez o mediador festejar que um debate intelectual juntasse tanta gente.

Os ingressos foram vendidos até no câmbio negro, a preços mais caros do que os de um jogo de hóquei que acontecia na mesma noite. Mesmo traçando rotas distintas, os dois terminaram o debate fazendo apelos à compreensão entre os adversários de ideias.

Chegaram até a concordar, embora por caminhos diferentes. Zizek acha que os movimentos que defendem as minorias são superficiais, políticas moralistas que não mudam estruturalmente as sociedades. Ele está mais interessado na grande política.

Já Peterson também critica esses movimentos, mas por considerá-los a repetição da luta de classes marxista. Os dois defenderam seus pontos de vista sem radicalizações ou acusações pessoais, Zizek apontando os defeitos e limitações do capitalismo, Peterson afirmando que, mesmo com defeitos, é o melhor sistema para criar riqueza, mesmo para os mais pobres.

Eliane Cantanhêde: O culpado número 2

- O Estado de S.Paulo

Com o culpado n.º 1 blindado pela reverência, a culpa sobra para o n.º 2: Onyx Lorenzoni

Na sua última conversa olho no olho com o deputado Rodrigo Maia, em 9 de março, no Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro lhe perguntou sobre as perspectivas da reforma da Previdência na CCJ da Câmara. Maia foi otimista: tudo tranquilo, a votação na CCJ seria rápida e fácil. O problema seria depois, na Comissão Especial.

Não foi isso que aconteceu. A CCJ, que é meramente formal, impõe uma derrota atrás da outra ao governo, a reforma está atrasada e paira a ameaça de mudanças na proposta antes mesmo da Comissão Especial, que é a arena adequada para isso. O resultado é natural: procuram-se culpados.

Obviamente, o culpado número um é Bolsonaro, que, em não ajudando, só atrapalha. Passou obscuros 28 anos no Congresso Nacional, não aprendeu nada e ainda por cima permite que o “louco”, “mágico”, “guru de seita”, “futurólogo”, “astrólogo” e “adivinho” Olavo de Carvalho (os adjetivos são do líder do PSL, Delegado Waldir) acabe minando o seu governo.

Como é possível divulgar na página do presidente da República um vídeo desse senhor, que mora há 14 anos nos EUA, xingando aos palavrões os militares do governo, jogando desconfiança sobre o partido do governo e multiplicando intrigas e desavenças do governo?

José Casado: As togas carbonizadas

- O Globo

Semana passada, um dia depois de o Supremo Tribunal Federal transgredira Constituição e restaurara censura, oficiais de Justiça tentaram entrar numa sessão do Sena dopara intimar um parlamentar.

Foram impedidos pela segurança, por ordem do presidente Davi Alcolumbre. Desistiram antes da chegada de reforços da Câmara, comandada pelo deputado Rodrigo Maia.

Pouco depois, o Senado resolveu submeter ao plenário, com voto aberto, uma proposta de investigação sobre supostos delitos em tribunais superiores. Não há data definida.

A CPI Lava-Toga, como é conhecida, já é um fenômeno político. Em apenas 80 dias de legislatura foi requerida duas vezes por mais de um terço dos senadores. Enterrada, foi ressuscitada pela terceira vez, ao lado de uma dúzia de pedidos de impeachment de juízes do Supremo.

Míriam Leitão: Jabutis e ruídos na Previdência

- O Globo

Reformar a Previdência é difícil, e fica pior se o governo embute truques, não se explica, e ainda decreta sigilo de documentos

O governo colocou pontos na reforma da Previdência que aumentaram a vulnerabilidade de um projeto que em si já é bastante polêmico. Os jabutis incluídos para serem usados como moeda de negociação ajudaram os setores mais fortes de oposição ao texto, que são os servidores públicos. A proibição de acesso aos dados preparatórios não tem justificativa alguma e também cria um ambiente que fortalece a resistência. Têm havido vários erros estratégicos na formulação e na defesa da PEC 6/2019.

Não há motivo razoável para não permitir o acesso aos dados e estudos que levaram à preparação da reforma, se eles estão convencidos dos números, dos cálculos e das propostas que fizeram. Ontem, no meio da crise, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que eles serão divulgados na quinta-feira. Enquanto uma parte da oposição queria judicializar a proposta.

Evidentemente cada número precisa ser entendido no seu contexto. Um exemplo disso: o governo sempre coloca que o déficit dos militares é de R$ 20 bilhões, mas isso é apenas o déficit do pagamento de pensões. O rombo de todo o sistema é mais do que o dobro disso. O que subestima o dado negativo é que os militares não aceitam o conceito de que estão aposentados. Dizem que estão na reserva, à disposição do país. Se não se aposentam não há déficit, na interpretação deles. Os formuladores da proposta decidiram aceitar essa versão dos fatos, mas isso evidentemente não elimina o desequilíbrio que existe no sistema previdenciário dos militares.

Joel Pinheiro da Fonseca: Populismo vs. Liberalismo

- Folha de S. Paulo

A cada novo fracasso da ala olavista, Bolsonaro a premia com mais um voto de confiança

Eu torço de verdade para que os otimistas tenham razão: que Bolsonaro esteja sendo bem assessorado pela ala militar altamente qualificada que o cerca e que irá perceber o barco furado que é dar ouvidos à ala rival, a ala dos olavistas.

Até agora, contudo, isso não aconteceu. A cada novo fracasso da ala olavista (na Apex, no MEC, na comunicação), o presidente a premia com mais um voto de confiança. Quando conflitos surgem e o presidente é chamado a arbitrar, ela tem saído vencedora.

Ela aposta no conflito constante como a melhor estratégia política para o presidente manter seu poder. Não sabe nada de gestão pública e nem entrega resultados; mas é boa em criar novos inimigos e mobilizar uma militância digital para atacá-los nas redes. Estão por trás dos movimentos populistas do presidente, imitando as práticas de sucesso político de outros países.

O professor de Johns Hopkins, Yascha Mounk, em seu livro "O Povo Contra a Democracia" —que será lançado nesta quinta-feira (25) em São Paulo em evento promovido pela Folha com presença minha e do autor—, disseca o processo que está levando à ascensão do populismo e à corrosão da democracia ao redor do mundo. Abstraindo das particularidades locais, as semelhanças saltam aos olhos. Trata-se de movimentos antiliberais que opõem o Executivo —representante único da vontade popular— a instituições e políticas vistas como inimigas a serviço de uma elite degenerada. Na Hungria, na Polônia e na Venezuela (nem todo populismo é de direita), já levaram ao fim da democracia. No Brasil, se a ala olavista der as cartas, o resultado será o mesmo.

Pablo Ortellado*: Brasil é como o barco de Neurath

- Folha de S. Paulo

Crise no STF abala última viga institucional do país

A Lava Jato conseguiu reunir forças para sua ação expurgadora porque se ancorou firmemente numa aliança entre a imprensa e o Judiciário para combater a corrupção no Executivo e no Legislativo.

Não é comum que estruturas de poder se renovem completamente desde fora. Frequentemente são como o barco de Neurath, que precisa se renovar em alto mar, necessariamente utilizando parte das estruturas existentes como apoio.

É essa sustentação na imprensa e no Judiciário que está rapidamente se degradando, primeiro com a campanha populista contra a imprensa e agora com a crise no STF. Sem qualquer tipo de apoio, cada dia que passa nosso barco parece mais próximo de afundar.

Os dois elementos se encontram na famigerada investigação de Toffolie Moraes sobre as fake news.

Não está claro ainda o que querem os ministros com essa investigaçãoque, segundo muitos juristas, faz uma interpretação abusiva do regimento do STF, mistura as funções de acusador, de investigador e de juiz e impõe medidas punitivas que outros colegas de corte não hesitaram em chamar de censura.

Ranier Bragon: Luz do sol

- Folha de S. Paulo

Há apenas um caminho aceitável para o ato da pasta comandada por Guedes: o recuo

No dia 20 de fevereiro o presidente Jair Bolsonaro foi ao Congresso entregar a reforma da Previdência, principal projeto do seu governo e, segundo o discurso de seu ministro da Economia, Paulo Guedes, o instrumento necessário para levar o país aos píncaros da glória.

Há dois meses, portanto, toda a documentação que embasa a propostadeveria estar acessível a qualquer cidadão. É pedir muito?

O país tem problemas bíblicos nas mais variadas áreas, com soluções complexas e longe de serem vislumbradas —particularmente por ministros que ocupam o dia a dia em batalhas contra o comunismo, o globalismo e outros terraplanismos.

Hélio Schwartsman: Mágicas de linguagem

- Folha de S. Paulo

FGTS é mais um confisco do que um direito

A linguagem é uma ferramenta poderosa. Tão poderosa que basta insistir por alguns anos numa propaganda bem-feita para convencer pessoas inteligentes até de que algo que as prejudica é um direito inalienável.

Victor Klemperer (1881-1960), o filólogo judeu que conseguiu sobreviver durante a Segunda Guerra na Alemanha, registrando num diário a ascensão do nazismo, faz uma análise primorosa de como a manipulação da linguagem pode servir a propósitos ideológicos. Se você pensou na “novilíngua” de George Orwell, acertou, mas Klemperer escreveu suas observações antes do inglês, e elas diziam respeito ao mundo real, e não ao da ficção.

No Brasil, o FGTS é um bom exemplo dessa mágica operada pela linguagem. Quase todos, da esquerda à direita, passando pela própria Constituição, o tratam como um direito. Mais até, como cláusula pétrea da Carta, que só poderia ser extinta por revolução (essa é a posição da OAB).

Alvaro Costa e Silva: O último dos comunas

- Folha de S. Paulo

Morto em 2008, Fausto Wolff assumiu que era vermelho por fora e por dentro

Na cabeça de alguns, existe no Brasil uma legião de comunistas. Os quais escaparam à ruína do regime da foice e do martelo na Alemanha Oriental, em 1989, e na União Soviética, em 1991, e por aqui encontraram um ambiente exótico, propício não só à sobrevivência como também à proliferação. Seguindo sua natureza pérfida, agem disfarçados de melancias.

Eu só conheci de perto um comunista confesso: o gaúcho Faustin von Wolffenbüttel, que atuava na imprensa com o codinome de Fausto Wolff. Pelo seu tamanho —1,92 m de altura e outro tanto de envergadura e barriga— qualquer disfarce era-lhe complicado. Resolveu então assumir sua condição de vermelho por dentro e por fora.

Na época da ditadura, viveu em Roma e em Copenhague, não se valendo do ouro de Moscou, mas trabalhando em universidades e no cinema. Com passaporte falso, esteve no Brasil em 1971. Sua intenção não era promover a luta armada, queria apenas rever os amigos e beber um chope no Veloso. Só voltou de vez em 1978, para escrever no Pasquim.

Luiz Carlos Azedo: Quem lidera?

Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“Passados 100 dias de mandato, a liderança de Bolsonaro na equipe que formou começa a dar sinais de esgarçamento; não há sintonia entre o racional-legal, o carisma e a tradição”

Ao estudar os tipos de liderança existentes na sociedade, o filósofo e sociólogo alemão Max Weber buscou o arquétipo das lideranças carismáticas no guerreiro bárbaro: o mais valoroso, audaz e astucioso seria escolhido para chefe, porque as mais dolorosas experiências ensinaram que, sem chefe para a batalha, a horda levaria a pior, seria derrotada e dizimada pelo inimigo implacável. Entretanto, Weber amplia essa tipificação da dominação carismática para os profetas e os demagogos e a contextualiza no processo civilizatório, no qual o exercício do poder exige legitimidade e legalidade.

Grosso modo, as lideranças carismáticas estão associadas a revoluções: Robespierre, Marat e Danton na Revolução Francesa; Oliver Cromwell na Revolução Puritana; e Martinho Lutero na Reforma Protestante. Ou a regimes autoritários: Benito Mussolini, na Itália; e Adolf Hitler, na Alemanha. Mas isso é relativo, porque já exerciam esse tipo de liderança antes de chegarem ao poder. No Brasil, os exemplos clássicos de lideranças carismáticas são encontrados nos sertões do Nordeste, com Lampião, Antônio Conselheiro e Padre Cícero; na política, em Getúlio Vargas, Luís Carlos Prestes, Leonel Brizola e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Essas lideranças ganharam fama devido às façanhas que realizaram e aos meios de comunicação, a chamada grande imprensa, o rádio e a televisão. O presidente Jair Bolsonaro é uma novidade: seu carisma está associado à emergência das redes sociais. O problema da liderança carismática quando chega ao poder pelo voto, porém, são os de sempre: a legitimidade e a legalidade. É aí que as coisas começam a se complicar. Num governo democrático, não basta o carisma popular do líder, é preciso que ele exerça a liderança pela competência na tomada de decisões e pela capacidade de coordenação de sua própria equipe.

O Estado democrático moderno é uma forma de dominação legal-racional muito sofisticada, cuja legitimidade se estabelece constitucionalmente. Conta com uma burocracia estruturada, com competências, limites e funções exclusivas e bem definidas, que opera de acordo com as atribuições do cargo e não a partir da fulanização das relações de poder, que é uma espécie de “humanograma” estabelecido a partir de critérios extralegais, ou seja, de acordo com os caprichos do líder.

Andrea Jubé: "Imprensa brasileira, tamo junto aí!"

- Valor Econômico

Não tem céu de brigadeiro na guerra da comunicação

Para quem acompanha as vicissitudes do relacionamento de Jair Bolsonaro com a imprensa, surpreendeu o armistício proposto na semana passada, na esteira do debate sobre censura e liberdade de expressão: "Imprensa brasileira, tamo junto aí! Esse namoro, esse braço estendido estará sempre à disposição de vocês, um abraço a todos aí!"

O presidente reconheceu os "percalços" na relação, mas argumentou que governo e jornalistas precisam se entender "para que a chama da democracia não se apague". Ensinou: "Melhor uma imprensa capengando do que sem ter imprensa". Um contraste ante as declarações do candidato recém eleito, que contrariado com uma sequência de matérias investigativas, ameaçou cortar verbas de publicidade de um jornal de grande circulação. "Na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal", ameaçou.

O pano de fundo da aparente nova postura é a batalha da comunicação, que tem de um lado o grupo alinhado ao filósofo Olavo de Carvalho e ao vereador Carlos Bolsonaro, e do outro, a ala militar que responde institucionalmente por essa área no governo.

Desde o incidente do famigerado vídeo da "golden shower" no Carnaval, a cúpula militar interveio para que o presidente adequasse sua conduta à liturgia do cargo. O cessar-fogo, o tom moderado adotado nas sete "lives" que protagonizou em sua conta no Facebook, resultam das diretrizes de comunicação instituídas pelos generais responsáveis pela área: o ministro da Secretaria de Governo, Santos Cruz, e o porta-voz, Otávio do Rêgo Barros.

Ambos são egressos da "escola de comunicação" do general Eduardo Villas Bôas, que sempre defendeu relações amistosas com a imprensa no posto de comandante do Exército (2015-2019). Villas Bôas hoje despacha no Gabinete de Segurança Institucional, ao lado do ministro, general Augusto Heleno. Ambos são bússolas de Bolsonaro no governo.

Foi por indicação de Villas Bôas que Rêgo Barros tornou-se o porta-voz do governo. Seu bordão remete a São Francisco de Assis: "Paz e bem".

Ricardo Noblat: Cresce irritação dos militares com Bolsonaro

Blog do Noblat / Veja

Outra tentativa de enquadrar o capitão
Sem que de fato aconteça, quantas vezes mais se escreverá que os militares empregados no governo enquadraram o presidente Jair Bolsonaro, e que desta vez, sim, ele dará um chega para lá nos filhos, e no guru deles, o autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho?

Justiça se lhes façam: Olavo só tem essa influência toda sobre os garotos porque o pai concorda com suas ideias. É tanto guru deles como do pai. E os garotos só estão de bola cheia porque Bolsonaro permite. Com frequência se vale deles para dar seus recados.

Escreva-se outra vez, pois: sob pressão da ala militar do governo, Bolsonaro, pela primeira vez, disse por meio do seu porta-voz que Olavo em nada contribui para o sucesso de sua administração com os constantes ataques que faz aos fardados e aos que vestiram farda.

De fato, Olavo tem pesado a mão contra os generais, mais especificamente o vice-presidente Hamilton Mourão. Nas últimas 48 horas, acusou-os de entregar o país “aos comunistas”, e de fazerem “cagada” em cima de “cagada”. Sim, Olavo é um desbocado.

Mourão reagiu um tom ainda abaixo daquele que gostaria de usar: “Acho que Olavo de Carvalho deve limitar-se à função que desempenha bem, que é de astrólogo. Pode continuar a prever as coisas que é bom nisso”. Não, Olavo não é bom de previsão.

Olavo é bom de polêmica. Por isso, apesar da advertência feita por Bolsonaro, não resistiu e na noite de ontem voltou a espicaçar Mourão: “Ele é um adolescente totalmente desqualificado para qualquer debate intelectual sério”. Os garotos comemoraram.

Talvez seja um exagero tratar como advertência o que afirmou Bolsonaro a propósito de Olavo. Primeiro ele o elogiou por ter tido “um papel considerável na exposição das ideias conservadoras que se contrapuseram à mensagem anacrônica cultuada pela esquerda”.

Para só depois dizer como se fizesse um apelo que ““tem convicção de que o professor, com seu espírito patriótico, está tentando contribuir com a mudança e com o futuro do Brasil”. Na verdade, Bolsonaro pela-se de medo de Olavo. Não quer virar alvo de suas críticas.

Quanto aos garotos que tanto irritam os militares, nem uma palavra. Mais de uma vez também já se disse que agora Bolsonaro afastaria os filhos do governo.

Volta-se a dizer. Melhor esperar para conferir. Ele foi candidato para eleger os filhos. Difícil que se afaste deles.

Ana Carla Abrão*: Super poderes

- O Estado de S.Paulo

Em todos os Estados é o Judiciário o Poder que mais gasta proporcionalmente

Foi Montesquieu, em seu Espírito das Leis, quem elaborou a teoria dos três poderes, dando corpo ao Estado Liberal. Desenvolvida a partir do pavor absolutista que John Locke combateu no final do século XVII, a separação dos poderes tem como princípio a limitação no exercício do poder governamental, que deve estar sempre sujeito a freios e contrapesos. Impede-se assim a concentração de poder em uma só pessoa e garante-se que valores caros à sociedade estejam protegidos. A essência está na atuação separada, independente e harmônica dos três poderes que formam o Estado (legislativo, executivo e judiciário), garantindo e protegendo o Estado Democrático de Direito.

Independência de poderes é, portanto, preceito da democracia moderna e também cláusula pétrea da Constituição de 1988 que no Art. 2º assegura que “são poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário”. Mas foi o Pacto Federativo que determinou que cabe aos entes federados o financiamento das despesas desses poderes. No caso dos Estados é, portanto, responsabilidade do orçamento público local dar conta dos gastos do Legislativo e Judiciário estaduais e dos demais órgãos dotados de autonomia: Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública.

O conceito é claro e a motivação correta. Mas em tempos de excessos e descuidos com os gastos públicos e de tão grave desequilíbrio fiscal no nível subnacional, há que se colocar luz sobre essa questão e discutir freios e contrapesos hoje inexistentes. Há pouca transparência nas despesas dos poderes autônomos e nesse contexto se destaca um excelente estudo feito pelo Conselho de Secretários Estaduais de Planejamento (Coseplan), coordenado por Gustavo Nogueira, do Rio Grande do Norte. O trabalho mede a participação dos Poderes independentes nas receitas orçamentárias de Estados brasileiros em 2015 e 2016. Elaborado com a colaboração de 26 Estados (o Distrito Federal não participou por possuir regras específicas de receitas), a pesquisa joga luz sobre o custo dos poderes autônomos.

Bernardo Mello Franco: A comédia da Ucrânia e a nossa

- O Globo

Na Ucrânia, um humorista aproveitou a revolta com os políticos e virou presidente. Por aqui, a comédia começou depois da eleição

Na Ucrânia, um comediante aproveitou a irritação geral com os políticos para chegar ao poder. Volodymyr Zelenskiy fez sucesso na TV ao interpretar um professor que se revolta contra o sistema e vira presidente por acaso. A série ficou tão popular que ele decidiu se candidatar de verdade.

Zelenskiy evitou os palanques, fugiu da imprensa e faltou a quase todos os debates. Preferiu fazer campanha nas redes sociais, onde protagonizou cenas inusitadas. Num vídeo recente, pediu votos enquanto fazia flexões numa barra. Em outro, apareceu com um nariz de palhaço.

O humorista foi criticado por não ter experiência administrativa e apresentar poucas propostas concretas. “Não tem promessa, não tem decepção”, respondeu, num slogan engraçadinho. Os ucranianos gostaram da piada. Zelenskiy virou favorito e foi eleito no domingo, com mais de 70% dos votos.

Investigação continua e censura foi ‘resolvida’, diz Moraes

Após retirar censura de site e revista, ministro do Supremo diz que a Corte continua apurando ameaças a magistrados

Célia Froufe / O Estado de S.Paulo

LISBOA - Em seu primeiro pronunciamento público após o vaivém de decisões em relação ao inquérito sobre ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à censura sobre publicação que cita o presidente da Corte, Dias Toffoli, o ministro do STF Alexandre de Moraes disse nesta segunda-feira, 22, que o assunto já foi resolvido.

“Não preciso fazer nenhuma avaliação, isso já foi resolvido na semana passada e nós vamos continuar investigando, principalmente – e esse é o grande objetivo do inquérito aberto por determinação do presidente do Supremo – as ameaças aos ministros do STF”, afirmou a jornalistas durante o VII Fórum Jurídico de Lisboa, realizado pelo IDP, do ministro Gilmar Mendes, na capital portuguesa.

Moraes salientou que a Suprema Corte optou por investigar atuações que têm como objetivo desmoralizá-la. “O que se apura, o que se investiga não são críticas, não são ofensas. Até porque isso é muito pouco para que o Supremo precisasse investigar. O que se investiga são ameaças graves feitas, inclusive, na Deep Web, como foi já investigado pelo próprio Ministério Público de São Paulo”, argumentou. “É um verdadeiro sistema que vem se montando para retirar credibilidade das instituições”, continuou.

O ministro também afirmou que, ao determinar a retirada do material, atendeu a um pedido do colega Dias Toffoli, alvo da reportagem da revista que foi tratada inicialmente como informação falsa. “Assim que chegaram os documentos, eu requisitei imediatamente a cópia integral do inquérito. Assim que ele chegou e eu constatei a presença desse documento, foi levantada a suspensão”, justificou.

Moraes foi questionado sobre se o processo não teria de ocorrer de forma inversa: primeiro haver a constatação de que se tratava de fake news para apenas depois impedir a circulação das informações pela revista. “Você não pode prejudicar a honra de uma pessoa quando há, como houve no caso, uma nota oficial da Procuradoria Geral da República”, alegou, acrescentando que o comunicado da PGR dizia que a instituição não tinha conhecimento de nenhum documento, pois nenhum documento havia chegado à casa. “Então, naquele momento, havia uma informação oficial - que não era nem sobre a validade ou não do documento, mas sobre a própria existência do documento”, argumentou.

Depois que foi constatada a existência do documento, segundo o ministro, o que vai ser investigado agora é o seu vazamento. “Como eu coloquei na minha decisão, ou foi um exercício de futurologia – pela matéria, já dizendo que já estava na Procuradoria e a PGR nem tinha conhecimento – ou alguém vazou. Vazamento é crime, principalmente vazamento de algo sigiloso de uma delação premiada ocorrida num caso importantíssimo.”

Toffoli vai mandar ao MPF conclusão de inquérito

Dias Toffoli, presidente do STF, disse ontem que vai enviar ao MPF a conclusão das investigações para apurar ameaças e supostas fake news contra a Corte. A procuradora-geral, Raquel Dodge, havia pedido o arquivamento do inquérito. O relator, Alexandre de Moraes, afirmou que investigações continuam.

Rafael Moraes Moura / O Estado de S. Paulo

Contestada pela Procuradoria, investigação apura ameaças a magistrados da Corte

BRASÍLIA - Em uma sinalização à Procuradoria-Geral da República, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, disse ontem que vai enviar ao Ministério Público Federal a conclusão das investigações do inquérito instaurado para apurar ameaças, ofensas e disseminação de notícias falsas contra a Corte.

O inquérito, aberto por iniciativa do próprio presidente do Supremo, é contestado pelo Ministério Público Federal, que foi escanteado desde o início das investigações, pediu o arquivamento do caso e foi ignorado quando Toffoli prorrogou a apuração por 90 dias.

Foi no âmbito desse inquérito que o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, decidiu censurar a revista digital Crusoé e o site O Antagonista, mas depois derrubou a própria decisão ao receber informações de que a reportagem era fundamentada em um documento que “realmente existe”. A reportagem informava que um codinome (“o amigo do amigo do meu pai”), usado em troca de e-mails do empreiteiro Marcelo Odebrecht, se referia a Toffoli, na época advogado-geral da União do governo Lula (mais informações nesta página).

Depois de um feriado prolongado, o presidente do Supremo recebeu em seu gabinete a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com quem se reuniu a portas fechadas por cerca de 40 minutos. O encontro ocorreu a pedido de Raquel. “Nunca houve arestas”, disse Toffoli à reportagem, ao ser perguntado se a audiência serviu para aparar as arestas entre as duas instituições.

Toffoli: Inquérito irá para o Ministério Público Federal

Após reunião com a procuradora-geral Raquel Dodge, Toffoli disse que inquérito sobre ataques à Corte vai ao MPF depois de concluído.

Toffoli: ‘Não haverá usurpação de competência’

Durante encontro com a procuradora-geral da República, presidente do STF diz que conclusão do inquérito sobre ataques à Corte será encaminhado ao MPF. Em Lisboa, relator afirma que investigações continuarão

Carolina Brígido, André de Souza e Bruna Borelli / O Globo

BRASÍLIA E LISBOA - Pressionada a recorrer contra o inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para investigar ataques à Corte, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reuniu-se ontem com o presidente do tribunal, Dias Toffoli. O encontro não estava previsto na agenda de nenhum dos dois. Apesar da crise dos últimos dias, Toffoli disse, depois da reunião, que não há problema de relacionamento entre o STF e a Procuradoria-Geral da República (PGR).

Toffoli informou que o inquérito, após ser concluído, será encaminhado ao Ministério Público Federal para apresentação de denúncias.

—As relações sempre forame continuam boas. Inclusive asaçõ esconjuntas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) — disse Toffoli, em menção aos órgãos presididos por ele e por Dodge.

Raquel Dodge usou um tom parecido.

—Sempre muito boa a relação. Foi uma visita institucional importante, e a coisa toda caminhou muito bem. Conversa muito boa —disse a procuradora-geral da República.

Na última terça-feira, a procuradora-geral ordenou o arquivamento do inquérito. Foi nessa investigação que o relator, ministro Alexandre de Moraes, tirou do ar reportagem da revista digital “Crusoé” e do site “O Antagonista”. Dias depois, Moraes revogou a própria decisão. No entanto, não atendeu ao pedido de arquivamento do inquérito.

Durante o encontro com T off o li, Dodge disseque ainda não decidiu se vai recorrer ou não da decisão de Moraes de não ter arquivado o inquérito. Caso opte pelo recurso, o assunto poderá ser julgado no plenário. Para tentar arrefecer a crise, Toffoli explicou à procuradora-geral que, ao fim das investigações, o Ministério Público será chamado para opinar. E que, se os investigados não tiverem direito ao foro especial, o caso será enviado à primeira instância.

— Não haverá usurpação de competência do Ministério Público —garantiu.

MAIS APURAÇÃO
O ministro Alexandre de Moraes justificou ontem, durante o VII Fórum Jurídico de Lisboa — evento organizado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e a Fundação Getulio Vargas (FGV) —, a decisão de censurar a reportagem da revista “Crusoé” e do site “O Antagonista” com menção ao presidente do STF, Dias Toffoli.

Sigilo injustificável: Editorial / Folha de S. Paulo

Ministério nega de modo descabido acesso a dados sobre a reforma da Previdência

A prepotência tecnocrática ou alguma estratégia política obtusa talvez o explique, mas nada justifica o estapafúrdio sigilo decretado pela pasta da Economia acerca de documentos que embasam a reforma da Previdência Social.

Nem mesmo deveria ter sido necessário que esta Folha pedisse ao ministério, com base na Lei de Acesso à Informação, registros de projeções e estudos relacionados à proposta de mudança do sistema de aposentadorias em tramitação na Câmara dos Deputados.

Trata-se, afinal, de projeto que afeta diretamente a enorme maioria dos trabalhadores brasileiros, além de conter objetivos econômicos de interesse de toda a sociedade. O singelo bom senso recomenda que todos os dados a seu respeito precisam estar disponíveis de pronto ao escrutínio público.

Não param de pé os argumentos utilizados pela pasta ao negar o pleito deste jornal. Alega-se que os documentos foram classificados com nível de acesso restrito —só podendo ser consultados por certos servidores e autoridades— em razão de seu caráter preparatório de um ato administrativo, conforme previsto na legislação.

Reforma da Previdência pede urgência: Editorial / O Globo

Economia não cresce, e desemprego sobe ao mesmo tempo em que projeto não avança no Congresso

Enquanto a tramitação do projeto de reforma da Previdência se atrasa, a economia demonstra que a recuperação ensaiada há pouco é mesmo de fôlego curto, algo como um “voo de galinha”, se tanto.

Os políticos próximos ao governo — ainda parece um exagero chamá-los de “base parlamentar”— demoram a se articular, e a oposição, sem qualquer proposta alternativa, vê facilitado o trabalho a que se propôs, o de obstruir.

Espera-se que hoje, afinal, a Comissão de Constituição e Justiça aprove na Câmara o parecer positivo sobre o projeto, para que se possa formar a comissão especial em que as discussões e negociações se aprofundarão.

Deputados e senadores não devem esquecer que o desemprego voltou a subir. No trimestre encerrado em fevereiro, a taxa, calculada pelo IBGE, subiu de 11,6%, no mesmo período imediatamente anterior, para 12,4%, o que não pode ser explicado apenas por sazonalidade — passagem das festas de fim de ano, por exemplo. É possível que a situação não tenha melhorado em março.

O que há mesmo é um PIB que rasteja — o indicador antecedente do Banco Central, IBC-Br, sinaliza que o país pode estar enfrentando novamente uma recessão neste início de 2019. E os políticos têm responsabilidade direta por ela, devido à lentidão no início da tramitação propriamente dita da reforma, azedando o humor dos agentes econômicos, que tomam decisões com base nas expectativas. Como elas têm se degradado — e nisso gente do Planalto também tem culpa —, investimentos não são feitos, e as engrenagens da economia não se movem como é preciso.

A estagnação nas fábricas: Editorial / O Estado de S. Paulo

Com fábricas produzindo muito abaixo da capacidade e pessoal muito reduzido, empresários da indústria continuam à espera de um sinal de Brasília para pisar no acelerador e entrar em recuperação mais firme. Passados quase seis meses da apuração do segundo turno, a economia continua travada e a maior parte da indústria de transformação opera em nível inferior ao de antes da crise. Que os negócios continuam muito fracos é um fato bem conhecido, mas o quadro pode ser bem mais feio quando se examinam os detalhes. Exemplo: só três de quinze segmentos da indústria de transformação avaliados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) funcionam em nível pelo menos igual à média histórica do período de 2001 a 2018. O levantamento foi feito por solicitação do Estado.

Já no terceiro ano depois de encerrada a recessão, a maior parte das fábricas mantém um baixo grau de utilização das máquinas, equipamentos e instalações. Na média dos 15 segmentos analisados, só houve uso de 74,6% da capacidade instalada no primeiro trimestre deste ano. Na série histórica examinada no estudo da FGV, houve uso médio de 81,1% da capacidade produtiva. Entre janeiro e março deste ano, só os segmentos farmacêutico e de papel e celulose superaram sua média histórica. Um terceiro, o de vestuário, funcionou dentro de seu padrão normal. Todos os demais continuaram com ociosidade maior que a observada antes da crise.

A estagnação da indústria de transformação é atribuível, em primeiro lugar, ao baixo consumo das famílias. A moderação nas compras está claramente associada à insegurança, num ambiente de alto desemprego. Nem todas as famílias perderam renda, mas a maioria tem excelentes motivos para ser muito cautelosa nas despesas.

STF fez de forma errada o que poderia ter feito certo: Editorial / Valor Econômico

A eleição de Jair Bolsonaro angariou enorme oposição à continuidade das administrações petistas e acirrou também os ânimos de grupos que são contra a democracia. O apoio ao presidente se mantém estridente nas redes sociais e uma franja radical tem criticado as instituições com a falta de educação e inteligência que já se tornaram habituais. O ataque à democracia, via liberdade de imprensa, porém, veio de onde menos se esperava: do Supremo Tribunal Federal, o guardião de todas as liberdades. Sob fogo cerrado da extrema direita, o protagonismo dos ministros do tribunal já havia lhes trazido antipatia ou a franca oposição de setores amplos do Legislativo e da sociedade. As ações do presidente do STF, Dias Toffoli, contribuem para acelerar sua perda de prestígio, coroando uma obra feita de estrelismos e idiossincrasias em uma corte onde ninguém parece se entender.

O ato de Dias Toffoli foi imprudente, precipitado e, ao que tudo indica, ilegal. Ao assumir e propor-se como pacificador do tribunal, Toffoli sabia que pisava em terreno minado. Logo depois, seções em que ministros acusaram os procuradores da Lava-Jato de cretinos mostraram um grau de animosidade prejudicial à operação e à seriedade da Casa. Havia razões de sobra para Toffoli agir com paciência e sobriedade. Contribuiu para subir a exasperação no STF e favorecer a desrazão as supostas investigações da Receita sobre irregularidades nas declarações de IR de Toffoli, Gilmar Mendes e consortes e, depois, a campanha cerrada contra ambos feita pelos adeptos de Bolsonaro nas redes sociais.

Carlos Drummond de Andrade: Canto do Rio em Sol

I
Guanabara, seio, braço
de a-mar:
em teu nome, a sigla rara
dos tempos do verbo mar.

Os que te amamos sentimos
e não sabemos cantar:
o que é sombra do Silvestre
sol da Urca
dengue flamingo
mitos da Tijuca de Alencar.

Guanabara, saia clara
estufando em redondel:
que é carne, que é terra e alísio
em teu crisol?

Nunca vi terra tão gente
nem gente tão florival.
Teu frêmito é teu encanto
(sem decreto) capital.

Agora, que te fitamos
nos olhos,
e que neles pressentimos
o ser telúrico, essencial,
agora sim és Estado
de graça, condado real.

II
Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
-- não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio

Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?

III
Irajá Pavuna Ilha do Gato
-- emudeceram as aldeias gentílicas?
A Festa das Canoas dispersou-se?
Junto ao Paço já não se ouve o sino de São José
pastoreando os fiéis da várzea?
Soou o toque do Aragão sobre a cidade?