quinta-feira, 23 de maio de 2019

Opinião do dia: Sérgio Abranches*

O politólogo americano Edward Burmila, escreveu recentemente na revista The Nation, artigo no qual fala dos perigos que as instituições democráticas correm no seu país, com a guinada dos Republicanos para a direita não-democrática. Aquela que não respeita as minorias, nem busca a melhor agregação possível dos interesses da maioria social. Ele argumenta que o risco institucional, hoje, só não é maior, porque Trump é um autocrata ineficaz. O dia em que um autoritário carismático emergir na direita, alertou, já há evidência suficiente de que as instituições e normas mais estimadas não salvarão os Estados Unidos. Com Trump, diz Burmila, o Congresso e o Judiciário já demonstraram que podem se dobrar à vontade até de um presidente impopular e inepto como ele. Imaginem com um autocrata polido e sedutor, conclui.

A democracia pode mesmo entrar em recesso, diante de lideranças populistas autoritárias e capazes de dobrar o sistema. Um recesso que causará dores severas e perdas talvez irreparáveis à sociedade. A fragilidade das instituições, quando autocratas ludibriam os freios e contrapesos que as protegem, neutralizando os princípios da liberdade e da incerteza, é, também, sua força. Exatamente porque a democracia não é sólida, ela não se desmancha facilmente no ar rarefeito.

A democracia é difícil de quebrar porque ela se amolda. Uma vez eliminada a força que a deformava, ela recupera sua forma, seu estado saudável. Com mudanças, novos freios e contrapesos para evitar a recorrência de um recesso pelo mesmo caminho, mas essencialmente a mesma, a democracia ressurge. No recesso, o ideal democrático alimenta a resistência, as insurreições e a rebeldia. É da sua natureza. Pressionada no topo, ela flui, escorre para a sociedade e dá força à voz potente das ruas.”

* Sérgio Abranches é cientista político, escritor e comentarista da CBN. “Democracia líquida”, Blog Matheus Leitão, 20/5/2019

José Serra*: Sobre armas e estampidos

- O Estado de S.Paulo

O crime tem múltiplas causas, todas difíceis de abordar. Soluções são igualmente complexas

Em janeiro, o presidente Bolsonaro assinou decreto que facilitou a posse de armas. A posse permite manter arma em casa ou outra propriedade, como um comércio. Mais recentemente, em 7 de maio, editou um segundo decreto, dessa vez liberando o porte, até mesmo de fuzis. Note-se que o significado da permissão do porte de armas vai bem além da posse, ao dar direito de andar armado ao cidadão que obtiver licença. Ontem, novo decreto abrandou a versão anterior.

Essas decisões são coerentes com a campanha eleitoral do presidente. De fato, a liberalização da posse e do porte de armas de fogo foi uma de suas mais marcantes promessas de campanha. A coerência, entretanto, não é necessariamente virtuosa quando insiste no erro. O aumento da criminalidade no Brasil não será resolvido expandindo o porte de armas, mas, principalmente, tornando mais provável a punição dos criminosos.

Um debate longuíssimo – e ainda inconclusivo – sobre o tema tem se desenvolvido nos Estados Unidos há mais de 20 anos. Quais serão os efeitos sobre a criminalidade da disseminação do porte de armas?

Em 1997, os pesquisadores John Lott e David Mustard publicaram importante artigo em que procuraram mostrar que o porte não ostensivo de arma (quando o cidadão pode andar armado, mas com a arma escondida) reduzia a criminalidade. A explicação era a de que a difusão do porte intimidaria os criminosos, pois eles saberiam que a vítima poderia antecipar-se ou revidar. O artigo foi, possivelmente, o trabalho mais influente em termos de políticas de segurança pública nos EUA. Hoje, 16 Estados liberam o porte não ostensivo sem nenhuma restrição; 26, por meio de licença automática (se preenchidos os critérios legais); e 8, mediante licença condicional. Nenhum dos 7 Estados que vedavam o porte em 1997 mantêm a proibição.

Eugênio Bucci*: Será tragédia? Ou será chanchada?

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro está mais para Oscarito ou Mazzaropi do que para Creonte ou Mussolini

“O inimigo avança.” Na tradução de Millôr Fernandes, essa é a frase final de Antígona, a tragédia que Sófocles escreveu há 25 séculos para nos alertar, em vão, sobre os riscos da tirania. A toda hora o rei Creonte usa a ameaça do exército rival para justificar seus abusos contra sua própria gente. É um usurpador. Chantageia os habitantes de Tebas dizendo que se ele, Creonte, não estiver no trono, a cidade cairá nas mãos dos tenebrosos invasores estrangeiros. Se os tebanos não o seguirem e não lhe obedecerem, farão o jogo das tropas que, do lado de fora dos muros da cidade, esperam a melhor oportunidade para destruí-la. Com esse tipo de paranoia conspiratória, domina seu povo pelo medo, até que, ao final, tudo desmorona – enquanto “o inimigo avança”.

Antígona nos ensina que a personagem essencial de toda tirania não é o tirano propriamente, mas o inimigo, o tal que “avança”. É bem verdade que, no caso de Tebas, esse inimigo era real e iminente, embora não fosse tão apavorante como Creonte o descrevia. Em tiranias mais presentes, o inimigo não tem existência factual; é apenas uma construção retórica para emprestar uma legitimidade fraudulenta ao regime arbitrário. No nazismo, os judeus foram postos nesse lugar de inimigo retórico; no stalinismo, o mesmo papel coube aos trotskistas. A propaganda oficial transformava pessoas indefesas – judeus e trotskistas – em oponentes de poderes incomensuráveis, capazes das atrocidades mais indizíveis. A partir daí, a perfídia do totalitarismo consistiu em dizimar seres humanos frágeis como se fossem a encarnação das piores entidades do inferno. Hitler e Stalin aterrorizavam a população e ainda posavam de vítimas, de mártires abnegados dispostos a se sacrificar e morrer pela pátria. Os dois sabiam que jamais se estabeleceriam se não tivessem inimigos retóricos para justificar a si próprios. Sabiam que precisavam inventar a personagem central de toda tirania: o inimigo.

William Waack: Maluquice lógica

- O Estado de S.Paulo

Percepções equivocadas conduzem Bolsonaro a decisões perigosas para ele e o País

Jair Bolsonaro é um personagem político dos mais transparentes. Não deixa dúvidas sobre a maneira como percebe o mundo à sua volta – e as percepções mantidas pelos próprios personagens políticos (malucas ou não) são ferramentas úteis para entender as decisões que eles tomam. Bolsonaro se entende como escolhido por Deus para governar o Brasil. Missão que não está conseguindo cumprir, segundo admite, pois é vítima de um “sistema” que não se deixa moralizar, especialmente a esfera política.

Esse tipo de percepção explica a descrição que o presidente faz de compromissos políticos necessários em qualquer regime representativo democrático (como o brasileiro) como sendo “acertos” espúrios, sobretudo em relação ao Legislativo. E o faz colocar o “povo”, que Deus o encarregou de governar, como seu principal instrumento para quebrar de fora para dentro o “sistema” que tornou o País “ingovernável”. Maluca ou não, é uma sequência perfeitamente lógica.

Erros políticos ocorrem quando o personagem (no caso, Bolsonaro), conduzido por suas percepções, substitui estratégia por aspirações e acredita dispor de meios (pressão popular por meio de redes sociais, por exemplo) para atingir seus fins (controlar os poderes Legislativo e Judiciário). O chamado às ruas que o presidente implicitamente endossou é um desses erros políticos tão crassos a ponto de suscitar uma pergunta: será que não existiria por detrás uma forte jogada política?

Zeina Latif*: Cisão que dói

- O Estado de S.Paulo

País precisa evitar armadilha que beneficia os grupos organizados antirreformas

O Brasil é um país heterogêneo e complexo desde sua formação. Insatisfação popular e interesses locais em conflito com o poder central marcaram o Império e a República Velha. Manter a unidade territorial do País e conter rebeliões e greves exigiu grandes esforços e implicou muitas perdas e traumas causados pela mão forte do Estado. Na ausência de instituições democráticas estruturadas ou de um poder moderador de fato, os conflitos eram frequentes.

A construção do poder central era inevitavelmente impactada pelo ambiente instável, e suas reações aos conflitos com frequência agravavam o quadro. Por exemplo, na República Velha, presidentes civis buscaram apoio em oligarquias locais, o que foi institucionalizado na chamada Política dos Governadores. No arranjo, o governo central apoiava o poder local, por ele indicado, em troca da eleição de bancadas no Congresso fiéis ao presidente, por meio do “voto de cabresto”. Estava plantada a semente da Revolução de 1930, com a deposição de Washington Luiz por uma junta militar, com apoio dos tenentes, dos 3 estados sublevados e de segmentos liberais que ansiavam por democracia. Grupos heterogêneos, mas circunstancialmente unidos por uma causa comum.

A turbulenta era Vargas, com seus contornos autoritários e o fim trágico, só fez aumentar a divisão da sociedade, entre getulistas e não getulistas. A consequente instabilidade política compôs o quadro que culminou no golpe militar de 1964. Enfim, como ensina Bolívar Lamounier, a história é feita por eventos encadeados, e não por eventos independentes.

A divisão do País não é, pois, elemento novo e esteve sempre latente na sociedade. Sua intensidade foi exacerbada ou contida, dependendo da postura do presidente da República. Políticos progressistas optam por fortalecer as instituições e promover a coesão social, o que não impede o enfrentamento de grupos de interesse. Já os de perfil populista, confrontam as instituições, enfraquecendo a democracia, e exacerbam a divergência. Elegem inimigos externos para manterem o apoio dos aliados, buscando vitórias políticas de curto prazo. Dividir a sociedade, no entanto, é decisão arriscada que tem efeito perverso adiante, como mostra nossa história.

Celso Ming: O meu pirão primeiro

- O Estado de S.Paulo

Quando Donald Trump trombeteia '(put) America first', está dizendo a mesma coisa: em primeiro lugar os americanos – e ele próprio

Farinha pouca, meu pirão primeiro. Quando cantou esse ditado, o sambista Bezerra da Silva o atribuiu aos “tempos de cativeiro”. Mas pode ter sido inventado antes. E, no entanto, em proporções globais, está sendo repetido aí pelos líderes dos movimentos nacionalistas.

Quando Donald Trump trombeteia em seus discursos e no Twitter “(put) America first”, está dizendo a mesma coisa, é o pirão em primeiro lugar para os americanos – e para ele próprio.

Mas veja os brados alardeados pelos movimentos populistas, nacionalistas e/ou xenófobos. Os defensores do Brexit traduzem a mesma exigência por “take back control”. A direita francesa grita “la France pour les français”. Os italianos liderados por Matteo Salvini: “Prima gli italini”. Os separatistas da Catalunha atendem ao slogan “Fem la Republica Catalana”. E a base de governo de Viktor Orban, outro líder direitista, é, em tradução livre, “a Hungria primeiro, e depois todo o resto”.

E é por aí, o resto é resto. A redução da farinha na cozinha dessas classes médias ressentidas e indignadas tem paradoxalmente a ver com amplo movimento global de distribuição de renda. Tem a ver com o atendimento de um dos princípios da Revolução Francesa, que é o da Igualdade. Nessas condições, também paradoxalmente, são frutos (provisoriamente) ruins produzidos por árvore boa.

Bolsonaro e o ‘povo’: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro tem feito frequentes referências ao “povo” como guia de seu governo. “Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo”, disse Bolsonaro na segunda-feira passada, declarando-se “fiel” ao que vem do “povo”. Em outra ocasião, foi ainda mais enfático: escreveu que “quem deve ditar os rumos do País é o povo”, pois “assim são as democracias”. Cada vez mais questionado pelo modo caótico como governa e por seu comportamento hostil ao Congresso, ele vem atribuindo suas vicissitudes à ação de forças antipopulares que estariam sabotando seus esforços para modernizar o País. Segundo essa retórica, quem é contra Bolsonaro só pode ser contra o “povo”, pois o presidente nada mais faz que cumprir rigorosamente a vontade dos eleitores.

Em nome desse suposto desejo popular, Bolsonaro tem se dedicado com afinco a degradar a Presidência da República. E não é por ter vestido camisa falsificada de time de futebol e chinelos numa reunião de ministros nem por ter divulgado um vídeo pornográfico para criticar o carnaval – episódios grotescos que hoje, dado o conjunto da obra, soam apenas como anedotas. É, sim, por ter implodido todas as pontes com o Congresso por acreditar que os brasileiros odeiam os políticos; é por sabotar as reformas que seu próprio governo encaminhou; é por ter imposto ao País uma política externa ditada por um ex-astrólogo que mora nos Estados Unidos; é por ter arruinado o Ministério da Educação submetendo-o sistematicamente a baboseiras ideológicas; é por confundir segurança pública com bangue-bangue. A lista é longa – e, pasmem, estamos apenas no quinto mês de governo.

“Não nasci para ser presidente”, já chegou a dizer Bolsonaro, numa tentativa de igualar-se ao mais comum de seus eleitores. O presidente seria então o homem simples no exercício direto do poder – razão pela qual ele acredita que suas decisões seriam exatamente aquelas que qualquer um de seus eleitores tomaria se estivesse em seu lugar. Ocorre que isso só é verdade nos desvarios do presidente.

Bolsonaro foi eleito como razão direta do cansaço do eleitorado com o lulopetismo, que impôs mais de uma década de imposturas e inépcia administrativa ao País, atirando-o na sua mais longa e dolorosa crise econômica, política e moral. O eleitor esperava que o novo presidente pudesse recolocar o Brasil no rumo do desenvolvimento, recobrando a sanidade fiscal; esperava que o eleito restabelecesse com o Congresso relações genuinamente republicanas, tendo como norte a costura de consensos com vista ao bem comum; esperava que o Ministério fosse constituído pelos melhores quadros em cada área, e não mais por apadrinhados políticos; e esperava que o interesse nacional, e não mais a ideologia, pautasse a política externa. Ou seja, o contrário de tudo o que se viu ao longo do mandarinato lulopetista.

Maria Hermínia Tavares de Almeida: Qual é o problema?

- Folha de S. Paulo

O presidente populista dá mais um passo na ofensiva tortuosa contra as instituições

“Esse pessoal que divulga isso faz parte do povo. Esse pessoal a quem devemos ser fiéis a eles (sic) e ponto final.”

No portão do Palácio da Alvorada, de Havaianas, bermuda e duvidosa camiseta da seleção, cada vez mais confortável no uniforme de político populista, Jair Bolsonaro tentou justificar por que resolveu difundir nas redes sociais texto de um consultor de investimentos, segundo o qual o país é ingovernável por conta dos vícios do Congresso, dos políticos e das corporações.

Dias depois, o presidente decretou que “o problema do Brasil é a classe política”.

Segundo o pensador alemão Jan-Werner Müller, o populista sempre se apresenta como representante do “verdadeiro povo” contra as elites que controlam e pervertem as instituições democráticas.

Se estas foram ocupadas por personagens egoístas e corruptos, não há por que respeitá-las. Já em nome do povo, tudo é permitido: ignorar o Legislativo, desqualificar o Judiciário, desdenhar dos partidos. “Sou o que o povo quer”, já dizia o ainda candidato ao Planalto.

O populista também aceita mal, quando não os rejeita de saída, valores e modos de pensar diferentes dos seus; por isso, estigmatiza e apregoa serem ilegítimas outras ideias.

São idiotas úteis os estudantes que protestam nas ruas; mentirosa a imprensa que o critica; formadoras de militantes marxistas as universidades que exercem o seu papel com autonomia; agentes a mando de cobiçosos estrangeiros as ONGs que atuam na Amazônia; criadores de cizânia os defensores das minorias.

*Fernando Schüler: Escolas melhores para os mais pobres

- Folha de S. Paulo

A condição socioeconômica pesa na aprendizagem, mas não define os seus resultados

A Prefeitura de Porto Alegre fechou uma parceria com a Escola Aldeia Lumiar, instituição privada, sem fins lucrativos, que segue o método inovador trazido ao Brasil pelo empresário Ricardo Semler. O governo irá pagar um valor por aluno inferior ao do sistema estatal e as crianças vão estudar em turno integral numa escola de qualidade, até então acessível a famílias de maior renda.

A iniciativa marca uma ruptura. Ela sinaliza um novo caminho para a educação brasileira, que responde a uma pergunta muito simples: por que nossas crianças mais pobres não podem estudar nas mesmas escolas em que estudam os alunos de classe média e os mais ricos?

Por que elas não podem estudar em escolas inovadoras, tradicionais, construtivistas, Montessori, Waldorf, escolas livres, escolas laicas ou confessionais, pautadas pela qualidade, num ambiente de diversidade, a partir da escolha das famílias, exatamente como acontece com quem tem recursos para pagar?

De fato, elas podem. O Brasil tem legislação para isso e o que falta é romper com a inércia do nosso debate educacional. Romper com a velha ideia brasileira de que, para que um direito seja assegurado aos cidadãos, o Estado deve prover diretamente o serviço. Não deve. O Estado, no Brasil, não é bom provedor de serviços, ainda que possa ser um ótimo regulador.

*Mariliz Pereira Jorge: Antes tarde do que nunca

- Folha de S. Paulo

É positivo saudar quem votou em Bolsonaro e já se arrependeu

Até que foi rápido. Cinco meses de governo Bolsonaro e vemos a cada dia mais políticos, empresários, artistas, jornalistas admitirem publicamente que “deu ruim”. É admirável que qualquer um reconheça um erro, mas esse movimento desertor entra para a categoria do extraordinário.

Não é desprezível que pessoas que influenciam milhões com as suas opiniões digam abertamente o que parte do país sabe desde sempre: Bolsonaro não tem a menor capacidade para governar o país.

Era meio óbvio o que aconteceria ao eleger um político despreparado? Para muita gente, sim. Também por causa do prestígio dessas personalidades um sujeito ignóbil como Jair atingiu o status de “mito” entre os eleitores? Não resta a menor dúvida. Eles também são culpados pelo estado de caos em que o país se encontra? Certamente. Muitos deles colocaram lenha nesta fogueira de rancor e vingança em que se transformou o país? O ambiente político tóxico é a resposta positiva para isso. Mas acho positivo saudar os arrependidos e, assim, estimular que outros tomem o mesmo caminho.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, vitórias e derrotas inúteis

- Folha de S. Paulo

Arrumação de gavetas ministeriais não resolve nada nem enche barriga

A pressão das redes insociáveis e a ameaça das ruas fazem efeito e intimidam o miolão do Câmara, o centrão e sua vizinhança, como se vê nesta semana: parece um gol dos bolsonaristas.

O governo recua de medidas ineptas ou repugnantes, por pressão de técnicos ou da sociedade: parece um gol de gente avessa ao governo.

A resultante não presta, a não ser para extremistas que pretendem emparedar instituições. Aumenta os passivos do governo no Congresso e cristaliza o conflito odiento na sociedade. A balbúrdia cria incerteza, medo do futuro, tanto no cidadão que corta ainda mais seus gastos no supermercado como no empresário que investiria um tico mais.

Nesta quarta-feira (22), os deputados desistiam de fazer vários implantes, transplantes e amputações na medida provisória que organizou ministérios ao gosto de Jair Bolsonaro, a dita MP da reforma administrativa.

Caíam até alterações combinadas com o governo, como a recriação do Ministério das Cidades.

É uma vitória do bolsonarismo raiz, liderado pelo próprio Bolsonaro. É uma vitória um tanto inútil, na prática, porque essa arrumação de gavetas ministeriais não resolve nada nem enche barriga. Mas a campanha de vitupérios nas redes e nas ruas contribui para dizimar algum resto de boa vontade do Congresso com o governo.

Quanto ao essencial, Bolsonaro não tem controle do que se passa no Parlamento, não apenas na reforma da Previdência. O Congresso faz tramitar sua reforma tributária e ignora o governo. O pacote anticrime de Sergio Moro pega poeira. O acirramento de ânimos pode levar deputados e senadores a limitar poderes presidenciais, por ora apenas ameaça, mas indício de que se enche o arsenal para o conflito.

*Laura Carvalho: A economia espera sentada

- Folha de S. Paulo

Não adianta achar que o empresário vai investir com base em elemento místico de confiança

A queda brutal das projeções de crescimento e as evidências de uma nova recessão no primeiro trimestre de 2019 trouxeram à tona o círculo vicioso causado pela insuficiência de demanda na economia brasileira.

As vendas fracas geram capacidade ociosa nas empresas e desestimulam, assim, investimentos em novas máquinas e unidades, o que, por sua vez, impede a expansão do produto e da renda das famílias e trava a retomada do consumo e das próprias vendas...

Para agravar o quadro, empresas e famílias endividaram-se ao longo dos anos de crescimento que precederam a crise, gerando o fenômeno que o economista Richard Koo convencionou chamar de "recessão de balanço".

Nesse tipo de crise, prevalece uma falácia da composição: consumidores e firmas cortam seus gastos visando reduzir suas dívidas passadas e tornar seus balanços mais saudáveis, mas acabam com isso causando um efeito agregado de redução do produto, da renda e do emprego, o que contribui para fragilizar ainda mais a sua situação financeira inicial.

Reativar uma economia que se encontra em tal cenário não é nada fácil. De pouco adianta, por exemplo, tentar estimular o crédito, pois empresários e famílias não estão interessados em tomar mais empréstimos: ao contrário, estão buscando saldar as dívidas existentes.

Bruno Boghossian: O governador fake

- Folha de S. Paulo

Depois de ação policial cenográfica, ex-juiz defende outra história difícil de engolir

Nem o próprio Wilson Witzel acreditava que chegaria ao governo do Rio. Azarão no início da campanha de 2018, o ex-juiz tinha planos de passar um período na Universidade Harvard naquele ano, como parte de seu doutorado. Na reta final da disputa, ele disparou nas pesquisas, venceu a eleição e acabou ficando por aqui. Mesmo assim, decidiu embelezar seu currículo.

Witzel manteve em seu perfil acadêmico, pelos últimos quatro anos, uma referência a uma passagem pela escola americana. O jornal O Globo descobriu, porém, que ele não se sentou naquelas cadeiras como aluno. O governador do Rio incluiu até um conhecido professor de direito constitucional como orientador.

O ex-juiz alega que não enganou ninguém. Diz que listou apenas a “intenção” de viajar para uma bolsa-sanduíche, como é conhecido o período cursado em instituições parceiras. É difícil engolir esse sanduíche porque a universidade brasileira em que Witzel está matriculado disse que ele nunca manifestou interesse em ir para Harvard.

Depois que a notícia rodou as redes, um Witzel indignado gravou um vídeo para se explicar. “Tive que parar minha atividade como governador para responder a uma notícia fraudulenta, mentirosa”, reclamou.

Fora do alvo: Editorial / Folha de S. Paulo

Diante de pressões, Bolsonaro atenua decreto que ampliou porte de armas

Depois de lançar um decreto descabido com vistas a multiplicar a comercialização e o porte de armas de fogo no país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) viu-se constrangido a recuar ao menos em alguns dos aspectos mais estarrecedores da versão inicial do texto.

Pressões de setores do Judiciário e do Legislativo, de governadores, de entidades da sociedade civil e também de representantes das forças de segurança parecem ter alertado o mandatário para a perspectiva de a medida ser derrubada por ferir princípios legais.

Lembre-se, a propósito, que o Planalto já teve de revogar um outro decreto infeliz, assinado pelo vice Hamilton Mourão quando ocupava interinamente a cadeira presidencial, no mês de janeiro.

Numa canetada, o general tentou ampliar para funcionários comissionados e de segundo escalão a prerrogativa de impor sigilo a documentos públicos. Na ocasião, a Câmara dos Deputados aprovou texto para reverter a norma.

Agora, após testar os limites que se impõem ao exercício da Presidência, Bolsonaro deu-se conta de que precisava de outro rumo.

Merval Pereira: Em busca do dinheiro

- O Globo

A ideia em estudo seria permitir, com o pagamento de uma taxa, a atualização do valor venal dos imóveis

O governo estuda uma mudança na declaração de Imposto de Renda que reduziria o pagamento de lucro imobiliário do contribuinte, rendendo, ao mesmo tempo, mais que o trilhão de reais que pretende economizar em dez anos com a reforma da Previdência.

Foi o que o presidente Jair Bolsonaro previu ontem em reunião com a bancada de deputados do Nordeste, brincando com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Os parlamentares ficaram curiosos sobre a medida, e muitos consideraram que a afirmação do presidente Bolsonaro pode reduzir o apoio à reforma da Previdência, pois o governo já teria uma fonte de renda como plano B.

A ideia em estudo seria permitir, com o pagamento de uma taxa, a atualização do valor venal dos imóveis, o que reduziria o lucro imobiliário a ser pago no ato da venda.

Hoje, o lucro imobiliário tem um imposto de 15%, e, como não é permitida a atualização na declaração do Imposto de Renda, é necessariamente alto o lucro e, portanto, o valor a ser pago pelo vendedor. Algumas exceções existem em leis estaduais, mas são casos específicos.

Essa situação estimula que muitos contratos de venda sejam feitos com o valor da transação subestimado, o que acarreta redução na arrecadação do imposto sobre o lucro imobiliário.

Ascânio Seleme: Deixem Bolsonaro governar

- O Globo

Em primeiro lugar, os três filhos do presidente são os que mais atrapalham

É muito oportuna a manifestação convocada em favor do governo Bolsonaro. A palavra de ordem é ainda mais premente. Deixem o presidente governar. É evidente que há pessoas fazendo o que podem para impedir Bolsonaro de governar. E quem são essas pessoas? Em primeiro lugar, os três filhos do presidente, os que mais atrapalham e deveriam ser os primeiros a obedecer ao comando das ruas. Flávio, Eduardo e Carlos são os maiores estorvos, que imobilizam o governo desde o seu primeiro dia.

Flávio se viu envolvido em escândalo antes mesmo da posse. Por ser o mais diplomático dos três, era nele que estavam depositadas as poucas esperanças de entendimento do pai com o Congresso. A partir do episódio de desvio de dinheiro de funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa e depois de conhecidas suas extraordinárias negociações imobiliárias, Flávio virou um problema, sumiu do plenário, e sua capacidade de interlocução desapareceu.

Carlos, o encrenqueiro da família, já no começo do governo implicou com um ministro e o demitiu. Era Gustavo Bebianno, o ministro de melhor trânsito com deputados e senadores, aliado do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Não poderia ter atrapalhado mais. Bolsonaro, que já tinha perdido a interlocução do filho Flávio, sem Bebianno ficou a pé no Congresso. E Carlos continua implicando com gente do governo. Basta fazer alguma sombra sobre o pai para atrair sua ira explícita.

Eduardo, o evangelista da turma, é o principal seguidor na família do eremita Olavo de Carvalho. Ambos também deveriam prestar atenção no brado dos manifestantes de domingo. Olavo é um elemento tão desagregador que conseguiu causar mal-estar até mesmo entre os primeiros aliados de Bolsonaro, os militares. É sua também a obra dupla no Ministério da Educação. Nomeou um colombiano, que chamou os brasileiros de ladrões canibais, e o seu sucessor, que em duas semanas de gestão já comprou briga com os principais agentes da área.

Olavo não deixa Bolsonaro governar. Os filhos do presidente não deixam o pai governar. Infernizam a vida do presidente, tiram seu foco, subtraem sua atenção, impedem que ele se movimente. E há outros. Parlamentares que deveriam ajudar a construir pontes para o Planalto se comportam como homens-bomba. O líder do governo, deputado Major Vitor Hugo, conseguiu ser excluído do grupo de interlocutores do presidente da Câmara ao sugerir que diálogo com Congresso se compra com sacos de dinheiro.

Carlos Alberto Sardenberg: Previdência e juros

- O Globo

Como déficit previdenciário é crescente, o governo pega mais dinheiro das demais receitas para cobrir rombo

Acompanhando o noticiário econômico, não raro a gente topa com esta observação: depois da aprovação da reforma da Previdência, o Banco Central pode reduzir a taxa básica de juros. Observação de economistas, claro.

E muitas pessoas se espantam: caramba! Até isso depende da reforma?

A dúvida faz sentido. A relação contas da Previdência/juros existe, mas não é direta. Há uma série de mediações, nada óbvias.

Vale a pena tentar entender. A Previdência é desses assuntos que mexe tanto com a vida particular dos brasileiros quanto com a macroeconomia, ou seja, com a capacidade de crescimento e geração de empregos do país —o que, de sua vez, mexe com a vida das pessoas. Tentemos, pois, entender.

A despesa com pagamentos de pensões e aposentadorias (do INSS e do setor público) é o maior item federal. De cada 100 reais que o governo gasta, 44 vão para os aposentados do INSS e 12 para os servidores públicos, civis e militares. Portanto, 56% da despesa vão para a Previdência (dados fechados de 2018).

Essa despesa tem sido crescente.

No outro lado da conta, das receitas, aparecem as contribuições pagas pelos trabalhadores na ativa. Aqui aparece o déficit previdenciário: o total das contribuições não cobre o total de aposentadorias.

Este déficit é crescente: R$ 285,5 bilhões no ano passado, contra R$ 268,8 bi em 2017.

Míriam Leitão: Servidores encurralados

- O Globo

Há vários segmentos de servidores alertando que é necessário proteger as instituições nas quais trabalham

Há a ideia de que os funcionários públicos se mobilizam para a defesa dos seus interesses, contra reformas que tiram deles salários ou ganhos na aposentadoria. Eles fazem isso. Mas eles se mobilizam também — e que bom que o fazem — em defesa das suas missões. Atualmente há vários segmentos de servidores alertando a imprensa, e especialistas em diversas áreas, que é necessário proteger, não os seus interesses, mas os das instituições nas quais trabalham. A Funai, a Finep, o IBGE, o BNDES, os auditores fiscais, o Ibama e o ICMbio. Em todos esses órgãos há constrangimentos, de maior ou menor grau, ao trabalho que devem executar.

A MP 870, como foi enviada pelo governo ao Congresso, desmontava a estrutura da Finep e partia ao meio a Funai. A demarcação de terras indígenas ficava com ruralistas. A Comissão Especial criou outro problema: os auditores fiscais foram proibidos de comunicar crimes. Ontem à noite, o Congresso tentava corrigir algumas dessas mudanças.

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, atacou o Fundo Amazônia com óbvio interesse de gerir o dinheiro, e por isso fez uma acusação à administração do Fundo, sem apresentar qualquer fato consistente. O problema cresceu porque a direção do BNDES, antes ainda da entrevista do ministro, afastou a então gestora do Fundo Daniela Baccas. Isso provocou a reação forte dos servidores do banco que se aglomeraram no primeiro andar para mostrar sua discordância.

Bernardo Mello Franco: Confusão à vista no caso Lula

- O Globo

O atual presidente do TRF-4 festejou a primeira condenação de Lula, no caso do tríplex. Agora ele deve julgar o recurso do petista no caso do sítio de Atibaia

Há uma nova confusão à vista entre a defesa do ex-presidente Lula e o Judiciário. No fim de junho, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região passará por uma dança de cadeiras. As mudanças vão afetar a 8ª Turma, que julgará o recurso do petista no caso do sítio de Atibaia.

O desembargador Victor Laus, um dos três responsáveis pelos processos da Lava-Jato, assumirá a presidência do tribunal. Seu lugar na Turma deverá ser ocupado pelo atual presidente, Carlos Alberto Thompson Flores, antecipou ontem o portal GaúchaZH.

Flores festejou a primeira condenação de Lula, no caso do tríplex do Guarujá. O desembargador definiu a decisão do então juiz Sergio Moro como irrepreensível”. “Vai entrar para a história do Brasil”, celebrou, sem esperar os recursos da defesa. O repórter Luiz Maklouf Carvalho quis saber se o magistrado havia gostado da sentença. “Gostei. Isso eu não vou negar”, ele respondeu.

As declarações irritaram o ex-presidente. “Esse cidadão é bisneto do general Thompson Flores, que invadiu Canudos e matou Antônio Conselheiro. É da mesma linhagem”, retrucou Lula.

Foi uma provocação infeliz. Tomás Thompson Flores era tio-trisavô, e não bisavô do desembargador. O militar era coronel, e não general. Além disso, ele não matou Conselheiro. Morreu três meses antes.

Mais armas nas ruas não reduzirão a violência: Editorial / O Globo

Bolsonaro muda decreto, mas essência, que é a facilitação da posse e do porte, permanece

O presidente Jair Bolsonaro publicou ontem um novo decreto sobre a posse e o porte de armas de fogo no país. A versão atual contém recuos em relação ao texto anterior, de 7 de maio, como a proibição de armas “portáteis” (fuzis, carabinas, espingardas) para o cidadão comum — continuam permitidos revólveres, pistolas e garruchas. De fato, aberrações desse tipo não poderiam mesmo prosperar. Mas o que precisa ficar claro é que a facilitação do acesso a uma arma de guerra — agora revogada, embora a permissão do fuzil permaneça para proprietários rurais — era uma insensatez entre tantas outras preservadas no polêmico decreto.

O novo texto muda para não mudar. A essência, que é a flexibilização da posse e do porte de armas de fogo num país que registra mais de 50 mil homicídios dolosos (intencionais) por ano — números de guerra —, permanece. Na verdade, o presidente Bolsonaro usa o decreto para driblar o Estatuto do Desarmamento, legislação de controle de armas aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em 2003. E que sempre foi alvo preferencial da artilharia da bancada da bala. Durante a campanha, o então candidato Bolsonaro também não poupou críticas ao Estatuto. Mas, até que a lei seja mudada, é ela que está valendo.

Maria Cristina Fernandes: Com quantos golpes se faz uma republiqueta

- Valor Econômico

Tirar Bolsonaro não resolve o embate de pautas da sociedade

Antes de baixar a bola no tom da confrontação, o presidente Jair Bolsonaro foi informado de que havia muitos filhos de generais da ativa entre os "idiotas úteis" da manifestação contra os cortes na educação. Se os militares orgulham-se de traduzir os valores da classe média, seus filhos não poderiam estar em outro lugar.

O freio de arrumação passou ainda pela indicação da professora mais votada na lista tríplice da Universidade Federal do Rio. Primeira mulher assumir a reitoria, Denise Pires de Carvalho já se posicionou contrariamente tanto à cobrança dos cursos nas universidades públicos quanto a favor de fazer caber a UFRJ dentro do seu orçamento.

O presidente ainda marcou sua nova fase, de duração ainda indefinida, pelo recuo em muitos dos pontos mais sensíveis do decreto que liberou posse de armas no país, como a liberação do porte de armas para a prática de tiros de menores, agora submetida à autorização de ambos os genitores, além do porte de fuzis por civis.

A desistência de ir aos protestos do domingo, face mais exposta da moderação bolsonarista não se deu exatamente pelo receio de fiasco, mas pelo contrário. Analistas que monitoram redes sociais convocatórias, como o professor da USP, Pablo Ortellado, identificaram que o interesse no protesto cresce à medida que aliados de primeira hora do bolsonarismo, como o MBL de Kim Kataguiri ou a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL), críticos da manifestação, passaram a ser os principais alvos de bombardeio.

Ao confirmar ausência dos protestos, a despeito de ter incentivado a 'espontaneidade', Bolsonaro dá dois recados. Tem tropa para por na rua, mas seu papel é contê-la. Ao cultivar a moderação, Bolsonaro também busca esvaziar a viabilidade política de todos os polos, dentro e fora do seu governo, que se legitimam para ocupar o centro político, do vice-presidente Hamilton Mourão, ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Resumiu-o com o inacreditável "o que eu quero mesmo é conversar", com o qual iniciou a semana.

Raquel Balarin: O investimento pode ir pelo ralo. Literalmente

- Valor Econômico

Estados não admitem que não têm dinheiro para saneamento

Qualquer um que leia minimamente o noticiário sabe quanto o governo quer economizar com a reforma da Previdência: cerca de R$ 1 trilhão em dez anos. Mas você sabe qual é o volume de investimentos que o setor de saneamento poderá receber em 14 anos para atingir a universalização do acesso da população brasileira às redes de água e esgoto tratado? Os números vão de R$ 650 bilhões, na avaliação do especialista Ítalo Joffily, a R$ 800 bilhões, na estimativa da Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto). O Ministério da Economia calcula que o investimento seja de R$ 700 bilhões. Para efeito de comparação, mantido o orçamento deste ano, de cerca de R$ 30 bilhões, o Bolsa Família consumiria R$ 420 bilhões em 14 anos, numa conta grosseira.

É esse volume de investimentos que está em jogo na queda de braço entre governos estaduais - com suas bases no Congresso - e o governo federal em torno da votação da Medida Provisória 868, que trata do novo marco regulatório do saneamento. A MP, editada no fim de dezembro e modificada pelo relator da comissão mista do Congresso, senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), caduca no dia 3 de junho, caso não seja votada.

O mais espantoso é que um assunto de tanta relevância e com potencial de geração de tantos negócios, como fusões e aquisições, privatizações, concessões, ofertas de ações e de debêntures, não tenha sido abraçado pelo mercado financeiro. Nos relatórios diários enviados pelos bancos aos clientes, a menção à MP quase sempre se resume à articulação política em curso para testar a base de apoio ao governo e para destravar a pauta, abrindo espaço para a tramitação da reforma da Previdência.

Cristina Kirchner tenta unir oposição para voltar ao poder: Editorial / Valor Econômico

Dois dias antes do início do julgamento em que é acusada de chefiar um bilionário esquema de corrupção, a ex-presidente da Argentina, Cristina Fernández de Kirchner, única líder da oposição capaz de vencer Mauricio Macri nas eleições de outubro, embaralhou o cenário político ao lançar-se candidata à vice-presidência. Para surpresa geral, encabeçará a chapa Unidad Ciudadana, o peronista Alberto Fernández, ex-chefe de gabinete do marido de Cristina, o então presidente Néstor Kirchner. Só o tempo dirá se foi um lance genial ou simplesmente pueril. O acerto Fernández e Fernández pode não se manter até 22 de junho, data final para inscrição dos candidatos para as primárias.

A estratégia de Cristina Kirchner tem pontos fortes, mas também vulnerabilidades. O autoritarismo dos Kirchner atomizou um já esfacelado peronismo, no qual algumas alas têm capacidade eleitoral significativa. Uma delas, a de Sergio Massa, que se aliou no início a Macri, do Cambiemos, pode disputar a presidência pela Alternativa Federal, uma aliança política com apoio forte nos governadores, liderada pelo também peronista Juan Schiaretti, reeleito governador de Cordoba, segundo maior colégio eleitoral do país.

A novidade foi que a sectária Cristina, com seu gesto de deixar o primeiro plano da disputa, acenou para a união do Partido Justicialista, uma missão que, se cumprida, asseguraria com tranquilidade a vitória eleitoral. "Meu objetivo é unir toda a oposição", disse Alberto Fernández. Diante de um governo liberal enfraquecido por reveses econômicos - inflação em 57% ao ano, segundo ano de recessão, peso sob ataque, desemprego e pobreza em alta e um acordo com o FMI - a perspectiva de voltar ao poder tem força para unir em torno da ex-presidente os regionalismos peronistas. O anúncio de Cristina, assim, atingiu em cheio a Alternativa Federal. Nove governadores já se mostraram simpáticos à proposta de Cristina.

Luiz Carlos Azedo: Sem políticos não há salvação

Nas entrelinhas /Correio Braziliense

Um balanço generoso e sem maniqueísmo destes cinco meses de governo Bolsonaro contraria o senso comum em dois aspectos: sua administração depende do bom desempenho dos civis, em particular dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; e os políticos com mandato na Câmara, os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RJ); da Saúde, Luiz Henrique Mandela (DEM-MS); e da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), estão dando show de competência nas respectivas pastas, apesar dos grandes problemas que enfrentam. Os generais são mais importantes porque controlam o Palácio do Planalto e influenciam positivamente o presidente Jair Bolsonaro, mas não são eles que enfrentam os problemas que afligem a grande massa da população.

Os políticos do governo foram indicados por seus pares na Câmara, devido à liderança que exercem nos segmentos que representam. Em contrapartida, os ministros e assessores indicados pelo guru Olavo de Carvalho e pelos filhos de Bolsonaro são os que mais protagonizam confusões. Não é somente pelo fato de não serem políticos nem experientes administrativamente, mas porque estão imbuídos de uma missão mais ideológica do que administrativa, em alguns casos, de caráter religioso que beira o fanatismo.

O lado A do governo, digamos assim, é formado por um time que busca o entendimento com o Congresso permanentemente, mas é atrapalhado pelo lado B, que gosta de confronto. Curiosamente, o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo, faz parte do lado A do governo, enquanto o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, por pura idiossincrasia, põe pilha no lado B. Foi o que aconteceu, por exemplo, por ocasião da convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara sobre os cortes de verbas das universidades e demais estabelecimentos federais de ensino.

A marcha a Brasília convocada para domingo pelos partidários de Bolsonaro reflete esse esforço do lado B do governo para inviabilizar os esforços do lado A, que ganhou a queda de braço para tirar o presidente da República e seu governo da manifestação, cujo alvo são o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Há um grave erro de conceito na lógica do lado B: ver a política como problema, e não como solução. Se prestassem mais atenção nos colegas de ministério que têm mandato parlamentar, veriam que não é bem assim.

Ricardo Noblat: Se ganhar, Bolsonaro perde. Se perder, pior para ele!

- Blog do Noblat / Veja

Um desastre perfeito
A essa altura, não importa mais se as manifestações de rua convocadas para o próximo domingo pelos devotos do presidente Jair Bolsonaro atrairão muita ou pouca gente.

Para ele que, primeiro, as endossou, depois fingiu recuar e, por fim, mandou que os filhos as apoiassem, o resultado será o mesmo: um perfeito desastre.

Se pouca gente comparecer depois das multidões que foram às ruas protestar contra o corte de dinheiro para a Educação, se dirá, e com razão, que o governo está fraco.

Se mais de dois milhões de pessoas se manifestarem em todas as capitais e em cerca de mais 200 cidades, Bolsonaro terá colhido uma falsa vitória e arranjado um baita de problema para resolver.

As manifestações têm como objetivo principal emparedar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, tratados pela ala mais radical do bolsonarismo como inimigos do capitão e do seu governo.

O capitão as estimulou para jogar fumaça sobre os problemas mais graves que enfrenta: a investigação dos negócios de sua família e o fracasso do seu governo até aqui.

Brasilio Sallum Jr: "Bolsonaro não corre risco de impeachment"

Por Cristian Klein | Valor Econômico

RIO - A manifestação de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro convocada para domingo não indica, por enquanto, o acirramento do clima político que levou milhares de pessoas às ruas e derrubou os ex-presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff. A opinião é do sociólogo Brasilio Sallum Jr., professor visitante da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e autor do livro "O impeachment de Fernando Collor - Sociologia de uma crise". Para o especialista, "estamos num caldeirão social de fato terrível" - com baixo crescimento econômico, alta taxa de desemprego e tensões crescentes - mas as condições para um novo processo de afastamento presidencial ainda não estão presentes, pelo menos até a aprovação da reforma da Previdência.

A manifestação de domingo ocorrerá apenas 11 dias depois da greve nacional da educação - maior protesto desde a posse de Bolsonaro - e a 19 dias da greve geral dos trabalhadores convocada pelas centrais sindicais. Em 1992, um chamado de Collor para que a população o apoiasse nas ruas insuflou ainda mais o impeachment. Sallum Jr., no entanto, ressalva que a greve da semana passada foi impulsionada por uma bandeira específica, contrária aos cortes no orçamento do Ministério da Educação - e não sob o lema "Fora Bolsonaro".

O professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) destaca que a manifestação de domingo está eivada de controvérsias e passa por uma tentativa de esvaziamento. "Apoiadores da direita moderada tentam esvaziá-la justamente para evitar que desencadeie novas manifestações contra Bolsonaro", diz Sallum Jr.

Ascenso Ferreira: A cavalhada

Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Roxas,
verdes,
brancas,
azuis,

Alegria nervosa de bandeirinhas trêmulas!
Bandeirinhas de papel bulindo no vento!...

Foguetes do ar...

— "De ordem do Rei dos Cavaleiros,
a cavalhada vai começar!"

Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Roxas,
verdes,
brancas,
azuis...

— Lá vem Papa-Légua em toda carreira
e vem com os arreios luzindo no sol!
— Danou-se! Vai tirar a argolinha!

— Pra quem será?
— Lá vem Pé-de-Vento!
— Lá vem Tira-Teima!
— Lá vem Fura-Mundo!
— Lá vem Sarará!
— Passou lambendo!
— Se tivesse cabelo, tirava!...
— Andou beirando!...
— Tirou!!!
— Música, seu mestre!
— Foguetes, moleque!
— Palmas, negrada!
— Tiraram a argolinha!
— Foi Sarará!

Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Fitas e fitas...
Roxas,
verdes,
brancas,
azuis...

— Viva a cavalhada!
— Vivôô!!!

— De ordem do Rei dos Cavaleiros,
a cavalhada vai terminar!