- O Estado de S.Paulo
Eleitores não buscam a derruição da democracia liberal-representativa, mas alternativas a ela
Há uma dificuldade notável em caracterizar a chamada “onda conservadora” ou de “extrema-direita” que varre o mundo. Em alguns países ela se instalou como novo regime político, em muitos como governo e ainda em outros como movimento político de proeminente expressão. Viktor Orbán, um dos seus principais representantes, chamou seu regime de “democracia iliberal”, ao estabelecer controle quase absoluto sobre as instituições do Estado húngaro. Conceito polêmico, muitos dizem que o adjetivo “iliberal” não combina com democracia. Mas não seria despropositado assumi-lo para pensar esse tipo de política.
A agenda iliberal é basicamente reacionária ante as instituições da democracia representativa, com questionamentos aos institutos de controle do Estado Democrático, desqualificação dos partidos políticos e deslegitimação dos atores políticos, sociais e culturais, em confrontação com o pluralismo político. Na disputa política, busca se sustentar a partir da construção mítica de um líder, carismático ou não, como o “verdadeiro” representante da Nação, enquanto os outros atores políticos são tratados como “inimigos do povo”. Essa visão se expande para o plano internacional, no qual grupos e organizações autônomas em diversos setores, mesmo instituições tradicionais como a ONU ou a Unesco, são tratados como representantes de interesses supostamente escusos e seus parceiros internos qualificados como “traidores”.
Trata-se de uma política deliberada, mas não se deve supor que seja um modelo que vai sendo aplicado país a país. O iliberalismo não nasceu de um movimento arquitetado intelectual ou politicamente, como fora no passado o que, em geral, se denomina de neoliberalismo. Reconhece-se quase consensualmente que se trata de uma ampla contestação à democracia e a todos os atores que dão e deram sustentação à sua consolidação e expansão no século 20, especialmente depois da Segunda Grande Guerra.