terça-feira, 6 de agosto de 2019

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna*

A Carta de 1988 teve a pretensão de sepultar as possibilidades de retorno do autoritarismo político afirmando uma forte adesão ao liberalismo e ao sistema da representação, e robustecendo de modo inédito o poder judicial por meio de novos institutos como o mandato de injunção, e com a recriação do papel do Ministério Público que será deslocado do eixo estatal, conforme antiga tradição, para o da sociedade civil, a quem foi confiado, entre outras, a missão de defesa da ordem jurídica e do regime democrático, figura inexistente no direito comparado

Com a ressalva do PT, já um importante partido, influente no sindicalismo e com a auréola portada por seus dirigentes de ter conduzido greves vitoriosas no regime militar, a nova Carta encontrou recepção positiva na sociedade. Estava aberta uma via real para a internalização da democracia política entre nós. As instituições eram propícias e o cenário internacional favorável, faltava a ação humana capaz de portar uma política que soubesse se aproveitar dos bons ventos da fortuna que a tinham levado a seus êxitos contra o regime militar. Vargas Llosa, nas primeiras páginas de Conversa na Catedral, clássico da literatura latino-americana, indaga, amargando a história do seu país, o Peru, quando foi que ele se ha hodido. No nosso caso talvez resposta a uma questão desse tipo esteja no momento em que se abre a conjuntura da primeira sucessão presidencial do novo regime democrático institucionalizado com a Carta de 88. Aqui o que faltou não foi a fortuna, que nos sorria, mas o ator que, com suas ações desastradas malbaratou as oportunidades de que dispunha.

*Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. ‘O Desencontro trágico entre a fortuna e o ator na experiência brasileira’. Texto apresentado ao 19º Congresso da SBS, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 10/7/2019

Merval Pereira: O eterno duelo

- O Globo

Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina, e disse que não se poderia culpar a agropecuária

O embate entre desenvolvimentistas e ambientalistas é constante nos últimos dez anos, e não importa se o governo é de esquerda ou de direita. As discussões são recorrentes, a disputa entre a agricultura e o meio ambiente persiste, e os problemas e soluções são semelhantes.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) sempre foi uma pedra no sapato dos governantes. A crise gerada pelos números sobre o desmatamento da Amazônia, que levou à demissão do presidente do Inpe, se repetiu, por exemplo, em 2008, quando o então presidente Lula desacreditou os números do órgão, negando que o país estivesse passando por um novo surto de desmatamento. Não chegou a demitir seu presidente, mas atribuiu ao órgão números errados que colocou “sob investigação”.

Para o presidente, houve “alarde na divulgação dos números”. Lula criticou o Ministério do Meio Ambiente, que era comandado por Marina Silva, e as ONGs, e disse que não se pode culpar a agropecuária, os produtores de soja e os sem-terra assentados pelo aumento do desmatamento na Amazônia. Lula afirmou ainda que pretendia “comprar briga” com as organizações não governamentais (ONGs) se elas insistissem em ligar o crescimento da agricultura ao desmatamento.

O desenvolvimento da região sempre foi uma preocupação de Lula, que a certa altura, em discurso na inauguração de uma usina de biodiesel no Mato Grosso, afirmou que queria levantar todos os “entraves que eu tenho com o meio ambiente, todos os entraves com o Ministério Público, todos os entraves com a questão dos quilombolas, com a questão dos índios brasileiros, todos os entraves que a gente tem no Tribunal de Contas, para tentar preparar um pacote, chamar o Congresso Nacional e falar: ‘Olha, gente, isso aqui não é um problema do presidente da República, não. Isso aqui é um problema do país’”. As diversas organizações ambientalistas, daqui e do exterior, criticaram Lula por opor o meio ambiente ao desenvolvimento.

Carlos Andreazza: O presidente desinformante

- O Globo

O presidente da República mente. Não terá sido o primeiro. Em Bolsonaro, porém, a mentira é estratégia, método mesmo, e está a serviço da desinformação. A desinformação como política de governo. Aliás: que um revolucionário da cepa de Jair Bolsonaro —um desconstrutor reacionário —tenha podido se inscrever no imaginário político brasileiro como um conservador é a própria afirmação da influência da operação desinformante.

Repito: a desinformação é política de governo. Não exagero. Está em curso, desde o Planalto, um programa de relativização absoluta da verdade, de flexibilização daquelas balizas levantadas a partir do estudo, processo que depaupera o valor do acúmulo de experiências, o rebanho de saberes sobre os quais assentamos o erguimento da civilização — o que, conforme o espírito do tempo, deságua, aí está, em desapreço por expressões fundamentais de nosso pacto social contra a selvageria, donde, na prática, os ataques dirigidos e estimulados às instituições que encarnam a democracia representativa, a defesa do contraditório e a guarda da Constituição.

A imposição do bolsonarismo investe numa blitz cujo ímpeto destruidor de princípios resulta em que se considere equivalentes dados objetivos, colhidos com ciência, e a negação autoritária destes, sem qualquer base técnica que os refute.

Tanto a fala cretina sobre a morte de Fernando Santa Cruz quanto aquela, mistificadora, relativa ao desmatamento têm lastro numa modalidade de discurso impostor que consiste em desqualificar permanentemente a história, as estatísticas, os mapeamentos empíricos, as comprovações científicas etc. Há uma intenção narrativa: desqualificar o conhecimento e a fiscalização, jornalismo incluído, de modo a que sobre tudo paire suspeição. Trata-se de um movimento consciente na direção de deslegitimar, isto para que tudo quanto seja incômodo possa ser também rebaixado — desacreditado — como produto de uma armação ideológica contra um governo em busca da verdade. Registre-se que tal modus operandi também serve para diluir atenções ante a “velha política” praticada pela nova corte e sua fome patrimonialista.

Bernardo Mello Franco: Os maus brasileiros

- O Globo

Bolsonaro disse que “maus brasileiros” divulgam “números mentirosos” para prejudicar o governo. O apelo ao patriotismo é um velho truque de líderes autoritários

Esqueça tudo o que você já leu sobre o desmatamento da Amazônia. Segundo o presidente da República, quem alerta para a devastação da floresta está a
soldo de ONGs internacionais. Os avisos fariam parte de uma campanha maldosa, com o objetivo de manchar a imagem do país no exterior.

Ontem Jair Bolsonaro resolveu avançar na tese. Em solenidade na Bahia, ele disse que “maus brasileiros” têm divulgado “números mentirosos” sobre a Amazônia. Seu alvo foram os cientistas do Inpe, que usam imagens de satélite para monitorar a região e orientar os fiscais do Ibama.

O discurso do Planalto está afinado. Na semana passada, o ministro Augusto Heleno disse que a publicação de dados sobre o desmatamento “prejudica muito a imagem do Brasil”. Ele sugeriu que “nós cuidássemos do problema internamente”.

Míriam Leitão: Estilo prejudicial à economia

- O Globo

A economia é atingida pelo estilo errático e conflituoso de Bolsonaro porque eleva a probabilidade de um cenário de turbulência

O estilo de o presidente Jair Bolsonaro governar afeta a economia negativamente. Ele é um governante sem foco na agenda positiva e obsessivo em criar conflitos. Isso aumenta a desconfiança do investidor da economia real, que já está retraído por causa do longo período de crise. E é desse investimento que o país precisa para sair do marasmo em que está. Para piorar, o governo americano de Donald Trump voltou a ativar o confronto comercial com a China, derrubando bolsas no mundo. Em apenas três dias, o dólar saltou de R$ 3,76 para R$ 3,94, e a bolsa brasileira voltou a operar abaixo dos 100 mil pontos.

Os fatores que levaram à inversão da alta da bolsa e à subida do dólar são externos, mas essa mudança recente de cenário mostra que o Brasil tem que criar as condições locais para sair da crise. É balela a ideia de que a economia possa ser um oásis num governo errático e conflituoso. O presidente não tem a retomada econômica como prioridade. Isso evidentemente aumenta a desconfiança dos investidores e mantém o nível de atividade acanhado.

O investidor que procura risco não se importa com volatilidades e incertezas. Até gosta. Ele faz suas apostas, a bolsa sobe e cai, e ele ganha nos dois movimentos, se for ágil. Recentemente a bolsa subiu, mas a economia continuou morna. E isso se vê nos pequenos dados. Uma pesquisa que vai ser divulgada hoje pela Boa Vista SCPC projeta um crescimento de no máximo 1,5% na venda do comércio no Dia dos Pais no próximo domingo. Menos do que os 2,8% de 2018. Este ano até agora foi uma decepção. As projeções de crescimento foram sendo reduzidas semana após semana. Os indicadores setoriais têm, de vez em quando, um número positivo no costumeiro mar de dados negativos. Mas os números e as impressões neste começo do segundo semestre não estão bons.

O investidor que ajudará na retomada é o que faz planos de longo prazo. Esse precisa de boas oportunidades, regras estáveis, ambiente positivo para construir os cenários benignos nos quais ele deslanchará seus investimentos. Por estilo e estratégia, o presidente Bolsonaro cria vários conflitos simultâneos, atira a esmo, estressa o tecido social do país e aflige as instituições. E ele acha que o investidor, nacional e estrangeiro, não vai se importar com isso porque não é economia? É um erro grosseiro de avaliação. Tudo tem repercussão na economia. A visão fracionada da conjuntura só faz sentido nas análises econômicas alienadas. A realidade está interligada.

José Casado: Uma trama no Paraguai

- O Globo

Suspeitas de interferências privadas —indevidas — ea precipitação de Jair Bolsonaro em baratear o custo doméstico da energia comprada de Itaipu arrastaram o Brasil para o centro de uma crise no Paraguai.

Na noite de sexta-feira o advogado José Rodríguez González, assessor do vice-presidente Hugo Velázquez, confessou à Procuradoria Anticorrupção paraguaia ter atuado nas negociações entre os dois países para beneficiara empresa paulista Leros, comercializadora de energia.

Essa manobra ampliou a comoção local com descoberta de que o governo do Paraguai aceitara um aumento de US$ 50 milhões por ano, até 2023, no custo da energia adquirida de Itai pupara o consumo próprio. Revelado pela repórter Mabel Rehnfeldt, o acordo foi cancelado por ser considerado lesivo aos paraguaios e benéfico ao Brasil. O caso ameaça a sobrevivência do governo de Mario Abdo Benítez.

A obscura transação coma Léros ocorreu quando Paraguai e Brasil discutiam as bases dos contratos da energia de Itaipu. O vice-presidente Hugo Velázquez mandou a cúpula da estatal paraguaia Ande, símile da Eletrobras, negociar com a Léros a garantia de monopólio na revenda no Brasil de uma cota de 300 Megawatts de potência de Itaipu. Negócio milionário sobre volume de energia suficiente para abastecer cidades como Volta Redonda, um polo siderúrgico. Entre os brasileiros estava Alexandre Giordano, apresentado como vinculado à “familia del mandatario brasileño”. Ele é suplente do senador Major Olímpio (PSL- SP ), líder de Bolsonaro no Senado.

Eliane Cantanhêde: A ricos e aliados, tudo

- O Estado de S.Paulo

Bolsonaro e os ‘direitos’ dos ricos e poderosos contra os ‘deveres’ de todo o resto

O presidente Jair Bolsonaro confirma, dia sim, outro também, sua visão peculiar e sectária do que sejam direitos. Diz a Constituição que “todos são iguais perante a lei”. Dizem as democracias que os direitos e deveres são iguais para todos. Para Bolsonaro, não. No seu governo, como na sua fala, uns têm mais direitos do que outros: os ricos, donos do capital.

Num país campeão de desigualdade social, com milhões de pessoas sem direito a emprego, educação, saúde, moradia, transporte, igualdades de condições e respeito, o presidente jamais usa a palavra “social” e está preocupado é com os direitos dos empresários, que chama de “heróis”: “É horrível ser patrão no Brasil”, prega. Bem pior, presidente, é ser pobre.

Assim, Bolsonaro defende trabalho infantil, produz frases dúbias sobre trabalho escravo e estuda devolver terras desapropriadas. E corta, ops!, contingencia verbas do Ministério do Desenvolvimento Social e da Educação.

Entre a proteção da Amazônia e a ganância de madeireiros ilegais, adivinhem quem ele defende? Em desacordo com a lei, impediu a destruição de caminhões que derrubavam árvores, criminosamente, na floresta.

Entre o direito ancestral dos índios e o desejo de “tarados” americanos de explorar minérios em terras indígenas, adivinhem o que ele prefere? E a ideia de liberar Angra dos Reis para empresários criarem “uma Cancún”?

Entre o Coaf, que identifica movimentações financeiras atípicas, e o interesse do filho Flávio Bolsonaro, cujo gabinete no Rio foi um dos flagrados, adivinhem o que ele faz? O chefe do Coaf cai, o filho Flávio fica feliz da vida. Aliás, cadê o Queiroz?

Bernard Appy: Uma regra para todos

- O Estado de S. Paulo

Defesa de tributação menor para serviços que para bens é a defesa de um sistema que tribute mais os pobres

Artigo publicado neste jornal no dia 1.º de agosto (PEC 45, são muitos os que perdem) apresenta várias críticas à proposta de reforma tributária atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados. Basicamente, o artigo defende que a adoção de um tratamento uniforme para a tributação de bens e serviços seria ruim, pois haveria muitos setores e empresas que seriam prejudicados.

Essa análise resulta da incompreensão de que o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – cuja adoção é proposta pela PEC 45 – não incide sobre setores ou empresas, e sim sobre os consumidores. Nas transações realizadas ao longo da cadeia de produção e comercialização, o imposto recolhido pelo vendedor do bem ou prestador do serviço gera crédito equivalente para o comprador do bem ou tomador do serviço, não havendo efetivamente tributação. Apenas na venda para os consumidores finais é que há a incidência efetiva do imposto.

Este ponto é importante para entender uma das críticas feitas pelo artigo, a de que o setor de serviços seria prejudicado. Na realidade, não é o prestador de serviços que paga o imposto, mas, sim, o consumidor de serviços. Se o resultado da adoção de uma alíquota uniforme para o IBS for o aumento do custo dos serviços e a redução do custo dos bens, esse impacto se refletirá nos preços para os consumidores.

Ocorre que as famílias de maior renda consomem proporcionalmente mais serviços que as famílias mais pobres – as quais consomem proporcionalmente mais bens. A defesa de uma tributação menor para serviços do que para bens é, portanto, a defesa de um sistema que tribute mais os pobres que os ricos, o que não parece ser adequado, ainda que seja o que temos hoje no Brasil.

Paulo Hartung*: Ainda lidamos com o lixo como na Idade Média

- O Estado de S.Paulo

Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva

Cada vez mais se fala de bioeconomia e consumo sustentável. Esse novo paradigma é uma demanda que o mundo impõe à nossa geração, a última capaz de empreender ações para efetivamente diminuir o aquecimento global. Nossos netos e o mundo exigem comportamentos mais sustentáveis e isso passa pela adoção do consumo responsável.

A bioeconomia exige consumidores mais conscientes. Entender as nossas necessidades e estudar melhor os produtos que serão adquiridos. Essa nova dinâmica impulsiona a utilização de fontes renováveis e biodegradáveis nos produtos e nas embalagens. Esse caminho ganha impulso importante a partir das regulações estabelecidas em alguns países, como Reino Unido, Suíça, China, Índia, e até em cidades brasileiras que restringem materiais de recursos não renováveis. O consumidor passa a entender que a escolha na gôndola é muito importante e busca produtos de base biológica, produzidos a partir de recursos renováveis.

Ao empoderar o consumidor da sua responsabilidade, outra etapa importante, que muitas vezes fica longe da atenção de todos, ganha espaço, o descarte. Não podemos continuar descartando o lixo que produzimos como se fazia na Idade Média, colocando-o em ruas ou a céu aberto, ignorando as consequências desse gesto danoso e ultrapassado.

Diante da poluição global causada pelos resíduos sólidos, principalmente os provenientes dos polímeros derivados do petróleo, a adoção de melhores práticas e a migração para produtos de base renovável são o caminho. Produtos de papel têm origem sustentável e podem retornar à cadeia produtiva, mas também são facilmente compostáveis, sendo biodegradáveis em poucos meses.

Fábio Alves: Dólar a R$ 4,10 com tensão comercial?

- O Estado de S.Paulo

Como a desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes?

Era palpável o nervosismo nas mesas de operação no Brasil ontem logo cedo, com o novo capítulo da guerra comercial entre Estados Unidos e China, quando o Banco do Povo da China (PBoC, na sigla em inglês) nada fez para impedir que o dólar ultrapassasse a barreira psicológica de 7 yuans na sessão de negócios tanto no mercado “onshore” quanto no de Hong Kong.

Como essa desvalorização do yuan poderá afetar outras moedas emergentes, incluindo o real brasileiro?

O câmbio entrou de vez como artilharia chinesa para retaliar os Estados Unidos, que anunciaram na sexta-feira que vão impor tarifas de 10% sobre US$ 300 bilhões em produtos chineses e que essa alíquota poderá ser elevada para além de 25%. Os americanos já taxam em 25% outros US$ 200 bilhões em produtos chineses.

Na opinião de vários interlocutores, a guerra comercial entre americanos e chineses deve piorar nas próximas semanas.

E a preocupação agora é com o impacto sobre os mercados emergentes via contágio, pois os efeitos sobre a economia global poderão ser maiores do que se imaginava inicialmente, afetando ainda mais o sentimento empresarial e, por tabela, os investimentos. A atividade manufatureira global já vem sofrendo com a piora do sentimento em razão da guerra comercial.

Mario Vargas Llosa: Mario Benedetti: cem anos

- O Estado de S.Paulo

Ele era um escritor que evitava as “grandes questões” e abordava as pessoas comuns com delicadeza e ternura

Embora fôssemos bons amigos, não me lembro quando conheci Mario Benedetti. Provavelmente, na primeira vez em que fui ao Uruguai, em 1966: uma viagem maravilhosa, na qual descobri que um país na América Latina poderia ser tão civilizado, democrático e moderno quanto a Suíça ou a Suécia. Nas ruas de Montevidéu, havia cartazes anunciando um Congresso do Partido Comunista e os jornais – El País, La Mañana, Marcha – eram muito bem escritos e bem diagramados, o teatro era soberbo, as livrarias formidáveis, se respirava por toda parte uma liberdade sem antolhos. Aquele país tão pequenino tinha uma vida cultural de primeira ordem e, se alguém pudesse pagar por elas na livraria Linardi e Risso, eram encontradas todas as primeiras edições de Borges. Eu já havia dado palestras para pequenos públicos, mas, na Universidade de Montevidéu, onde José Pedro Díaz me levou, eu falei sobre literatura ante um público que abarrotou o auditório, algo que me deixou pasmo.

Se foi então que nos conhecemos, eu deveria tê-lo felicitado por seus contos e poemas, que havia lido em Lima e que me entusiasmaram, em especial Montevideanos, mas também a poesia de Poemas de la Oficina e Poemas del Hoyporhoy. Ele era um escritor que evitava as “grandes questões” e abordava as pessoas comuns com delicadeza e ternura, como funcionários de escritório, estenógrafos, empregados em geral, famílias sem história, aquela classe média que só no Uruguai parecia representar todo um país na América Latina daqueles dias de desigualdades hediondas. Benedetti o fazia com prosa e versos simples, claros, diretos e impecáveis. Era uma voz nova e surpreendente, especialmente na literatura da época, porque evitava o brilho e a agitação e transmitia sinceridade e limpeza moral.

Nós nos víamos muitas vezes em lugares diferentes e trocávamos copiosas correspondências. Às vezes, brincamos para adivinhar quais escritores latino-americanos entrariam no céu, se esse existisse, e lembro-me de um empate entre dois candidatos: Rulfo e Benedetti. Isso foi antes do “caso Padilla”, um cataclismo do qual ninguém se lembra agora e que, no início dos anos 1970, rompeu relações e dividiu ideologicamente alguns escritores do novo mundo que, até então, apesar da diversidade de opiniões, mantínhamos o diálogo e até a amizade. Como ele e eu adotamos posições radicalmente opostas sobre essa questão, desde então nos encontramos pouco e as breves reuniões ao longo dos anos foram quase sempre formais, desprovidas da cumplicidade e do afeto de antigamente.

Luiz Carlos Azedo: Volta aos trilhos

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A retomada da votação da Previdência é uma volta aos trilhos da boa política, pois muda o foco dos “factoides” ideológicos para o que é realmente mais importante”

A Câmara dos Deputados retoma hoje o processo de discussão da reforma da Previdência, que deve ser aprovada ainda nesta semana, em segunda votação, seguindo então para o Senado. O clima já não é o mesmo do primeiro semestre. Houve muito diversionismo do Palácio do Planalto duramente o recesso e nenhum empenho para mobilizar a própria base na retomada dos trabalhos legislativos. Perdeu-se tempo, por falta de quórum, na semana passada e ontem, quando havia menos de 51 deputados na Câmara. Como ainda há um interstício de duas sessões para a votação, o que poderia começar a ser decidido hoje, na melhor das hipóteses, só se iniciará na noite de amanhã.

De qualquer forma, a retomada da votação da Previdência é uma volta aos trilhos da boa política, pois muda o foco dos “factoides” ideológicos para o que é realmente mais importante. A inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência deve voltar à pauta no Senado, mas como nova emenda constitucional, a chamada PEC paralela, para não atrasar o que já foi aprovado pela Câmara. Há maioria no Senado para isso, porém, persiste a dificuldade na Câmara. A maioria dos deputados não quer arcar com o ônus da reforma junto aos servidores públicos estaduais e municipais; avalia que isso é problema dos governadores e prefeitos, deputados estaduais e vereadores.

Ontem, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), afinaram a viola com o ministro da Economia, Paulo Guedes, não só sobre a tramitação da reforma da Previdência, mas também em relação ao passo seguinte: a reforma tributária. Os três almoçaram na residência oficial de Alcolumbre. Dois projetos diferentes já estão tramitando no Congresso Nacional: um na Câmara e outro, no Senado. Guedes prepara uma terceira proposta. Os secretários estaduais de Fazenda também deram um passo adiante: na semana passada, aprovaram sugestões ao projeto da Câmara, de autoria de Bernardo Appy. O tema que mais interessa aos estados é a composição do comitê gestor para o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), a ser criado pela reforma.

Ainda nos trilhos das reformas, hoje será instalada por Rodrigo Maia a comissão especial da Câmara que discutirá o novo marco regulatório das parcerias público-privadas, concessões públicas e fundos de investimento em infraestrutura, cujo relator será o deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). Depois da Previdência e da reforma tributária, será a agenda mais importante para a economia, principalmente porque uma das grandes queixas dos investidores é a falta de segurança jurídica para os negócios com o Estado.

Pablo Ortellado*: O essencial e o acessório

- Folha de S. Paulo

Para defender as instituições será preciso separar aquilo sobre o que não se concorda daquilo que viola as regras do jogo

A recente sequência de declarações abjetas de Jair Bolsonaro acendeu alarmes em diferentes regiões do espectro político. Sua incapacidade de circunspecção parece nos lembrar que, se lhe for dada a oportunidade, pode lançar o país numa aventura autoritária.

Frente a essa ameaça concreta, a história sugere a formação de uma ampla coalizão que proteja os fundamentos institucionais contra o avanço autoritário, limitando o Poder Executivo e minando a sua base de apoio.

Mas como montar uma coalizão ampla quando a dinâmica da polarização enredou a sociedade em argumentos que ancoram posições políticas legítimas em posições inaceitáveis, que cada lado da polarização considerou tão execráveis que deveriam ser expelidas do jogo político regular?

Como, num ambiente que permanentemente atiça a indignação contra a posição do adversário, separar aquilo do que se discorda daquilo que viola as regras do jogo?

É o que tem acontecido, por exemplo, com a agenda econômica de Bolsonaro e seus ensaios mais autoritários.

A liderança da esquerda logo percebeu a conveniência de conectar as reformas econômicas com os arroubos autoritários do presidente, como se o reformismo liberal fosse função ou efeito do autoritarismo.

Hélio Schwartsman: E o PT?

- Folha de S. Paulo

Não poupei nem Lula nem Dilma quando eles estavam no comando

Toda vez que faço críticas a Jair Bolsonaro ou ao governo —o que ocorre com uma frequência maior do que gostaria—, leitores cobram-me um posicionamento em relação ao PT. "No tempo do Lula é que era melhor, não é mesmo, seu esquerdopata?" e outras frases do gênero, muitas vezes adornadas por adjetivos que prefiro não reproduzir aqui, tomam conta de minha caixa de mensagens.

O que tenho a dizer a essa gente é que a fila anda. Não poupei nem Lula nem Dilma de duras críticas quando era o PT que estava tomando conta da lojinha. Estou longe de ser uma figura querida no QG do partido. Mas, desde 1º de janeiro, é Bolsonaro que está no comando. Ainda que não possamos considerar o atual presidente culpado pelo descalabro econômico que vivemos, é dele que devemos cobrar soluções, assim como exigir que os projetos do governo para outras áreas estejam ao menos baseados em fatos.

Ranier Bragon: Ensaio sobre a cegueira

- Folha de S. Paulo

Estado que adere ao vale tudo contra o banditismo torna-se um Estado bandido

Um policial de folga que tenha o terrível azar de ser descoberto por bandidos durante um assalto, e que esteja rendido ou sem condições de reação, tem grandes chances de acabar torturado e assassinado.

Logo, soa plausível a muita gente que criminosos dominados sejam mortos. Não lhes ocorre que são nessas situações que a civilização se distingue claramente da barbárie, o certo se contrapõe ao errado.

É compreensível a alguém que se depare com um crime atroz ter ganas mortais contra o agressor. Jamais o Estado, sob pena de se igualar aos facínoras. Ao puni-lo de acordo com a lei, demonstra a superioridade e a evolução da civilização através dos séculos. Não se defende —parafraseando o poeta Jair Bolsonaro— que a polícia enfrente o crimesoltando pombinhas brancas. É obviamente lícito que, como recurso capital, policiais matem agressores em combate ou que representem iminente ameaça à vida de quem quer que seja.

Joel Pinheiro da Fonseca*: Sobre o anarcocapitalismo

- Folha de S. Paulo

O Estado precisa melhorar, não se ausentar

Ideias antes tidas por absurdas e indignas de consideração agora ocupam espaço no debate público. Isso é consequência da democratização promovida pelas redes sociais; não vai mudar. Aqueles que defendem ideias e valores mais normais —e com mais respaldo científico e acadêmico— terão de aprender a travar esses debates em pé de igualdade. As credenciais contam muito pouco. Fingir que as ideias bizarras não existem não reduz sua influência.

O anarcocapitalismo —investigado em reportagem de Fabio Zanini para a Folha— é uma dessas opiniões. É a proposta de que o Estado deixe de existir, mas não a propriedade privada. Ele nos desafia a voltar aos conceitos básicos e indagar: por que o Estado é desejável?

O Estado brasileiro é notoriamente ineficiente. O caos tributário, a má vontade regulatória, a multiplicação de estatais e a má qualidade do serviço público tornam compreensível o apelo de uma utopia anárquica.

A propriedade privada e a livre iniciativa, que dão origem ao processo de mercado, são instituições brilhantes por harmonizar o interesse individual ao coletivo: mesmo o mais egoísta se vê obrigado a oferecer algo de valor aos demais para receber deles algo em troca. Com o uso da moeda, esse processo gera preços que, por sua vez, transmitem informação sobre a escassez relativa dos diversos bens e serviços, de maneira muito mais dinâmica e aberta à correção constante do que qualquer planejador central seria capaz.

Fernando Exman: Velhas práticas chegam à nova política

- Valor Econômico

Nomeação de filho é tratada como questão de honra

A indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a embaixada brasileira em Washington colocou em evidência dois fenômenos recorrentes na história brasileira. A mistura entre o público e o privado, ironicamente um dos objetos das críticas de quem saiu às ruas para atacar a chamada velha política, aparece renovada nestes primeiros meses de governo. A outra prática que ganha nova roupagem é o exercício personalista do poder patriarcal como método para ampliar a influência familiar na política.

É inédito o peso político depositado pelo presidente da República sobre uma indicação para embaixador. O presidente Jair Bolsonaro transformou o caso numa questão pessoal. Reclama que as discussões sobre a capacidade do filho 03 para o exercício do cargo ficaram em segundo plano, mas trata qualquer questionamento técnico sobre o assunto como ataque à sua própria honra e também à do filho.

No Palácio do Planalto, o encaminhamento que o Senado dará à indicação não será visto como a apreciação de uma mensagem trivial do Executivo. Mas como deferência ou ofensa do Legislativo ao presidente da República, uma visão distorcida da relação ideal entre os Poderes.

Pelo roteiro do governo, a chancela dos senadores é dada como certa e garantirá um verniz de legitimidade à indicação.

No campo jurídico, o desafio será sacramentar a legalidade de uma iniciativa que já é alvo de questionamentos e terá como protagonista quem um dia já zombou da facilidade de se fechar o Supremo Tribunal Federal.

O governo precisará derrubar as ações que tentam enquadrar o caso como nepotismo, num momento em que o STF vem lhe impondo uma série de derrotas. Mesmo assim, a aposta em Brasília é que a maioria dos ministros do Supremo também não deve criar obstáculos à nomeação de Eduardo. Primeiro porque o cargo de embaixador pode ser considerado função de representação do presidente em outro país, embora obviamente ele também seja responsável pelo tratamento dos assuntos de Estado. Além disso, aliados de Bolsonaro não tardariam a lembrar exemplos de integrantes da cúpula do Judiciário que ajudaram a impulsionar a carreira de seus próprios filhos na magistratura ou na advocacia.

Pedro Cafardo: Por que demora tanto esse "Plano Ipiranga"?

- Valor Econômico

A liberação de recursos do FGTS é apenas um aperitivo

Sete meses depois do início do governo, a equipe econômica afinal rendeu-se a evidências e colocou um pouco de combustível na economia. Baixou medida provisória determinando a liberação de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e do PIS/Pasep, decisão que promoverá, segundo estimativas, uma injeção de recursos de R$ 42 bilhões na economia até 2020.

O Banco Central, depois de manter teimosamente por 16 meses inalterados os juros básicos em 6,5%, apesar da estagnação da econômica e da inflação baixa e declinante, reduziu a taxa em meio ponto.

A medida sobre o FGTS foi importante não pelo valor a ser liberado, mas pelo reconhecimento da equipe de que é necessário estimular a demanda para tirar o país do quadro depressivo em que se encontra desde 2014. No início, o discurso era de que a reforma da Previdência e outras contenções de gastos fariam o milagre da ressurreição da economia. Reduziriam a incerteza sobre a solidez das contas públicas. Isso permitiria a queda dos juros e o aumento do crédito. Dessa forma, haveria estímulo à demanda, mais emprego e mais investimentos.

Agora o discurso mudou. Aceita-se a ideia de que as medidas de estímulo à demanda são necessárias, mas não há muito pressa de apresentá-las. A liberação de recursos do FGTS é apenas um aperitivo. Para começar a sair da crise de baixo crescimento, a economia precisaria de empurrões muito mais fortes. A equipe econômica sabe o que fazer. Se não o faz é porque não quer.

Deve ficar para depois da votação do segundo turno da reforma da Previdência o anúncio da agenda do governo de longo prazo, um pacote de medidas que estava sendo preparado para ser divulgado na quarta-feira, 31 de julho. Não se sabe se esse "Plano Ipiranga" terá medidas de estímulo à demanda, mas, para o bem do país, deveria ter.

Quando a reforma da Previdência começou a ser debatida no Congresso, o ministro Paulo Guedes, da Economia, disse que as medidas antirrecessivas seriam anunciadas somente depois da votação em primeiro turno. Aprovada a MP em primeiro turno na Câmara, o discurso mudou. Agora o país terá de esperar o segundo turno.

Falta sensibilidade para entender que a situação de 12,8 milhões de desempregados é aflitiva e exige decisões imediatas. Não faz nenhum sentido ficar esperando a aprovação da reforma para tentar aliviar essa aflição.

Na semana passada, o repórter Fabio Graner, do Valor, publicou um estudo feito pelos economistas Manoel Pires e Bráulio Borges, pesquisadores associados do Ibre/FGV, e Gilberto Borça Jr., do BNDES, cuja conclusão batia exatamente nessa tecla: "a necessidade de políticas de demanda, em especial o uso da taxa de juros, tem sido negligenciada pelos governos nos últimos anos e é um dos fatores que explicam o baixo crescimento econômico após a grave recessão de 2015/2016".

Por conta dessa negligência, segundo o estudo, a recuperação da economia tem sido a mais lenta desde o fim do século XIX. Para os três economistas, existe uma "postura de certo desprezo" em relação à necessidade de estimular a demanda na economia nos últimos anos, o que teria sido o principal fator limitante da expansão mais acentuada do PIB do país.

Nesses últimos anos, segundo eles, as políticas de demanda têm sido não apenas negligenciadas como também demonizadas. A política monetária, por exemplo, teria sido inadequada desde meados de 2016. Com o teto de gastos, a contenção do crédito público e a política de contenção fiscal, os juros básicos poderiam ter sido muito mais baixos. Os economistas estimam que, dadas as expectativas de inflação, a taxa Selic deveria ter encerrado o segundo trimestre entra 3,25% e 4,75% ao ano, bem aquém dos 6,5% observados. A redução da taxa para 6% feita pelo BC na semana passada, portanto, já vem tarde demais.

STF e autoritarismo
Mudando radicalmente de assunto, vamos recuar no tempo, para 1964. Naquele ano, quando se instalou a ditadura militar no Brasil, o presidente do Supremo Tribunal Federal era Ribeiro da Costa, que deu apoio imediato ao golpe. Mesmo assim, ele reagiu a uma atitude autoritária.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: Perplexidades monetárias

- Valor Econômico

A política monetária deve reconhecer seus limites e a fiscal deve ser reintroduzida como meio de estabilização

Em depoimento prestado ao Congresso americano no dia 10 de julho, o presidente do Federal Reserve Jerome Powell mostrou as garras na resposta à primeira pergunta. Indagado a respeito do aquecimento da economia americana, denunciado por uma da taxa de desemprego de 3.7%, Powell sapecou:

"Não temos base para chamar isso de um mercado de trabalho aquecido. Os salários sobem um pouco acima de 3%... muito abaixo dos aumentos de produtividade e, assim, não são suficientes para colocar qualquer pressão ascendente sobre a inflação. 3,7% por cento é uma taxa de desemprego baixa, mas para chamar algo de quente precisa haver algum calor. Ouvimos muitos relatos de empresas que têm dificuldade em encontrar trabalho qualificado, mas não vemos os salários respondendo".

O economista Joshua William Mason, do Roosevelt Institute, comentou o depoimento de Powell e buscou expor o paradigma, agora em ruínas, que sustenta as politicas monetárias de metas de inflação: "Na visão ortodoxa, há um nível máximo bem definido de produção na economia - uma capacidade baseada no trabalho, recursos naturais, tecnologia disponíveis no país e assim por diante. Isso geralmente é conhecido como produto potencial. Contanto que os gastos estejam abaixo deste nível, mais gastos vão chamar mais emprego e saída. Mas acima deste nível, mais gastos só vão aumentar os preços".

Na visão ortodoxa, o melhor guia para o produto potencial é a taxa de desemprego. Há um nível de desemprego, chamado de "taxa natural" ou NAIRU (taxa de desemprego não aceleradora da inflação) que corresponde ao produto potencial. Quando o desemprego cai abaixo deste nível, a inflação aumentará.

A autocitação é uma deselegância, mas peço vênia - diria o ministro Barroso - para provisoriamente violar os bons modos. Escrevíamos com Gabriel Galípolo em 2011: os corifeus da teoria quantitativa da moeda arquitetaram a Nairu (taxa de desemprego não aceleradora da inflação) para mimetizar o conceito de taxa natural de desemprego, como advertência aos perigos de estímulos "pelo lado da demanda".

Ricardo Noblat: Um presidente terrivelmente estúpido

- Blog do Noblat / Veja

Um dia de trabalho do capitão
Está na hora de pararmos de nos referir a Jair Messias Bolsonaro como representante do baixo clero da Câmara dos Deputados, acidentalmente eleito presidente da República.
O baixo clero merece respeito. Não abusa de palavrões para se expressar, nem destila tanto ódio. Na verdade, Bolsonaro está mais para sub do sub do baixo clero. Ou não?

Que tal um presidente capaz de aproveitar uma entrevista coletiva à imprensa para dizer com todas as letras e aos gritos:

“A imprensa tem que entender que eu ganhei. Eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra! Ganhou, porra!”

Na mesma ocasião, voltou a atacar os governadores do Nordeste, empenhados em fazer da região uma “nova Cuba”. Ameaçou de à revelia deles só liberar dinheiro para prefeituras amigas.

Não perdeu a chance de espancar “a esquerda canalha”, o alvo preferencial de suas críticas sempre que sobe em um palanque. É onde se sente à vontade. É onde gostaria de sempre estar.

E, é claro, exibiu-se como o néscio que é ao justificar mais uma vez com argumentos toscos a promoção do seu filho Eduardo para embaixador do Brasil em Washington:

“’Indicado para embaixada tem que ser filho de alguém, por que não meu?”

Faz muito tempo que Eduardo deseja morar nos Estados Unidos, segundo Bolsonaro. É amigo da família do presidente Donald Trump, repetiu. E a embaixada “é um cartão de visitas”.

Bastaria tamanhas idiotices para preencher um único dia de trabalho, mas não. Ele tinha mais a oferecer sem constrangimento. Até porque não sabe distinguir o que é sensato do que é estúpido.

“Os caras vão morrer na rua igual barata, porra” – anunciou a respeito do projeto que remeterá ao Congresso para livrar de punições policiais e militares que matarem bandidos.

Outra vez negou que brasileiros passem fome. Disse que a vida dos patrões é tão dura ou pior do que a vida dos empregados. E tachou de mentirosos os dados oficiais sobre o desmatamento na Amazônia.

Sem dar-se conta, por ignorância, da fragilidade do seu raciocínio, defendeu a legalização de garimpos por faltarem ao Estado condições de remover os garimpeiros das áreas que eles invadiram.

A ser assim, por que não renunciar ao combate ao crime organizado uma vez que ele só faz crescer por toda parte e o Estado revela-se até aqui incompetente para enfrentá-lo? Como é parvo!

Na semana passada, Bolsonaro foi intimado pelo Supremo Tribunal Federal a explicar o que quis dizer quando atacou o pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, morto pela ditadura.

Ontem, foi intimado novamente pelo Supremo a explicar por que sugeriu que a ex-presidente Dilma Rousseff pegou em armas para derrubar a ditadura. Ela não pegou. Bolsonaro mentiu, para variar.

Dodge em queda

O que pensa a mídia: Editoriais

Mercados têm forte correção com temor de guerra cambial: Editorial / Valor Econômico
A China tem sido econômica em palavras desde o início da guerra comercial deslanchada pelo boquirroto presidente americano, Donald Trump. Irritado com a resistência dos chineses em ceder às suas demandas, Trump disse que em 1º de setembro os EUA colocarão tarifa de 10% em US$ 300 bilhões em importações da China, levando a taxação ao total das vendas de mercadorias chinesas no mercado americano. O renminbi, que se aproximava da cotação de 7 por dólar, ontem cruzou a linha, perdeu 1,6% de seu valor e foi a 7,05 - e os mercados vieram abaixo. Em seguida, sem anúncios oficiais, o governo chinês proibiu suas estatais de comprarem produtos agrícolas americanos.

A rigor, a cotação de ontem do renminbi não fere o sistema de bandas de variação instituído - 2% para cima ou para baixo em um dia - e é a mais baixa desde maio de 2008. No ano a moeda teve desvalorização modesta, de 3,2% em relação ao dólar. Em algum momento, o limiar de 7 seria ultrapassado, mas o fato de tê-lo feito ontem foi uma demonstração calculada de Pequim das armas alternativas que possui, já que as tarifas de retaliação cobrem praticamente o total das exportações americanas, de US$ 133 bilhões.

Poesia / Carlos Pena Filho: Guia prático do Recife

(trecho)

Recife, cruel cidade
águia sangrenta, leão.
Ingrata para os da terra,
boa para os que não são.
Amiga dos que a maltratam,
inimiga dos que não,
este é o teu retrato feito
com tintas do teu verão
e desmaiadas lembranças
do tempo em que também eras
noiva da revolução.