quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Opinião do dia: 'Traidor da Constituição é traidor da pátria' - (Ulysses Guimarães*)

"Termino com as palavras com que comecei esta fala: a nação quer mudar. A nação deve mudar. A nação vai mudar. A Constituição pretende ser a voz, a letra, a vontade política da sociedade rumo à mudança"

*Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, no Ato de Promulgação da Constituição de 1988.

Rosângela Bittar: Meias saídas

- Valor Econômico

Dos três poderes fragilizados, o melhor é Congresso

Rodrigo Maia, presidente da Câmara, vinha tentando introjetar uma certa imagem e conseguiu: é visto como uma pessoa ponderada, equilibrada, um mediador de conflitos, que atua com eficiência na liderança e comando da presidência. Capaz de, com suas atitudes, conseguir aprovar projetos importantes na Câmara, de forma organizada e muito diálogo.

O Parlamento, dos três poderes, foi o que melhor viveu esses 7 meses de novo governo, em grande parte pela moderação de Maia. Político experiente, com mais história que o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não lhe recusou, porém, a parceria respeitosa. Davi, um exemplar do baixo clero, que ainda não provou sua liderança, foi alçado ao posto por uma manobra parecida com a que levou Jair Bolsonaro à Presidência da República, a de evitar a vitória de Renan Calheiros. Aceitou a mão estendida e fortaleceram o poder Legislativo.

Até que chegou o dia de ontem. O indiciamento de Rodrigo Maia em investigação da Polícia Federal, a partir da provecta delação da Odebrecht, no âmbito da Lava-Jato, renovou acusações que apareceram três anos atrás, até hoje sem provas como a imensa maioria das delações, de caixa 2 e caixa 3 em campanha eleitoral.

Teria o fantasma reaparecido, agora, porque serve bem ao figurino em moda, o instrumento da vingança. Rodrigo estaria recebendo punição por haver permitido a aprovação da lei do abuso de autoridade e, desde que foi aprovada tal lei, viu-se que as autoridades não se conformam em perder o direito de abusar.

Rodrigo foi atingido e, por seu intermédio, a Câmara e o Parlamento como um todo. Todos se fragilizaram. O que é preciso agora é conhecer a intensidade e extensão disso e o impacto sobre o trabalho que vinha realizando.

O Judiciário é um poder dividido, onde é impossível ter consenso e, portanto, desconsiderado na busca de soluções para este momento de impasse político e governamental. O Executivo é um poder fraco, sem motivação para realizar uma obra que possa aparecer mais que a retórica agressiva, violenta e ilógica de seu comandante, o presidente da República. Parecem ter resolvido não deixar o Congresso com a boa imagem em recuperação, e interromper sua ação de poder moderador.

Rodrigo Maia incomoda adversários ao ampliar seu horizonte. Coordena a Camara, lidera, fala em nome de seus pares, vem crescendo no ofício, é o chefe da agenda do Parlamento. A vingança o pegou em ascensão. Estava em um momento de ampliação dos seus interesses e contatos. Avaliava seguir conselhos para se aproximar mais da sociedade, dos sindicatos, dos cientistas, de forma a ser menos identificado como um homem só de mercado.

Ele, e por consequência o Congresso, perderam um pouco do ímpeto. Não chega a ser um desânimo como o do Executivo e do Judiciário, mas encontraram um freio.

O Executivo é, porém, o poder mais fraco entre todos. Tem a caneta, mas não tem equipe, não tem base parlamentar para aprovar seus projetos, não tem ideias, equilíbrio, compostura ou rumo. É presidido por um comandante temperamental que, em 7 meses, já brigou com a Venezuela, a Argentina, a Noruega, a Alemanha, a Suécia, a Dinamarca, a França, e isso não é piada. Não tem quem o ajude a baixar a sua própria temperatura. E os resultados que poderia se atribuir foram todos produzidos pelo Congresso.

Qual a saída, pergunta-se aos políticos que gravitam as três pontas da Praça. Não há saídas, mas apenas "meias saídas". Enquanto isso, vai levando.

Guedes
É zombaria o que o governo vem fazendo para tentar emplacar novamente a, em boa hora falecida, CPMF. Vai do conto da carochinha à psicologia infantil, sem intenção pejorativa ou demérito ao mundo dos pequenos.

É do estilo do ministro da Economia, Paulo Guedes: ele já ameaçou sair se não fosse aprovada a reforma da Previdência, antes mesmo de começar a tramitação da emenda. Agora, impaciente, taxativo e novamente transferindo responsabilidades, adverte o Congresso: "Quem não gostar vota contra e acabou".

Aí está o primeiro argumento da psicologia infantil: a CPMF será, desta vez, é para criar empregos (antigamente era para a saúde), e quem está contra prefere ver os 30 milhões de desempregados.

Cristiano Romero: Reforma e o custo do pacto civilizador

- Valor Econômico

Reforma tributária começou a ser debatida no pós-Constituição

O debate sobre a necessidade de o país mudar seu sistema tributário começou logo depois da última "reforma" - a promulgação da Constituição "cidadã, em 1988. Elaborada na sequência de uma ditadura militar que nos subtraiu 21 anos de democracia, a Carta Magna procura atender à demanda da população, especialmente da parcela mais pobre, por mais civilização. Do "pacto" constituinte, nasceram o Sistema Unificado de Saúde (SUS), idealizado para universalizar o acesso gratuito a serviços médicos; o Benefício de Prestação Continuada (BPC), mecanismo criado para dar alento a pessoas que cheguem aos 65 anos sem ocupação, renda, família etc; o acesso universal de crianças e adolescentes ao ensino público e gratuito, entre outras conquistas de um povo marcado pela escravidão, a maior das infâmias. A Constituição também consolidou direitos alienáveis do cidadão numa democracia, como, o fim da censura e a liberdade de expressão.

Foi a Constituição que obrigou os primeiros presidentes eleitos em votação popular, após a ditadura, a ordenar que todas as crianças frequentem as escolas do ensino fundamental. Em 1953, ano em que a classe média foi às ruas proclamar que "o petróleo é nosso", apenas 25% das crianças estavam matriculadas - é perturbador tentar entender por que aquela mesma classe média não se manifestava de forma ruidosa em relação ao nosso descaso histórico com educação.

Nas décadas seguintes, a taxa de matrícula aumentou, mas, na década de 1980, ainda havia 20% das crianças longe das escolas de 1º grau, uma ignomínia que fala muito do nosso atraso civilizador. A Constituição de 1988 foi um passo correto no enfrentamento dessa mazela, mas, hoje, sabemos que não basta dar diplomas aos alunos, é preciso ensinar com qualidade, mas esta é uma outra conversa. Note-se que, quando o assunto é ensino de 2º, o passo seguinte da formação educacional dos brasileiros, o índice de atendimento cai de forma trágica.

José Eli da Veiga*: Hora da abolição?

- Valor Econômico

Sem que a posse de armas nucleares seja deslegitimada, quais as chances de ampliação real da democracia?

Mesmo o cabal sucesso de Emmanuel Macron na cúpula de Biarritz foi insuficiente para contrariar a tese de que arranjos do tipo G-7 e G-20 pouco têm contribuído para a governança global. Com certeza, ajudam bastante na melhora dos indispensáveis diálogos entre os chefes de Estado e seus auxiliares, como atestou a visita dominical do chanceler iraniano Mohammad Javad Zarif. Mas, G-7 e G-20 estão longe das decisões mais estratégicas sobre a sustentabilidade do mundo.

O cerne do jogo de poder internacional se dá em panelinha similar, mas que é muito mais coligada e cuja sigla nem mesmo começa por "G". Pois é a própria existência da humanidade que está na dependência do soturno "P5" (permanent five), o conchavo entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, Grã-Bretanha, França, EUA e Rússia). São estas cinco potências que abominam o Tratado de Proibição das Armas Nucleares (TPAN), adotado em 7 de julho de 2017 pela Assembleia Geral da ONU.

Os representantes de 64 Estados foram tangidos pelos do P5 a boicotar a votação do TPAN, garantida por outros 124. Daí o estrepitoso placar de 122 a favor e dois foras - voto contra da Holanda e abstenção de Cingapura. Mais: o tratado está ratificado por 25 das 70 nações que já o assinaram. Se outras 25 também o ratificassem, entraria em vigor três meses depois.

Não por outra razão, o P5 está jogando com brutalidade nos bastidores, enquanto desvia a atenção da opinião pública para alguns de seus muitos conflitos menores e em outras esferas, como a tributária, a comercial e a monetária. Chega a fazer das tripas coração para que seja esquecida a grave mensagem que Stanley Kubrick lançou em 1964, com seu sétimo longa - o sarcástico 'Dr. Strangelove' - que por aqui virou 'Dr. Fantástico'.

O filme não poderia ser mais didático ao escancarar o quanto a célebre doutrina da "dissuasão" jamais foi levada a sério pelos dois protagonistas da Guerra Fria, URSS e EUA. Em vez disso, montaram a dita "Máquina do Juízo Final" (Doomsday Machine), ameaça que retornou com tudo desde que a incerteza sobre a eclosão de uma guerra nuclear voltou ao nível dos treze aterrorizantes dias de outubro de 1962, os da "Crise dos mísseis de Cuba".

É o que explicaram dois dos mais respeitados experts, na edição da revista Foreign Affairs, de 6 de agosto. No artigo "The return of Doomsday", o ex-senador Sam Nunn e o professor Ernest J. Moniz realçam os fatores que mais elevaram as incertezas existenciais decorrentes de real possibilidade de tragédia nuclear: crescente desconfiança dentro do P5, em razão de novos conflitos geopolíticos, quando as novas armas hipersônicas se combinam aos avanços da inteligência artificial.

Daí a grandeza dos 122 governos que já optaram pelo banimento da atroz imoralidade que é a posse de arma nuclear. Ideia que engatinha desde 1997, quando a Costa Rica submeteu à ONU uma ainda precária Convenção sobre Armas Atômicas (NWC), redigida por entidades da sociedade civil lideradas pelos juristas do 'Lawyers Committee on Nuclear Policy' http://lcnp.org/
A iniciativa não prosperou, mas foi substituída, dez anos depois, por real proposta de proibição, em grande parte devido a decisivo impulso dado pelos médicos. Organizados desde 1980 no IPPNW (http://www.ippnw.org/), , foram esses profissionais que, no seu congresso anual de 2006, em Helsinki (Finlândia), fundaram o que viria a se tornar testa de ponte: a Campanha Internacional pela Abolição das Armas Nucleares (Ican), Prêmio Nobel da Paz em 2017 (http://www.icanw.org/).

Vera Magalhães: Governo Johnny Bravo

- O Estado de S. Paulo

O estilo de Bolsonaro guarda, de fato, semelhanças com o do topetudo personagem dos anos 1990, do Cartoon Network

De todas as declarações polêmicas que Jair Bolsonaro já deu nos seus oito meses de mandato, poucas competem em nonsense com uma do dia 6 deste mês. Questionado sobre a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington, se irritou com a imprensa e soltou essa: “A imprensa tem de entender que eu, Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, porra!”.

Exibir apelidos privados é algo que a maioria das pessoas procura evitar, pelo natural constrangimento. Bolsonaro não só demonstrou orgulho como repetiu a dose em outra ocasião – o que torna um pouco mais difícil que ele diga, agora, que não disse o que disse, outra de suas bossas recentes.

Johnny Bravo é um personagem dos anos 1990, do Cartoon Network. Seu character design é o de um sujeito marombado, narcisista, machista e burro. O que já torna estranho o orgulho de evocar a alcunha.

Há, inclusive, um episódio da segunda temporada em que Johnny Bravo ascende ao poder, meio por acaso. Todos os políticos da cidade são acometidos de uma intoxicação alimentar, e a legislação local determina que o “maior idiota da cidade” assuma.

Bravo, então, passa a governar segundo critérios estritamente pessoais: destrói uma livraria para construir uma esfinge com seu rosto, decreta que funcionárias devem trabalhar de biquíni, transforma um parque público num estacionamento e prende os oposicionistas. Até ser destituído.

O estilo de Bolsonaro guarda, de fato, semelhanças com o do topetudo. Suas declarações desde que revogou a comunicação institucional e inventou a paradinha do Alvorada versaram sobre temas como cocô, ataques à imprensa e à ciência, investida contra o pai assassinado do presidente da OAB e a acusação de que ONGs queimam a Amazônia.

Ao focar na exploração de terras indígenas na reunião de ontem dos governadores da Amazônia que deveria tratar da emergência ambiental, Bolsonaro fez com que os presentes saíssem de lá com a certeza de que sua pauta pessoal sempre estará acima das questões de Estado. “Foi bastante constrangedor ver o descolamento do presidente da realidade”, disse à Coluna um dos participantes (que, atenção, não era o comunista Flávio Dino).

Assim, não é de estranhar que ele se abespinhe quando questiona do sobre a indicação do filho, e que ache normal dar o “filé” ao rebento. A sem-cerimônia com que isso é defendido por Bolsonaro Bravo, no entanto, começa a preocupar os que têm de conviver institucionalmente com ele – prefeitos, governadores, funcionários públicos, congressistas, procuradores, ministros do Supremo… A lista é enorme, e ninguém fora do círculo dos puxa-sacos está disposto a aceitar coisas que seriam caricatas até em desenho animado, como ofender a mulher de um chefe de Estado e recusar dinheiro internacional por birra.

Hélio Schwartsman: A triste figura

- Folha de S. Paulo

Como dom Quixote, Bolsonaro tenta transportar fantasias para a vida real

Numa das mais conhecidas passagens de “Dom Quixote”, o herói que dá título ao livro toma um conjunto de moinhos de vento por gigantes e, apesar de alertado da ilusão por seu escudeiro, Sancho Pança, se lança em carga para enfrentá-los. O fidalgo e seu cavalo, Rocinante, são derrubados por uma das pás.

Sancho corre em socorro do mestre e o recrimina pelo engano. O cavaleiro da triste figura reconhece que estava diante de moinhos, mas insiste em seu delírio, afirmando que um mago transformara os gigantes nas engenhocas apenas para roubar-lhe a glória de derrotá-los.

Na literatura, o descompasso entre as ilusões do protagonista e a realidade produz um efeito cômico; no planeta Terra, as consequências tendem a ser menos risíveis. Como o leitor já deve ter intuído, falo de Jair Bolsonaro.

Bruno Boghossian: Cavalo de Troia ambiental

- Folha de S. Paulo

Presidente explora Amazônia em campanha contra áreas protegidas e terras indígenas

Jair Bolsonaro deve ter apagado da memória o texto que leu no teleprompter há cinco dias. O pronunciamento do presidente na TV, no auge da tensão em torno das queimadas da Amazônia, falava com orgulho da conservação da vegetação nativa do Brasil e elogiava a "lei ambiental moderna" do país. Agora, ele acha que isso é um problema.

O presidente chamou governadores da região a Brasília para discutir a devastação das florestas. Se algum deles esperava dinheiro ou projetos de preservação, teve que se contentar com o papel de figurante na cruzada antiambiental do Planalto.

O encontro foi motivado pelas queimadas, mas Bolsonaro preferiu fazer um ato para vender sua agenda contra a cooperação internacional e a favor de mudanças na legislação das unidades de conservação. Com apoio de alguns governadores, ele reforçou suas críticas à demarcação de terras indígenas e lançou a ideia de rever reservas ambientais.

Ruy Castro*: Eleito para bater boca

- Folha de S. Paulo

O 'kkkkk' de Bolsonaro é perfeitamente aplicável a quem quer transformar o país num galinheiro

Um colega português me perguntou o que, para um jornalista brasileiro, significa ter Bolsonaro como presidente. Respondi que Bolsonaro é um desastre sob todos os pontos de vista, menos um —o do jornalismo. Ele é uma infindável notícia. Todos os dias, em vez de ficar em seu gabinete tratando dos graves problemas do país, faz o contrário. Cria mais problemas.

Vai para a porta do Planalto e, diante de apoiadores laçados para aplaudi-lo, bate boca com os repórteres encarregados de acompanhá-lo. Ele mesmo provoca o assunto e, quando perguntado, devolve uma verborragia recheada de solecismos, escatologias e palavrões. Os jornalistas têm mantido até agora uma impecável postura profissional —aguentam os insultos e, quando se dirigem a Bolsonaro, o fazem de maneira protocolar, como deve ser. Mas quase posso ver a hora em que um deles, farto, o mandará à merda. E sabe o que irá acontecer? Nada.

Bolsonaro rebaixou a fala presidencial a tal nível de botequim de última categoria —com todo respeito pelos queridos botequins de última categoria— que não poderá se sentir desrespeitado. Como não tem ideia de educação ou etiqueta presidencial, achará normal receber de volta um desaforo semelhante aos que despeja contra todo mundo. É o que faz também com as mensagens que arrota no Twitter com sua opinião —ou as que covardemente reproduz, como fez com a que ofendia a primeira-dama da França, concordando com seu conteúdo e acrescentando o cafajeste “kkkkkkkkkk”.

Vinicius Torres Freire: Pindaíba e conflito político em 2020

- Folha de S. Paulo

Falta de dinheiro no governo vai continuar a ser motivo de disputa no Brasil do ano que vem

O governo tem um teto de despesas para cumprir, mas tem gasto menos do que permite esse limite constitucional aprovado em 2016 pelo Congresso, por sugestão de Michel Temer. No entanto, como se sabe, está à beira de faltar dinheiro para pagar bolsas de pesquisa científica, universidades ou o serviço de computação da Receita; o dinheiro para investir em obras cai, tendendo a zero.

Note-se logo que não se trata de decisão de livre arbítrio deste governo. A situação vai melhorar em 2020? Por vários motivos, provavelmente quase nada.

O governo federal gasta menos que o limite permitido porque não arrecada o suficiente nem para chegar ao limite do teto de gastos(porque, de resto, tem outra meta, de limitar o déficit primário), como sabe quem acompanha o noticiário do assunto.

Neste ano, por ora, a previsão é de que o governo gaste pelo menos uns R$ 36 bilhões a menos do que o limite, por falta de receita. Trata-se do valor de um ano de Bolsa Família inteiro ou de dois terços de toda a despesa federal em obras, investimentos, nos últimos 12 meses.

Caso o país crescesse um tico mais em 2020 (e assim a arrecadação de impostos) e/ou o governo possa contar com o dinheiro extraordinário da venda de direitos de exploração de petróleo (“cessão onerosa”), haveria como gastar mais no ano que vem, um meio de diminuir a asfixia. Isto é, haveria como aumentar as despesas além daquelas que são obrigatórias (benefícios previdenciários em geral, salários, seguro-desemprego, mínimos de saúde e educação etc.). Voltar a gastar um tico mais em ciência, por exemplo.

Só que não.

Elio Gaspari*: De E.Geisel@edu para Bolsonaro

- Folha de S. Paulo | O Globo

Como diz o Médici, esfrie a cabeça, a Viúva de Caxias nos paga para aturar sacripantas e engolir sapos

Capitão,
O senhor pode detestar o Emmanuel Macron, mas seus sentimentos em relação a ele são suaves se comparados à malquerença que eu tinha pelo presidente americano Jimmy Carter. Ele assumiu em 1977 e eu sabia que teríamos encrenca.

No telegrama de felicitações que o Itamaraty redigiu para sua posse, puseram que ele assumiria um “honroso encargo”. Mandei cortar o “honroso”.

Quando ele se meteu nos nossos assuntos com um relatório sobre a situação dos direitos humanos no Brasil, denunciei o acordo militar que tínhamos com os Estados Unidos. Os diplomatas americanos paparicavam políticos oposicionistas e ele chegou ao ponto de dar asilo ao Leonel Brizola, que havia sido expulso do Uruguai.

O que me envenenou foi o Carter mandar a mulher dele ao Brasil para uma espécie de viagem de inspeção. A dona Rosalynn tinha um caderno de notas e sentava-se comigo fazendo perguntas.

Num jantar do Alvorada ela foi impertinente e a conversa ia azedando, a ponto da mulher do embaixador ter feito um sinal para que as duas fossem ao banheiro. Que direito ele tinha de mandá-la tratar comigo? Ela não havia sido eleita coisa alguma.
Eu nunca disse uma palavra sobre Jimmy Carter, nem deixei que meus ministros falassem mal dele em público. Se nós não fazemos isso, os bajuladores radicalizam as posições para nos agradar.

O senhor deve saber que alguns ministros gostam de papaguear o que ouvem dos presidentes, mesmo quando dizemos bobagens. Papagueiam, são criticados e acreditam que ganham prestígio conosco. Às vezes ganham, mas bobagens continuam sendo bobagens. Eu, por exemplo, proibi um programa de televisão com um vídeo do balé Bolshoi. Os papagaios justificavam a decisão com argumentos malucos.

Zuenir Ventura: Discutindo a relação

- O Globo

Desde a Guerra da Lagosta, em 1962, quando atribuíram ao general De Gaulle a frase “o Brasil não é um país sério”, que ele não pronunciou, as relações entre seus presidentes não estiveram tão desgastadas. As queimadas na Amazônia chamuscaram Macron e Bolsonaro. A disputa baixou o nível quando foi postada uma montagem de fotos dos dois casais com a legenda: “Agora se entende por que Macron persegue Bolsonaro?”. O capitão debochou: “Não humilha, cara. Kkkkkkk”. (Brigitte Macron, 66 anos, é 24 mais velha que o marido, e Michelle é 27 anos mais jovem que Jair).

A resposta ao humor sexista veio em tom civilizado, mas incisivo: “O que posso dizer desses comentários extraordinariamente desrespeitosos em relação à minha esposa. É triste. Mas é triste, sobretudo, para ele e os brasileiros. Penso que as mulheres brasileiras têm, sem dúvida, vergonha de seu presidente. Penso que os brasileiros, que são um grande povo, têm um pouco de vergonha de ver esse comportamento”.

O revide foi em forma de recusa dos 20 milhões de euros que Macron, em nome do G-7, ofereceu para combater as queimadas. “Quem é que está de olho na Amazônia? O que eles querem lá?”. (Ontem, ele admitiu, pra variar, voltar atrás se “Macron retirar os insultos”. Não se referiu à fala do ministro da Educação, que xingou o presidente francês de “calhorda”).

Bernardo Mello Franco: Ele não está sozinho

- O Globo

A reunião com governadores da Amazônia serviu para Bolsonaro mostrar que não está só. A maioria dos convidados endossou seu discurso contra a proteção ambiental

A Amazônia continua em chamas, mas Jair Bolsonaro conseguiu mostrar que não está sozinho. Na reunião de ontem, a maioria dos governadores da região deixou claro que também está se lixando para a floresta. O encontro reuniu representantes de nove Estados. Sete deles apoiaram a eleição do presidente e agora endossam o seu discurso antiambiental.

“Hoje o Ibama chega e multa todo mundo, sem nenhum direito de defesa. A Polícia Federal chega no porto e apreende todas as cargas de madeira”, reclamou o governador de Roraima, Antonio Denarium (PSL), dublê de político e porta-voz dos grileiros.

“As queimadas sempre existiram”, emendou o governador de Rondônia, Marcos Rocha (PSL). Coronel da PM, ele buscou apresentar os ruralistas como vítimas, e não responsáveis pelas queimadas. “O que eu vi foram agricultores apagando incêndio. Existe uma distorção do que é falado no exterior”, alegou.

Empenhados em bajular o capitão, alguns convidados repetiram seus ataques ao presidente da França. “O seu Macron está surfando nas cinzas da Amazônia”, discursou o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (DEM). Ele também endossou o lobby presidencial para liberar o garimpo em terras indígenas. “Nós não queremos tirar terra de índio, não. Nós queremos tirar as riquezas que lá estão!”, esclareceu.

Merval Pereira: Decisão polêmica

- O Globo

Até a defesa do ex-presidente Lula já anunciou que fará uma revisão dos processos para ver se pode se beneficiar

A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular o julgamento que condenou Aldemir Bendine por ter recebido R$ 3 milhões da Odebrecht para facilitar contratos da empreiteira com a Petrobras, que presidia na ocasião, pode ter um efeito cascata nos julgamentos da Lava-Jato e, no limite, permitir anulação do julgamento do ex-presidente Lula.

Sérgio Moro, quando juiz de primeira instância, condenou Bendine e vários outros réus usando o mesmo critério, que agora está sendo contestado pela Segunda Turma. O Tribunal Regional Federal da 4 Região (TRF-4) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendaram a decisão de Moro, apesar dos apelos da defesa.

O caso acabou no STF. A defesa de Bendine sustentou que o réu deveria ter tido o direito de apresentar suas “alegações finais” depois dos delatores, réus como ele, pois teriam se transformado em “assistentes de acusação”. A lei garante que a defesa tenha a palavra final, depois da acusação.

Moro rejeitou a tese, por absoluta falta de “previsão legal, forma ou figura em Juízo”. E explicou: “A lei estabelece prazo comum para a apresentação de alegações finais, ainda que as defesas não sejam convergentes, e não cabe à Justiça estabelecer hierarquia entre acusados, todos com igual proteção da lei”.

A decisão da Segunda Turma, com os votos favoráveis dos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia, foi de certo modo surpreendente, pois não há na legislação exigência desse tipo, porque o instituto da delação premiada ainda é novo na nossa legislação penal. O Código de Processo Penal exige demonstração de prejuízo para a defesa para que o processo seja anulado, e os ministros entenderam que o fato de dar o mesmo prazo para todos os réus, quando alguns eram delatores, feriu os direitos de Bendine.

Míriam Leitão: Os consumidores chineses avisam

- O Globo

Importador chinês quer produtos com sustentabilidade. Retórica contra o meio ambiente e de crítica às terras indígenas pode ter impacto no agro

O presidente da maior trading chinesa, a Cofco, veio se reunir com empresários do agronegócio brasileiro e deu o seguinte recado: “Nós vamos comprar mais de vocês desde que seus produtos tenham sustentabilidade.” Os representantes do setor no Brasil estavam acostumados a ouvir essa exigência dos europeus, mas não dos chineses. A palavra “sustentabilidade” foi repetida 12 vezes em uma fala de meia hora do comprador chinês.

São sinais assim que o agronegócio brasileiro tem captado. O consumidor está mudando, e entre os seus valores está o de querer saber a origem do que consome. Uma pesquisa, citada pelo executivo da estatal chinesa, mostrou que 50% dos consumidores chineses de 18 a 35 anos querem saber o que comem, de onde vem e como é produzido.

Quando o presidente Jair Bolsonaro faz uma reunião como a de ontem, em que, em vez de tratar do combate ao fogo e ao desmatamento, ameaça os povos indígenas, ele só alimenta a ideia de que o Brasil produzirá a qualquer custo ambiental e humano. Ele deveria saber que as terras indígenas são da União e os povos indígenas têm feito um grande trabalho de proteção desse patrimônio natural do país.

O governo errou sistematicamente, e o Brasil teve uma exposição negativa gigante nos últimos dias em todos os jornais e televisões do mundo. O desastre foi provocado por sucessivos atos e palavras de estímulo ao desmatamento. Os sinais foram dados por Bolsonaro quando atacou o Ibama, disse que iria criar várias serras peladas na Amazônia, ignorou os alertas, brigou com os números, ofendeu o Inpe e demitiu seu diretor.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro na emboscada

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“A guinada antiambientalista, como no provérbio bíblico, “arma uma cilada contra o próprio sangue”, porque os prejuízos serão muito grandes para o nosso agronegócio”

O presidente Jair Bolsonaro aparenta não sentir medo de nada. Sua formação de paraquedista, cuja missão é combater atrás das linhas inimigas e improvisar diante das adversidades, parece comandar suas ações como presidente da República. Só não sente medo aquele que acredita que nada lhe pode acontecer. “As pessoas não acreditam nisso quando estão, ou pensam estar, no meio de grande prosperidade, e são por isso insolentes, desdenhosas e temerárias”, já dizia Aristoteles, 350 anos antes de Cristo.

Inspirado no filósofo grego, o falecido físico norte-americano Carl Sagan, já na década de 1980, concluiu que o aquecimento global era uma grande emboscada. Os chamados combustíveis fósseis — o carvão, o óleo e o gás — foram a força propulsora do progresso. “A nossa civilização funciona pela queima dos resíduos de criaturas humildes que habitaram a Terra centenas de milhões de anos antes que os primeiros humanos aparecessem na cena”, dizia, para arrematar: “como num terrível culto canibal, subsistimos dos corpos mortos de nossos ancestrais e parentes distantes”. Entretanto, há um preço a pagar.

A dependência dessas fontes de energia é uma das principais causas de conflitos e disputas no mundo, sejam as duas guerras mundiais dos século passado, sejam os atuais conflitos do Oriente Médio. Por outro lado, a vida depende de um equilíbrio delicado de gases invisíveis que compõem a atmosfera da Terra. A queima de carvão, petróleo e gás natural mistura carbono com oxigênio, sintetizando o dióxido de carbono (CO²), libera uma energia que estava trancada há 200 milhões de anos nas entranhas do globo. Essa queima e a destruição de florestas, numa escala cada vez maior, devido a uma série de reações químicas, aumentam o aquecimento da Terra. Por isso, a questão ambiental é um problema global, que exige soluções locais.

Pensar globalmente e agir localmente é um dos fundamentos das políticas públicas ambientalistas. Faz todo sentido, porque a atmosfera não tem fronteiras, mas as ações dependem dos estados nacionais. No caso de um país de dimensões continentais como o Brasil, depende também dos estados e municípios. Cientistas do mundo inteiro acompanham o aquecimento da terra e seus indicadores, entre os quais as emissões de carbono e desmatamento, enquanto outros pesquisadores desenvolvem novas tecnologias para reduzir ou substituir a emissão de carbono, produzindo energia limpa ou equipamentos que dispensam o carbono para funcionar. O Brasil era um país de vanguarda na luta contra o aquecimento global, apesar de todos os nossos problemas e dificuldades.

Ricardo Noblat: Em xeque, o futuro da Amazônia

- Blog do Noblat | Veja

Soberba, cobiça e descaso
O que o governo Bolsonaro fez até agora pela Amazônia? Nada, salvo demonstrar desprezo por sua preservação. E o que passou a fazer depois que soube por terceiros que parte da floresta está pegando fogo? Sob pressão internacional, e só por conta disso, despachou mil militares e alguns aviões para apagar o fogo. Mais nada.

É jogada para que o mundo pense que ele afinal acordou para o desastre no seu quintal. Adiantará pouco. O que está em chamas, hoje, é a mata derrubada entre fevereiro e maio passados. O fogo decorre do tempo seco desta época do ano, mas também da ação humana para desidratar a medeira e poder transportá-la depois.

O que está em chamas permanecerá em chamas até outubro, pelo menos. O estrago feito não tem como ser reparado, feito está. O futuro da floresta é o que importa – embora o governo não dê o menor sinal de que se importa com o futuro da floresta. Nem o governo e nem seus parceiros ocultos em negócios milionários.

A reunião de Bolsonaro, ontem, com os nove governadores da Amazônia brasileira não serviu para nada. Ou melhor: serviu para que o presidente e sete dos nove governadores demonstrassem sua espantosa ignorância e falta de planos para cuidar com sensatez e inteligência dos problemas do meio ambiente.

Bolsonaro voltou a defender a exploração de riquezas minerais mesmo que à custa da derrubada de árvores em áreas protegidas. E não perdeu a chance de destilar mais uma vez seu horror pelos índios. Salvo os governadores do Pará e do Maranhão, os demais se comportaram como apóstolos do antiambientalismo.

O governador do Mato Grosso, eleito pelo DEM, não poderia ter sido mais estupidamente sincero quando chegou a sua vez de falar. Foi dele a frase que resumiu melhor o que Bolsonaro pensa a respeito de tudo que possa ter a ver com a natureza: “Não queremos tirar terra de índio. Nós queremos tirar as riquezas que lá estão”.

Por iniciativa do anfitrião, acabou-se falando mais de índios do que de incêndios. O que permitiu a Bolsonaro disparar mais uma de suas bizarrices que, se traduzida para outros idiomas, chocaria o mundo: “O índio não faz lobby, não fala a nossa língua e consegue hoje em dia ter 14% do território nacional. Uma das intenções é nos inviabilizar”.

A verdade é justamente o contrário do que Bolsonaro disse. Nós, que não falamos a língua dos índios, é que ocupamos 86% do território que foi deles um dia. A Constituição assegura aos índios a posse permanente sobre as terras que tradicionalmente ocuparam, bem como o usufruto exclusivo das riquezas que elas guardam.

As áreas indígenas demarcadas ocupam 13,8% do território brasileiro. Nela, segundo o Censo, vivem 57,5% das quase 900 mil pessoas que se declaram indígenas. Em 1500, quando Pedro Álvares Cabral aportou na Bahia, os historiadores estimam que 8 milhões de índios viviam por aqui, 5 milhões deles na Amazônia livre do fogo.

Tem nova pergunta na praça

Responda, capitão!
A nova pergunta a juntar-se a outras exaustivamente repetidas nas redes sociais e por aí a fora (Quem matou e quem mandou matar Marielle? Onde está Queiroz?):

Quando Jair Bolsonaro sobrevoará a Amazônia para ver os estragos provocados pelo desmatamento e pelo fogo?

Sugestões de respostas:
Nunca;
Quando o fogo apagar;
Na próxima eleição presidencial.

Em campanha pelo quarto mandato consecutivo, o presidente Evo Morales, da Bolívia, tem visitado as regiões do seu país mais devastadas pelo fogo.

Uma coisa é Bendini, que poucos sabem quem é. Outra é Lula

O que pensa a mídia: Editoriais

A razão calcinada: Editorial | Folha de S. Paulo

Em vez de conter, Bolsonaro alimenta espetáculo de desinformação sobre Amazônia

Não é fácil debater os desafios da Amazônia nem sequer quando há interlocutores de boa-fé interessados na compreensão e na elucidação de seus principais problemas.

A interação complexa de variáveis como a oscilação climática, a ação humana e as linhas de continuidade e ruptura da política pública, bem como da sua execução no nível do terreno, dificulta o diagnóstico. A escolha da melhor forma de intervir tampouco é simples.

Raia ao impossível tentar desembaraçar esse novelo em meio à epidemia de desinformação e má-fé que arrebata da direita à esquerda, manifesta-se dentro e fora do país e acomete chefes de Estado e autoridades responsáveis pelo assunto.

Emmanuel Macron, o presidente francês dedicado a alimentar uma altercação pueril com o seu homólogo brasileiro, pôs-se a fazer conjecturas sobre um estatuto internacional para a região amazônica.

Ao recorrer a tal disparate, cujo efeito prático limita-se a atiçar a paranoia nacionalista de grupos influentes no Palácio do Planalto, Macron parece mais interessado em prolongar a baixaria, de olho em dividendos políticos domésticos, do que em colaborar para a mitigação do desmate e das queimadas.

Lei da Anistia completa 40 anos

Legislação que anistiou crimes políticos da ditadura foi promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar

Rubens Valente | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA ´Promulgada em 1979 pelo último presidente da ditadura militar (1964-1985), o general João Figueiredo, a Lei da Anistia completa 40 anos, hoje, quarta-feira (28).

O texto, fruto de ampla mobilização da sociedade civil e de líderes da oposição, concedeu anistia “a todos quantos [...] cometeram crimes políticos ou conexos com estes” de 1961 a 1979.

Com isso, permitiu o regresso de diversos militantes que estavam exilados no exterior, mas deixou impune os crimes cometidos pelo braço repressor da ditadura.

Abaixo, entenda os fatos que levaram à promulgação da lei e os desdobramentos que ocasionaram a instalação da Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2012.

O plano do MDB Em 1972, o MDB, partido de oposição à ditadura, anuncia um programa partidário que prega Constituinte, anistia e eleições livres

Início da abertura O general Ernesto Geisel assume a Presidência em março de 1974 prometendo abertura "lenta, gradual e segura"

Mulheres pela anistia Sob a liderança de Teresinha Zerbini, é criado em São Paulo o Movimento Feminino pela Anistia (MFPA), em março de 1975

Novo comitê Em 14.fev.78 é criado o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA) no Rio de Janeiro. Três meses depois, é instalado o CBA em São Paulo, e inúmeros outros foram fundados pelo país

Futebol engajado Em 11.fev.79 o CBA paulista consegue estender uma grande faixa no estádio do Morumbi durante um jogo entre Santos e Corinthians com os dizeres "Anistia Ampla, Geral e Irrestrita"

Promulgação Em 28.ago.79 é promulgada a Lei da Anistia (nº 6.683/79):

Art. 1º: “É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”.

Parágrafo 1º: “Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza, relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”

Contestação à Anistia perde força após 40 anos

Cobranças por revisão da lei diminuem com decisão do Supremo e a gestão Bolsonaro

Marcelo Godoy | O Estado de S. Paulo

Depois de 40 anos, a Lei da Anistia vive o momento de menor contestação. Além da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2010, que decidiu por sua constitucionalidade, a atual correlação das forças políticas no governo de Jair Bolsonaro (PSL) afasta a possibilidade de sua revisão.

Militares e opositores da ditadura ainda consideram as feridas do período abertas – torturas, mortes e desaparecimentos –, mas não enxergam espaço, na Justiça ou no Parlamento, para qualquer mudança na legislação.

Parte do pacto feito pelos militares e pelos civis para garantir a abertura, a Lei 6.683/1979 considerou anistiados todos os delitos políticos e os chamados crimes conexos cometidos entre 1961 e 1979. Excluíam-se da anistia os condenados por terrorismo, sequestro e atentados, que mais tarde teriam as penas reformadas e, por fim, seriam anistiados com a Emenda à Constituição número 26, em 1985, que também convocou a Assembleia Constituinte.

Pretendida pelo governo do general João Figueiredo e promulgada em 28 de agosto de 1979, a lei foi a 34.ª anistia concedida desde a fundação da República. Buscava-se, segundo os militares, pacificar e reconciliar o País. Após dez anos de exílio, o jornalista Fernando Gabeira desembarcou então no Rio. Houve festa. “A favor da pacificação está o tempo. Com ele, discutir a anistia fica fora do lugar, pois a polarização de 1964 não existe mais. A guerra fria acabou; só existe na visão de radicais.”

Para Gabeira, o pacto da transição é intocável. “Como fato da realidade política e como produto da atual correlação de forças, com a eleição de Bolsonaro, o tema não deve ser reaberto.” Ele diz que festejara à época a anistia e não vê por que, uma vez mudada a correlação de forças, mudar de opinião. “Mas respeito quem desejava rever a lei.”

A consolidação da lei é defendida também por um dos parlamentares que a votaram no Congresso, o então senador Pedro Simon (MDB-RS). “O MDB tinha o seu projeto de anistia. E o governo, o seu”, conta o senador, que foi a Nova York com o senador Tancredo Neves (MDB-MG) negociar o apoio do ex-governador Leonel Brizola para o projeto. “Mas o Brizola defendeu o projeto do governo, pois temia que o nosso não atendesse aos exilados.”

‘Supremo não fez justiça, ele aplicou a lei e a Constituição’

Entrevista com Eros Grau, advogado e ex-ministro do Supremo Tribunal Federal

Relator da ação que questionava a legalidade da extensão da anistia, Eros Grau disse que não deu sua opinião pessoal ao votar a favor da lei aprovada em 1979

Marcelo Godoy | O Estado de S. Paulo

Decidir sobre a constitucionalidade da Lei da Anistia foi o voto mais importante do jurista Eros Grau, de 79 anos, nos sete anos em que permaneceu como ministro do Supremo Tribunal Federal.

Relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que questionava a legalidade da extensão da anistia para os agentes do regime militar que haviam sido responsáveis por violações dos direitos humanos, Eros Grau disse que não deu sua opinião pessoal ao votar a favor da lei aprovada em 1979.

“O que o tribunal fez quando julgou a ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental)? Ele não fez justiça, ele aplicou a lei e a Constituição.”

Leia a seguir, a entrevista do ex-ministro.

• Como o senhor construiu o seu voto no julgamento sobre a anistia?

Seguramente, foi o meu voto mais importante no tribunal. Eu havia vivido momentos históricos importantes e sido preso duas vezes. Sabia que a anistia tinha de ser ampla, geral e irrestrita. Era isso que estava por detrás de todas as movimentações antes do surgimento da Lei da Anistia. Além disso, é importante ver o que está escrito na lei e o que está escrito é muito claro. O juiz, seja de 1.ª instância ou ministro de um tribunal superior, é responsável pela correta aplicação da Constituição e das leis. Não vai lá dar sua opinião pessoal e não pode ser vítima de seus sentimentos. Ele deve interpretar a lei ainda que não goste do que diz a lei. Ele terá o dever de proceder prudentemente.

Poesia || Carlos Frydman - Anistia ainda que tardia

"Libertas que sera Tamen"

(Virgílio -Inscrito na bandeira da Inconfidência Mineira)

"después de tanto que sobreviví me
acostumbré a morir más de una muerte."
(Pablo Neruda)

Para que sol
na penumbra do medo?

Para que poético poente
no vasto peso da solidão?

Se vivemos coagidos
em espaços demarcados
como extasiar-nos na amplidão?

Como alentar-nos nos vôos dos pássaros
se um tiro dispersará seu flutuar sereno
e um pombo alvo, alvejado, cairá sangrando?

Alcançaremos horizontes
quando a liberdade é tolerância barganhada?

Como pensar destemidos,
se delatores deturpam pensamentos?

De que valem os direitos
na temerária existência?

Para que preces,
se dizimam com religiosidade?

Como sentir-se livre,
se olhares esperançosos
se impregnam nas masmorras?

Como renascer no frescor da verdade,
se a verdade é receio murmurado?

Como acalentar-se no afeto,
se na calada da noite
famílias são dissipadas
em sangue, morte e desonra?

Como pode alguém massacrar
e não fugir de si mesmo?

Como pode alguém
apagar sua consciência
e conviver com o vazio?

Como guardar luto ou memória
daqueles de destinos apagados,
e sem sepultura?

Como evadir-se dos ressentimentos,
se a vida sobrevive estagnada?

Será íntegra a Pátria
com filhos excluídos por amor à terra?

Como podem, tão poucos, nos milênios,
tornarem-se manadas ferozes
presos à gula de seus alugados instintos?

In: FRYDMAN, Carlos. Sintonia: poesia. Pref. Fábio Lucas. Apres. Henrique L. Alves. Campinas: Pontes, 1990