sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Opinião do dia – Raquel Dodge*

Estabelecemos uma democracia liberal na Constituição de 1988, onde a maioria governa, mas as minorias são protegidas, onde os direitos são universais e há o dever de tratamento igual para todos, com uma promessa de sociedade justa, livre e solidária para esta e para as futuras gerações.

Neste cenário, é grave a responsabilidade do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal, seja para acionar o sistema de freios e contrapesos, seja para manter leis válidas perante a Constituição, seja para proteger o direito e a segurança de todos, seja para defender minorias.

Quero lhes fazer um pedido muito especial, que também dirijo à sociedade civil e a todas as instituições: protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida, em caminhos de avanços e retrocessos, mas sempre sob o norte de que é o melhor modelo para construir uma sociedade de mais elevado desenvolvimento humano.

*Raquel Dodge, Procuradora -Geral da República, em discurso de despedida do mandato, no STF, 12/9/2019

Merval Pereira - A defesa da democracia

- O Globo

Supremo não pode comprometer seu legado democrático a pretexto de se defender de ataques

Quem identificou a origem dos ataques foi o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, quando falou, a propósito da censura de uma história em quadrinhos para adolescentes, que a inspiração para atos obscurantistas “resulta das trevas que dominam o poder do Estado”.

A partir dessa constatação, tem-se diante das instituições do Estado brasileiro a tarefa de enfrentar um Executivo que não aceita limites.

O Legislativo, se cumpre com galhardia a missão de enfrentar as reformas necessárias, sendo o protagonista da mudança do Estado, não deveria se sentir liberado para legislar em causa própria.

O STF, que, no momento conturbado que o país vive tem o papel de poder moderador entre Legislativo e Executivo, e é buscado como solucionador de questões políticas e sociais, não pode comprometer seu legado democrático a pretexto de se defender de ataques.

O pacto anunciado pelos presidentes dos Poderes da República, nascido para, segundo revelou o ministro Dias Toffoli, desmontar um incipiente movimento contra o presidente Bolsonaro no início do governo, não pode se revelar apenas instrumento de um acordão político.

É importante impedir a percepção de que os Poderes estão se auxiliando mutuamente, em busca de um modelo de governo que deixe seus integrantes numa zona de conforto. Por isso, é necessário que o STF retome seu papel de guardião da democracia.

Bernardo Mello Franco – Dodge merece o Troféu Barrichello

- O Globo

A cinco dias de deixar o cargo, a procuradora-geral da República descobriu que a democracia brasileira corre riscos. “O esforço do século XXI é o de impedir que ela morra”, disse

Raquel Dodge não conquistou a sonhada recondução, mas merece o Troféu Rubinho Barrichello. A cinco dias de deixar o cargo, a procuradora-geral da República descobriu que a democracia brasileira corre riscos. Chegou atrasada, como costumava acontecer com o antigo piloto da Fórmula 1.

Em sua última sessão no Supremo, Dodge denunciou o avanço do autoritarismo no país. Ela pediu que os ministros “permaneçam atentos a todos os sinais de pressão sobre a democracia liberal”.

A procuradora traçou um cenário sombrio para o futuro das liberdades civis. “Se o esforço do século XX foi o de erguer a democracia liberal brasileira, o esforço do século XXI é o de impedir que ela morra”, afirmou.

Míriam Leitão - Boas novas no tempo da escassez

- O Globo

Não é a recuperação que se esperava, mas estão pingando boas notícias em meio a esta conjuntura árida na economia

Algumas notícias boas apareceram no radar. São poucas, mas não são de se desperdiçar numa época tão magra de boas notas. O governo começa a liberar parte do dinheiro do Orçamento que havia sido congelado. Pode chegar, no final, aos R$ 20 bilhões anunciados pelo presidente interino, Hamilton Mourão. O comércio e os serviços tiveram crescimento em julho acima do previsto pelo mercado. A previsão de uma safra recorde pode afetar positivamente o PIB agropecuário.

Nesta época do ano, a Esplanada dos Ministérios tem clima de quase um deserto. A seca em Brasília castiga. Desta vez estão ressecados também os cofres dos ministérios. Ao déficit primário somou-se a decepção com o crescimento. Quando foi feita a peça orçamentária, em agosto do ano passado, a previsão era de que em 2019 o crescimento seria de 2,5%. Quando a previsão cai — hoje está em 0,85% —tem que se cortar as despesas, colocar num congelador e sonhar com a chance de degelo.

Chegou, pelo menos em parte. Houve dois meses de arrecadação acima do esperado, em julho e agosto, e o recolhimento novo de dividendos da Caixa Econômica Federal e do BNDES. Quem no governo tem pé no chão alerta que não dá para soltar fogos com o aumento de arrecadação nesses dois meses. Não é ainda uma tendência e infelizmente não pode ser visto como uma retomada. A melhora em agosto pode ter a ver com o alta do Imposto de Renda sobre ganhos de capital que decorre da venda de empresas da Petrobras e do IRB no Banco do Brasil. Esse é um ganho que acontece uma vez só, a chamada receita não recorrente.

César Felício - Bolsonaro e uma pedra no caminho

- Valor Econômico

Descolada da política hoje, economia pode travar reeleição

Há uma pedra no meio do caminho de Bolsonaro em 2022. Dentro dos limites que previsões econômicas têm quando feitas com este grau de antecedência, o panorama não parece ser favorável para projetos continuístas que tenham a preservação da democracia como uma premissa.

E, que fique claro, é deste cenário que esta análise parte, o da normalidade institucional. O filho do presidente garantiu que não estava propondo nada quando escreveu em uma rede social, na terça-feira, a agora famosa frase de que as transformações que eles desejam não acontecerão na velocidade almejada, pelas vias democráticas. Sem sinais mais claros que indiquem que Bolsonaro prepara uma espécie de golpe, é obrigatório pressupor que não há nada disso, que o presidente se prepara para disputar nas urnas a recondução para mais um mandato presidencial.

Pode trabalhar contra Bolsonaro o cenário externo, como indicou em um seminário da Fundação Getulio Vargas em São Paulo um estudo apresentado pela cientista política Daniela Campello, da Escola Brasileira de Administração Pública (Ebrape/FGV-RJ).

Segundo ela, o Brasil é essencialmente um país que exporta commodities e importa capital. Nos momentos em que as commodities estão em baixa e o custo do crédito encarece, há uma guinada política contra os governantes de turno. Na situação inversa, o poder local fica muito fortalecido.

Claudia Safatie - Guedes quer BC independente este ano

- Valor Econômico

No futuro o Coaf deve se transformar em uma agência independente

O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer aproveitar a transferência do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) para o Banco Central para aprovar, ainda neste ano, o projeto que confere independência ao BC. A decisão de colocar o Coaf no BC, com o nome de Unidade de Inteligência Financeira (UIF) reforçou a necessidade de dar à autoridade monetária a autonomia legal frente aos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
“Queremos aproveitar esse fim de ano para avançar com a independência do Banco Central”, disse o ministro ao Valor.

A transferência do Coaf para o BC foi concebida pelo ministro para colocar um ponto final na crise institucional que se desenhava naquele momento, com todos suspeitando de tudo.

“Ficar, no mesmo Ministério [da Economia], tanto a Receita Federal quanto o Coaf estava causando uma crise institucional”, explicou Guedes. “Havia suspeita de que se estava trabalhando com algoritmos não republicanos.” Ministros do Supremo Tribunal Federal reclamaram. Ao mesmo tempo, o próprio presidente da República estava vendo uma lista de cento e tantas pessoas na Assembleia Legislativa do Rio e “estava-se cutucando só o filho dele”, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), sob investigação de movimentação financeira atípica, contou.

José de Souza Martins*- Quatro barras de chocolate

- Eu &Fim de Semana | Valor Econômico

Os 40 minutos de chibatadas no garoto negro de 17 anos foram os das chibatadas em nossa insuficiente humanidade

O garoto de 17 anos, negro, morador de rua, foi apanhado por dois seguranças terceirizados de uma rede de supermercados na Vila Joaniza, na zona sul da cidade de São Paulo. Trancado num quartinho do estabelecimento, foi amordaçado, despido, amarrado e chicoteado durante 40 minutos, com um açoite feito de dois fios elétricos trançados. Os dois torturadores, de meia-idade, têm antecedentes. Um por apropriação indébita. Outro, por lesão corporal contra a mulher.

O adolescente tentara pegar quatro barras de chocolate, no valor total de R$ 6. Um vídeo de 41 segundos, feito por um dos torturadores, exibe o feito na internet. Milhões de brasileiros podem acessá-lo e ver e ouvir, ao vivo e em cores, como era a surra de um negro no pelourinho nos tempos da escravidão. Com trilha sonora de choro e gemidos.

O delegado Pedro Luís de Sousa, do 80º Distrito Policial, nascido em uma favela do Rio Pequeno, perto da Cidade Universitária, com uma carreira de décadas em delegacias da periferia, deu sua impressão: “Como um delegado negro e nascido na periferia, não consegui ver o vídeo até o final. Parece que voltamos à época da escravidão”.

O garoto é conhecido no bairro. Vive nas ruas desde os oito anos de idade. Perdeu o pai há cinco anos, no incêndio de um barraco. A mãe é alcoólatra. É analfabeto e tem déficit cognitivo. Pessoas que o conhecem e o ajudam dizem que tem físico e mentalidade de criança. Usuário de crack. Come o que lhe dão comerciantes e conhecidos. Um bar lhe serve café e pão todas as manhãs. Às vezes, quando tem dinheiro, obtido a catar coisas no lixo para reciclagem, almoça no Bom Prato do bairro, um restaurante popular mantido pelo governo do Estado, por R$ 1. O garoto é filho da cultura e da trama de estigmas, adversidades e insuficiências que a Lei Áurea não aboliu.

Eliane Cantanhêde - Protejam a democracia!

- O Estado de S.Paulo

Por que é preciso clamar por democracia a essa altura da história brasileira?

Em seu último pronunciamento no STF como procuradora-geral da República, Raquel Dodge fez um “pedido muito especial” aos ministros, à sociedade civil e a todas as instituições da República: “Protejam a democracia brasileira, tão arduamente erguida!”.

Pode parecer um tanto intempestivo. Apelo pela democracia? Em pleno 2019? Com as instituições funcionando plenamente? Pois é. Mas Raquel não falou por falar, apenas verbalizou uma preocupação que percorre corredores e gabinetes.

O presidente da República faz loas a ditadores sanguinários do Brasil e do exterior. Seu filho 03, o deputado e candidato a embaixador Eduardo Bolsonaro, já declarou que, para fechar o Supremo, “basta um tanque e um cabo”. O 02, vereador licenciado e internauta Carlos Bolsonaro, chocou a opinião pública, o Legislativo e o Judiciário ao postar que, “por vias democráticas, a transformação que o Brasil quer” (seja lá o que for isso) não vai acontecer na velocidade que ele gostaria.

E o que dizer da foto de Eduardo ostentando desafiadoramente uma pistola na cintura ao lado do presidente, numa cama de hospital? Foi um recado. Que recado? Para quem?

Enquanto os irmãos falam, escrevem, fazem ameaças veladas e ocupam-se com “bravatas”, como classificou o general Santos Cruz, o primogênito, senador Flávio Bolsonaro, trabalha habilidosamente num produtivo “toma lá, dá cá” com Judiciário, Câmara e Senado.

Elena Landau* - Para começo de conversa

- O Estado de S.Paulo

Só com oportunidades iguais, podemos ter um País mais justo e mais livre

Em 2013, a convite da Fundação Cecília Vidigal, tive a oportunidade de frequentar o curso Liderança Executiva em Desenvolvimento da Infância. Outras instituições parceiras são a Universidade de Harvard e o Insper, responsáveis pelos módulos de ensino, e o Núcleo Ciência pela Infância (NCPI), que este ano recebe o 7.º Simpósio Internacional sobre o tema.

É uma área muito distante da minha atuação profissional, tanto como economista quanto como advogada. Mas a intenção dos organizadores era exatamente conscientizar diferentes setores da sociedade para a relevância da questão. O grupo era eclético: parlamentares, profissionais da área da saúde, educadores e uns tantos avulsos, como eu. Tínhamos ideia da importância desse período de vida para a formação da pessoa. O curso nos apresentou pesquisas, experimentos e palestras que ampliaram nossos conhecimentos de forma mais científica.

A primeira infância é um período de vida crucial para a construção de habilidades futuras. Há no noticiário muita ênfase, e com razão, nas estatísticas sobre mortalidade infantil decorrente da precariedade do ambiente social e econômico em que vivem nossas crianças. Sobreviver, para boa parte dos bebês deste País, é o maior desafio, mas não o único. Ao ultrapassar essa etapa, deverão enfrentar os obstáculos que os impedem de atingir seu pleno potencial e quebrar o círculo vicioso ao qual parecem condenados.

Luiz Carlos Azedo - A mudança na PGR

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Aras tem enfatizado seu papel nos assuntos de natureza econômica e a independência do MPF. Sinaliza certo desalinhamento em relação ao Palácio do Planalto”

A despedida da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ontem, no Supremo Tribunal Federal (STF), da função de representante do Ministério Público Federal (MPF), virou um ato em defesa da democracia e da independência entre os Poderes da República. Seu mandato terminará na próxima terça-feira e, a partir de agora, todos os holofotes estarão voltados para o subprocurador-geral Augusto Aras, indicado para o cargo pelo presidente Jair Bolsonaro. Dodge foi muito reverenciada na sessão do Supremo, mas todos os discursos, inclusive o dela, soaram como advertência ao seu substituto. Até a aprovação do nome de Aras pelo Senado, a Procuradoria-Geral da República será chefiada interinamente pelo vice-presidente do Conselho Superior do MPF (CSMPF), Alcides Martins.

Raquel Dodge recebeu homenagens do presidente do STF, Dias Toffoli, e dos demais ministros. Toffoli disse que a procuradora “foi firme e corajosa” ao promover a efetivação dos direitos das pessoas e proteger a ordem constitucional, mas o seu principal recado foi a defesa da autonomia do Ministério Público Federal, “forte e independente na defesa dos direitos e das liberdades das pessoas e no combate à corrupção”, sem o que os valores democráticos e republicanos da Constituição de 1988 “estariam permanentemente ameaçados”.

Na mesma linha se pronunciou o decano da Corte, ministro Celso de Mello, cujo discurso foi uma espécie de resposta ao comentário feito pelo presidente Jair Bolsonaro de que o novo procurador-geral seria uma dama no seu jogo de xadrez, ou seja, o principal aliado político. “O Ministério Público não serve a pessoas, não serve a grupos ideológicos, não se subordina a partidos políticos, não se curva à onipotência do poder ou aos desejos daqueles que o exercem, não importando a elevadíssima posição que tais autoridades possam ostentar na hierarquia da República”, disse.

Dodge deixa a Procuradoria-Geral da República derrotada, pois pretendia permanecer no cargo e contava com apoios importantes no Congresso e no Supremo, porém, com altivez. Sua atuação não foi pautada por iniciativas espetaculares como as do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, mas foi particularmente intensa em defesa das mulheres, dos indígenas, das minorias e em questões ambientais. Seu discurso de despedida no Supremo reiterou essas preocupações: “No Brasil e no mundo, surgem vozes contrárias ao regime de leis, ao respeito aos direitos fundamentais e ao meio ambiente sadio também para todas as gerações”. E destacou o papel do Supremo: “É singularmente importante a responsabilidade do STF para acionar o sistema de freios e contrapesos para manter leis válidas perante a Constituição.”

Hélio Schwartsman - Qual a vontade do povo?

- Folha de Paulo

Por paradoxal que pareça, preservar a democracia está minando a democracia

Fora o Carlos Bolsonaro, somos todos democratas. Mas qual o jeito certo de aferir a vontade soberana do povo? As possibilidades são muitas.

No presidencialismo, eleições seguem um cronograma rígido, só alterado em situações muito excepcionais. Já no parlamentarismo, as coisas são mais flexíveis. Uma mudança súbita dos humores da população pode desencadear uma crise que antecipe o pleito. E não precisamos nos limitar às formas tradicionais de consulta. Hoje, existe tecnologia para implementar a democracia direta. Seria possível submeter todas as questões relevantes à população, que decidiria pelo celular.

Poderíamos até estabelecer um plebiscito diário, no qual o povo decidiria todas as manhãs se quer que o governante permaneça no cargo ou vá embora. O filho do presidente disse uma besteira? Rua com ele! Essa saída pode parecer tentadora em algumas ocasiões, mas não é preciso PhD em ciência política para perceber que o ultrademocratismo perpétuo não funcionaria bem.

Bruno Boghossian – Puxadinho do Planalto

- Folha de S. Paulo

Celso defende independência da PGR, enquanto Aras monta time alinhado a Bolsonaro

No mesmo dia em que o decano do STF alertou que o Ministério Público não deve servir a governos ou ideologias, o futuro chefe do órgão mostrou que pretende fazer exatamente o contrário. Augusto Aras ainda não foi aprovado para o cargo de procurador-geral, mas já começou a trabalhar pelo bolsonarismo.

Os primeiros movimentos do escolhido para o posto demonstram um empenho claro em aparelhar o comando da PGR. Em busca de integrantes para sua equipe, Aras se reuniu com procuradores que apoiam fervorosamente Jair Bolsonaro e demonstram alinhamento com suas teses mais radicais.

Um desses nomes é Guilherme Schelb, crítico da corrente inexistente batizada pelos ultraconservadores de "ideologia de gênero" e padroeiro do Escola sem Partido, que estimula a patrulha de professores.

A afinidade entre o procurador e o governo é tão grande que, no início do ano, ele quase foi escolhido para o Ministério da Educação --cargo que, depois, ficou com dois discípulos do polemista Olavo de Carvalho.

Se indicar Schelb para sua equipe, Aras levará de carona um espantalho ideológico que pode interditar parte da defesa dos direitos individuais, uma das missões do órgão.

Reinaldo Azevedo – Bolsonaro X Moro derrubou Cintra

Secretário caiu porque não conseguiu desmontar 'bunker' lavajatista na Receita

Marcos Cintra caiu porque não conseguiu tirar de Sergio Moro e da Lava Jato o controle de setores da Receita Federal. O resto é papo-furado.

Dar curso à conversa de que suas divergências com Jair Bolsonaro sobre a recriação da CPMF estão na raiz da demissão corresponde a engabelar o distinto público.

Trato um pouco do assunto para voltar ao que realmente interessa: a luta intestina entre Moro e Bolsonaro. Taxar as transações financeiras é o mais rentável de todos os impostos. Inexiste reforma tributária mais fácil do que essa.

Se a alíquota não for extorsiva, dói pouco no bolso de quem paga, arrecadam-se os tubos, e o governo faz com a grana o que lhe der na telha.

Guedes, como já noticiou este jornal, quer desonerar a folha de salários. Segundo certo pensamento mágico, isso vai gerar uma incrível onda de empregos.

Ocorre que inexiste folga fiscal para tanto. Ao contrário. O que se tem é rombo —e notem que fica pelo caminho a promessa, que nunca foi cumprível, de zerar o déficit ainda neste ano.

Vendeu-se muito terreno na Lua, mas os selenitas precisam acreditar em alguma coisa. Esse “déficit zero” pertence ao mesmo arquivo morto daquele trilhão que seria arrecadado com privatizações.

A verdade é que a CPMF continua a ser a melhor ideia que se teve até agora, porque a única, de reforma tributária —que consiste no raciocínio mágico de que todos pagarão menos impostos para se arrecadar mais.

Vinicius Torres Freire - Luta de classes na Califórnia e o Brasil

- Folha de S. Paulo

Parlamento do estado americano aprova direitos trabalhistas para uberizados em geral

Trabalhadores uberizados e similares devem ter direitos trabalhistas, decidiram nesta semana os parlamentares da Califórnia. A decisão afeta cerca de um milhão de precarizados. Vai ser um sururu judicial, estadual, federal e o assunto vai esquentar no debate dos candidatos a presidente.

O contexto jurídico e econômico americano é totalmente outro, claro, mas o teor da discussão é muito parecido com aquele das controvérsias sobre terceirização no Brasil, mortas com as reformas trabalhistas dos anos de Michel Temer.

Nos Estados Unidos, em particular na Califórnia, em Massachusetts e em Nova York, discute-se se o trabalhador tem ou não vínculo com a empresa. Se não tem, está esfolado e mal pago, praticamente sem qualquer direito trabalhista. A Câmara e o Senado californianos acabam de colocar na lei definições do que é um “empregado” e a possibilidade de cidades processarem empresas recalcitrantes.

A lei revê e codifica uma decisão da Corte Suprema estadual sobre o caso de uma empresa de entregas, a Dynamex, que terceirizou seus empregados, na marra feia. Passariam a ser “independent contractors” (“trabalhadores autônomos”, em uma tradução juridicamente difícil) e não “empregados”.

Ricardo Noblat - Quem errará desta vez? Bolsonaro ou o PT?

- Blog do Noblat | Veja

Em jogo, o cargo de Procurador-Geral da República
Para entender o que contou, ontem, ao senador Alessandro Vieira, do Cidadania, o subprocurador Augusto Aras, indicado para o cargo de Procurador-Geral da República, só resgatando o que disse antes o presidente Jair Bolsonaro em diversas ocasiões.

Uma vez, Bolsonaro disse:

“Eu quero uma PGR que não apenas combata a corrupção, mas que entenda a situação do homem do campo, não fique com essa ojeriza ambiental, que não atrapalhe as obras que estamos fazendo, dificultando as licenças ambientais, que preserve a família brasileira, que entenda que as leis têm que ser feitas para a maioria, não para as minorias, é isso que nós queremos”.

Em outra ocasião foi mais sucinto:

“Que não seja xiita na questão ambiental, certo? Que não interfira no corte de cabelo de aluno de Colégio Militar. Pô, o Colégio Militar está dando certo”.

Depois que escolheu Aras, Bolsonaro comentou:

“Então, para botar um cara para combater a corrupção e que é favorável à ideologia de gênero, fim da família, essas patifarias todas que está aí, eu não vou fazer. Eu escolhi um e eu posso acreditar nele.”

O que contou Aras ao senador Vieira? Um cinegrafista conseguiu gravar parte do que ele contou:

“Eu disse ao presidente exatamente isso: presidente, o senhor não pode errar (…) porque o Ministério Público, o procurador-geral da República, tem as garantias constitucionais que o senhor não vai poder mandar, desmandar ou admitir sua expressão, ter a liberdade de expressão para acolher ou desacolher qualquer manifestação. O senhor não vai poder mudar o que foi feito”.

O nome de Aras não fez parte da lista dos três mais votados por procuradores e subprocuradores da República encaminhada a Bolsonaro como manda a tradição. Aras correu por fora. E ganhou.

Impensável que acabasse escolhido só por ter alertado Bolsonaro sobre os muitos poderes que tem um Procurador-Geral da República, e sobre as garantias que a Constituição lhe dá para o exercício da função com independência.

Não se sabe o que mais contou Aras ao senador, mas a Bolsonaro, uma vez que tanto desejava o cargo, é razoável imaginar que tenha se mostrado como uma pessoa em que ele poderia confiar. Do contrário, não seria escolhido.

A bancada do PT no Senado prefere acreditar que o relato de parte do que disse Aras a Bolsonaro prova que o futuro Procurador-Geral da República se comportará no cargo com independência – e, por isso, lhe dará todos os seus votos.

Na eleição do ano passado, Bolsonaro torcia para enfrentar o candidato do PT no segundo turno. Achava que seria o mais fácil para derrotar. Por igual motivo, o PT torcia para enfrentar Bolsonaro. Deu no que deu.

Em breve se saberá quem desta vez errou com a nomeação de Aras. Faça sua aposta.

Do mal que se torna irreparável

Desafio ao Supremo
Dará em nada a notícia-crime protocolada no Supremo Tribunal Federal pelas bancadas do PT na Câmara e no Senado que pede a punição dos procuradores da Lava Jato em Curitiba e do ex-juiz Sérgio Moro pelo modo como conduziram o processo que resultou na condenação de Lula no caso do tríplex do Guarujá.

Dora Kramer - Quanto mais forte a defesa do atraso, mais firmes são as reações

- Revista Veja

Elogios ao arbítrio mantêm a sociedade em estado de alerta

A “família” Bolsonaro — aqui compreendida para além de parentescos, a fim de incluir seguidores e bajuladores — tem conseguido o benfazejo feito de manter permanentemente aceso o botão de alerta na sociedade. Suas atitudes funcionam como uma espécie de antídoto à apatia que durante período mais ou menos recente suscitou a suspeita de que o brasileiro estivesse sob o efeito de algum tipo de anestésico cívico.

Quanto mais injuriosas as declarações e as atitudes, mais firmes e fortes são as reações. Não falo de posts e tuítes de conteúdo ressentido, mas de entidades relevantes e de gente dona de argumentação consistente que não têm deixado passar nada, submetendo constantemente o presidente da República ao chamado crivo do contraditório. Eis aqui a barreira que deveria servir de referência aos que manifestam temor pelo futuro da democracia e já veem o retrocesso atrás da porta.

É verdade que Jair Bolsonaro não vê problema em atrair aversões. Ao contrário, cultiva e se alimenta de antagonismos. É mentira, porém, que seja completamente indiferente a antipatias, ainda mais se elas ultrapassam a fronteira do risco por ele calculado. Disso dão notícias os recuos quando vê alto prejuízo na conta do custo e do benefício de suas bazófias. É atrevido no jogo do “nós contra eles”, mas se encolhe aos primeiros sinais de insatisfação no campo dos convertidos, o que denota destemor seletivo.

A guinada populista na Europa

Correspondente brasileiro analisa a guinada populista europeia

Por José Barella | Valor Econômico

SÃO PAULO - A ascensão do populismo na Europa é um fenômeno recente, que vem crescendo com as seguidas votações expressivas obtidas por partidos de direita e extrema direita nas eleições legislativas em países como França, Holanda, Alemanha, Itália, Dinamarca e Áustria. Resta a dúvida: o que, afinal, está levando nações reconhecidas pela defesa de valores caros ao Velho Continente - como a democracia liberal, a liberdade de expressão e o respeito aos direitos humanos - a flertarem com o autoritarismo populista e xenófobo?

É disso que trata o jornalista Milton Blay em “A Europa Hipnotizada - A Escalada da Extrema-Direita”, livro no qual o autor usa sua experiência de 40 anos como correspondente em Paris para fazer uma ampla reflexão sobre a guinada europeia rumo ao populismo de extrema direita. Remanescente da última geração de correspondentes brasileiros radicada há décadas na Europa, Blay atuou em vários veículos - revista “Visão”, jornal “Folha de S.Paulo”, Grupo Bandeirantes e rádios Jovem Pan, Capital, Excelsior (depois CBN) e Eldorado. Também foi redator-chefe da Rádio France Internationale, além de presidente da Associação da Imprensa Latino-Americana na França.

Sob o risco de chover no molhado - o crescimento do populismo na Europa tem sido explorado à exaustão pelo mercado editorial nos últimos dois anos -, o autor consegue surpreender ao abrir o leque e usar seu olhar estrangeiro em solo europeu para mostrar todas as nuances políticas, sociais e econômicas que desembocaram no atual cenário. Na prática, Blay relembra as transformações da Europa desde que chegou à França, em 1978, mesclando fatos históricos com suas impressões pessoais, sempre ancoradas em dados contextualizados.

A obra pode ser dividida em quatro eixos. No primeiro, o autor explora a ascensão populista na Europa usando como régua a França. No segundo, Blay aborda como a vitória de Jair Bolsonaro no Brasil emulou os modelos populistas de direita europeu e o americano, este de Donald Trump. A terceira frente disseca as transformações socioeconômicas do mundo, incluindo a revolução digital e os efeitos da globalização no cenário internacional. No último bloco, Blay analisa o cenário da música clássica, uma de suas paixões, e relembra histórias saborosas como correspondente, incluindo uma entrevista bizarra com Salvador Dalí.

Avanço de direitos civis passará incólume por eleições uruguaias

Partidos de espectros ideológicos distintos têm em comum defesa de leis progressistas

Sylvia Colombo | Folha de S. Paulo

MONTEVIDÉU - Enquanto países como Brasil e Argentina observam o avanço de leis e garantias de direitos civis empacar, quando não retroceder, o Uruguai se aproxima das próximas eleições presidenciais com um panorama diferente.

Ainda que os principais candidatos ao pleito de 27 de outubro pertençam a espectros ideológicos diferentes, todos defendem legislações já aprovadas e colocadas em prática.

Entre elas, as que projetaram o país sul-americano como espaço de vanguarda na região nos últimos 15 anos: legalização do aborto pela vontade única da mulher (até a 12ª semana de gravidez, ou em período mais avançado, em caso de risco para a mãe), matrimônio igualitário, cotas para mulheres no Parlamento e estatização da produção e da distribuição de maconha.

Tanto o líder nas pesquisas, o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez, da coalizão de esquerda Frente Ampla, no poder desde 2005, quanto os liberais Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional, e Ernesto Talvi, do Partido Colorado, não têm intenção de retroceder nas pautas progressistas conquistadas até aqui.

As discordâncias entre eles são basicamente na área de economia e envolvem propostas sobre como manter a taxa de crescimento do país, cuja média nos últimos 15 anos é de 3%. Educação, que já foi um dos pilares da sociedade uruguaia e hoje está em decadência, e segurança também são temas de discussão.

Existem algumas explicações para isso. Em primeiro lugar, o Uruguai é o país mais legalista da América do Sul.

O atual presidente, Tabaré Vázquez, ele mesmo contrário ao aborto e à legalização da maconha, ao assumir, disse: “Sou contra ambas, mas, antes de tudo, sou um legalista, e essas leis foram aprovadas pelo Congresso uruguaio, portanto eu as implementarei porque manda a lei”. E o fez.

Para Julio Calzada, que foi secretário da Junta Nacional de Drogas de José “Pepe” Mujica (2010-2015), “a sociedade está convencida de que a questão das drogas hoje é questão de saúde pública, não de repressão”, afirma à Folha.

Mas há uma questão de fundo que explica essa excepcionalidade uruguaia. Segundo o historiador Aldo Marchesi, da Universidade da República, “a nova agenda de direitos civis que ressurgiu com força nos anos 1980 nada mais é que a agenda de Batlle y Ordóñez, que sempre esteve no imaginário e nos costumes” do país.

José Batlle y Ordóñez —que governou o país em dois períodos, de 1903 a 1907, e de 1911 a 1915— é considerado o fundador do Uruguai moderno, laico e vanguardista.

O que pensa a mídia – Editoriais

Governo cria confusão em torno da CPMF- Editorial | O Globo

Demissão de Cintra, que também pode ter sido motivada por fiscalizações da Receita, prejudica expectativas

Fases de mudanças profundas em governos, como agora no início da gestão Bolsonaro, com uma agenda pesada de reformas, costumam gerar desentendimentos que podem levar a trocas de pessoas no alto escalão.

É o que aconteceu na quarta-feira com o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, demitido pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, por determinação do presidente Jair Bolsonaro. Este tuitou que o secretário caíra por tentar recriar a CPMF. Mas talvez não seja tão simples.

Pouco antes, no fim de semana, o jornal “Valor Econômico” trouxera longa entrevista em que Paulo Guedes alinhou argumentos pela volta do tributo, rebatizado de Imposto de Transações Financeiras (ITF). Até estimou uma arrecadação de R$ 150 bilhões, a serem usados para compensar a perda de receita com o necessário corte do custo trabalhista (impostos sobre a folha de salários), um entrave à criação de empregos formais.

Foi-lhe perguntado sobre a conhecida resistência de Bolsonaro ao gravame. Guedes disse esperar que possa convencer o presidente, da mesma forma que fez nas mudanças previdenciárias.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade - Os Ombros Suportam o Mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.