quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Opinião do dia – Gilvan Cavalcanti de Melo*

A crítica da nossa realidade de desigualdade social e seus dramas: os milhões de desempregados, subempregados, a violência, o tráfico, as milícias, os moradores de rua, a exploração das crianças, etc.

A crítica dessa realidade impõe o agir para modificá-la. A nossa Constituição cidadã é inspiração e o caminho. Nela está contida uma série de compromissos: a dignidade da pessoa, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político, os direitos sociais como saúde, educação, o trabalho, previdência social, a moradia, proteção à maternidade e infância, assistência ao desempregado, etc.

Os direitos acordados na nossa Constituição ancoram o próprio desenho de programa e objetivo ideal de uma sociedade mais justa, no marco das instituições de um estado democrático.

Dentro dessa ‘utopia realista’, um reformismo forte se impõe, uma utopia reformadora, associada aos compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter um forte apoio social, plural e crítico.

Agir para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática para transforma a atual realidade e aglutinar os reformistas e democráticos.


*Gilvan Cavalcanti de Melo é editor do Blog Democracia Política e novo Reformismo

Elio Gaspari* - Janot mostrou o cenário chinfrim

- Folha de S. Paulo | O Globo

Ex-procurador-geral exagerou na seletividade da própria memória

O livro “Nada Menos que Tudo”, do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, deseduca, desinforma e ofende o vernáculo. Traz mais revelações sobre o funcionamento do aparelho digestivo de sólidos e líquidos do doutor do que a respeito da máquina do Judiciário e do Ministério Público que chefiou por quatro anos. Conta dois episódios de vômito e um de gases. A certa altura diz que o senador Renan Calheiros tinha uma “suposta namorada”, quando se sabe que ele teve uma filha com a senhora.

As memórias de Janot desencadearam um episódio chinfrim porque, numa entrevista a propósito do livro, ele revelou que foi armado ao Supremo Tribunal Federal para matar Gilmar Mendes. (Essa cena, narrada com detalhes na entrevista, está contada no livro de forma críptica, sem identificar o ministro que levaria um tiro “na cabeça”.) A pedido do doutor Alexandre de Moraes, a Polícia Federal foi à casa do ex-procurador-geral numa operação de busca e apreensão e capturou sua pistola. Episódio desnecessário, acompanhou o estilo teatral das memórias do ex-procurador.

Sucederam-se manifestações de solidariedade e espanto, traduzidas pela professora Eloísa Machado de Almeida: “O episódio coroa a má relação entre procuradores da República e ministros do Supremo”. Aquilo que poderia ter sido um conflito em torno do direito virou um confronto de antropófagos com canibais. Como escreveu a professora: “O futuro da Lava Jato sempre dependeu de sua própria integridade jurídica e de seus membros. A autoridade do Supremo vem da legitimidade constitucional de suas decisões. Por isso, agora, ambos naufragam abraçados”.

Bernardo Mello Franco - É o minério, estúpido!

- O Globo

Aliado ao lobby dos garimpeiros, Bolsonaro já comprou briga com índios, ambientalistas e líderes europeus. Agora ele prepara um novo embate com a Igreja Católica

Jair Bolsonaro disse que não dará entrevistas enquanto os jornais “não fizerem uma matéria real sobre o que aconteceu na ONU”. A imprensa noticiou que o presidente fez um discurso agressivo, exaltou a ditadura militar, atacou um cacique de 89 anos e mentiu sobre as queimadas na Amazônia. Na visão dele, uma “matéria real” trocaria o registro desses fatos por elogios.

A ameaça de boicote à imprensa não é nova. Bolsonaro já havia prometido silenciar outras vezes, mas nunca conseguiu segurar a língua. Ontem ele fez um esforço extra para cumprir a promessa. Ignorou os jornalistas e não discursou em solenidade oficial. Só falou em público uma vez, em minicomício para garimpeiros.

Numa cena incomum, o presidente foi até a porta do palácio e subiu numa cadeira para discursar. Do pedestal improvisado, expôs o que pensa sobre a floresta. “O interesse na Amazônia não é no índio nem na porra da árvore. É no minério!”, afirmou.

Merval Pereira - Lula se debate

- O Globo

Mandela era um preso político, enquanto Lula é um político preso, condenado por corrupção

Dois movimentos quase simultâneos, que não se pode afirmar combinados, aceleraram a tentativa de definir no Supremo Tribunal Federal (STF) processos que, de maneira direta, influenciarão o destino penal do ex-presidente Lula.

O ministro Ricardo Lewandowski pediu à presidência do Supremo que apresse a inclusão na pauta da definição sobre a possibilidade de prisão em segunda instância. Ele mandou ao plenário nada menos que 80 habeas corpus que concedeu para que réus recorressem em liberdade, mesmo condenados em segunda instância.

Se a prisão em segunda instância for derrubada no julgamento definitivo de três Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs), impactará muito mais o combate à corrupção do que diretamente a Lula, pois a decisão deve ser que a prisão poderá ser feita depois de julgado recurso no STJ, e Lula já está condenado nesta instância no caso do triplex do Guarujá.

Mas adiará a decisão sobre novas penas de prisão dos demais processos contra Lula que eventualmente vierem a condená-lo. Também a decisão do STF de determinar que os delatores têm que apresentar suas alegações finais antes dos demais réus, a ser finalizada hoje, não afeta a condenação no caso do triplex, mas pode retardar o processo sobre o sítio de Atibaia, que já está na fase de recurso no TRF-4, e pode regredir.

Míriam Leitão - A China desafia todas as previsões

- O Globo

Nos 70 anos da revolução comunista, a China não pode ser ignorada, deve ser entendida para se tirar o melhor proveito dessa relação inevitável

A China chega aos 70 anos da revolução comunista tendo derrubado as previsões negativas sobre o país, como a de que haveria uma queda brusca do crescimento ou uma explosão social. Os líderes conseguiram com que a desaceleração do PIB fosse gradual, dos 14% no melhor momento em 2007 para os atuais 6%. Ao mesmo tempo, derrubou também as previsões otimistas, como a teoria de que após o progresso econômico a classe média alta e a elite exigiriam liberdades democráticas. Ela se torna cada vez menos comunista e permanece sendo uma ditadura.

O último grande desafio democrático que enfrentou foi em 1989, quando a economia cresceu pouco. Naquele momento, com a queda do muro de Berlim, os regimes comunistas sendo demolidos, o país teve um péssimo ano econômico. Mas o ano ficará para sempre na história do mundo como aquele em que impiedosamente tanques passaram por cima de estudantes na Praça da Paz Celestial. Até hoje não se sabe quantos morreram.

Ontem, no 70º aniversário da revolução maoista, o presidente Xi Jiping vestiu-se de Mao, instalou-se no mesmo ponto da Praça em que Mao anunciou o começo da era comunista. De lá, o líder chinês comandou a exibição aos chineses e ao mundo do poderio militar que a segunda maior economia acumulou. Xi mudou as leis que previam períodos governamentais. Seu mandato é de tempo indeterminado.

Luiz Carlos Azedo - Sentença salomônica

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Caiu a ficha de que o Supremo não pode anular todas as sentenças da Lava-Jato, o que seria uma desmoralização para a Corte, porque há materialidade nos crimes praticados”

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes antecipou ontem o que pode vir a ser uma saída salomônica para o impasse em que se encontra o julgamento do habeas corpus do ex-gerente da Petrobras Márcio de Almeida, que está 6 a 3 a favor da anulação da sentença que o condenou a 10 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro e deve ser concluído hoje pelo plenário da Corte. A defesa de Almeida alega que seu direito foi cerceado porque o então juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, não aceitou o pedido para que apresentasse suas alegações finais após as dos réus que fizeram delação premiada.

Esse entendimento é majoritário na Corte, mas pode resultar na anulação de 32 sentenças e beneficiar outros 143 réus, o que seria um golpe de morte na Operação Lava-Jato. Em razão disso, na semana passada, o presidente do Supremo, Dias Toffoli, suspendeu o julgamento e anunciou que apresentará uma proposta de modulação da sentença na sessão plenária de hoje. Em 2018, o ex-gerente da Petrobras foi condenado por lavagem de dinheiro e corrupção. Na condenação, Moro decretou o confisco de valores de até US$ 18 milhões de contas que tenham como beneficiário final o ex-gerente da Petrobras. Nos autos, o ex-juiz diz que foi provado que o valor de R$16 milhões nas contas veio de vantagens indevidas e o restante não tem origem ou natureza lícita comprovada.

Ontem, ao sair de uma sessão solene na Câmara dos Deputados, o ministro Gilmar Mendes disse que já existe uma maioria de seis ou sete ministros no tribunal a favor da proposta apresentada pelo ministro Alexandre de Moraes, de que a medida só seja aplicável aos réus que tiverem feito o questionamento quando o processo ainda estava na primeira instância. “Eu tenho impressão de que o voto do ministro Alexandre já trouxe uma modulação, uma distinção ao dizer que estava concedendo àquele que tinha arguido desde sempre, desde a primeira oportunidade na primeira instância. A mim, parece que essa é a modulação passível e possível de se fazer. Já se formou maioria nesse sentido. Acho que essa é a decisão”, disse.

Hélio Schwartsman - Progressão na marra

- Folha de S. Paulo

Objetivo de Lula pode ser político, mas não há lei que proíba transformar cadeia em palanque

A progressão de regime prisional é direito ou obrigação? Em geral, pessoas encarceradas anseiam por deixar a prisão, de modo que a recusa em passar do regime fechado para o semiaberto nunca despertou grande atenção dos doutrinadores.

A obstinação de Lula em permanecer na cadeia não é comum, mas não chega a ser inédita. Como mostrou Mônica Bergamo, há casos de presos que recusam a progressão por motivos bem razoáveis.

Se você mora em área dominada por milícias, não quer ser visto com uma tornozeleira. Se você acha que não vai encontrar emprego para sustentar a família, pode preferir permanecer preso e recebendo o auxílio-reclusão. Se você descobriu o amor atrás das grades, pode querer não abandonar o companheiro.

Bruno Boghossian – Colapso à moda peruana

- Folha de S. Paulo

Crise turbinada por corrupção facilita ataque a instituições e medidas autoritárias

Ao ordenar o fechamento do Congresso peruano, o presidente Martín Vizcarra disse que aquela era “uma solução democrática” para os problemas do país. São remotas as chances de que ele tenha confundido o adjetivo. A frase revela, na verdade, como o enfraquecimento das instituições fertiliza o terreno para medidas autoritárias.

A bagunça na qual se meteu o Peru nos últimos dias é a soma de um megaescândalo de corrupção, uma política dramaticamente fraturada, um Congresso que tenta salvar a própria pele e um presidente disposto a aproveitar crises para concentrar poder. Semelhanças com outros casos da região não são coincidências.

Vizcarra assumiu o poder em 2018, quando Pedro Pablo Kuczynski renunciou sob acusação de envolvimento com esquemas da Odebrecht. A revelação da bandalheira jogou no lixo os resquícios de credibilidade da classe política daquele país.

Disposto a surfar na fúria do povo, o presidente passou a trabalhar para reformar o sistema político e, de quebra, diluir o poder de um Congresso dominado pela oposição.

Vera Magalhães - Um Direito só para Lula

- O Estado de S.Paulo

Depois de um ano da campanha pela soltura do ex-presidente, petistas agora fazem romaria contra a progressão de regime

Quando se avolumaram os inquéritos e depois as denúncias contra o ex-presidente Lula no âmbito da Lava Jato e de outras operações, em 2016, o PT lançou uma campanha de mobilização e vaquinha cujo título era um bom prenúncio do que viria a ser a defesa do petista nos anos seguintes: “Por um Brasil Justo para Todos e para Lula”. A Justiça deveria ser uma para todos, e outra para Lula.

Depois de mais de um ano de incessante campanha #LulaLivre, que condicionou a estratégia do PT para a sucessão presidencial e segue atrelando o partido ao destino judicial de seu principal líder, eis que, agora, ele estufa o peito para dizer que não aceitará a progressão de regime para o semiaberto, pois não estaria disposto a trocar sua dignidade pela liberdade.

Trata-se de algo bonito para exibir em slogans e documentários engajados e, talvez, ainda angariar apoios dos convertidos, mas é inócuo do ponto de vista jurídico, uma vez que não cabe ao réu aceitar ou não a progressão de regime do cumprimento de sua pena. Além disso, nada impede que Lula passe à prisão domiciliar, provável forma de cumprimento do regime semiaberto, e ainda assim siga questionando a sentença por corrupção no caso do triplex, por meio dos recursos que já interpôs, como o habeas corpus em que argui a suspeição de Sérgio Moro.

A defesa de Lula sempre colocou a política à frente da técnica. Muitos advogados que tiveram vitórias robustas na Lava Jato reputam a essa opção boa parte dos reveses colhidos por ele nos tribunais até aqui.

Lula preso? Petistas agora fazem romaria contra progressão de regime.

Rosângela Bittar - O pior ministro

- Valor Econômico

Weintraub é mais grosso, errático e vazio que Vélez

Contingenciamento é corte de orçamento. Descontingenciamento é reposição, total ou parcial, do corte feito. Administrar as verbas na boca do caixa é uma arte, mas não é plano de governo, projeto de país, medida ou ação, muito menos em áreas sensíveis ao conhecimento, à ciência. O ministro da Educação acertou quando chamou o corte o que aplicou a algumas universidades mas errou, quando advertido, ao tentar vincular não mais o corte, mas o contingenciamento, às universidades de cujo corpo discente desaprova a forma de viver. Esta semana o ministro errou de novo, uma constante em sua gestão, ao fazer um auê, como se fosse mérito seu, para anunciar parte da parte da reposição das verbas orçamentárias para universidades, e parte, da parte, da parte, das verbas de bolsas de pós-graduação da Capes. É de constrangimento o sentimento que preside as relações do dirigente do MEC com o resto do governo e com seu público particular.

Não por acaso, este é o pior ministro do governo Bolsonaro (Abraham) e o pior ministro da Educação dos últimos 40 anos (Weintraub).

O ministro só aparece criando conflitos. Volta e meia, quando sua situação está muito ruim, sai um pouco da cena de guerra para reaparecer, grandiloquente, anunciando números, pesquisas e acompanhamentos que os órgãos do MEC produzem historicamente. Nada é mérito seu. Por sinal, se há o que anunciar, deve aos seus antecessores.

A última do Weintraub tem sempre uma boa plateia, é diversão certa, para quem gosta do gênero. Mais folclórico que Ricardo Vélez, o preposto de Olavo de Carvalho na área de Educação, que o antecedeu e sucumbiu aos primeiros acordes do controle ideológico que pretendeu fazer da vida inteligente daquele mundo por ele governado. O atual ministro discursa e atua de forma mais contundente que o primeiro preposto olavista na Educação.
Weintraub não tem a metade da vivência de Velez nessa área, mas é mais duro, mais grosso, mais errático, mais vazio que ele. Ambos sofreram a falta de substância do governo, não foram por ele supridos pois entendido está que deveriam suprir Jair Bolsonaro.

Se alguém souber o que pretende Abraham Weintraub, deve contar para o presidente de forma que use a informação a seu favor. Jair Bolsonaro passa ao largo da Educação. Área do debate e do diálogo, a Educação, hoje, dá pena. Só tem perdas.

Quais os governos que o atual mais admira, cita e copia? Os militares. Pois a Educação encontrou campo fértil nas administrações de Esther de Figueiredo Ferraz, uma educadora respeitada, de Eduardo Portella, acadêmico e escritor, intelectual reconhecido, e Rubem Ludwig, um general educado, acostumado com as relações civilizadas, que levou para a Secretaria Executiva e para ajudá-lo em alguns escalões militares também traquejados nas atividades civis, como o coronel Sérgio Pasqualli.

Até os conflitos, inerentes a esta área, tinham nível. Certa vez, depois de ter a UNE (união nacional dos estudantes) gritando na porta do prédio do MEC, em greve já há alguns dias, o ministro Ludwig reagiu: “É a Carolina, o tempo passou na janela e só a UNE não viu”, disse resgatando o verso da música de Chico Buarque. O presidente da UNE, Aldo Rebelo, que depois seria deputado, presidente da Câmara, ministro de Ciência e Tecnologia, Esportes, Coordenação Política, Defesa, devolveu no mesmo tom, com verso de Noel Rosa: “Quem é você, general, que não sabe o que diz? Meu Deus do céu, que palpite infeliz”!.

Da briga poética do regime militar este governo nada preservou. Hoje o ministro dos estudantes é tosco, agressivo, não diz a que veio e deixa sua personalidade se sobrepor, sem cabimento, a qualquer conteúdo da sua gestão.
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Todas as análises apontam para as mesmas cores no atual cenário político, a um ano das eleições municipais, que darão certamente um traçado sobre o quadro partidário e eleitoral do país. Jair Bolsonaro, apesar das pesquisas que ainda lhe são amplamente favoráveis, não tem situação futura confortável; Lula, apesar do apoio popular amplo, também não consegue se situar em patamares elevados. Na verdade, a adesão a um é constituida pelo refugo do outro, e vice-versa.

Cristiano Romero - Não existe economia forte com Estado falido

- Valor Econômico

Governos populistas, que usam dinheiro público para fazer “bondades”, são deletérios, porque a conta sempre chega

Em maio de 2008, um pouco antes do ápice da última crise global, a economia brasileira navegava em águas aparentemente calmas, o país ganhou o selo de bom pagador de dívidas. No jargão do mercado, foi promovido pelas agências de classificação de risco ao grau de investimento, uma vez que a categorização é feita para orientar investidores estrangeiros. A obtenção do selo teve um simbolismo forte - a superação da “crise da dívida”, que quebrou o país em 1982, iniciando longo período de baixo investimento público em infraestrutura, desequilíbrio fiscal, baixo acesso a crédito externo e precariedade nos serviços oferecidos pelo Estado.

O grau de investimento permitiu que o Brasil - governo e empresas - passasse a tomar recursos no exterior a custos mais baixos. Uma companhia pode ser muito bem administrada, lucrativa e pouco endividada e, mesmo assim, não alcançar o grau de investimento, o que encarece seu financiamento. Isso ocorre quando o país onde a empresa está inserida tem governos irresponsáveis, que não prezam pelo equilíbrio das finanças públicas. A relação é direta.

Todo cidadão deveria ter consciência do seguinte: maus governos, especialmente, os populistas, que usam dinheiro público para promover “bondades”, em tese formuladas para melhorar a vida dos mais pobres, são deletérios porque a conta sempre chega. E quando chega, é proporcional ao tamanho do rombo promovido nas contas públicas. Todos perdemos e os que mais sofrem são justamente os pobres, a quem os demagogos prometem ajuda quando adotam políticas inconsistentes. Toda iniciativa do Estado, mesmo aquelas que a maioria julga corretas, como o Bolsa Família, deveria ser avaliada constantemente para evitar desperdícios. Seria uma forma também de impedir que os populistas aparecessem com fórmulas mágicas.

Ricardo Noblat - Crônica de um desastre anunciado

- Blog do Noblat

Vitória com gosto de derrota

Bastavam 49 votos de um total possível de 80 (o presidente do Senado só vota em caso de empate) para que a reforma da Previdência fosse aprovada pelo Senado em primeiro turno.

Mas o líder do governo, senador Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), apostava que ela seria aprovada com 61 a 63 votos. E mesmo quando o placar registrou 56 votos a favor, ele dobrou a aposta.

Se dependesse de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, a sessão só seria retomada hoje com a votação dos artigos destacados pela oposição. Teria sido mais seguro.

Mas Bezerra Coelho insistiu em votar os destaques de imediato. Votou o primeiro e ganhou – o destaque foi derrubado. Por um problema de redação, os dois seguintes ficaram para depois.

Então foi posto em votação o quarto destaque – o artigo que criava regras mais duras para o pagamento do abono salarial a trabalhadores de baixa renda com carteira assinada.

Aconteceu o que até a oposição duvidava que fosse possível: faltaram seis votos ao governo para manter o artigo. Alguns senadores já tinham ido embora. O quórum baixara.

“Eu avisei a ele para não votar o destaque, eu avisei” – comentou, aflito, um assessor de Bezerra Coelho antes de aconselhar o senador a propor o encerramento da sessão.

O desastre previsto pelo assessor reduzirá a economia com a reforma da Previdência em R$ 76,4 bilhões em 10 anos. Agora será de R$ 800,3 bilhões – se nada mais for mudado no texto original.

Lula no olho da rua

O jogo começa a virar
O jogo só acaba quando o juiz apita – e, pelo menos no Supremo Tribunal Federal, o jogo para Lula só acabará quando os ministros decidirem se a prisão em segunda instância continuará valendo ou não. Dias Toffoli, presidente do tribunal, pretende pôr a matéria em discussão ainda este mês.

Hoje, quando for retomada a sessão suspensa na semana passada, o jogo recomeçará com ampla maioria de votos favorável ao entendimento de que réu delatado deve ser ouvido nas alegações finais de um processo só depois do réu delator. Afinal, a última palavra sempre cabe à defesa.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Indústria em busca da virada – Editorial | O Estado de S. Paulo

Reconquistar o vigor de oito anos atrás é o primeiro desafio para a indústria brasileira, depois de uma crise longa e devastadora. Será um longo caminho de volta. Em agosto, a produção industrial ficou 17,3% abaixo do pico alcançado em maio de 2011. Mas esse é o cenário visto de cima para baixo. De baixo para cima, será necessário um avanço de 20,96% para alcançar aquele ponto. Para esclarecer a diferença: de 100 para 80 há uma queda de 20%, mas de 80 para 100 a subida é de 25%. As dificuldades também são visíveis quando as comparações envolvem períodos curtos. O volume produzido cresceu 0,8% em agosto. É resultado bem-vindo, num ano de muita complicação, mas surgiu depois de uma queda de 0,9% acumulada nos três meses anteriores. Além disso, a produção foi 2,3% menor que a de um ano antes. Em 12 meses a queda foi de 1,7%, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Agosto foi o fundo do poço, disse no mês passado o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida. O crescimento, acrescentou, recomeçaria em setembro. A fraqueza da indústria pode ter confirmado a primeira parte desse comentário. Falta verificar a segunda, embora alguns sinais positivos já tenham sido notados.

Poesia | Affonso Romano de Sant'Anna - Que país é este?

1
Uma coisa é um país,
outra um ajuntamento.

Uma coisa é um país,
outra um regimento.

Uma coisa é um país,
outra o confinamento.

Mas já soube datas, guerras, estátuas
usei caderno "Avante"
— e desfilei de tênis para o ditador.
Vinha de um "berço esplêndido" para um "futuro radioso"
e éramos maiores em tudo
— discursando rios e pretensão.

Uma coisa é um país,
outra um fingimento.

Uma coisa é um país,
outra um monumento.

Uma coisa é um país,
outra o aviltamento.
(...)
2
Há 500 anos caçamos índios e operários,
há 500 anos queimamos árvores e hereges,
há 500 anos estupramos livros e mulheres,
há 500 anos sugamos negras e aluguéis.

Há 500 anos dizemos:
que o futuro a Deus pertence,
que Deus nasceu na Bahia,
que São Jorge é que é guerreiro,
que do amanhã ninguém sabe,
que conosco ninguém pode,
que quem não pode sacode.

Há 500 anos somos pretos de alma branca,
não somos nada violentos,
quem espera sempre alcança
e quem não chora não mama
ou quem tem padrinho vivo
não morre nunca pagão.

Há 500 anos propalamos:
este é o país do futuro,
antes tarde do que nunca,
mais vale quem Deus ajuda
e a Europa ainda se curva.

Há 500 anos
somos raposas verdes
colhendo uvas com os olhos,

semeamos promessa e vento
com tempestades na boca,

sonhamos a paz da Suécia
com suíças militares,

vendemos siris na estrada
e papagaios em Haia,

senzalamos casas-grandes
e sobradamos mocambos,

bebemos cachaça e brahma
joaquim silvério e derrama,

a polícia nos dispersa
e o futebol nos conclama,

cantamos salve-rainhas
e salve-se quem puder,

pois Jesus Cristo nos mata
num carnaval de mulatas.
(...)

Publicado no livro Que país é este? e outros poemas (1980).

In: SANT'ANNA, Affonso Romano de. A poesia possível. Rio de Janeiro: Rocco, 1980