domingo, 13 de outubro de 2019

Vera Magalhães - Pastiche de direita

- O Estado de S.Paulo

Bolsonarismo imita alt right americana com dinheiro público e métodos do PT

A foto de Eduardo Bolsonaro abraçado a um mastro com a Bandeira do Brasil, copiando até o semblante “enternecido” de Donald Trump na mesma pose com a bandeira dos Estados Unidos, é o resumo do que é a direita bolsonarista hoje: um pastiche cafona da alt-right norte-americana, sem consistência filosófica e ideológica nenhuma, que se utiliza de dinheiro público do Fundo Partidário e dos métodos do PT para se financiar e se comunicar e envolta em brigas intestinas justamente pela falta de coesão política.

A semana foi tomada por uma crise provocada pelo presidente da República, que decidiu atirar contra seu partido, o PSL, ao tirar uma selfie com um admirador. A partir daí, ameaçou deixar a legenda, os parlamentares que o seguem ficaram que nem barata tonta sem saber para onde iam, mas, por enquanto, fica todo mundo onde está. E por quê?

Porque o PSL enriqueceu na esteira da febre bolsonarista. É ele, por meio da Fundação Índigo, que financia eventos como a versão brazuca da CPAC, feita sob medida para o filho do presidente e candidato a embaixador posar de especialista em relações internacionais e a plateia saudar Trump a plenos pulmões.

Eliane Cantanhêde - Laranjal e rachadinha

- O Estado de S.Paulo

Quadro partidário desolador: o velho caducou, o novo ainda não nasceu

Na “velha política”, o governo de José Sarney alçou o MDB à condição de “maior partido do Ocidente” e os de Fernando Henrique, Lula e Dilma inflaram o PSDB e o PT, que, aliás, se digladiam por décadas. Mas, na “nova política”, ocorre o contrário: já no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro, o PSL está às turras e sob risco de voltar a ser nanico, como antes de 2018.

A única comparação possível é com o governo Fernando Collor, que inventou o meteórico PRN de triste memória e ambos afundaram juntos, rapidamente. A diferença é que Bolsonaro e PSL se desvencilham um do outro, mas à tona. O presidente tem o governo, a popularidade e atrai para São Paulo a CPAC, o maior evento da direita internacional, um “Foro de São Paulo” do lado oposto. Mas, na partilha, o PSL fica com a grana.

O quadro partidário é desolador. Com o recorde (talvez mundial) de 32 siglas registradas no TSE, o Brasil não tem partidos reais, programáticos, com líderes fortes. Quantidade não é qualidade. O gigante MDB está à míngua, o PSDB e o PT não são nem sombra do que já foram, o PSL não dá para o gasto.

Se o “velho” caducou, o “novo” ainda não nasceu. Bolsonaro precisava de um partido, o PSL precisava de um candidato. Foi um casamento de conveniência. O divórcio é só uma questão de tempo. Bolsonaro, que pula de galho em galho, já foi do PDC, PPR, PPB, PTB, PFL, PP, PSC e, só “por enquanto”, está no PSL, onde entrou de última hora, abandonando o Patriotas (PEN) na porta da igreja.

Bolívar Lamounier* - A boa tartaruga e a lebre malvada

- O Estado de S.Paulo

Se estamos patinando numa questão simples, a defesa da democracia, que futuro nos aguarda?

Se é verdade que a democracia brasileira está à beira da morte, precisamos saber quem a está matando e quem, em tese, poderá salvá-la.

Ninguém em sã consciência suporá que a democracia esteja morrendo de morte morrida, sob o efeito de algum fator genérico, ou por causa das queimadas na Amazônia. Democracia é um sistema político, um conjunto de instituições dirigidas por elites investidas em funções de autoridade. Ou seja, por seres de carne e osso. Mesmo uma crise econômica prolongada só lhe é fatal se as referidas elites, ou parte delas, em conluio ou não com grupos situados fora do Estado, conspirarem para liquidá-la. Outra hipótese seria se uma contraelite, vale dizer, um movimento social de grande porte – por definição, desprovido da legitimidade estatal, mas decidido e armado –, quisesse pô-la abaixo.

Ora, no Brasil do tsunami causado por Dilma Rousseff e seu fiel escudeiro Guido Mantega, a ação de massas mais contundente foi a de 2013, um protesto contra o custo do transporte humano e contra os gastos com estádios para a Copa do Mundo de 2014. Em seguida vieram manifestações de apoio à Operação Lava Jato, de caráter inteiramente pacífico. Por exclusão, portanto, o potencial assassino da democracia tem de ser procurado entre as elites estatais, vale dizer, entre as autoridades públicas, num dos três Poderes ou na ação (ou inação) conjunta dos três. Penso que esta proposição expressa de maneira exata o sentimento médio da sociedade neste momento.

Saudável e robusta, convenhamos, a democracia não está. Mas passar ao extremo oposto e dizer que está moribunda é um patente exagero. O que podemos afirmar sem temor de errar é que ela está vulnerável, muito vulnerável, a desacertos de comportamento entre elites institucionais – o Supremo Tribunal Federal (STF) vem logo à mente. Aqui chegamos à nossa segunda indagação. Se existe uma percepção, mesmo exagerada, de que a democracia está fragilizada e de que uma parcela da elite estatal trabalha contra ela, quem terá ânimo e capacidade de organização para impedir a consumação de tal intento?

Não creio que se possa esperar muito do que se convencionou chamar de “sociedade civil”. Com o tempo, caímos na real e entendemos que essa expressão, se não é de todo vazia, diz o contrário do que antes imaginávamos. Faz referência à miríade de grupos aferrados à defesa de interesses estreitos – grupos corporativos –, com a agravante de que não temos atualmente partidos políticos capazes de agregar tais interesses e, assim, neutralizar uma parte do poder que caiu sob o controle deles na estrutura do Estado. Sim, porque partidos políticos, numa acepção rigorosa da expressão, são organizações capazes de agregar interesses, transcendendo a força isolada dos grupos corporativos. A Câmara dos Deputados conta hoje com 28 partidos (siglas), nenhum dos quais controla sequer 20% das cadeiras. Nesse sentido, tanto faz dizer que a Câmara conta com 28 ou com nenhum partido, uma vez que aquele conjunto amorfo não é capaz de deter o processo de corporativização do Estado.

Rolf Kuntz - Alinhamento a Trump, não ao interesse nacional

- O Estado de S.Paulo

Cada tolice diplomática põe em risco muitos bilhões de dólares de exportação brasileira

Dois navios iranianos carregados de milho brasileiro são parte de uma história de subserviência do presidente Jair Bolsonaro a seu suposto amigo Donald Trump. Um novo capítulo dessa história ocorreu na última semana, quando o presidente americano mostrou, talvez chocando os mais inocentes, quem dita regras no jogo entre guru e seguidor, entre chefe e comandado. O comandado engoliu a lição e comportou-se tão bem quanto se havia comportado no episódio dos navios. Os dois barcos tinham vindo do Irã trazendo ureia e deveriam voltar com cerca de 100 mil toneladas de milho. Chegaram no começo de junho e ficaram parados em Paranaguá até o fim de julho, à espera de combustível. Recusando abastecimento, a direção da Petrobrás alegou o risco de violar as sanções contra o Irã determinadas pela Casa Branca. O combustível foi fornecido, afinal, por determinação da Justiça. E dezenas de milhares de toneladas de cereal brasileiro foram levadas aos compradores. O governo do Brasil, disse na época o presidente Bolsonaro, “está alinhado, sim, com o governo de Donald Trump”.

Estaria alinhado, no entanto, com os interesses brasileiros? De janeiro a junho o Brasil havia exportado US$ 1,3 bilhão para o mercado iraniano e importado apenas US$ 26 milhões do Irã. Até setembro as vendas para lá chegaram a US$ 1,9 bilhão, 1,16% do total faturado com mercadorias. Vários países sul-americanos compram bem menos do Brasil.

Medo do chefe, obediência espontânea e devota ou combinação dos dois sentimentos? Todas essas motivações podem ter pesado, mas a devoção ao guru tem sido certamente um fator dominante. A declaração de alinhamento ao líder, naquele momento, foi apenas uma entre muitas afirmações públicas de tipo semelhante.

Ricardo Noblat - A direita expõe a sua divisão

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro passa recibo
O apelo de Onyx Lorenzonni, chefe da Casa Civil da presidência da República, para que a direita permaneça unida só faz sentido como admissão velada de que ela está partida ou prestes a se partir. Ao formular o apelo durante encontro de conservadores promovido no fim de semana em São Paulo, Lorenzoni chegou a chorar.

Ou o ministro é muito emotivo ou a situação da direita brasileira inspira cuidados com menos de 10 meses de governo Bolsonaro. Podem ser as duas coisas. O descolamento do presidente da República da defesa candente que sempre fez do combate à corrupção provocou fissuras em sua base de apoio.

Ao nomear o ex-juiz Sérgio Moro ministro da Justiça e da Segurança Pública, Bolsonaro teve a intenção de reforçar seu compromisso com a luta contra a roubalheira de qualquer natureza e o crime organizado que catapultou o Brasil para a cabeceira da lista dos países mais violentos do mundo. Dela tão cedo sairá.

O Caso Queiroz obrigou Bolsonaro a dar meia volta. Por envolver seu filho Flávio, eleito senador, e as ligações entre a família e milicianos do Rio de Janeiro. Foi um golpe forte nas pretensões do presidente. Embora a investigação do caso esteja suspensa por decisão do ministro Dias Toffoli, ela poderá ser retomada em breve.

Bolsonaro tornou-se cedo demais refém da mais alta Corte de Justiça, pois é isso o que ele é e será até o fim do seu mandato. E o Supremo Tribunal Federal, por meio do seu presidente, conseguiu equilibrar o jogo disputado com um presidente recém-eleito que imaginava ter condições de subjugar os demais poderes.

Janio de Freitas - A fraude eleita

- Folha de S. Paulo

Legitimidade da posse de Bolsonaro é no mínimo questionável

A campanha que resultou na eleição de Jair Bolsonaro para a Presidência foi beneficiada por fraude das normas eleitorais. A legitimidade da posse de Bolsonaro e do seu cargo presidencial é, portanto, no mínimo questionável e pode mesmo ser insustentável.

Este é o significado objetivo da admissão do WhatsApp de que foi usado, em “violação aos seus termos de uso”, em “envios maciços” de mensagens “para atingir um grande número de pessoas”. A afirmação é do gerente de políticas públicas e eleições globais do WhatsApp, Ben Supple, em palestra no Festival Gabo (Colômbia). Foi publicada na pág. A8 da Folha da última quarta-feira (9).

O representante do WhatsApp não mencionou Bolsonaro. Nem precisava, para expor o comprometimento dessa campanha com indução automatizada, como são os softwares de mensagens enviadas a milhares e milhões —prática vedada pelas normas eleitorais brasileiras.

Já em 18 de outubro de 2018, no mês da eleição, a repórter Patrícia Campos Mello revelou na Folha que as agências Quickmobile, CrocServices e Yacows, entre possíveis outras, foram contratadas por empresários pró-Bolsonaro para disparo de mensagens em massa. Eram de propaganda do candidato ou, sobretudo, de ataque a adversários.

Bruno Boghossian – Moro e os denominadores comuns

Ministro contaminou projeto de combate ao crime com lei mais frouxa para policiais

Sergio Moro disse que vai buscar “denominadores comuns” para aprovar seu pacote de projetos de combate ao crime. O anúncio conciliatório, depois de uma série de choques com a Câmara, foi seguido de um argumento traiçoeiro. O ministro afirmou que as propostas recebem críticas de pessoas que “se dão bem dentro desse sistema”.

O governo aposta na manipulação de uma sociedade polarizada para aplicar suas vontades. Ao insinuar que a resistência serve a corruptos e criminosos, Moro passa o recado de que a lei pode ignorar muita gente que vive o dia a dia da violência.

Na terça (8), Bruna Silva estendeu um uniforme escolar manchado de sangue na mesa do presidente da Câmara. Em junho do ano passado, Marcos Vinícius, de 14 anos, morreu com um tiro nas costas durante uma operação na favela da Maré, no Rio.

Ruy Castro - A tutela do Estado

- Folha de S. Paulo

Só resta à cultura se reinventar e voltar a contar consigo mesma

A história é mestra. Para os que não viveram aquele tempo, eis como funcionava a supressão do pensamento na ditadura. Sob as ordens do Planalto, havia o SNI, Serviço Nacional de Informações. Era o grande olho, com milhares de agentes encarregados de “analisar” pessoas, empresas e instituições, visando à segurança do Estado. Mas todos os órgãos públicos também tinham o seu serviço próprio.

Os mais pesados eram os das três armas e, destes, o mais temido era o da Marinha, o Cenimar, palco de torturas e desaparecimentos. A eles se somava o velho Dops (Departamento de Ordem Política e Social), superado desde 1969 pelos ferozes e quase clandestinos Oban (Operação Bandeirantes) e DOI-Codi, subordinados ao ministro do Exército. E só então, no pé da escada, vinha a Censura Federal. Esse apanhado está no livro “Herói Mutilado”, de Laura Mattos, recém-lançado pela Companhia das Letras.

Era um enorme aparato para impor o pensamento único. Pois nem assim eles conseguiram. Contra tudo isso, entre 1964 e 1985 o Brasil produziu coisas fabulosas em música popular, teatro, cinema, literatura, artes plásticas. O Estado podia tentar impedi-las de circular, mas não que fossem feitas —porque, em boa parte, a produção cultural vivia do mercado, não dos favores oficiais.

Merval Pereira - Retrocesso à vista

- O Globo

A anunciada mudança de posição do ministro Gilmar Mendes, que votou a favor da prisão em segunda instância e mostrava-se disposto a aceitar a proposta do presidente do STF Dias Toffoli de permitir a prisão somente a partir da terceira instância, pode involuir (ou evoluir, depende do ponto de vista) para o apoio à prisão só após o trânsito em julgado do processo. “Eu estou avaliando essa posição. Mas na verdade talvez reavalie de maneira plena para reconhecer (a possibilidade de prisão apenas depois de) o trânsito em julgado.”, disse ele à BBC.

Com essa guinada, se confirmada, ele acompanhará os votos dos ministros Celso de Melo, Marco Aurelio Mello, Ricardo Lewandowski, e pode provocar uma maioria nova no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). A ministra Rosa Weber sempre se declarou a favor do trânsito em julgado, mas vinha acompanhando a maioria a favor da prisão em segunda instância por entender que o tribunal deveria manter coerência em suas decisões.

Mas mostra-se disposta a voltar à posição original caso o tema venha a ser colocado para julgamento por ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs), o que deve acontecer ainda este ano. Para ela, “o postulado do estado de inocência repele suposições ou juízos prematuros de culpabilidade até que sobrevenha, como o exige a Constituição brasileira, o trânsito em julgado da condenação penal”.

Também o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, pode ser levado a apoiar o trânsito em julgado se sua proposta de permitir a prisão a partir da terceira instância (STJ) não for aceita. A nova maioria, que já se sabe ser contra a prisão em segunda instância, poderia, assim, decidir voltar à exigência de trânsito em julgado, encerrando a discussão sobre interpretações do espírito da Constituição.

Míriam Leitão - A estupidez da censura

- O Globo

A censura é terrível. Ela entrega um poder arbitrário ao burocrata que sempre toma decisões estúpidas. Ela assedia as mentes de produtores culturais, escritores, artistas e vai construindo a teia dos impossíveis — cheia de “melhor não” ou “isso eles não aceitarão” — que definimos como autocensura. A Constituição que o Brasil escreveu no pacto social da democracia não a tolera. “Cala a boca já morreu”, sentenciou a ministra Cármen Lúcia. Contudo, ela está de volta.

A censura se infiltra em atos como o veto à propaganda com jovens negros e descolados porque o presidente da República viu neles algo que ofendia as famílias. Avança quando se entrega o assunto cultura a um ministro capaz de qualquer volteio nas leis para bajular o novo chefe, como, por exemplo, banir temas em edital público. Ela se espalha quando o Estado vai criando bloqueios à liberdade de expressão usando subterfúgios como a defesa de supostos valores morais. Ela fica escancarada quando o presidente de um banco público, como a Caixa, diz que não aceita “posicionamento político” em espetáculos que patrocina. Será preciso voltar mais de dois mil anos e censurar os autores gregos que se atreveram a usar as tragédias para expor seus “posicionamentos políticos” sobre dilemas eternos como os limites ao poder despótico.

No Brasil de hoje, essa é a tragédia. Governantes de ocasião pensam que podem reprimir tudo o que não lhes agrada. O presidente usa sua métrica medíocre para classificar o que pode ser permitido ou o que é proibido com o dinheiro público. Como se fosse dele, o dinheiro. Os impostos são pagos por todos os brasileiros. O prefeito vira as costas para as festas da cidade. A professora Silvia Finguerut, coordenadora de projetos da Fundação Getúlio Vargas, diz que o estudo “Rio de Janeiro a Janeiro”, organizado pelo Ministério da Cultura no governo Temer com apoio técnico da FGV, deixou claro que as festas populares têm grande retorno econômico. Só no turismo, o carnaval do Rio teve um impacto de R$ 2,8 bilhões na economia. Ao todo, o evento levou aos cofres públicos tributos no valor de R$ 179 milhões.

Bernardo Mello Franco - O capitão quer guerra

- O Globo

Jair Bolsonaro quer guerra. Na sexta-feira, o capitão participou de uma solenidade no Complexo Naval de Itaguaí. Diante de operários e oficiais da Marinha, fez mais um discurso em tom de combate. “Temos inimigos dentro e fora do Brasil. O de dentro são os mais terríveis. O de fora nós venceremos com tecnologia e disposição, e meios de dissuasão”, afirmou.

O Brasil já teve um presidente que se sentia perseguido por “forças terríveis”. Agora é comandado por um ex-militar que vê perigos em toda parte.

A retórica de Bolsonaro expõe uma personalidade viciada em confronto. No último dia 2, no Planalto, ele falou em “dar a vida pela pátria”. “Não nos esqueçamos que o inimigo está aí do lado, o inimigo não dorme”, advertiu.
Em agosto, no QG do Exército, jurou “lealdade ao povo” e conclamou o povo a “marchar para o sucesso”. “Não nos faltam é inimigos como os de sempre, que teimam em ganhar a guerra de informação contra a verdade”, afirmou.

Na ausência de guerras reais, o presidente se dedica a fabricar inimigos imaginários. No início do governo, a ameaça viria dos comunistas, que estão em extinção desde a queda do Muro de Berlim. Em seguida, foi a vez de estudantes, professores, artistas e jornalistas.

Dorrit Harazim - O tuíte que custou milhões

- O Globo

Para o regime comunista de Pequim, quem mexe no vespeiro Hong Kong arca com as consequências

O blogueiro Liu Yang Cary não perde um jogo da NBA, a liga americana de basquete que desde o ano olímpico de 2008, quando fincou tentáculos na China, nunca mais parou de crescer. Estima-se que, somando todas as mídias (TV, internet e smartphones), mais de 800 milhões de chineses assistiram à temporada 2018/2019 da NBA — audiência maior do que nos Estados Unidos. Apesar de sua paixão pelo basquete, contudo, Liu, que é torcedor roxo do Lakers de Los Angeles, abriu mão da rara chance de ver seu ídolo LeBron James jogar ao vivo, em Xangai, na noite de quinta-feira. Rasgou o ingresso que comprara por 16.000 yuans (mais de R$ 4.400) e postou o vídeo do gesto para seus cinco milhões de seguidores no Weibo, a versão chinesa do Twitter. “Estou com o coração partido... Eles não nos entenderam, não compreenderam nossos sentimentos...”.

O “eles” da frase não eram LeBron ou o Lakers, era mais. Mais do que a NBA toda. Foi um eco do milenar sentimento chinês de ser humilhado pelo Ocidente. E foi desencadeado por um tuíte espontâneo postado de um quarto de hotel em Tóquio.

Seu autor, Daryl Morey, se encontrava no Japão para dois amistosos pré-temporada do Houston Rockets, do qual é gerente-geral. Talvez por ser noite de domingo, baixou a guarda e retransmitiu o slogan “ Lute pela Liberdade. Apoie Hong Kong”, do movimento pró-democracia que há 18 semanas convulsiona o território autônomo da China. Poderia ter sido apenas um dos mais de 600 milhões de tuítes diários que circulam na globosfera sem fazer ruído — até por ter sido retirado do ar pelo próprio Morey poucos segundos depois. Mas era tarde demais.

Elio Gaspari* - A banca viciou-se nos juros altos

- Folha de S. Paulo | O Globo

Bancos lucram tanto com quem paga que isso compensa calotes que tomam

O economista-chefe da Febraban, Rubens Sardenberg, fez uma estranha associação entre os juros altos da banca e a situação da economia: “O aumento da inadimplência, a queda lenta do desemprego e o baixo crescimento da renda criam alguma cautela do ponto de vista de quem está concedendo o crédito”.

A cautela poderia levar a uma menor oferta de crédito, não a uma subida nas taxas de alguns empréstimos. A Selic está em 5,5% ao ano, algumas taxas caíram, mas a mordida anual dos juros do cartão de crédito parcelado foi de 163,1% para 177,3%.

Indo-se ao livro “Uma Chance de Lutar”, a autobiografia da senadora Elizabeth Warren, candidata a presidente dos Estados Unidos pelo Partido Democrata, vê-se a seguinte cena:

Pouco antes da crise de 2007 ela deu uma palestra para executivos do Citibank e disse que eles poderiam conter as inadimplências (e as bancarrotas familiares) parando de emprestar a quem estava em dificuldade.

Ao que um dos caciques presentes tomou a palavra: “Professora Warren, gostamos muito de sua exposição, mas não temos a intenção de parar de emprestar a essas pessoas. São eles quem garantem a maior parte de nossos lucros”.

Cobrando juros altos para quem parcela as dívidas do cartão de crédito a banca lucra tanto com quem paga que isso compensa os calotes que toma.

O Citi continuou apostando e nunca mais convidou a professora Warren. Em 2008 o banco foi às cordas, salvou-se com um socorro de US$ 20 bilhões da Viúva e hoje é uma sombra do que foi. Já a professora elegeu-se senadora e lidera (por pouco) algumas pesquisas de preferências entre os candidatos do Partido Democrata.

Vargas Llosa mente, mas pesquisa

Nobel de Literatura, escritor peruano acaba de publicar seu 19º romance

Mario Vargas Llosa acaba de publicar seu 19º romance, “Tiempos Recios”, (“Tempos Difíceis”). Conta os caminhos de Marta, a “Miss Guatemala”, uma bonita mulher que atravessa a história da América Latina na segunda metade do século passado.

Prêmio Nobel de Literatura em 2010 e candidato derrotado à Presidência do Peru em 1990, Vargas Llosa conhece a política e a escrita. Ele sustenta que seu livro “é um romance e não um livro de história, mas digamos que pesquiso para mentir com conhecimento de causa”.

Ascânio Seleme - O Estado é laico

- O Globo

O presidente Jair Bolsonaro tem razão. O estado é laico e ele não precisava mesmo ter ido a Roma para a cerimônia de santificação da irmã Dulce, a primeira brasileira a virar santa da Igreja Católica. Não importa se o Estado mandou o vice e três aviões da FAB repletos de autoridades, o presidente se deu o direito de não prestigiar a consagração. Não se pode criticá-lo por esta razão. A menos que se considere que há um mês ele foi ao maior templo da Igreja Universal, em São Paulo, ajoelhou-se aos pés do bispo Macedo para ser abençoado por um dos mais notórios charlatões do Brasil. E ainda rezou e chorou.

Francamente, Bolsonaro é mestre em desperdiçar oportunidades. Pode não ser praticante, pode não ser fiel, pode ser apenas da boca para fora, mas o seu currículo informa que ele é católico romano. Mesmo tendo cara e jeito de evangélico, o que não é nenhum demérito, o pai de Flávio, Carlos e Eduardo é católico. Não se conseguiria reunir argumento melhor para participar da cerimônia no Vaticano. Seria um ganho enorme sob qualquer ângulo que se observe, até pelo respeito e pela circunspecção que o ato envolve.

Mas, não, Jair Bolsonaro preferiu ficar no Brasil, batendo boca com o major Olímpio e com o Luciano Bivar. Aliás, nem sei. Talvez até o major tenha ido na comitiva do Hamilton Mourão a Roma. O fato é que a maior autoridade brasileira deu uma banana ao Papa Francisco e a Santa Dulce dos Pobres. Para um governante que baseia todo o seu discurso em Deus e na família, sua ausência na festa desta manhã parece um descarrilamento de trem de alta velocidade.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

Aprendizado político – Editorial | Folha de S. Paulo

Folha deixa defesa do parlamentarismo com voto distrital misto, pouco realista

Um legislador abstrato que fosse convocado para criar uma Constituição ideal a ser implantada num país imaginário faria bem em adotar o parlamentarismo.

Trata-se, em teoria ao menos, de um regime mais moderno, que apresenta vantagens sobre o presidencialismo, em especial no que diz respeito à solução de crises.

Afinal, é menos traumático dissolver um governo e convocar eleições do que promover um impeachment. Quanto aos legisladores, caso se comportem mal, podem ter seus mandatos abreviados.

Por essas razões, a Folha defendeu, a partir dos anos 1990, que o país adotasse o parlamentarismo, além de um sistema eleitoral que combinasse o voto distrital (um representante eleito por localidade) e o proporcional (como o atual), inspirado no modelo alemão.

No entanto, por considerar que tais propostas se tornaram pouco realistas, o jornal passa a advogar aperfeiçoamentos no sistema que aí está —o presidencialismo com votação proporcional para a Câmara dos Deputados.



Por maiores que sejam as tentações do ideal, regimes políticos não existem num papel em branco; eles ocorrem em países concretos, que têm suas histórias peculiares.

Não se pode ignorar, por exemplo, que em 1963 e em 1993 os brasileiros foram às urnas com a oportunidade de escolher o parlamentarismo, e nas duas ocasiões o rejeitaram por ampla maioria.

Cumpre considerar ainda que nenhum arranjo político-eleitoral funcionará em seu potencial pleno se não gozar de um período prolongado de estabilidade, que dê ao eleitorado e a seus representantes a chance de aprender a navegar no cipoal de regras. Se estas mudam em poucos anos ou décadas, não há chance de amadurecimento.

Poesia | Ascenso Ferreira - Maracatu

Zabumba de bombos,
Estouro de bombas,
Batuques de ingonos,
Cantigas de banzo,
Rangir de ganzás...

— Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

As luas crescentes
De espelhos luzentes,
Colares e pentes,
Queixares e dentes
De maracajás...

— Luanda, Luanda, onde estás?
Luanda, Luanda, onde estás?

A balsa do rio
Cai no corrupio
Faz passo macio,
Mas toma desvio
Que nunca sonhou...

— Luanda, Luanda, onde estou?
Luanda, Luanda, onde estou?