terça-feira, 15 de outubro de 2019

Opinião do dia – Fernando Henrique Cardoso*

Sem regras de jogo e busca de consenso as democracias morrem. Partidos, identidades e ideologias não bastam: crença nas instituições e razoabilidade são tão importantes quanto urnas eleitorais, mostram politicólogos. E nós, seguiremos na polarização e na descrença? Eis a questão.


*Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, na rede social Twitter, 13/10/2019

Luiz Carlos Azedo - Inimigos internos

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder”

Numa solenidade da Marinha, no estaleiro francês que constrói submarinos brasileiros em Itaguaí, na Baixada Fluminense, o presidente Jair Bolsonaro falou sobre a suposta existência de “inimigos dentro e fora do país”, com ênfase para o chamado inimigo interno: “os de dentro são os mais terríveis”. Entretanto, não estava se referindo à esquerda brasileira, que, durante o regime militar, foi tratada como inimiga de Estado, mas ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), que já se colocou como pré-candidato à Presidência em 2022.

Witzel faz uma administração focada no endurecimento do combate ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro, com uso desproporcional da força, o que proporcionou redução do índice de roubos e furtos, mas coleciona mortes de inocentes, principalmente crianças, durante tiroteios nas comunidades. Sua candidatura à Presidência parece muito prematura, pois tem um discurso parecido com o de Bolsonaro e a mesma base eleitoral. Entretanto, acredita que tem chances reais.

Por essa razão, enfrenta dura reação do clã Bolsonaro, que rompeu com o governador fluminense. O senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSC), filhos do presidente da República, protagonizam o confronto, que tem por pano de fundo as investigações sobre Fabrício Queiroz, ex-assessor parlamentar de Flávio na assembleia fluminense, e suas relações com as milícias do Rio de Janeiro. Witzel estaria convencido de que esse caso pode levar Bolsonaro a desistir da reeleição.

O resultado da confrontação de Witzel com Bolsonaro é a consolidação da tese palaciana de que haveria uma conspiração contra o presidente da República para apeá-lo do poder. Quando fala em terríveis inimigos de dentro, Bolsonaro está se referindo a isso. Bolsonaro acredita que o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, é aliado de Witzel. As investigações sobre Queiroz e as milícias são conduzidas por ele.

Essa disputa parece coisa de paranoico, mas acabou tendo forte impacto na política nacional, particularmente na Operação Lava-Jato. Flávio Bolsonaro resolveu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para conter as investigações do caso Queiroz, valendo-se do fato de ter direito a foro especial como senador. Alegou que dados fornecidos pelo antigo Conselho de Controle de Operações Financeiras (Coaf) estavam sendo utilizados sem autorização judicial nas investigações do Ministério Público fluminense. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acolheu o pedido e suspendeu todas as investigações com base em dados do Coaf fornecidos nessas condições.

Ricardo Noblat - Disputa pela chave do cofre

- Blog do Noblat | Veja

Às favas os escrúpulos
Se ao menos Jair Bolsonaro e seus filhos, e Antônio Bivar e a turma dele fingissem que disputam o controle do PSL para levá-lo mais para a direita ou mais para o centro, uma vez que para a esquerda seria impensável, as aparências estariam salvas.

Mas, não. O presidente da República e o presidente do partido disputam a posse da chave do cofre do PSL empanturrado de dinheiro público dos fundos eleitoral e partidário. Trata-se de muita grana. Algo como R$ 15 milhões por mês.

Dinheiro que praticamente dispensa comprovação de como foi gasto. Só com o recente encontro de personalidades conservadoras promovido pelo deputado Eduardo Bolsonaro em São Paulo, estima-se que foram gastos cerca de R$ 800 mil.

Bolsonaro ameaça abandonar o PSL se não puder mandar no cofre. Seus advogados dizem que ele já recebeu convite para filiar-se a quatro partidos. Ocorre que essas legendas são nanicas, dispõem de poucos recursos. Bivar sabe disso e bate o pé.

Recusa-se a entregar o que Bolsonaro tanto quer. E como prova de sua disposição para lutar até o fim, diz-se pronto para hoje ou nos próximos dias punir com expulsão quatro deputados bolsonaristas de raiz. Talvez esteja blefando. A conferir.

A posição de Bivar é mais confortável do que a de Bolsonaro. A maioria dos 51 deputados federais do partido lhe deve obediência. Foi ele que montou o PSL país a fora. E se Bolsonaro resolver sair, Bivar já tem outro nome para a eleição presidencial de 2022.

Trata-se do governador do Rio, Wilson Witzel. Os dois já conversaram a respeito. Depois de Bolsonaro, Wiltzel, é o candidato a presidente mais assumido que há no mercado. Parte do PSL carioca já o apoia, para desgosto de Flávio Bolsonaro.

Flávio Bolsonaro descansa em paz

Merval Pereira - Poderes em conflito

- O Globo

Marco Aurélio pretende resumir seu parecer, a favor do trânsito em julgado, para ganhar tempo na tomada de decisão final

A decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, de incluir na pauta de quinta-feira a discussão das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) sobre a prisão em segunda instância trouxe de volta ao debate político a atuação paralela do STF com o Congresso.

Tramita na Câmara, não apenas no pacote anticrime do ministro da Justiça Sérgio Moro, mas também em um Projeto de Emenda Constitucional (PEC), a proposta do deputado Alex Manente, do Cidadania, de tornar definitiva a permissão para prisão em segunda instância.

A PEC, aliás, será analisada hoje na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, justamente devido à decisão do STF. O Supremo, que está desde 2017 com essas ADCs aguardando pauta, não deveria discutir o assunto agora, que o Congresso está tratando dele.

Além desse conflito de poderes, há ainda conflitos internos no Supremo que certamente retardarão uma decisão mais rápida. O relator da matéria, ministro Marco Aurélio Mello, pretende resumir seu parecer, que é a favor do trânsito em julgado, para ganhar tempo na tomada de decisão final.

Ele acha possível que o julgamento possa ser encerrado na semana seguinte, mas tudo indica que está sendo otimista. Na quinta-feira, haverá espaço apenas para a fala dos defensores das três ADCs e a leitura do relatório.

Carlos Andreazza - O imaginário bolsonarista

- O Globo

Para eles, partido é, objetivamente, somente um mecanismo formal para viabilizar eleição

Por meio da Fundação Índigo, dito centro formulador do PSL, o partido bancou — com dinheiro público — a primeira edição brasileira do CPAC, tradicional evento conservador americano; que, nos EUA, é financiado com recursos de doadores privados e venda de ingressos. No Brasil, claro, seria diferente, com a fina flor do reacionarismo nacional reproduzindo a melhor prática petista: a festa da nova era, em que não faltou exaltação ao liberalismo de Paulo Guedes, foi paga com grana do fundo partidário público. Deus vult!

O PSL liberou a grana, mas — registre-se — não teve existência. Este é fato digno de nota, expressivo da cultura de depredação institucional revolucionária que ora subsidia o conflito que Jair Bolsonaro forja contra a legenda em que se elegeu. Para o bolsonarismo, força autocrática que despreza a ideia de democracia representativa, que deprecia qualquer instrumento de mediação política, partido é, objetivamente, somente um mecanismo formal para viabilizar eleição e sustentar as necessidades financeiras do projeto de poder. Para consumo externo, no entanto, segundo se comunica aos apoiadores sequestrados pelo espírito do tempo lavajatista, trata-se de uma estrutura corrompida e prescindível da qual os puros — como o presidente, líder populista que não precisa de intermediários — devem se manter distantes.

O convescote valeu mais de R$ 1 milhão. O conteúdo do encontro foi — com generosidade — modesto; mesmo aí incluído o discurso leninista de Filipe Martins, assessor especial da Presidência, que pregou a necessidade de “movimento incessante”, de “mobilização permanente”. Desnecessário dizer que só se mobiliza a tropa permanentemente — eis a lógica do chamamento — porque há algo ou alguém constantemente contra. O bolsonarismo depende de forjar e acusar ameaças contra si. Daí por que torça, por exemplo, pela vitória do kirchnerismo na Argentina. “Olha o que pode acontecer se você não me apoiar!”

José Casado - Ampliaram o paraíso da elite

- O Globo

Começou a ser desvendado um dos mistérios da República —a folha de pagamentos dos 11,4 milhões de servidores da União, dos estados e municípios.

O enigma da gestão de pessoal no setor público custa R$ 300 bilhões por ano e foi estudado pelo Banco Mundial, uma das instituições multilaterais moldadas no fim da Segunda Guerra pelos economistas John M. Keynes, britânico, e Harry Dexter White, americano, reputado como informante da antiga União Soviética.

Os resultados já obtidos são limitados na área federal — não incluem o Banco Central e a Abin —e a apenas seis dos 27 governos regionais (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina).

Mesmo assim, jogam luz sobre a balbúrdia instalada por interesses políticos e corporativos na folha de pagamentos. E mostram como tem sido manipulada para iniquidades.

Existem 321 carreiras em 25 ministérios, administradas a partir de 117 tabelas salariais. Esse catálogo prevê 179 formas de pagamento. Contaram-se 405 tipos de gratificações, 167 delas “por desempenho” e extensíveis aos aposentados. Há, ainda, 105,5 mil cargos de chefia.

Bernardo Mello Franco - Marielle, 580 dias sem respostas

- O Globo

Wilson Witzel sancionou lei com nome de Marielle, mas se recusa a prestar informações atualizadas sobre o caso. Depois de 580 dias, as perguntas ainda são as mesmas

Hoje completam-se 580 dias do assassinato de Marielle Franco. Ontem a família contou um ano e sete meses desde a noite do crime. As datas se sucedem tanto que já deixaram de ser notícia. As perguntas permanecem as mesmas: Quem mandou matar? Por quê?

A vereadora foi fuzilada quando voltava para casa após um debate com jovens negras. Era conduzida pelo motorista Anderson Gomes, que ficou na linha de tiro e também morreu na hora. Os criminosos nem se preocuparam em simular um assalto. A execução à queima-roupa, no centro do Rio, deixou todos os sinais de um crime sob encomenda.

Em novembro de 2018, o então ministro da Segurança Pública denunciou uma “grande articulação envolvendo agentes públicos, milicianos e políticos” para impedir a elucidação do caso. Quase um ano depois, o público ainda assiste a um festival de fatos mal explicados e manobras de acobertamento.

Míriam Leitão - Combate à pobreza é o ponto central

- O Globo

Nobel mostra que queda da pobreza é necessária não só para reduzir distorções, mas para garantir aumento de produtividade

O prêmio Nobel de Economia deixa mais evidente, para quem ainda tinha dúvidas, que o combate à pobreza é parte central do desenvolvimento econômico e não um assunto lateral e complementar. E que a questão não está separada de outras políticas públicas, porque para um país ser bem-sucedido na tarefa de reduzir o percentual de pobres precisa ter também investimentos certos em educação e saúde. Os estudos dos vencedores de ontem entram em muitas outras áreas.

O economista Abhijit Banerjee é indiano-americano, cresceu em Calcutá. Esther Duflo é franco-americana. Eles fundaram o Laboratório de Ação contra a Pobreza no MIT onde trabalham. Os dois são casados e têm diversos trabalhos juntos em economia do desenvolvimento e combate à pobreza. Michael Kremer é professor de economia do desenvolvimento e economia da saúde em Harvard e é pesquisador associado a um centro de inovação para a ação das nações sobre a pobreza.

Os três se complementam, fizeram trabalhos juntos, tanto acadêmicos quanto de avaliação direta de políticas públicas. Duflos e Kremer estudaram, por exemplo, o impacto da oferta de escola secundária gratuita em Gana. Ela estudou o efeito do saneamento básico. A ideia principalmente do casal Banerjee-Duflo é usar o modelo de experimentos focalizados para estudar o combate à pobreza de forma ampla. Kremer fez inicialmente estudos no Kenya em meados dos anos 1990. Banerjee e Duflo fizeram pesquisas em Mumbai e Vadodara na Índia. Em outra análise, o casal verificou o impacto do acesso à infraestrutura no desenvolvimento da China. Esses trabalhos se transformaram no método padrão em economia do desenvolvimento.

Daniel Rittner - Alberto venceu Macri; agora é vencer Cristina

- Valor Econômico

Kirchernismo aposta no futuro e deve dar espaço ao presidente

“Borrón y cuenta nueva”, algo como apagar as lembranças ruins e começar do zero na gíria portenha, é o lema do empresariado argentino para encarar os prováveis quatro anos de gestão Alberto Fernández a partir de dezembro.

Os donos do PIB na Argentina trocaram com entusiasmo o “capitalismo de amigos” da era kirchnerista pelo “governo de CEOs” de Mauricio Macri, mas já desistiram do atual presidente e agora depositam sua energia em garantir um Alberto livre de manipulações da sua fiadora política Cristina Kirchner.

Nas ruas de Buenos Aires, compara-se o arrastado período de 11 semanas entre a vitória de Alberto nas primárias de agosto e as eleições de 27 de outubro com o cotidiano na ilha deserta de “Lost”: o purgatório se prolonga e nunca termina, o país caminha em um universo paralelo, quem ganhou ainda não está eleito definitivamente, quem perdeu mantém o poder da caneta e tem chances teóricas de uma virada.

Só na teoria. Esgotou-se, nos círculos empresariais, o que restava de confiança em Mauricio Macri, o ex-príncipe dos mercados, que em 2015 prometia acabar com a pobreza e encerrará o mandato com 5 milhões de pobres a mais, inflação fora de controle, economia menor hoje do que há quatro anos. O sentimento é de que Macri agiu como um menino mimado, não quis aceitar a derrota inesperada nas urnas e resolveu governar por impulso em suas últimas semanas na Casa Rosada: calote disfarçado, aumento do salário mínimo, congelamento de preços da gasolina, no melhor estilo esqueçam tudo o que eu dizia.

Andrea Jubé - Supremo testa blindagem

- Valor Econômico

Lula solto “desfulanizaria’ julgamento no STF

No começo de julho, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, comparou o colegiado à equipe do Capitão Nascimento: “quem está aqui, está todo dia numa Tropa de Elite, com todo mundo falando: pede pra sair". Ele afiançou que os ministros têm “couro” para resistir à pressão. Essa blindagem será testada no julgamento sobre a prisão após a condenação em segunda instância na sexta vez em que a Corte volta a debater o tema, a contar de 2009.

Se o clima não fosse de apreensão nos bastidores, com o STF sob bombardeio das redes sociais, o seguinte cenário não estaria sendo debatido: uma ala do tribunal acredita que se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceitasse a progressão para o regime semiaberto aumentariam as chances de se formar a maioria contra a execução antecipada da pena.

Essa corrente argumenta que um cenário de Lula literalmente “livre” poderia “desfulanizar” o julgamento. Segundo esse grupo de ministros, com Lula solto, eventual declaração de inconstitucionalidade da prisão em segunda instância não seria recebida pela opinião pública como uma decisão “pró-Lula”.

De fato, os efeitos desse entendimento podem beneficiar cerca de 190 mil presos que segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), cumprem a pena antecipada.

Essa avaliação interna do Supremo foi levada a Lula, mas o presidente resiste a aceitar a progressão da pena. Ele espera que o STF julgue o habeas corpus onde requereu a anulação do processo relativo ao triplex de Guarujá invocando a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça.

Gilvan Cavalcanti de Melo – Um pitaco constitucionalista

Tenho plena convicção de que, dando vida ao Cidadania, democrático, realizar-se-á uma mudança de alcance histórico. Com a transformação cria-se um sujeito destinado a marcar o perfil da política brasileira, no século que mal alcançou a maior idade.

Foram derrubados, definitivamente, os muros ideológicos do século XX e se começou a construir pontes, entre culturas políticas e setores da sociedade brasileira, entre os sexos e as gerações. Abriu-se novas estradas para o futuro do País.

O novo sujeito continuará a crítica da realidade de desigualdade social e seus dramas: os milhões de desempregados, subempregados, a violência, o tráfico, as milícias, os moradores de rua, a exploração das crianças, etc.

A crítica dessa realidade impõe o agir para modificá-la. A Constituição cidadã é inspiração e o caminho. Nela está contida uma série de compromissos: a dignidade da pessoa, os valores sociais do trabalho, o pluralismo político, os direitos sociais como saúde, educação, o trabalho, previdência social, a moradia, proteção à maternidade e infância, assistência ao desempregado, etc.

Os direitos acordados na Constituição ancoram o próprio desenho de programa e objetivo ideal de uma sociedade mais justa, no marco das instituições de um estado democrático.

Dentro dessa ‘utopia realista’, um reformismo forte se impõe, uma utopia reformadora, associada aos compromissos constitucionais de distribuição de riqueza, que poderão obter um forte apoio social, plural e crítico.

Agir para construir uma nova opinião pública e vontade política democrática, para transforma a atual realidade e aglutinar os reformistas e democráticos. É um nobre objetivo.

A Democracia Liberal, iniciada por Locke (1632-1704), com suas ideais políticas, exerceu a mais profunda influencia sobre o pensamento ocidental – o Brasil como parte. Suas teses encontram-se na base das democracias liberais. Seus Dos Tratados sobre o Governo Civil justificaram a revolução na Inglaterra. No século XVIII, os iluministas franceses foram buscar em suas obras as principais ideias responsáveis pela Revolução Francesa. Montesquieu (1689-1755) inspirou-se em Locke para formular a teoria da separação dos três poderes. A mesma influencia encontra-se nos pensadores americanos que colaboraram para a declaração Independência Americana, em 1776.

No instante que uma nova onda iliberal tenta abrir espaço, é obrigação, declarar, com firmeza, a defesa dos compromissos firmados na Constituinte de 1987/1988, inspirados nos pensadores, fundadores do liberalismo político: uma democracia liberal e forte, uma democracia intensa, participativa e solidaria. Hoje, alvo de hostilidade, umas vezes veladas, outras vezes abertamente.

Mônica Sodré* - Democracias, participação e representação

- O Estado de S.Paulo

A colaboração é tarefa urgente. Foi-se o tempo em que tínhamos tempo a perder

A democracia enquanto forma de organização da política e da vida em sociedade nunca foi algo simples. E foi sua união com a representação, ainda no século 17, que permitiu a participação dos indivíduos no rumo dos governos por meio do voto. A partir da década de 1970, sua grande expansão ao redor do globo veio acompanhada de otimismo, carregando a sensação de que para onde quer que fôssemos o futuro do mundo seria democrático.

Depois de décadas de experiências em diferentes locais, as expectativas não foram plenamente atendidas e essa sensação foi se revelando mais um desejo do que um destino. A democracia representativa, criada para permitir maior participação das pessoas no rumo dos governos, não significou necessariamente maior qualidade de vida para mais pessoas em todos os locais. A permanência e até o aumento das desigualdades, a ascensão de governos populistas e os desafios trazidos pela inovação tecnológica têm posto em xeque a noção de progresso democrático ao redor do mundo e afetado a percepção de seu valor pelos cidadãos.

Na História recente do Brasil assistimos a um processo de redemocratização que combinou presidencialismo, federalismo e multipartidarismo, somados a um sistema eleitoral proporcional de lista aberta. A Constituição de 1988 materializou o pacto político e social da redemocratização e trouxe consigo, além das regras do jogo, a noção fundamental de que as regras importam. Nos Parlamentos, a organização da atividade legislativa no final do século 20 ficou reservada a grupos surgidos também lá no século 17, juntamente com a representação: os partidos políticos.

Marcelo de Moraes - STF pode derrubar prisão após condenação em segunda instância e lavajatistas reagem

- O Estado de S. Paulo

O ministro Dias Tóffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, marcou para a próxima quinta o julgamento de três ações que questionam a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O resultado pode atingir cerca de 193 mil presos, incluindo o ex-presidente Lula.

Pressão. Imediatamente depois do anúncio, a bancada lavajatista no Congresso começou a se mobilizar para pressionar os ministros do Supremo a manter a prisão após a condenação em segunda instância. A gritaria foi grande no Parlamento. "A prisão após a condenação em segunda instância é uma medida para evitar a impunidade. As ações que correm nas instâncias superiores, STJ e STF, são meramente protelatórias. Ou seja, não se julgam os fatos, e sim questões processuais, com o único objetivo de adiar o cumprimento da pena. Caso o STF decida rever a decisão, 193 mil condenados podem ser beneficiados, entre eles o ex-presidente Lula, o que é inaceitável", criticou o senador Marcos Rogério (DEM-RO).

Ana Carla Abrão* - Realidade que se impõe, liderança que se coloca

- O Estado de S.Paulo

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população

Evidências ainda mais contundentes em favor de uma urgente reforma na gestão de pessoas no setor público vieram à tona na última semana. No Estado, matéria de José Fucs trouxe dados compilados pelo Ministério da Economia que mostram a evolução das despesas de pessoal no serviço público federal nos últimos anos. Os números são mais uma prova de quanto a máquina pública no Brasil se descolou da realidade nacional e veio ocupando, com voracidade, espaço crescente nos orçamentos públicos.

Apesar dos mais de 11 milhões de servidores, o setor público brasileiro não é dos que mais empregam no mundo como proporção da população. Mas ele está no topo do ranking dos que mais gastam com salários e benefícios de servidores. A despesa de pessoal supera os 10% do PIB nos cálculos do Banco Mundial (13,1% pelos cálculos da OCDE), número muito superior ao que gasta o setor público de outros países que empregam parcelas maiores da população como, por exemplo, o Reino Unido. Parte dessa evolução é explicada pela trajetória do salário médio no serviço público brasileiro, cujo crescimento nas últimas duas décadas traça uma trajetória muito distinta daquela observada no setor privado. Com isso, o setor público no Brasil não só se tornou uma proteção garantida contra o desemprego, fruto da estabilidade prevista na Constituição Federal, como também vem garantindo ganhos reais de salários desvinculados da realidade econômica e de eventuais aumentos de produtividade.

Ranier Bragon – O pêndulo da história

- Folha de S. Paulo

Pêndulo da história se move, e a Mãos Limpas brasileira encara seu julgamento

Receba minhas condolências se você foi um dos que acreditaram na lorota do capitão que, 28 anos depois de chefiar um clã suspeito de abrigar funcionários fantasmas, rachadinhas, checões do Queiroz e outras mutretas, chegaria para acabar com toda essa safadeza aí.

Esse conto do vigário fica mais evidente quando se constata que é justamente no governo e sob o beneplácito de Jair Bolsonaro que o Supremo Tribunal Federal parece ter encontrado força política para o acerto de contas com a maior operação anticorrupção do país, a Lava Jato.

O pêndulo da história se moveu e, por uma série de fatores, ministros se veem agora seguros para confrontar a Mãos Limpas brasileira e seus evidentes abusos, cometidos sob a guarida de seus inegáveis méritos.

Bolsonaro queda-se mudo, feliz com a liminar do tribunal que barrou as investigações contra o filhote Flávio --e que afetou outras, por tabela, mas se o filé mignon da prole está garantido, que se dane o resto.

Pablo Ortellado - Forças externas

- Folha de S. Paulo

Oposição recusa a autocrítica e insiste em atribuir a vitória de Bolsonaro a superpoderes externos

O discurso político da oposição foi tomado por diagnósticos sobre a ascensão de Bolsonaro que superdimensionam os fatores externos. Mesmo sendo pouco críveis, essas explicações se tornaram as interpretações dominantes sobre o sucesso da nova direita.

Embora diferentes entre si, têm em comum o fato de atribuir o sucesso eleitoral do presidente a superpoderes ou a violações das regras do jogo que desorganizariam a ordem natural das coisas, isto é, o sucesso eleitoral da esquerda.

Elas podem reivindicar superpoderes tecnológicos, como a alegação de que foi uma atuação clandestina da Cambridge Analytica ou disparos em massa de WhatAspp que desestabilizaram a eleição presidencial.

Não há nenhum indício de que a Cambridge Analytica ou alguma das empresas que a sucederam tenham atuado no Brasil. Além disso, há grande descrença entre especialistas na real efetividade do modelo de anúncios segmentados com base em perfis psicológicos. Finalmente, o modelo empregado nas eleições americanas não pode ser reproduzido fora do Facebook —e os gastos com publicidade eleitoral no Facebook são públicos e foram muito reduzidos.

Alvaro Costa e Silva - A cruzada dos marombados

- Folha de S. Paulo

Dois deputados invadem o tradicional colégio Pedro 2º e recebem uma lição dos alunos

Na sexta-feira (11), dois deputados marombados —um estadual, outro federal— invadiram o colégio Pedro 2º, em São Cristóvão, com a desculpa de fazer uma vistoria. Segundo eles, tratava-se de “uma nova cruzada pela educação”. Como não tinham autorização para inspecionar o local, o reitor Oscar Halac tentou impedir a entrada dos dois na instituição fundada em 1837. Eles insistiram e, armados com celulares, fizeram imagens de crianças, também sem autorização.

No melhor estilo Festival de Besteiras que Assola o País, o marombado federal tentou se explicar: “Tiramos fotos de vários locais: de murais, de infiltrações, de salas de aula que tivessem livros ou qualquer coisa também. Nosso intuito não é ideologia. Contudo, se for visto ideologia, é evidente que também iremos catalogar e levar ao ministério para que eles também possam tomar medidas, caso haja medidas a serem tomadas”.

Joel Pinheiro da Fonseca* - As lições do Nobel à política

- Folha de S. Paulo

Governo já faz experimentos em larga escala, mas baseado em achismos

É complicado colocar seres humanos no ambiente controlado de um laboratório para realizar experimentos sociais. E a validade disso é limitada. Quem disse que as escolhas feitas por cobaias na situação altamente artificial de um estudo acadêmico correspondem às escolhas que essas pessoas fariam “lá fora”, no mundo real e sem a consciência de estar sendo observados por um cientista?

Por outro lado, qualquer processo social no mundo real é influenciado por incontáveis fatores que fogem ao conhecimento do cientista, de forma que é muito difícil atribuir causas e, mais ainda, medir seus efeitos.

Felizmente, há jeitos de se contornar essas dificuldades, e é isso que os premiados do Nobel de Economia deste ano —o trio Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Kremer— fazem. Aplicam ao estudo da pobreza e do desenvolvimento social algo que já é de praxe na medicina: o estudo randomizado controlado.

Com financiamento do Banco Mundial, 121 escolas públicas do Quênia puderam contratar um professor extra para a primeira série. Assim, puderam dividir os alunos, que antes estudavam todos juntos, em duas turmas. Surge a pergunta dos pesquisadores: será que dividir os alunos em duas turmas de acordo com seu desempenho (alunos melhores numa turma, piores na outra) daria melhor resultado do que dividi-los aleatoriamente?

Vinicius Mota - Premiados com Nobel de Economia fazem perguntas muito simples sobre a pobreza

- Folha de S. Paulo

Pesquisadores se recusam a dar asas a teorias abrangentes sobre atraso relativo que afeta centenas de milhões no planeta

Quais são as causas da pobreza? São constrangimentos contextuais, como a má dotação de recursos naturais? Ou ela é fruto da escolha de indivíduos que decidiram não progredir?

Não há resposta para essas perguntas no extenso programa de pesquisas premiado com o Nobel de Economia de 2019.

Abhijit Banerjee e Esther Duflo, do MIT (Massachusetts Institute of Technology), e seu colega Michael Kremer, de Harvard, se recusam a dar asas a teorias abrangentes e às vezes militantes sobre o atraso relativo que afeta centenas de milhões no planeta.

As questões que eles propõem são bem mais simples, embora a ambição do projeto não o seja.

Por que as pessoas não colocam os filhos para dormir envoltos em redes que os protejam do mosquito da malária mesmo se o investimento é irrisório diante dos ganhos econômicos que essa ação promoverá ao longo da vida?

Oferecer de graça ou a preço subsidiado o equipamento fará grande diferença na adesão a ele?

Por que mães não completam o ciclo de vacinas de seus filhos e não adotam outras tecnologias gratuitas ou subsidiadas de prevenção que elevam o bem-estar de modo perene?

Por que crianças pobres passam vários anos frequentando a escola, mas não aprendem nada? Algo a ver com a organização das turmas e os objetivos do sistema de ensino?

Hélio Schwartsman - Os santos e a ciência

- Folha de S. Paulo

Incomoda o verniz científico que o Vaticano tenta imprimir aos processos de canonização

Compreendo que organizações religiosas precisem eleger modelos de vida virtuosa e mostrá-los conspicuamente aos fiéis, para que tentem imitá-los. É nesse contexto que se explicam santos, mártires, "stáriets", taumaturgos e iluminados.

Não tenho nada contra a santificação de Irmã Dulce, que me parece mesmo uma figura simpática. Devo, porém, dizer que me incomoda o verniz científico que o Vaticano tenta imprimir aos processos de canonização, vinculando-os a milagres que passam pelo crivo de comissões de médicos e cientistas, incumbidas de atestar que o fenômeno não tem explicação natural. Há aí uma confusão epistemológica. Não encontrar uma explicação é muito mais uma medida de nossa ignorância do que a certeza de uma interferência sobrenatural.

Chega a ser suspeito o fato de que a maior parte dos milagres modernos venha da medicina, campo em que reina a incerteza. O diagnóstico inicial estava certo? Componentes psicológicos influíam no quadro do paciente? Em que medida a remissão de um tumor, por exemplo —algo que todos os grandes hospitais registram com doentes de todas as religiões e ateus—, pode ser considerada milagrosa? Por que nunca vimos uma cura que calaria a boca de todos os céticos, como a regeneração de um membro amputado?

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

O preço do factoide – Editorial | Folha de S. Paulo

Bolsonaro sofre desgaste desnecessário devido à expectativa criada sobre OCDE

O aparente atraso da entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne 36 países da elite global, não tem maior significado prático. Se a ausência de um endosso claro dos EUA a tal pretensão causou surpresa, isso se deu pela expectativa exagerada criada pelo governo.

O suposto apoio, afinal, foi vendido como resultado da ida do presidente Jair Bolsonaro (PSL) a Washington, em março, após encontro com o congênere Donald Trump.

Esse aval teria como contrapartida promessas de liberalização por parte do Brasil na Organização Mundial do Comércio, incluindo a disposição de abrir mão em negociações futuras do tratamento diferenciado concedido a países em desenvolvimento —o que não ocorreu até agora, ressalte-se.

Entretanto o entendimento não era tão firme, ou tão urgente, como restou provado pela carta enviada pelos Estados Unidos à OCDE.

No documento, o governo americano reiterou o apoio as candidaturas de Argentina e Romênia. Reafirmou, além disso, a oposição à ampliação mais rápida do número de membros antes que mecanismos de governança sejam fortalecidos, de modo a evitar inchaço e paralisia decisória.

Poesia | Graziela Melo - Apito final

Silêncio
na alma
medo
no coração!

É
o ponto
final,

a ultima
estação

dos que
nascemos
juntos,

dos que
vivemos
juntos,

da nossa
geração!

O jogo
Acabou,
o juiz
apitou,

sem
prorrogação...

Se foram
os amores
tardios

ficaram
os
recantos
vazios
e
a solidão!!!