segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Opinião do dia – Constituição (Direitos individuais)

CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

SUBSEÇÃO II
DA EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(...)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Marcus André Melo* - Democracia e populismo

- Folha de S. Paulo

A democracia é uma forma de veto popular, não expressão de ideais metafísicos

A democracia representativa não é um mecanismo para revelar a voz do povo, da nação ou dos descamisados; a essência da nacionalidade ou da tribo; ou qualquer outro ideal transcendental caro aos populistas. Mas um arranjo institucional para "mandar os pilantras passearem" (a fórmula consagrada em inglês é "throw the rascals out"). As eleições são apenas autorizações para o exercício do poder; não têm conteúdo substantivo ex ante.

Democracia encarna o ideal majoritário que é o princípio ordenador das sociedades contemporâneas: é a maioria, e não um indivíduo ou grupo, que deve prevalecer. E aí começa a confusão da teoria clássica da democracia, em que esta é entendida como vontade geral, uma atualização da fórmula vox populi, vox Dei.

A confusão deriva da transformação, pela via das eleições, das preferências de uma maioria em vontade geral. Mas nas atuais democracias, essa maioria é apenas a maior minoria: a taxa média de comparecimento às urnas é de cerca de 2/3 do eleitorado, e os vencedores obtêm tipicamente menos de 40% dos votos.

Esse é o menor dos problemas da teoria: o principal é a impossibilidade lógica de racionalidade social na agregação de preferência em eleições e/ou votações —problema identificado por Condorcet, lá atrás, e Kenneth Arrow (pelo qual recebeu o Nobel de Economia). Sabemos assim que os resultados de votações são em larga medida arbitrários.

Celso Rocha de Barros* - O levante do PSL

- Folha de S. Paulo

Políticos do partido acharam melhor devorar antes os filhos de Bolsonaro

Foi uma semana difícil, em que o bolsonarismo não sabia se radicalizava ou desmoronava e acabou fazendo bastante dos dois.

No fim de semana passado, os bolsonaristas organizaram uma conferência conservadora em que Weintraub comparou FHC à Aids, e Damares comparou a esquerda ao demônio.

No começo da semana, blogueiros governistas foram para as redes sociais pedir um novo AI-5, tentando capitalizar uma eventual onda de indignação contra o STF.

Mas lá pela sexta-feira (18), a impressão que dava era que o STF era quem, se quisesse, teria sido capaz de fechar o PSL com um estagiário e um estenógrafo em um jipe.

Muita gente disse que essa briga fratricida entre o presidente e seu partido era inédita. Bom, se você comparar com governos democráticos tentando formar maiorias, é, de fato, difícil achar outro exemplo no mundo de um negócio desses.

Mas na história de golpes, revoluções e outras formas de subversão da ordem é mais regra que exceção. Danton, revolucionário francês guilhotinado pela revolução que ajudou a fazer, disse que a revolução era como Saturno, comia os próprios filhos.

Se você não gosta dos comunistas de 1917, não se preocupe, Stalin matou eles todos.

Leandro Colon – Buraco de incertezas

- Folha de S. Paulo

O barril de pólvora que virou o partido tem potencial para causar danos irreparáveis ao Planalto

"Como o Bolsonaro já falou, nós estávamos noivos e hoje é o dia do casamento". A frase é de Luciano Bivar, no dia 7 de março de 2018, no ato de filiação ao PSL do então pré-candidato à Presidência.

Era um casamento de fachada, assim como de fachada eram as candidaturas de mulheres usadas como laranjas da sigla de Bivar e sua trupe.

O PSL nunca foi levado a sério em Brasília. Nada dos últimos dias surpreende. Bolsonaro topou ser "noivo" ciente da encrenca em que estava se metendo. Beneficiou-se dela, ganhou a eleição presidencial há um ano e agora tenta bancar o bom moço e cair fora da lama da legenda.

Bastava uma lida no prontuário de Bivar para Bolsonaro ter pensado duas vezes antes de entrar no PSL. Quem vive no mundo do futebol conhece as travessuras do deputado.

Cartola conhecido em Pernambuco, Bivar afirmou anos atrás que, no comando do Sport de Recife em 2001, pagou para emplacar um jogador na seleção brasileira. O dinheiro serviu, segundo ele, para garantir a convocação do volante Leomar pelo então treinador da CBF, Emerson Leão. Bivar nunca explicou direito a tramoia financeira - quem recebeu a suposta propina, por exemplo.

Vinicius Mota – Quanto dura o efeito do ácido?

- Folha de S. Paulo

Eleições do ano que vem serão teste para saber se moderação voltou à política

As eleições municipais do ano que vem vão servir de teste para saber se o transe por que passa a relação entre a sociedade e a política vai passar. Quanto será que dura o efeito do chá de cogumelo que bebemos por volta de junho de 2013?

Sob a ação do alucinógeno, a própria ideia de representação ganhou a condição de pecado irretratável. Espalhou-se feito gás a imagem de políticos como espertalhões corruptos, que pedem voto apenas para gozarem de privilégios às nossas custas.

Do lado de lá do balcão, mandatários também recorriam à própria farmacinha. Fecharam-se num circuito lisérgico com os financiadores de suas campanhas que a cada giro exigia mais dinheiro e mais negociatas.

Ruy Castro* - Arranha-céu de vidro

- Folha de S. Paulo

Governo quer saber sua voz, digitais, cor dos olhos. É o atalho para o controle

Em 2013, as incursões de Edward Snowden por computadores a que não fora convidado revelaram que a Agência Nacional de Segurança dos EUA podia vigiar a população americana através de um programa de interferência nos celulares, adquirido das empresas de telecomunicação. Ou seja, a mulher do sujeito podia não saber que ele estava tendo um caso com a Beyoncé, mas o governo sabia.

O Brasil acaba também de instituir por decreto o Cadastro Base do Cidadão —uma “base integradora” de dados pessoais dos brasileiros. Segundo li, constará de dados cadastrais —nome, data do nascimento, sexo, filiação, RG, CPF, CNPJ, PIS, Pasep, título de eleitor etc. A estes serão acrescidas, em devido tempo, as “bases temáticas”, incluindo dados biométricos: palma das mãos, digitais, cor dos olhos, formato do rosto, voz, maneira de andar. Serão dados “interoperáveis”, ou seja, circularão pelos ministérios, agências e demais órgãos do governo.

Ricardo Noblat - E assim se passa 1 ano da eleição de Bolsonaro

- Blog do Noblat | Veja

O que virá?
A uma semana de sua eleição completar um ano, em périplo pela Ásia que começa com uma visita ao Japão, o presidente Jair Bolsonaro haverá de se lembrar (ou alguém fará isso por ele) de uma de suas primeiras declarações feita sob o calor da vitória:

– Quero que ele mofe na cadeia.

Referia-se a Lula, àquela altura encarcerado em Curitiba há quase 7 meses. Lula está com um pé fora da cadeia. Avançará o outro se o Supremo Tribunal Federal, esta semana, restabelecer a prisão só depois que a sentença transitar em julgado.

É o que prevê a Constituição e o que, por aqui, deixou de valer desde que foi permitido à segunda instância da Justiça prender quem ela condenasse. Daqui a mais um mês, caso o Supremo venha a anular sua condenação, Lula deixará de ser ficha suja.

Com a ficha limpa, poderá sair por aí na condição de candidato à sucessão de Bolsonaro, o que para o ex-capitão não será nenhum incômodo. O contrário. Bolsonaro precisa de Lula para se reeleger. E Lula de Bolsonaro para governar o país pela terceira vez.

E tudo isso terá se passado antes mesmo de um ano da posse do presidente eleito em 28 de outubro de 2018. Foi outro dia! Com apenas 10 meses de governo, Bolsonaro perdeu o controle sobre o partido pelo qual foi eleito, o nono de sua carreira.

A Lava Jato está nos seus estertores. Gorou o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro. A reforma da Previdência ainda se arrasta no Congresso. Flávio “Zero Um” Bolsonaro virou refém da Justiça que suspendeu por ora a investigação dos seus rolos fiscais.

Eduardo “Zero Três” Bolsonaro é chamado de “moleque mimado” por antigos parceiros depois de derrotado por um delegado de polícia na disputa pelo cargo de líder do PSL na Câmara dos Deputados. Quanto ao sonho de ser embaixador em Washington…

Os militares apoiaram a eleição de Bolsonaro com a pretensão de tutelá-lo mais tarde. Uma vez que não querem abrir mão dos bons salários que complementam suas aposentadorias, parecem conformados em ser tutelados pelo ex-capitão. Selva!

Bruno Carazza* - Do limão à limonada

- Valor Econômico

Crise do PSL deveria fomentar debate sobre sistema político

Nas duas últimas semanas só se falou sobre a crise no PSL. Enquanto os membros do partido se digladiam diante das câmaras de TV e nas redes sociais, o público se delicia a cada áudio vazado ou treta no Twitter. Em tempos de recuperação econômica claudicante e sem novidades partindo do governo (há meses Paulo Guedes anuncia suas reformas tributária, administrativa e do pacto federativo, e até agora nada...), o barraco no partido do presidente dá o que falar.
Na origem da disputa está o controle sobre centenas de milhões de reais que serão destinados ao PSL pelos fundos eleitoral e partidário. Embora a vitória de Bolsonaro e a boa renovação no Congresso Nacional tenham levado muitos a acreditarem no surgimento de uma nova política, a cada dia fica mais claro que dinheiro, eleições e Poder continuam a ser as engrenagens que movem o sistema político brasileiro.

Existem cinco caminhos principais para ser bem-sucedido eleitoralmente no Brasil hoje em dia: i) ter proximidade com os caciques partidários, ii) ser rico, iii) possuir conexões com doadores bilionários, iv) ter rebanhos cativos de eleitores (como os evangélicos), ou v) ser uma celebridade. São poucos os deputados hoje que não se enquadram em pelo menos um desses grupos.

Uma campanha vitoriosa para deputado federal em 2018 custou, em média, R$ 1,1 milhão. A importância do dinheiro público como fonte de recursos é impressionante: 77,5% de todos os gastos dos deputados eleitos foram pagos com dinheiro distribuído pelos partidos. Dos 513 membros da Câmara, 354 receberam pelo menos R$ 500 mil de seus partidos no ano passado - e é para ter uma fatia ainda maior nesse quinhão que os parlamentares brigam atualmente, seja em conjunto (para aumentar o valor do fundo eleitoral) ou entre si, como atesta a guerra no PSL.

Mas existem outras formas de se chegar a Brasília. Na atual legislatura, 93 deputados gastaram mais de R$ 100 mil do próprio bolso para custear sua campanha - Paula Belmonte (Cidadania-DF) chegou a torrar R$ 2,4 milhões na eleição.

Luiz Carlos Mendonça de Barros* - Por que acredito na recuperação cíclica

- Valor Econômico

Recuperação do emprego e expansão vigorosa do crédito bancário serão fatores de aceleração da economia em 2020

Vou usar como imagem na coluna deste mês um filme menor da obra de Federico Fellini, “E La Nave Va”. Seu argumento é o enterro, no mar Adriático, ao largo de uma pequena ilha em que nasceu, de uma famosa diva da ópera italiana às vésperas do início da Primeira Guerra Mundial. É uma obra cômica que conta a vida, a bordo de um navio luxuoso, de uma trupe de artistas seguindo para um destino que já estava traçado em função de acontecimentos fora de seu controle.

O objetivo de Fellini foi o de mostrar como a vida se desenrola normalmente mesmo quando um acontecimento dramático - mas previsto - se aproxima de seu clímax.

A narrativa de “E La Nave Va” é uma imagem perfeita do drama vivido por nós brasileiros desde o momento em que Dilma Rousseff, na busca desesperada de sua reeleição em 2014, ordenou a sua equipe econômica que agisse para manter por mais tempo os bons ventos da economia brasileira. Indo na contramão do que pedia o ciclo econômico à época, provocou rompimento de uma bolha de crédito e gasto público que havia se formado ao final do mandato de Lula.

A partir deste erro primário, a dinâmica natural da economia - como no filme “E la Nave Va” - tomou as rédeas dos acontecimentos gerando um processo político complexo e que levou a presidente ao impeachment e o governo do PT à lona com a recessão terrível que se seguiu.

Entrevista -‘Literalidade da Constituição precisa ser cumprida’, diz pesquisador

Alexandra Martins | O Estado de S. Paulo

O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), Michael Mohallem, vê bons argumentos tanto dos defensores de que o artigo 5.º da Constituição, que garante o princípio da presunção da inocência, deve sobrepor qualquer debate sobre o tema em julgamento no STF quanto daqueles que criticam o excesso de recursos para mandar um criminoso para a cadeia. Para ele, uma das saída seria reformar o Código do Processo Penal de forma a diminuir as possibilidades de apresentação de recursos. Enquanto essas mudanças permanecem no campo teórico, Mohallem conclui que não há como fugir do cumprimento da “literalidade da lei”, por mais complexo que o tema seja para a Suprema Corte. “Nos fizemos a Constituição. Vamos ter de conviver com isso”, disse ele ao BRP.

Confira abaixo a entrevista
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BRP – Parece estranho, mas o STF vai decidir se o País vai aplicar ou não um dispositivo constitucional?

Michael Mohallem – Sim. O instrumento serve para isso. A ação direta de constitucionalidade é proposta quando há uma dúvida se uma lei específica é constitucional ou não. Nesse caso, há uma norma que está em vigência dizendo que é constitucional prender após segunda instância. Só que, como há muitos casos que questionam isso, essa ação serve para solidificar de uma vez o entendimento. Ela diz: ‘Eu quero que o Supremo declare de uma vez que isso é constitucional e por meio dessa ação ela tem efeito vinculante’. A partir dessa decisão do Supremo, os juízes de outras instâncias estariam condicionados a seguir esse mesmo entendimento, para dizer se o dispositivo do Código do Processo Penal é condizente com a Constituição.

Depois de tantas tentativas, esse entendimento já não deveria estar claro a essa altura?

Michael Mohallem – Deveria. Desde a Constituição de 1988, você tem a redação do artigo 5, inciso 57, que diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, e o artigo do Código do Processo Penal, o 283, segundo o qual ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. A discussão toda é se esses dois artigos conversam entre eles. Durante 21 anos, de 1988 até 2009, o Brasil, o Supremo, os tribunais aplicaram normalmente a prisão em segunda instância. Aí em 2009 houve uma mudança e em 2016 voltou para a condição atual. O caso concreto, quando ele chega, sinaliza uma jurisprudência, mas ele não vincula. Por exemplo: duas semanas atrás, o Supremo teve uma discussão muito importante sobre os corréus. Naquele caso, eles estavam discutindo um caso concreto. Ele não impõe que o juiz decida igual, mas ele manda uma mensagem para todo o Judiciário dizendo o seguinte: ‘Olha, você juiz de primeira instância, de segunda, de terceira, quando for tomar uma decisão, saiba que o Supremo já entendeu por maioria que o caminho é esse’. Agora, se o juiz decidir de outra forma, esse caso vai ser inevitavelmente alterado quando chegar até o Supremo.

Vera Magalhães - Voto de Rosa Weber, de novo, vai definir momento da execução de pena

- O Estado de S. Paulo

Serão pelo menos mais três sessões do plenário do Supremo Tribunal Federal nesta semana para que os 11 ministros tentem chegar, enfim, a um veredicto: afinal, em que momento deve se dar a execução de pena de prisão no Brasil? A novela se arrasta há anos, e virou assunto nacional em 2016, quando o STF mudou a sua jurisprudência a respeito do assunto, passando a entender que a pena de prisão poderia ser cumprida a partir da condenação em segunda instância, por um colegiado, e não precisaria aguardar o trânsito final em julgado – entendimento que vigorava desde 2009.

Desde então, a questão já voltou à pauta inúmeras vezes. Em outubro do mesmo 2016, os ministros reafirmaram o entendimento, por 6 votos a 5, ao julgarem liminares nas mesmas Ações Declaratórias de Constitucionalidade cujo mérito analisam agora. Em novembro daquele ano, reconheceram repercussão geral para a tese da prisão após condenação em segunda instância, num julgamento no plenário virtual.

E em junho do ano passado, ao analisar um habeas corpus do ex-presidente Lula, que havia sido preso em abril, o plenário manteve a validade da nova jurisprudência. Votaram pela execução da pena a partir da condenação em segunda instância Edson Fachin, Luiz Fux, Luís Barroso, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Pelo trânsito final em julgado Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello (relator das ADCs que estão em julgamento agora), Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Celso de Mello.

Carlos Pereira - O corredor estreito

- O Estado de S.Paulo

Democracia liberal exige estado e sociedade fortes e só se sustenta quando os dois estão em equilíbrio

Afirmar que o desenho institucional de um país importa para que a democracia se consolide de forma estável e sustentável virou lugar comum nos estudos comparados de política.

Sabe-se, por exemplo, que regimes presidencialistas em ambientes multipartidários requerem que o Executivo seja constitucionalmente e politicamente poderoso para que tenha condições de governar por meio de coalizões majoritárias. Sem esses poderes, um presidente minoritário perde capacidade de atrair apoio político, especialmente no Legislativo, e passa a enfrentar problemas e custos crescentes de governabilidade.

Já na versão bipartidária, o presidente não necessita ser tão poderoso para governar, especialmente quando seu partido possui maioria de cadeiras no Legislativo, situação que é conhecida como governo unificado. Na condição de minoria, entretanto, seria esperado maiores problemas governativos para o chefe do Executivo, pois a divisão de preferências entre o Executivo e Legislativo estaria conflagrada.

Em seu novo livro, The Narrow Corridor: States, Societies and the Fate of Liberty, Daron Accemoglu e James Robinson argumentam que além do desenho institucional entre os poderes, um outro elemento seria fundamental para que a democracia liberal floresça e se consolide de forma intertemporal: uma sociedade forte.

A liberdade requer a presença de um Estado forte. Entretanto, os autores rejeitam a ideia de um Estado superpoderoso, uma espécie de “Leviatã despótico”, como chamam no livro, cujos os cidadãos aceitariam a repressão política para obter em retorno a segurança pessoal e de seus investimentos como a única forma de evitar conflitos violentos.

Cida Damasco - O perigo Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Crise com PSL é ameaça, justamente quando há sinais de alívio na economia

Se há alguém que pode comprometer os planos da equipe econômica do governo Bolsonaro, pode-se dizer que esse alguém é o próprio Bolsonaro. Depois de uma penosa negociação para facilitar a aprovação final da nova Previdência no Senado com a liberação de parte dos recursos do megaleilão do petróleo para Estados e municípios, parecia que estava aberto o caminho para o encaminhamento das outras reformas – a administrativa, a tributária, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) emergencial, para cortar despesas, e a chamada PEC DDD, para retirar amarras do Orçamento.

Pois não é que o Planalto implode as relações com o PSL, seu próprio partido, na ânsia de se livrar dos respingos das investigações sobre candidaturas laranjas e promove uma troca intempestiva das suas lideranças no Congresso? Uma crise e tanto no quintal do bolsonarismo, com os oposicionistas limitados a mero espectadores. E uma crise justamente num momento em que será preciso conquistar apoios parlamentares para um conjunto de medidas importantes. Algumas delas bastante indigestas, que contrariam interesses corporativos, como a reforma administrativa, que mexe em salários, carreiras e na estabilidade dos servidores. Depois de várias idas e vindas sobre o cronograma de apresentação das propostas, as últimas notícias são de que primeiro virão a PEC dos gastos e a reforma administrativa. Uma reforma tributária fatiada, com a primeira etapa concentrada na fusão de alguns impostos, ficaria para o fim da fila.

José Goldemberg* - O futuro das energias renováveis no Brasil

- O Estado de S.Paulo

É essencial construir hidrelétricas com reservatório, prática que está sendo abandonada

O Ministério de Minas e Energia (MME) anunciou recentemente a publicação do Plano de Expansão de Energia para o decênio 2019-2029, que consiste de estudos e projeções realizadas pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do próprio ministério, e contém estimativas de custos das obras, mas não especifica as fontes desses recursos.

No passado distante os planos da Eletrobrás – onde eles eram preparados – tinham relação direta com os recursos da empresa ou dos aportes do Tesouro. Isso acabou, não só porque essas fontes de recursos “secaram”, mas porque as obras são agora licenciadas pelas agências reguladoras de eletricidade (Anel) e petróleo (ANP) e postas em leilão.

Apesar dessas limitações o Plano de Expansão tem influência em orientar os investidores privados e as próprias estatais como a Eletrobrás, a Cemig, a Copel e outras que podem competir nos leilões, que são diferenciados para os diferentes tipos de energia. Esse procedimento garante espaço para as diferentes fontes – energia hidrelétrica, térmica a gás e carvão, eólica, biomassa e solar fotovoltaica.

Uma novidade anunciada pelo governo é que pretende incluir nos planos de expansão seis usinas nucleares (de 1 milhão de quilowatts) do tipo da de Angra-2, a um custo estimado de US$ 30 bilhões, a serem instaladas até 2050. O custo por quilowatt seria, então, de US$ 5 mil por quilowatt, muito mais elevado do que outras opções, como energia hidrelétrica ou eólica.

Fernando Gabeira - O bode na sala

- O Globo

Os pobres continuarão presos. O STF não se lembra deles, exceto em episódicas campanhas de mutirão

Prometi a mim mesmo que não faria, esta semana, mais um artigo defendendo prisão em segunda instância. Não são nossos argumentos que pesam.

Os ministros do STF já estão decididos. Tudo o que podem fazer é ampliar o prazo do anúncio da decisão. Usar de novo a tática do bode na sala. Anunciam ou indicam uma decisão arrasadora para uma semana e guardam sete dias mais para apresentar algumas atenuantes. Esperam com isso reduzir o desgaste de sua imagem, que não é pequeno.

Durante muito tempo, acalentaram essa decisão. Esperaram cuidadosamente o momento ideal. Ganharam a simpatia agradecida de Bolsonaro pelo gesto de proteção ao filho, encalacrado no Rio. Foi um gesto tão amplo que paralisou, por tabela, um grande número de investigações baseadas em operações financeiras.

Observaram o desgaste de Moro. De vez em quando, deram um empurrão com frases indiretas ou mesmo o discurso desqualificador de Gilmar Mendes. O otimismo que alguns tiveram com as eleições não se justificou. Nem governo nem Congresso decidiram enfrentar a corrupção de frente.

Está tudo começando, diziam alguns. Estão sendo sabotados, acreditavam outros. A qualquer momento as coisas podem mudar, concluíam.

Não mudam fácil no Brasil. Um dos dramas que nos perseguem é este: ser governado por ladrões ou ditadores. Nos momentos históricos piores, as duas características se concentram num só governo.

Cacá Diegues - O modo de ser americano

- O Globo

Em ‘Coringa’, ficamos sabendo como a maldade dos outros cria malucos sanguinários, que matam e esfolam cheios de razão

Engana-se quem pensa que Hollywood produz só entretenimento. O que caracteriza os filmes americanos bem-sucedidos, antigos ou recentes, é justamente o compromisso com o chamado “American way of life”, as bases culturais que geraram e geram o comportamento americano. No cinema, isso vem desde que ele foi inventado e logo se tornou uma indústria.

Desde então, o pessoal esperto da Costa Oeste, graças aos banqueiros não menos espertos da Costa Leste, entendeu o alcance do cinema. E decidiram domar a nova invenção, à imagem e semelhança da sociedade que a produzia.

Tanto que o presidente Franklin Roosevelt, que, nos anos 1930, salvou a economia americana em frangalhos, lançou o mote que recuperava o orgulho nacional através do cinema, com a política dos três Fs: “Flag follows films”. Ou seja, em bom português, a bandeira americana vai junto com os filmes aonde eles chegarem.

O pai de todos os filmes, “Nascimento de uma nação”, de David W. Griffith, realizado com a proposta do que viria a ser a linguagem cinematográfica universal, tinha como assunto as lutas raciais no Sul, tendo a Ku Klux Klan como trincheira ideológica e política de seus heróis.

Flavia Lima* - Ecos que ainda vêm da casa-grande

- Folha de S. Paulo (20?10/2019)

Destino da imprensa está atrelado à importância que dá a 56% da população

Em homenagem ao Dia da Criança, no último sábado, o Correio Braziliense publicou fotos de 27 crianças sob o título "Elas são o futuro do Brasil".

Todas elas eram brancas.

Após protestos de leitores, o jornal veio a público pedir desculpas. Recorrendo à ideia de um país miscigenado, reconheceu o erro como "gravíssimo".

O retrato escolhido pelo principal jornal de Brasília dialoga, ainda que de modo inconsciente, com algo em que acreditavam alguns intelectuais no fim do século 19: a ideia de que a miscigenação embranqueceria o país e o faria avançar no processo civilizatório.

Mais de um século depois, o Brasil tem uma cara muito diferente. Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), os negros —a soma dos que se declaram pretos e pardos— representam 56% da população.

A despeito disso, a imagem que a imprensa continua fazendo do país é majoritariamente branca. Por quê?

Um longo texto da revista Piauí de outubro ("Letra Preta") indica que a quase ausência de negros produzindo conteúdo e decidindo os rumos das redações é uma boa explicação.

Quanto menor a diversidade, menor a pluralidade de visões e de representações.

É por isso que falta sensibilidade para perceber quão absurdo é excluir crianças negras desse tipo de cobertura, sobretudo num momento em que elas enfrentam tanta violência.

Escola de novos políticos mira eleição municipal e tenta se descolar de Huck

Iniciativa do RenovaBR capacita 1.400 alunos no país e trata apresentador apenas como um apoiador

Joelmir Tavares | Folha de S. Paulo (20/10/2019)

RECIFE E SÃO PAULO - “Vocês são a próxima geração de líderes do Brasil”, “olhem para o lado, vocês não estão sozinhos”, “tem mais gente como vocês”, “ninguém falou que ia ser fácil”, “mostrem para as pessoas que política não é só aquilo que elas leem no jornal e as deixa às vezes chateadas”.

No auditório, 157 pré-candidatos a vereador e a prefeito da região Nordeste ouviam as mensagens de estímulo, na tarde ensolarada de um sábado de setembro no Recife.

O grupo, formado por pessoas em sua maioria na casa dos 20 a 30 anos, faz parte da turma que está sendo capacitada pelo RenovaBR para entrar na vida pública e disputar as eleições de 2020. São 1.400 alunos em 445 cidades, em todos os estados, que fazem um curso a distância por cinco meses.
A iniciativa é aquela que ficou conhecida por ter como garoto-propaganda o apresentador da TV Globo e empresário Luciano Huck, tratado oficialmente pela entidade como “apenas um apoiador”.

Fundada em 2017 pelo empresário Eduardo Mufarej, a autodenominada primeira escola de políticos do Brasil, mantida com doações privadas, ajudou a eleger 17 parlamentares em 2018 e agora mira os pleitos municipais.

Quer repetir o sucesso alcançado com a deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP), a estadual Marina Helou (Rede-SP) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), alguns dos eleitos com um empurrão da organização suprapartidária.

Os três integravam o grupo de 133 potenciais candidatos que fizeram o curso em São Paulo em 2018. O programa vai desde introdução a conceitos de democracia e política até estratégias de campanha eleitoral. Como a abrangência agora é maior, as aulas são pela internet.

E os encontros regionais (cinco no total, em capitais como Rio de Janeiro e Florianópolis) foram agendados para os inscritos conhecerem uns aos outros e se enxergarem como uma comunidade.

O do Recife, que foi acompanhado pela Folha, combinou ares de palestra motivacional com dinâmicas de grupo e palestras no estilo TED Talks. Monitores do curso, de microfone preso na bochecha, se revezaram no palco diante do imenso telão.

Grupos de renovação política ganham força e incomodam partidos

Bancados por doações, grupos que atuam para a formação e a ‘qualificação’ de políticos ampliam sua influência no Legislativo e atraem a oposição de siglas tradicionais

Adriana Ferraz e Matheus Lara | O Estado de S.Paulo

Grupos surgidos nos últimos anos com o objetivo de renovar ou “qualificar” a política se tornaram influentes a ponto de manter e orientar uma verdadeira “bancada” no Congresso e possuir orçamento superior ao de partidos tradicionais. A ascensão desses movimentos ocorreu em meio ao desgaste da classe política e das siglas partidárias. Essa atividade, porém, entrou na mira de líderes na Câmara, que planejam aprovar uma lei que limite doações e combata a infidelidade partidária.

Com diferentes perfis e bandeiras, movimentos como RenovaBR, Agora!, Acredito, Livres, MBL e a Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) ajudaram a eleger 54 políticos em 2018, sendo 30 no Congresso. Entre eles, deputados que hoje pedem aval da Justiça para deixar os partidos.

No cenário atual em que as siglas tradicionais dependem basicamente de recursos públicos, os grupos de renovação são custeados por doações privadas. Juntos, informam ter orçamento de R$ 29,6 milhões, superando os repasses anuais do Fundo Partidário a partidos como PSOL, Podemos, SD e Novo. O MBL não divulgou seus dados.

Entrevista /Jairo Nicolau - ‘Grupos não estão renovando os partidos’

Entrevista com Jairo Nicolau, cientista político e pesquisador da FGV

Cientista político diz que movimentos trazem novas ideias para a política, mas não para as legendas, que se tornaram ‘paraestatais’

Adriana Ferraz |O Estado de S.Paulo

Estudioso do sistema eleitoral brasileiro, o cientista político Jairo Nicolau, pesquisador do FGV CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil), atribui a ascensão dos chamados grupos de renovação da política à crise enfrentada pelos partidos tradicionais que, segundo ele, estão se transformando em “instituições paraestatais”, tamanha a “dinheirama” que recebem dos cofres públicos.

Autor de livros como Representantes de Quem? Os (Des)caminhos do seu Voto da Urna à Câmara dos Deputados, Nicolau lamenta, nesta entrevista ao Estado, que esses movimentos estejam renovando a política, mas não os partidos, imprescindíveis em qualquer democracia. 

Confira os principais trechos da entrevista:

• Os grupos de renovação estão ocupando o espaço dos partidos?

Os partidos sempre foram os formadores dos políticos. A carreira clássica de um político se faz pelos canais partidários. Eu não estaria errado em dizer que esses movimentos desconfiam desse processo, que tem formado quadros incompetentes, despreparados. E nós precisamos preparar as pessoas com cursos, bolsas, processos de formação e impulsionar a carreira dessas pessoas. Mas a única forma no Brasil, e em quase todas as democracias, de ser um ator legítimo numa corrida eleitoral é estar filiado a um partido.

• O ideal para esses grupos seria então a candidatura avulsa?

Há muita fantasia em relação a isso. As candidaturas avulsas são totalmente marginais no processo global. Mas aqui acho que o sonho deles era ter as candidaturas avulsas, que resolveriam um problema. Querem cumprir seus mandatos, sendo bons gestores, mas preferencialmente fora dos partidos. Mas os partidos estão aí e não tem jeito. Muitos partidos deram um falso mandato avulso. Emprestou-se a legenda para eles concorrerem, dizendo que dariam autonomia.

• Qual a consequência de se emprestar uma legenda?

Quando esses movimentos não optam por criar uma legenda ou fortalecer um partido que já existe geram um território cinzento em que não está bem definido o que é o espaço de cada um. Se o partido foi só uma barriga de aluguel, emprestou a legenda e deu autonomia. Acho que há um risco, uma visão na praça difundida em certos segmentos de fazer de seu mandato uma espécie de ONG. Eu recruto por concurso, eu consulto os eleitores online, eles decidem onde eu vou botar o dinheiro, daí presto contas a eles.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A doutrina do Ministério Público – Editorial | O Estado de S. Paulo

A doutrina do MPF é e sempre deve ser exclusivamente a lei. A bíblia que vale para nortear sua atuação é a Constituição. Toda ação que dela se desviar é abuso.

Nos últimos cinco anos, desde a deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato – e lá se vão 66 até o momento –, não foram poucos os editoriais publicados nesta página em louvor ao inestimável serviço prestado ao País pela força-tarefa composta por membros da Polícia Federal (PF), do Ministério Público Federal (MPF) e da Receita Federal.

Os números da maior operação de combate à corrupção e à lavagem de dinheiro já realizada no Brasil são impressionantes e falam por si sós. Porém, muito mais importante do que os resultados tangíveis da Lava Jato foi o resgate da confiança dos brasileiros no primado da igualdade de todos os cidadãos perante a lei. Este, sem dúvida, é o maior legado da operação.

Até o advento da Lava Jato, salvo raras exceções, a isonomia consagrada pela Constituição não passava de letra morta no imaginário da sociedade, sabedora de que as cadeias no Brasil, tradicionalmente, eram lugares destinados apenas aos criminosos negros e pobres. A realidade mostra que ainda não deixaram de ser, mas já é possível notar fissuras nesse muro até então intransponível para os mais abastados.

Coerente com seu compromisso centenário de defender a lei e a liberdade acima de tudo, o Estado também não se furtou de apontar neste mesmo espaço os desvios legais cometidos por alguns membros da força-tarefa da Lava Jato e do Poder Judiciário em nome do combate à corrupção e de uma suposta “depuração” do País, cujo corolário mais nefasto foi a desqualificação da atividade política. Na inarredável defesa da lei e do devido processo legal, não raro o Estado foi de encontro à corrente de pensamento, por vezes majoritária, que defende a nobreza dos fins como forma de escamotear os vícios dos meios.

Poesia | Fernando Pessoa - Acordar

Acordar da cidade de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do Ouro,
Acordar do Rocio, às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo a gare, que nunca dorme,
Como um coração que tem que pulsar através da vigília e do sono.

Toda a manhã que raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de todos os lugares a frescura que sobe por tudo.

Uma espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja

A mulher que chora baixinho
Entre o ruído da multidão em vivas...
O vendedor de ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de individualidade para quem repara...
O arcanjo isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende para o mesmo centro,
Busca encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.