terça-feira, 22 de outubro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Como perder a guerra

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“O PSL é belicoso e midiático, na primeira crise interna, o que se vê são gravações feitas sem autorização, ameaças de denúncias e muito bate-boca entre seus deputados nas redes sociais”

Usada à farta no Brasil para caracterizar uma atitude fadada ao fracasso, não existe uma explicação para a existência da expressão “Foi assim que Napoleão perdeu a guerra”, sobre a qual não há referências em alemão, francês, russo ou inglês. Alguns atribuem a expressão aos portugueses, uma espécie de vingança sarcástica devido à invasão de Portugal pelo exército francês e a consequente fuga de D. João VI e sua corte para o Brasil, em 1808.

As especulações vão da desastrosa retirada de Napoleão da Rússia, em 1812, depois da ocupação de Moscou, pois a cidade fora evacuada e, depois, incendiada (o exército russo evitou o confronto aberto e perseguiu as tropas francesas em pleno inverno, até Paris) a uma suposta crise de hemorroidas que o impedira de montar durante a Batalha de Waterloo, em 1815, quando foi definitivamente derrotado pelos ingleses.

O chiste lusitano é sob medida para a crise do PSL, cujo último lance foi a renúncia do líder da bancada na Câmara, deputado Delegado Waldir (GO), e sua substituição pelo deputado Eduardo Bolsonaro (SP), filho do presidente da República. Jair Bolsonaro se encontra no Japão, primeira etapa de sua viagem à Ásia, mas de lá monitora a operação que levou seu filho à liderança do PSL.

Apesar de ter a maior bancada governista da Câmara, com 53 deputados, o PSL nunca foi o partido hegemônico na Casa, embora seja muito estridente na tribuna e nos apartes, além de agitar as redes sociais. Agora, com essa divisão, corre o risco de ser tornar irrelevante, a não ser que haja um acordo interno que apazígue a disputa. Falta à bancada do PSL cultura parlamentar para o entendimento e a composição, num ambiente com ritos de convivência consolidados.

O modus operandi do partido é belicoso e midiático. Na primeira crise interna, o que se vê são a divulgação de gravações feitas sem autorização, ameaças de denúncias sobre os podres partidários e muito bate-boca pelas redes sociais, às vezes em linguagem completamente estranha à vida parlamentar, como a guerra de emojis entre a ex-líder do governo no Congresso Joice Hasselmann (PSL-SP) e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PSL), filho do presidente da República, que nem da bancada é.

Ricardo Noblat - O caminho do dinheiro mais fácil

- Blog do Noblat | Veja

Lições da crise do PSL
Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, pediu ao pai a embaixada do Brasil em Washington de presente de aniversário. No último dia 10 de julho, ao completar 35 anos, ouviu dele que a embaixada seria sua. “Se eu puder dar filé mignon pro meu filho, eu dou”, justificou o presidente Jair Bolsonaro sem corar. Comovente, não?

Ontem, em Tóquio, depois de acompanhar à distância os novos lances da guerra interna que detonou no PSL, antes de viajar, o pai pediu ao filho de presente de fim de ano que abra mão da embaixada para ficar como líder do partido na Câmara dos Deputados. De todo modo, como anunciou, o pai aceitará qualquer decisão do filho.

Em jogo, nos dois casos, os superiores interesses da nova família imperial brasileira. A embaixada serviria para que Eduardo corresse atrás de futuros negócios que pudessem render algum capilé – para o país, naturalmente. O cargo de líder do PSL, para que o clã Bolsonaro controle a curto prazo o caixa milionário do partido.

O extraordinário é que tudo isso se passe aos olhos do distinto público, sob os holofotes da mídia, e sem despertar nenhuma revolta, sequer barulho. Salve o mundo novo das narrativas e da escolha pessoal da verdade. A depender de cada um, estamos diante de um escândalo ou de uma manobra política apenas esperta.

Um presidente da República se acha no direito de rasgar todo o conhecimento adquirido pelos diplomatas do seu país e afrontar os costumes da diplomacia internacional indicando o seu filho inexperiente para embaixador junto a maior potência bélica, econômica e política do planeta. Beleza!

E depois de se ocupar durante meses na caça ao voto dos senadores dispostos a aprovar a indicação desde que em troca de favores e sinecuras, o chefe da família alçado à condição de Presidente da República engata a marcha ré e escala o filho para outra tarefa que julga bem mais lucrativa. Beleza! Beleza!

Parece ensinar ao filho: siga sempre o dinheiro, garoto. O dinheiro mais fácil, seguro e imediato. E não ligue para o que os outros pensem. Com os recursos disponíveis e ao nosso alcance, parte dos outros pensará o que desejarmos. Por exemplo: que o dinheiro não nos move, mas sim a necessidade de fazermos uma faxina no partido.

Fiquem à vontade para acreditar no que quiserem. Está na moda.

Joice quer ser a Zero Quatro

Carlos Andreazza - O bolsonarismo é uma força de traição

- O Globo

O contrato de aluguel firmado entre Gustavo Bebianno e Luciano Bivar era claro: o presidente do PSL entregaria o partido ao bolsonarismo, com porteira fechada, durante o processo eleitoral, e o teria de volta, robusto, ao fim da eleição.

Era – para quem desconhece a natureza do fenômeno bolsonarista – um típico acordo de ganha-ganha. Jair Bolsonaro levaria a plataforma burocrática necessária ao pleito pela Presidência; e Bivar a retomaria adiante com, na pior das hipóteses, uma bancada parlamentar encorpada e maior valor no mercado dos fundos públicos partidários. Em tese, um baita negócio.

Nunca houve santos nesse trato; sendo a desqualificação partidária contida no business mais um golpe desferido pelo bolsonarismo contra a democracia representativa. Todos os que, filiando-se ao partido de aluguel, associaram-se ao projeto autoritário de poder bolsonarista – tanto os de boa vontade quanto os em busca de uma boquinha – são responsáveis pela depreciação político-institucional que o arranjo PSL/Bolsonaro desfecha. Entre os signatários do pacto vil, porém, foi Bivar quem cumpriu sua parte; decerto iludido sobre o caráter bolsonarista e a inevitabilidade de que, cedo ou tarde, para além do simples desrespeito a acordos, traísse.

Essa gente trai. Tem a índole para o expurgo. Atrai e trai. Atrai, instrumentaliza, manipula, gasta, desgasta – e trai. Então, passada a eleição, com Bolsonaro consagrado presidente, e não sem rápidos indícios de que seu controle sobre o Estado pudesse se estender também à Polícia Federal, era questão de tempo até que a engenharia de intimidação bolsonarista se concentrasse em assaltar e tomar o partido; em rebaixá-lo para melhor capturá-lo segundo o interesse autocrático: uma mera estrutura sem identidade, para fins formais, mas com fundos para bancar a conta do projeto personalista de poder do bolsonarismo.

Ricardo Rangel* - Arrecua os arfes, presidente

- O Globo

Bolsonaro não tem adversários: tem inimigos, e seus aliados devem se comportar como súditos, sob pena de serem vistos como traidores

‘Pode me levar até a outra margem?”, perguntou o escorpião. “Não, você vai me picar, e eu vou me afogar”, respondeu a rã. “De jeito nenhum, se eu te picar, morro também”. A rã aceitou o argumento, e carregou o escorpião, que, no meio do rio, a picou. “Por que você fez isso? vamos morrer os dois!”, gritou a rã. “Não pude evitar, é a minha natureza”, respondeu o escorpião enquanto ambos afundavam.

Nos últimos meses, Bolsonaro brigou com jornalistas, políticos, intelectuais, cientistas, professores, artistas, ambientalistas, mulheres, homossexuais, transexuais, negros, militares, policiais, auditores, ministros, secretários, líderes estrangeiros. O confronto é sua natureza: ele não tem adversários, tem inimigos, e seus aliados devem se comportar como súditos, sob pena de serem vistos como traidores e tratados como inimigos.

O inimigo da vez é o ex-aliado Luciano Bivar. Depois de meses de disputa com o presidente do PSL pelo controle da verba do partido, Bolsonaro declarou que Bivar está “queimado” e recomendou que se esquecesse o PSL. Quis sair do partido, mas percebeu que teria que deixar o dinheiro para trás, e recuou: “foi uma briga de marido e mulher” (não disse quem é o marido e quem é a mulher) — as analogias erótico-conjugais do presidente são interessantes: a relação com Paulo Guedes é um “casamento hétero”; o atrito com Rodrigo Maia foi uma briga de namorados; o encontro com Augusto Aras foi “amor à primeira vista”; Trump ganhou um “I love you”.

Bolsonaro passou a exigir que o partido publique suas contas, diz que a falta de transparência sobre o laranjal do PSL é motivo para que seus apoiadores abandonem o partido sem perder os mandatos (e o dinheiro) — mas não vê no laranjal motivo para demitir seu ministro do Turismo, já até denunciado pelo Ministério Público. Bivar retaliou contratando auditoria para examinar a campanha de Bolsonaro. Coincidência ou não, a Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão contra Bivar. Daí para a frente, foi ladeira abaixo.

Bernardo Mello Franco - Depois da Lei de Gérson, a Lei de Jair

- O Globo

Em 1976, o país foi apresentado à Lei de Gérson: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo?”. Em 2019, passou a vigorar a Lei de Jair: “Se eu puder dar filé mignon pro meu filho, eu dou”.

Jair Bolsonaro foi ao Japão para assistir à entronização do imperador. Naruhito assume o lugar de Akihito, que abdicou em abril. Por aqui, o presidente parece tratar os filhos como príncipes regentes.

Em guerra com meio PSL, Jair indicou Eduardo como novo líder do partido. O Zero Três derrubou Delegado Waldir, que se sentiu traído e promete vingança. O deputado goiano também integra a bancada da bala, mas não tem o sobrenome do capitão.

A escolha do herdeiro agravou ressentimentos com o clã presidencial. O senador Major Olímpio, bolsonarista de carteirinha, já disse que os filhos do presidente têm “mania de príncipe”. “Ainda não reconheço no país uma monarquia, uma dinastia”, ironizou.

Ontem a deputada Joice Hasselmann pegou mais pesado: “Esses moleques precisam de camisa de força. São um risco para o Brasil e para o mandato do presidente”. Até a semana passada, ela pontificava como líder do governo no Congresso. Agora bate boca com Eduardo e Carluxo, chefe das milícias virtuais do pai.

José Casado - 50 dias de inépcia no litoral do país

- O Globo

Chegou na maré da Lua nova, no 4 de setembro, em Pernambuco. Avisos chegaram às prefeituras, governo estadual e, também, a Brasília, mas o ministro do Meio Ambiente estava ocupado — “gravação do Hino Nacional”, segundo a própria agenda.

Cavalgando correntezas, a goma negra e contaminante invadiu 43 praias do Rio Grande do Norte nas três semanas seguintes. O ministro Ricardo Salles viajava por São Paulo, Bonito (MT), Cartagena, Washington, Nova York, Paris e Berlim. Foi mostrar que o desmatamento da Amazônia é coisa de comunistas.

Declarou guerra na redes sociais a quem “viaja ao exterior para ficar falando mal do seu próprio país”. De Washington, escreveu: “O Brasil está se modernizando”. De Nova York, registrou: “O Brasil é exemplo de sustentabilidade!” Enquanto isso, a mancha negra se espraiava por Sergipe, levando o estado à emergência.

Míriam Leitão - A chance do Brasil no banco dos Brics

- O Globo

Banco do Brics pode ser uma fonte de crédito para infraestrutura em projetos ambientais nos centros urbanos

O Brasil poderia tirar mais proveito da sua relação com o banco dos Brics, criado em 2015 no governo Dilma. Até porque as taxas de juros, cobradas pela instituição, são bem mais baixas que as do mercado e sua vocação é financiar projetos de infraestrutura, segundo o vice-presidente José Buainain Sarquis. A lentidão do país em superar a crise fiscal, a situação financeira dos estados, o excesso de burocracia têm afetado o ritmo das operações.

O governo é dono de 20% do capital da instituição, de US$ 10 bilhões. Com esse capital, pretende-se alavancar US$ 40 bilhões em operações. Até agora, o Brasil foi o que menos créditos conseguiu tomar. O país já fez aportes de US$ 1 bilhão, metade do que tem que capitalizar, mas só aprovou US$ 620 milhões em financiamentos, o valor mais baixo entre todos os membros do grupo. Os estados e municípios são clientes em potencial, mas muitos não têm crédito porque estão com uma nota baixa no ranking fiscal do Tesouro.

Vera Magalhães - Bolsonaro viaja, mas leva crise do PSL na mala

- O Estado de S. Paulo

Mesmo no Japão, presidente não se descola da guerra no partido, que teve novos (e não os últimos lances). Até onde isso vai?

Imprevisível. Nenhum dos lados é capaz de prever um desfecho de longo prazo para o estica e puxa que virou a disputa pela liderança da sigla na Câmara. Parecia que um acordo estava no horizonte quando o ex-líder, Delegado Waldir (GO), gravou um vídeo em que aceitava passar o bastão. O líder do governo na Câmara, o também goiano Major Vitor Hugo, protocolou nova lista com 28 assinaturas designando Eduardo Bolsonaro para o posto - mudança aceita, desta vez, pela Secretaria Geral da Mesa da Casa.

Ser ou não ser. Ainda assim, o próprio filho do presidente deu entrevistas dizendo que não tinha garantias de que se manteria no comando da bancada. Dito e feito: a ala ligada ao presidente do partido, Luciano Bivar, se articula para tentar retomar o comando da bancada. Enquanto isso, no entanto, Eduardo já depôs todos os vice-líderes ligados a Bivar. A artilharia de uns contra outros continuou nas redes sociais e em programas de rádio e TV.

Pedro Fernando Nery* - O muro do salário mínimo

- O Estado de S.Paulo

A avanço do mínimo poderia dar lugar a uma política de valorização do Bolsa Família

O Congresso aprovou o salário mínimo de R$ 1.040 para 2020, reajustado pela inflação, encerrando a política de valorização do salário mínimo (SM). Até 2019, o reajuste era pela inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes. Nos EUA, os candidatos democratas prometem dobrar o salário mínimo nacional, que passaria a superar o mínimo da maior parte das cidades. Lá como aqui o debate é centrado em uma preocupação: aumentar o salário mínimo aumenta o desemprego?

Partindo da lei da demanda, a elevação de um preço (o do trabalho) reduziria a demanda (a contratação de trabalhadores). A visão democrata tem rejeitado a tese, embalada por experiências como a de Seattle e outras cidades da Costa Oeste, que apesar dos maiores salários mínimos do país mantiveram baixo desemprego. Nessa visão, o mercado de trabalho seria grande demais para receber a mesma análise de outros (equilíbrio parcial), que ignoraria o poderoso efeito positivo do SM no consumo e, assim, no emprego. O aumento do SM não aumentaria o desemprego.

Pesquisadores têm alertado que estudos sobre experiências como a de Seattle desconsideram que, apesar de impacto desimportante no agregado da taxa de desemprego, grupos vulneráveis sofreriam impacto desproporcional (Clemens, 2019; Meer, 2019). É o caso de trabalhadores de baixa produtividade, de jovens inexperientes e daqueles das ocupações mais tendentes à automação.

Ana Carla Abrão* - Mitos ou verdades

- O Estado de S.Paulo

O Brasil tem gastos públicos que atingem hoje o equivalente a 39% do PIB; boa parte disso, com o financiamento da máquina pública

A reforma administrativa do governo federal nem chegou ao Congresso Nacional, mas a mobilização contrária já ganha corpo. Na última semana, antes mesmo do governo trazer a público o teor da sua proposta, um conjunto de entidades representativas dos servidores públicos federais divulgou um extenso documento em que verdades absolutas são questionadas e seus objetivos desvirtuados. Há que se reforçar, portanto, as motivações que justificam uma reforma da máquina pública brasileira. E elas são, fundamentalmente, a melhora da qualidade do serviço público, o aumento da produtividade da economia brasileira e a necessária redução dos gastos obrigatórios que vêm comprimindo a capacidade do Estado de investir e melhor servir a população.

Embora legítimo na defesa dos interesses das entidades que apoiaram a sua elaboração, o documento da Frente Parlamentar Mista pela Defesa do Serviço Público precisa ser confrontado com dados e informações que jogam por terra as teses que ele busca defender. Afinal, há fartas evidências na direção contrária. Além disso, a necessidade de se reformar a máquina pública não está vinculada ao seu desmonte, mas sim à sua melhora operacional, com impactos positivos significativos também para o servidor público.

Andrea Jubé - Sempre ao seu lado

- Valor Econômico

Amigo de Bolsonaro desde a juventude, Alberto Fraga é um dos integrantes do núcleo mais restrito do entorno presidencial e é cotado para entrar no governo

Em tom saudosista, ele sacou o aparelho do bolso do paletó e exibiu a tela do celular com as imagens do grupo de rapazes bronzeados, na faixa dos vinte e poucos anos, com o mar da Urca ao fundo, calções de banho vintage e desafiou: “ache o presidente aqui na foto”.
Não era difícil: o rapaz esguio de cabelos muito lisos e sorriso largo na extremidade direita era o futuro presidente da República, companheiro de juventude do ex-deputado e ex-secretário de Transportes Alberto Fraga.

Jair Bolsonaro, 64 anos, e Alberto Fraga, 63, foram contemporâneos na Escola de Educação Física do Exército (Esefex) que funciona até hoje no Forte de São João no Rio de Janeiro. Naquela época, início dos anos 80, Bolsonaro participou de um dos episódios mais dramáticos da vida do então tenente da Polícia Militar.

Num dia de folga, Fraga caminhava com a família pela Rua Sá Ferreira, em Copacabana, com o filho Diego no colo, quando foram assaltados. Um deles - que depois Fraga identificaria como “Galo Cego”, por causa da mancha no olho - apontou-lhe uma arma, indiferente ao bebê de duas semanas que tinha nos braços.

Os bandidos fugiram, mas Fraga voltou nos dias seguintes ao local do crime até reencontrar o bando e persegui-los até o esconderijo.

Depois Fraga pediu reforçou aos colegas da turma da Esefex para capturá-los. O único dos 45 que se voluntariou, segundo Fraga, foi Bolsonaro.

Como ele era militar do Exército, Fraga o dispensou, argumentando que era uma missão policial. Ao fim, Fraga acompanhado de soldados da Polícia Militar capturou os agressores e os levou presos, até o “Galo Cego”.

Fraga rememora o episódio como uma das primeiras demonstrações de amizade de Bolsonaro. Passados 38 anos, Fraga - mesmo sem cargo no governo - é um dos integrantes do núcleo mais restrito do entorno presidencial. Ele é um dos responsáveis pela indicação de Augusto Aras para a Procuradoria Geral da República.

Pedro Cafardo - Concessões dos liberais e o sofrimento de voar

- Valor Econômico

Economia deu discreto sinal de vida, mas ainda faltam estímulos

O governo Bolsonaro já não é tão ultraliberal na economia quanto no seu início. O discurso da equipe econômica não admitia ressalvas à política de austeridade e à sua obcecada disposição de promover antes de tudo a reforma da Previdência, para poupar gastos de R$ 1 trilhão em dez anos.

O Senado titubeia na aprovação final da reforma, em razão de ingerências políticas de governadores. Mesmo assim, o Banco Central avançou em sua política de redução dos juros e baixou a Selic para 5% ao ano, a menor taxa da história. Caixa e Banco do Brasil também reduziram seus juros, numa tentativa de puxar para baixo as taxas de todo o sistema financeiro. Algo parecido foi feito no governo Dilma Rousseff, com resultados negativos.

A Caixa abandonou a ideia de privatização defendida no início do governo e voltou a assumir seu tradicional papel na aplicação de políticas públicas, o que seria uma heresia dez meses atrás. Decidiu cortar os juros do cheque especial de 15% ao mês para 3% ao mês. Liberou, por decisão presidencial, cerca de R$ 42 bilhões do FGTS e do PIS/Pasep para estimular o consumo.

Medidas como essas não combinam muito com ideias ultraliberais. Representam um estímulo à demanda, num reconhecimento tácito de que o pavor da volta da inflação não faz mais sentido e de que o aumento do consumo fará bem à atividade econômica e criará empregos.

Hélio Schwartsman -Reinações de Jairzinho

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro continua insistindo em não seguir o roteiro da normalidade

Jair Bolsonaro foi eleito presidente porque não era um candidato normal. Ele despontou como uma figura antiestablishment num instante em que a população se rebelava contra o "statu quo".

Ao sagrar-se vitorioso, Bolsonaro superou os filtros de um sistema desenhado para afastar candidaturas como a sua. Afinal, não é todo dia que um representante do baixo clero da Câmara, famoso por insultar as pessoas e defender teses chocantes, sem estrutura partidária nem tempo de TV consegue ir para o segundo turno e derrotar um oponente menos destoante do "mainstream" da política.

Na Presidência, Bolsonaro continua insistindo em não seguir o roteiro da normalidade. Ele não apenas não se preocupou em montar uma coalizão parlamentar que dê sustentação a seu governo como também parece muito pouco empenhado em aprovar medidas que poderiam contribuir para que sua administração tenha êxito.

Ranier Bragon – A direita bolsonarista

- Folha de S. Paulo

Grupo não quer preservar, mas sim retroagir a um passado hoje relegado ao pó da história

Dias depois de o presidente da República instalar a balbúrdia no PSL, o bolsonarismo realizou uma autoproclamada conferência conservadora em São Paulo. Crucifixos na vagina, chicote em opositores, entre outros temas, ali foram debatidos.

Houve chance até para um discípulo de Olavo de Carvalho filosofar que o país carece de um pensamento estruturado de direita e conservador.

Em parte, ele tem razão. A não ser nas profundezas do esgoto da internet, não há mesmo um alicerce teórico a socorrer o bolsonarismo raiz.

Autoritarismo, defesa de ditaduras, da tortura, do bangue-bangue como ação de segurança pública, truculência nas redes sociais, homofobia, opressão das minorias, das mulheres, discurso genérico anticorrupção (desde que da porta pra fora), depredação do meio ambiente, desprezo pela ciência, pelas artes e pelo saber em geral, religiosidade primitiva, gosto por patriotadas toscas, enfim, uma adesão cega e surda ao tiozismo barrigudo de churrasco como filosofia de vida.

Pablo Ortellado* - O pequeno príncipe

- Folha de S. Paulo

Defensores da polarização não reconhecem co-responsabilidade em construir o adversário

Os críticos da polarização são muitas vezes acusados de defender uma política centrista insossa, com a dissolução dos polos em compromissos de meio-termo sem impacto. Eles matariam o antagonismo que é a essência da democracia e adotariam uma postura irresponsável de indiferença cínica diante das injustiças.

Faz parte da miopia polarizada conceber uma espécie de eixo ligando os polos, supondo que se não se está nas pontas, então se está no centro. Faz parte também dessa clausura cognitiva supor que a crítica da intolerância política é falta de força moral para se indignar e agir.

Os polarizados não apenas são incapazes de reconhecer a independência sem confundi-la com moderação; são também incapazes de ver o seu próprio papel na construção do adversário. Não conseguem ver que o confronto no qual se engajam é de natureza relacional, de maneira que são co-responsáveis pelo que acontece do outro lado.

Alvaro Costa e Silva – Merdunchos

- Folha de S. Paulo

Eles nunca foram tantos como no Brasil atual, em que os mais ricos ganham e os mais pobres perdem renda

O escritor João Antônio (1937-1996) andava na rua com o ouvido espichado para a fala do povo. Um hábito adquirido em São Paulo, sua cidade natal, e que trouxe para o Rio, onde se fez carioca de Copacabana. Ao capturar uma gíria, uma expressão, um xingamento, anotava no papel do maço de cigarros Plaza --"qualquer boteco é lugar para escrever quando se carrega a gana de transmitir", costumava dizer-- para depois passar a limpo num caderno de telefones com sua letra miúda. Em vez de números, definições do que foi pescado ao sabor das circunstâncias. Um exemplo do dicionário das calçadas: "Água (aquela): situação ruim".

Na novela "Paulinho Perna Torta", essa coleta vira literatura num chorrilho de sinônimos para dinheiro: "o carvão, o mocó, a gordura, o maldito, o tutu, o poroló, o mango, o vento, a granuncha, a seda, a gaita, o capim, o cobre, a manteiga".

Entre todas, no entanto, João Antônio tinha predileção por determinada palavra, que ele aplicava a seus personagens marginalizados. São os "merdunchos", que vivem naquela água e se viram justamente para conseguir algum dinheiro.

Joel Pinheiro da Fonseca - Não é só o Chile

- Folha de S. Paulo

Todo país tem pretextos para extravasar um desejo de revolta latente

O Chile não é um candidato óbvio para protestos violentos e saques em larga escala. É o IDH mais alto da América Latina e a economia mais rica. A desigualdade é alta para padrões OCDE, mas não aberrante para padrões do continente. Segundo a Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), está abaixo da média latino-americana e vem caindo ao longo dos anos.

O Chile tem as melhores notas do Pisa (exame que avalia estudantes de diversos países) na América Latina. Tem estabilidade política, democracia sólida com alternância de poder e boa forma econômica. No quesito corrupção, está entre as melhores pontuações no ranking da Transparência Internacional no continente. Perde apenas para o Uruguai.

Há problemas ligados à oferta de água? Sim, mas a cobertura de saneamento básico chega a quase 100% da população. Compare isso às maravilhas do sistema estatal brasileiro, em que metade das pessoas não tem coleta de esgoto.

Muito se fala da crueldade da aposentadoria chilena, outra possível causa da revolta popular. Por coincidência, na semana passada tivemos a publicação do “Melbourne Mercer Global Pensions Index 2019”, um ranking comparativo dos sistemas previdenciários de dezenas de países. Nele, a nota da previdência chilena é B (superior ao C brasileiro), num conceito que inclui diversos componentes. Quando avaliado apenas pelo componente social, a previdência chilena realmente deixa a desejar (perde, inclusive, para o Brasil). Mesmo nesse quesito social, contudo, o Chile está próximo da Colômbia e acima de países como México e Argentina. Não é um ponto negativo fora da curva.

Desigualdade é pano de fundo da revolta no Chile

Não são problemas que surgiram agora, eles se arrastam há anos e alguns têm sua origem na ditadura de Augusto Pinochet, mas se fundiram nos últimos dias em um levante furioso sem precedentes na história recente do Chile

Gerard Soler, EFE | O Estado de S.Paulo

O aumento do preço da passagem do metrô é somente a ponta do iceberg da violenta revolta social que foi registrada no Chile. O pano de fundo é a desigualdade social, a concentração extrema da riqueza, a impunidade diante da corrupção, a desconexão da elite política e a precariedade da saúde, as aposentadorias e a educação.

Não são problemas que surgiram agora, eles se arrastam há anos e alguns têm sua origem na ditadura de Augusto Pinochet, mas se fundiram nos últimos dias em um levante furioso sem precedentes na história recente do Chile, um país que se considerava um oásis em uma convulsionada América Latina.

O anúncio do presidente chileno, Sebastián Piñera, de revogar o aumento da tarifa do metrô não conseguiu aplacar os saques e o vandalismo que foram registrados em várias áreas de Santiago e outras cidades do país, pois a violência já se tornou um modo de manifestar o descontentamento com o modelo político, econômico e social.

Aposentadoria:
O sistema de previdência é um dos pontos mais criticados na sociedade chilena. O modelo foi estabelecido durante a ditadura de Pinochet e exige que os trabalhadores depositem mensalmente cerca de 12% do salário em contas individuais gerenciadas por entidades privadas – conhecidas como Administradores de Fundos de Pensão (AFP). Os AFPs investem no mercado em busca de lucrar com os fundos, mas não devolvem aposentadorias decentes e os aposentados recebem muito menos dinheiro do que ganhavam quando trabalhavam – a média de aposentadorias pagas em agosto foi de US$ 220, pouco mais da metade do salário mínimo (US$ 422). Paradoxalmente, militares e policiais participam de um sistema separado, que oferece aposentadorias muito mais altas.

Oposição chilena pede acordo nacional

Sob críticas por retórica militar, Piñera acena com diálogo e ‘pacto social’

Janaína Figueiredo  | O Globo

BUENOS AIRES - Em mais um dia de protestos e confrontos entre policiais e manifestantes no Chile, que já causaram 11 mortes, aumentou a pressão sobre o presidente Sebastián Piñera. A oposição propõe pacto nacional, que pode incluir uma nova Constituição. Toque de recolher foi ampliado.

Desde que o presidente do Chile, Sebastián Piñera, declarou, na noite de domingo, que seu país estava “em guerra contra um inimigo poderoso, disposto a usar a violência sem nenhum limite”, as críticas da oposição se multiplicaram e alguns setores já falam em eventual destituição do chefe de Estado.

Não é, ainda, uma posição generalizada, mas os questionamentos ao presidente se intensificam num ritmo vertiginoso e, paralelamente, cresce entre os opositores a demanda de que seja convocado um amplo acordo nacional que inclua, até mesmo, a discussão de uma nova Constituição.

Piñera está sendo acusado por seus opositores de ser contraditório, desorganizado, incapaz de entender o recado das ruas e de estar semeando o medo no país.

— Há poucos dias, o presidente disse que o Chile era um oásis de estabilidade, jamais imaginou o que aconteceria depois e não esta sabendo lidar com a bomba que explodiu em suas mãos — disse ao GLOBO Jaime Naranjo, do Partido Socialista, que preside a Comissão de Direitos Humanos do Senado.

MODELO INTOCÁVEL
Na noite de ontem, no entanto, Piñera afirmou ter ouvido “com atenção as carências e dores do povo ”. Em pronunciamento, anunciou ques e reunirá com partidos políticos da situação e de oposição hoje em busca de um “pacto social” e que vai impulsionar um plano de reconstrução em Santiago e regiões onde ocorreram atos de violência. Piñera anunciou, ainda, que sua agenda vai da redução dos preços dos medicamentos à melhoria dos empregos e das aposentadorias.

—Sei que às vezes usei palavras duras contra a violência e delinquência.
Compreendam-me, patriotas, eu o faço porque me indigna ver os danos e a dor que esta violência provoca — disse o presidente, suavizando o tom usado na véspera.

A crise chilena é tão ampla que já se fala no país em redefinir o modelo social e econômico instalado no regime militar e que até agora nenhum governo — de direita, centro ou esquerda — conseguiu modificar. Os protestos levaram à decretação de estado de emergência.

—A oposição deve transformar a crise em oportunidade. Temos uma acumulação de descontentamento social e só sairemos disso com mudanças profundas —opinou o deputado Pablo Vidal, do esquerdista Partido da Revolução Democrática e ex-líder estudantil.

Por que os chilenos se ressentem da desigualdade mesmo com a maior renda per capita da região

Apesar de queda na pobreza, disparidade permanece e se reflete em espaços urbanos segregados e capacidades diferentes de influência e poder

André Duchiade | O Globo

A admiração que muitos na América do Sul sentem pela economia do Chile, com seu crescimento esperado para 2019 de 2,5%, inflação anual de 2% e renda per capita de US$ 16 mil — são US$ 9,2 mil no Brasil, segundo o Banco Mundial —, ofusca, muitas vezes, a percepção de um sentimento de mal-estar social entre muitos chilenos, afirmam economistas de Santiago.

O abalo na imagem de estabilidade provocado pelos atuais protestos permitiu entrever uma face oculta do país, marcado por desigualdades acentuadas em indicadores como saúde, educação, aposentadoria e transportes.

— O Chile é um país notoriamente desigual, em que boa parte da população se vê apertada por muitas variáveis. Há muitos chilenos que vivem no limite do que precisam — afirmou o professor de Economia da Universidade do Chile Manuel Agosín.

O que a mídia pensa - Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

A reação dos oportunistas – Editorial | O Estado de S. Paulo

Surgidos a partir de 2012, os diversos movimentos dedicados à capacitação de quadros políticos, como Raps, RenovaBR, Livres e Agora!, vêm desde então oxigenando a política, seja por meio de debates, seja pela atuação dos líderes por eles formados. São organizações em geral apartidárias, sustentadas com recursos de seus integrantes e com aportes de patrocinadores privados. Os bons resultados desse trabalho não tardaram: desses movimentos saíram 54 políticos eleitos no ano passado, dos quais 30 para o Congresso. Diante dessa força, não demorou para que partidos pouco expressivos, política e doutrinariamente, começassem a se mobilizar para questionar os movimentos de renovação, como mostrou reportagem do Estado.

Tal reação era esperada. Os partidos contestadores são justamente aqueles que se notabilizam pela defesa exclusiva dos interesses de seus caciques, e não de ideias para a sociedade. Essas legendas não se fazem reconhecer por programa político, mas pela capacidade de fazer da atividade parlamentar um meio de parasitar o Estado. São, em resumo, representantes de tudo o que os movimentos de renovação da política combatem.

A estratégia desses partidos é questionar o financiamento dos movimentos. Em ofício ao Tribunal Superior Eleitoral, o deputado Fausto Pinato (PP-SP) pôs em dúvida a legalidade daquelas organizações, em particular no que diz respeito a doações de instituições privadas. “Se essas fundações podem receber doações, por que os partidos não podem?”, argumentou o deputado na petição. Santa ignorância, pois são justamente doações privadas que os partidos podem receber – à parte as escandalosas quantias provenientes dos fundos partidário e eleitoral, que são públicos.

Poema | João Cabral de Melo Neto - Tecendo a manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.