quarta-feira, 13 de novembro de 2019

Merval Pereira - Constituinte numa hora dessas?

- O Globo

Decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura institucional, como nos anos 1980, ao fim da ditadura militar

O que era para ser uma ironia até certo ponto aceitável, como tentativa de não falar sobre a possibilidade de prisão em segunda instância por ação do Congresso, tornou-se uma proposta extemporânea do presidente do Senado, Davi Alcolumbre.

Encantado com o som de suas palavras, talvez supondo que se transformava em articulador político de relevo, Alcolumbre passou a levar a sério a própria ironia e anunciou que estava propondo para valer uma Constituinte para fazer as mudanças que o Congresso considerar necessárias.

A mudança da Constituição para permitir prisão após a condenação em segunda instância está causando turbulência no Congresso, explicitando até mesmo, por áudios vazados, temor por parte de parlamentares envolvidos em denúncias de corrupção.

O fato político que ganhou dimensão nas últimas horas não é uma nova Constituinte, por ser inviável juridicamente, mas a alteração da Constituição através de uma emenda, ou a mudança do Código de Processo Penal.

A tese de Constituinte levantada por Alcolumbre não encontra respaldo na própria Constituição, que não prevê essa possibilidade. Depois de promulgada, em 1988, ela poderia ter sido revisada pelo Congresso cinco anos depois, mas não o foi. A partir daí, não há como mudá-la sem a utilização de uma proposta de emenda constitucional (PEC) a ser aprovada pelo Congresso.

Como a exigência para uma emenda constitucional é grande — três quintos dos votos na Câmara e no Senado, em duas votações —,essa é a garantia que temos de que a Constituição não será alterada a qualquer momento. É claro que uma PEC poderia, em tese, revogar a Constituição e convocar uma Constituinte, mas uma decisão desse tipo só seria aceitável em caso de ruptura institucional, como aconteceu nos anos 1980, após o fim da ditadura militar, resultando na atual Constituição.

Luiz Carlos Azedo - Bolsonaro e o novo sebastianismo

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“À crise de representação dos partidos soma-se a crise ética que desgastou os poderes da República e, por muito pouco, não implodiu os grandes partidos”

Quando do bloqueio continental de Napoleão à Inglaterra, justificativa para a invasão de Portugal pelas tropas do general Junot, os sebastianistas exultaram, por causa das profecias de Gonçalo Annes Bandarra, sapateiro e poeta de Trancoso, estudioso do Antigo Testamento, cujas trovas alimentaram o imaginário lusitano com o mito da volta do rei-menino, Dom Sebastião (Lisboa, 20 de janeiro de 1554 — Alcácer-Quibir, 4 de agosto de 1578), que desaparecera ao liderar uma cruzada no Marrocos.

Apesar das censuras e proibições da Inquisição, as trovas do Bandarra continuaram circulando por séculos, sob todos os pretextos, até mesmo a invasão napoleônica. Nascido na Córsega, Napoleão seria descendente do rei Sebastião e fora saudado pelos sebastianistas como o futuro chefe do Quinto Império, que faria sair do porto de Lisboa uma frota em direção à Ásia, para conquistá-la e convertê-la ao catolicismo. Novas impressões das trovas foram feitas em 1810, 1815, 1822, 1823, 1852, influenciando o pensamento sebastianista e messiânico de D. João de Castro, Padre António Vieira e Fernando Pessoa, entre outros.

Portanto, não foi à toa que o sebastianismo ressurgiu no Brasil não somente nas manifestações folclóricas, como reizados e folias de rei, mas também em episódios como o de Canudos, no sertão da Bahia, que marcou profundamente a história política e militar da República Velha. Com alma lusitana, nosso populismo tem essa característica sebastianista, ou seja, gravita muito mais em torno da ideia de um salvador da pátria, um líder carismático, do que do nacionalismo econômico, do clientelismo e da conciliação de classes.

O período que vai da redemocratização, em 1945, ao golpe que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, para alguns, foi marcado por governos populistas, mas isso é ignorar as grandes diferenças entre os governos Dutra, Vargas, Juscelino, Jânio e Goulart. Essa tese ignora as singularidades do pensamento político brasileiro e promove rupturas com o passado cujos resultados práticos foram dois impeachments: o de Collor de Mello e o de Dilma Rousseff. A fronteira entre a manipulação das massas e o real atendimento das demandas sociais é mais sinuosa do que o esquematismo teórico imagina. Havia um sistema partidário robusto até 1964, que era o verdadeiro alicerce da democracia brasileira, mas a tentativa disruptiva de supostamente superar a “política de conciliação” à esquerda resultou numa ruptura à direita.

Desde a Constituinte de 1988, a composição de um sistema robusto de representação esbarra na fragmentação exagerada dos partidos, que não pode ser atribuída apenas às lideranças políticas. Talvez a maior responsabilidade seja do Supremo Tribunal Federal (STF), que havia proibido a adoção de cláusulas de barreira para representação no Congresso, em julgamento ocorrido em 2006, quando a regra passaria a vigorar. Resultado: no final de 2015, o Brasil contava com 35 partidos, oito deles fundados a partir de 2011, três novos partidos somente em 2015.

Eleições
Em 2017, novas propostas de reforma política foram apresentadas: o fim das coligações em eleições proporcionais (deputados e vereadores), uma cláusula de barreira e a criação de um fundo eleitoral. No ano passado, a cláusula de barreira atingiu 14 dos 35 partidos então existentes: PCdoB (elegeu nove deputados), PHS (elegeu seis), Patriota (elegeu cinco), PRP (elegeu quatro), PMN (elegeu três), PTC (elegeu dois), DC, PPL e Rede (elegeram um, cada), PMB, PSTU, PRTB, PCB e PCO. Presume-se que em 2022 haverá drástica redução do número de partidos, o que forçará um reagrupamento partidário após as eleições municipais.

Ricardo Noblat - Bolsonaro perdeu

- Blog do Noblat | Veja

Partido para quê?
O presidente Jair Bolsonaro queria o PSL para chamar de seu partido. Não que preze partidos. Antes do PSL, em 26 anos de vida pública, foi filiado a oito partidos.

Mas o PSL elegera 53 deputados federais e quatro senadores. Antes só tinha um deputado. Resultado: tornou-se um partido com muito dinheiro dos fundos partidário e eleitoral. Uma fortuna.

Como acabou derrotado por Luciano Bivar (PE) na briga interna pelo controle do PSL, Bolsonaro decidiu sair para criar um novo partido cujo nome será “Aliança pelo Brasil”.

Não há caso de manifesto de lançamento ou de programa de partido na história do Brasil onde esteja escrito que ele servirá para unir “pessoas leais” ao presidente da República de ocasião.

Pois no manifesto do partido de Bolsonaro e dos seus filhos é o que está escrito. Nada demais. Na Era Bolsonaro, nada de fato é demais porque tudo é sem precedente. A começar por Bolsonaro.

Ministros do Tribunal Superior Eleitoral e advogados especialistas no assunto duvidam que “Aliança pelo Brasil” fique pronto até março, de modo a poder disputar as próximas eleições municipais.

Quem liga se não ficar? Nem Bolsonaro liga. Por ora, o embrião do novo partido serve para que ele teste a fidelidade dos que se elegeram pelo PSL. O seguirão? Ficarão onde estão?

O plano de Bolsonaro é apoiar quem se alinhe incondicionalmente com ele independentemente de partido. Sua turma acima de tudo, só abaixo de Deus. Por ela fará campanha, e ponto.

Não foi mais ou menos assim na eleição do ano passado? Bolsonaro aposta que o fenômeno poderá se repetir em 2020 e em 2022 quando tentará se reeleger.

Só como farsa a História se repete. Porém…

Mourão, um saco de pancadas

Bernardo Mello Franco - O partido do presidente

- O Globo

Bolsonaro quer um partido para chamar de seu. Como não conseguiu tomar o PSL, vai fundar outra sigla do zero. Assim nasce a Aliança, sujeita às vontades do presidente

É tentador comparar a Aliança pelo Brasil com a finada Aliança Renovadora Nacional. Jair Bolsonaro morre de saudades da ditadura. Ao fundar seu próprio partido, escolheu um nome que remete à legenda de sustentação do regime.

As semelhanças, no entanto, parecem parar por aí. A velha Arena foi fundada em 1966, depois que os militares impuseram o bipartidarismo. Enquanto existiu, teve ampla maioria no Congresso, nos governos estaduais e nas prefeituras. Chegou a se intitular o “maior partido do Ocidente” — sem lembrar, claro, que a criação de outras siglas estava proibida.

A Aliança nascerá com porte médio, num ambiente marcado pela fragmentação partidária. Aliados do presidente projetam atrair até 30 deputados para a nova sigla. Se isso se confirmar, ela terá a sétima bancada na Câmara, com menos de 6% das cadeiras. É pouco para um governo que até hoje não conseguiu formar uma base estável.

Míriam Leitão - América Latina no túnel do tempo

- O Globo

Conflitos e instabilidades na América Latina confirmam estereótipo de uma região de quarteladas, rupturas e quebras de contratos

O tumultuado voo de Evo Morales até a Cidade do México mostra a dimensão da crise da América do Sul, uma região polarizada em que os governantes têm dificuldades de entender até a natureza do direito de asilo. O avião foi superando, com dificuldades, as proibições de sobrevoo de territórios de países vizinhos. O Brasil poderia em outra situação participar da negociação não só para a viagem de Evo, como estimular esforços da Bolívia para uma saída constitucional. A diplomacia brasileira já solucionou conflitos na região, sendo o polo da moderação. Mas isso foi há muito tempo. Entrou por uma linha ideológica nos governos do PT e agora foi para a linha oposta, e ainda mais radicalizada.

O momento em que o futuro presidente da Argentina, Alberto Fernández, negociou com o presidente Mario Abdo Benítez, do Paraguai, para que o avião que trazia Evo pudesse pousar em Assunção mostra bem a falência da diplomacia brasileira. Até pelos seus padrões, que é de identidade ideológica, o Brasil poderia ter sido o interlocutor de Mario Abdo. Mas o Brasil abriu mão de qualquer liderança na região. Tudo o que se sabe é que o chanceler brasileiro recebeu, tempos atrás, Luis Fernando Camacho, exatamente quem tem demonstrado o maior desprezo pelo ritual democrático e sequer tem mandato. Camacho defende que uma junta assuma, enquanto Carlos Mesa, candidato que estava em segundo lugar, prefere que se encontre um caminho constitucional. Ontem, depois de mais um dia de impasse, e em uma sessão sem quórum, a senadora Jeanine Áñez se autoproclamou presidente do Senado e, portanto, presidente interina da República. Precisa conquistar legitimidade.

Rosângela Bittar - Cena de abertura

- O Estado de S.Paulo

Estão sem projeto de candidato os 40% do eleitorado que, no momento, são apenas voyeurs

Luiz Inácio Lula da Silva inicia a campanha municipal imediatamente. Quase queimou a largada ao repetir, à saída da cadeia, estilo, conteúdo e tom que há muito cansaram o eleitorado. Deverá seguir mais planejado e arejado para ser ouvido. Reativo, a princípio, retomará uma espécie de estado normal recreativo. Nada de liderar a oposição, juntar a esquerda, reunir partidos.

Elegeu Jair Bolsonaro como adversário e sua contundência, como era de se esperar, fortaleceu o presidente. Os tropeços iniciais não impedem que a retomada seja uma dramática campanha de restauração política do PT.

Lula é um ambíguo de palanque que fala aos convertidos. Assim prosseguirá, deixando aos demais margem para outras interpretações.

No discurso da rentrée, por exemplo, lembrou à militância que é preciso respeitar Jair Bolsonaro porque, afinal, foi eleito pela maioria do povo. Permitiu a conclusão dos seus ouvintes de que vai forçar o rompimento de sua inelegibilidade e, depois, vitoriosa uma anticandidatura, exigir o fato consumado. Tudo é possível, mas seu exército de hoje não sustenta tal devaneio. É com discurso que Lula sempre trabalhou e vai trabalhar no futuro.

Pela campanha municipal tentará reunir e consolidar os 30% de votos que o PT manteve nos últimos 20 anos em qualquer eleição. Pretende eleger centenas de prefeitos que lhe servirão de base na campanha presidencial e em outros projetos a definir. Lula quer ver o PT disputando com chances em todas as capitais, nas grandes cidades do interior e em todos os Estados. A campanha será um manifesto do começo ao fim.

Vera Magalhães - Boi na linha

- O Estado de S.Paulo

A defesa de convocação de uma Constituinte exclusiva como forma de permitir a prisão após condenação em segunda instância é o tipo do argumento colocado à mesa para interditar o debate. É como se alguém, desejoso de reformar um cômodo da casa, convocasse um arquiteto que dissesse que o imóvel, recém-adquirido, está condenado e a única maneira de fazer a reforma é botando-o abaixo.

O fato de Davi Alcolumbre (DEM-AP) ter proposto isso a sério, e não como por ironia, como inicialmente até sua assessoria interpretou, mostra que o presidente do Senado, na verdade, não quer que a discussão sobre segunda instância prospere e tratou de enfiar um boi na linha.

Se a presunção de inocência até quase a morte do indivíduo fosse uma cláusula pétrea da Constituição de 1988, o entendimento de que a pena poderia ser cumprida a partir da segunda instância não teria vigorado, sob os auspícios do Supremo Tribunal Federal, até 2009 e, depois, de 2016 até aqui.

Admitir isso equivaleria a dizer que os ministros que são guardiões do texto constitucional, entre os quais muitos que agora entendem de maneira diferente, mas, no passado, foram defensores da execução provisória da pena, como Gilmar Mendes, violaram cláusula pétrea.

Fernando Exman - A tortuosa travessia rumo ao bem coletivo

- Valor Econômico

Debate sobre PEC da segunda instância trava pacote

A sensação é de déjà vu. Sempre que existe a possibilidade concreta de reformar o Estado, reduzir a estrutura da máquina pública federal e acabar com privilégios parece que surgem fatos ou personagens capazes de dar nova turbidez ao ambiente político. De súbito, trava-se a tramitação desse tipo de projeto enviado pelo Executivo ao Congresso. A vítima da vez pode ser o novo pacote do governo.

A proposta de reforma da Previdência do presidente Jair Bolsonaro vinha passando relativamente incólume por esse tipo de contingência.

Ela enfrentou uma tramitação mais longa do que o ideal, mas foi habilidosamente conduzida até sua promulgação. Será capaz de garantir um efeito fiscal robusto, mesmo com o Congresso rejeitando, num primeiro momento, a inclusão de Estados e municípios.

O mais novo obstáculo à agenda legislativa da equipe econômica começou a ganhar forma na semana passada, praticamente ao mesmo tempo em que o Executivo enviava ao Legislativo um conjunto de iniciativas com a finalidade de reorganizar o Estado. Além de propor um novo pacto federativo, abriu-se a possibilidade de os gestores públicos terem mais flexibilidade no uso dos recursos orçamentários, o que hoje é impossibilitado pelo excesso de despesas obrigatórias. As medidas também preveem regras de acionamento de gatilhos para a contenção de gastos.

No entanto, enquanto as articulações para a tramitação desse pacote começavam a ser alinhadas, o Judiciário concluía também sua própria reforma. Esta sobre seu entendimento a respeito da constitucionalidade da prisão após condenação em segunda instância.

Nilson Teixeira - Alta incerteza sobre o crescimento de 2020

- Valor Econômico

Conflito comercial entre Estados Unidos e China e a incerteza na Argentina estão entre as razões da redução da mediana das previsões de crescimento do PIB em 2020

O PIB cresceu, na média, pouco mais de 2% ao ano nas últimas quatro décadas, sendo mais de 60% dessa expansão devidos à ampliação da população ocupada. Como o bônus demográfico está próximo do fim, o crescimento do PIB dependerá exclusivamente da ampliação dos investimentos e da alta da produtividade do trabalho. A questão é que essa produtividade cresceu, na média, apenas 0,2% ao ano nesse período e não há nenhuma razão plausível para sua forte aceleração no curto prazo.

Desde 1995, houve cinco ciclos de crescimento econômico (setembro de 96-dezembro de 97, junho de 99-março de 2001, dezembro de 2001-dezembro de 2002, setembro de 2003-setembro de 2008 e junho de 2009-março de 2014), com duração de, respectivamente, 6, 8, 5, 21 e 20 trimestres e expansão média por trimestre de 1,1%, 0,9%, 1,1%, 1,3% e 1,0%. A retomada após a recessão de 2015 e 2016 totaliza 10 trimestres (março de 2017-junho de 2019), com crescimento anual do PIB de cerca de 1% em 2017, 2018 e 2019. Por ora, a expansão acumulada neste ciclo até o 2º trimestre foi de 3,7%, com o consumo das famílias crescendo 5,1% e os investimentos 8,6%. A expansão trimestral média nesses 10 trimestres foi de 0,4%, baixa frente ao 1,1% entre set/03-dez/05 e ao 1,5% entre jun/09-set/11.

A dinâmica desfavorável no 1º semestre, o conflito comercial entre Estados Unidos e China e a incerteza na Argentina estão entre as razões da redução da mediana das previsões de crescimento do PIB em 2020 de 2,5% para 2% nos últimos meses. Há diversos fatores que indicam que esse crescimento pode ser ainda menor:

Hélio Schwartsman - Não é só a polarização

- Folha de S. Paulo

Grupos têm o péssimo hábito de promover a animosidade

Parece haver um consenso entre os analistas de que a saída de Lula da prisão tende a acirrar a polarização. Interessa tanto ao ex-presidente quanto ao atual promover uma escalada retórica, na qual um identificaria o outro como o inimigo a derrotar, reduzindo assim o espaço para discursos e candidaturas alternativos.

Não discordo dessa avaliação. Apenas gostaria de ressaltar que a polarização, definida como a tendência de grupos a adotar posições que são mais extremas do que a inclinação inicial de seus membros, não é o único problema. Ela muitas vezes se faz acompanhar de outras patologias do pensamento de grupo que também deixam mortos e feridos. Convém dar uma espiadela em algumas delas.

Grupos têm o péssimo hábito de promover a animosidade. Se pusermos um corintiano e um palmeirense juntos para discutir se o lance envolvendo o zagueiro foi pênalti, eles jamais concordarão, mas poderão se tratar com alguma urbanidade. Entretanto, se colocarmos na mesma sala cem corintianos e cem palmeirenses para debater o mesmo tema, o mais provável é que haja uma batalha campal.

Bruno Boghossian - Um partido para a ultradireita

- Folha de S. Paulo

Sigla em criação pelo presidente tende a se tornar veículo para posições radicais

Com Jair Bolsonaro, o país pode ganhar um partido de ultradireita. A legenda que o presidente quer criar surge ancorada em valores reacionários, no populismo e no personalismo puro.

A aparente espinha dorsal da Aliança pelo Brasil coube numa sequência de publicações de Eduardo Bolsonaro. Na primeira frase, o deputado anuncia a criação da sigla com o objetivo de libertar a população "da destruição de valores cristãos e morais". Em poucas linhas, ele repete essa fórmula e encerra com um resumo dos princípios do novo partido: "fé, honestidade e família".

O ensaio de manifesto é carregado de tons messiânicos. Fala no "novo rumo brasileiro" e no que chama de "a verdadeira união com o povo", como se Jair fosse o único capaz de representá-lo. Sem modéstia, cita ainda um "momento histórico" e o "grito solitário" do pai, que passaria a ecoar com a criação da legenda.

Ruy Castro* - Partidos sem sentido

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro e Lula já não precisam de partidos. Só precisam um do outro

O Brasil tem 32 organizações para fins comerciais, chamadas partidos políticos. Ou 31 ½, se considerarmos que o presidente Jair Bolsonaro está abandonando o PSL, pelo qual se elegeu, levando 20, digamos, correligionários, com os quais ameaça fundar um novo partido. Como Bolsonaro se diz um cortador de gastos, essa decisão é dúbia. Partidos vivem do dinheiro público. Não seria mais econômico aderir a um dos outros 31 com cujo “programa” se identificasse? Mas, como não fará isso, a única explicação é que, para Bolsonaro, todos os partidos brasileiros são umas porcarias.

E devem ser mesmo, considerando-se que, em sua apagada carreira de 29 anos na Câmara dos Deputados, ele passou por oito deles —pouco mais de três anos em cada um. Ou não gostou de nenhum ou nenhum gostou dele. Talvez Bolsonaro simplesmente não goste de partidos políticos e acredite que, com ele à frente de um Executivo forte, para que partidos, para que política? Combina com seu asco pela democracia —a mesma que lhe serve para fazer sua inconstitucional pregação liberticida.

Elio Gaspari - Valec e EPL, estatais e imortais

- Folha de Paulo | O Globo

Fusão pode ter bom resultado ou ser troca de três pares por meia dúzia

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, anunciou que o governo estudará a fusão de três estatais: a Infraero, a Valec e a EPL. Para quem recebe essa notícia, noves fora os padecimentos que já sofreu nos aeroportos, as duas outras siglas são sopa de letras. Olhando-se de perto, são uma aula.

A Valec é uma estatal que cuida de ferrovias desde o século passado. Em 1987 o repórter Janio de Freitas denunciou vícios na sua concorrência para a Norte-Sul. (Ela ainda não está pronta, mas deixa pra lá.)

No mandarinato petista a Valec ficou com o projeto do trem-bala que ligaria o Rio de Janeiro a São Paulo. Maluquice sem par, não tinha projeto nem empreiteiros querendo entrar no delírio. Ficaria pronto para a Copa de 2014, ou, a mais tardar, para a Olimpíada de 2016. A concessão foi a leilão e não teve interessados. A estatal foi entregue ao ex-deputado José Francisco das Neves, mais conhecido como “Doutor Juquinha”.

Essa pérola tinha mais funcionários no Rio do que em Brasília, onde ficava sua sede. Felizmente, o BNDES e o Tribunal de Contas travaram o trem-bala, mostrando que numa das pontas estavam espertalhões italianos. A essa altura, a papelada do trem já havia custado R$ 63 milhões.

Vinicius Torres Freire – Pobres vão pagar para empregar pobres

- Folha de S. Paulo

Baixar imposto pode ajudar emprego; esfolar ainda mais o povaréu, não

Há indícios de que reduzir impostos sobre folha de pagamento tem algum efeito sobre a criação de empregos e mesmo sobre o crescimento, no curto prazo. A medida funciona quando vale para novas contratações. Melhor ainda se a redução de impostos não causa déficit relevante nas contas do governo.

É o que diz, por exemplo, estudo do Departamento de Orçamento do Congresso dos Estados Unidos (o CBO) sobre o impacto de tais providências na economia americana, as que mais tiveram retorno por dólar que o governo deixou de arrecadar (“Policies for Increasing Economic Growth and Employment in 2010 and 2011”), entre outros.

Dizem lá também que aumentar o auxílio para desempregados ou outras pessoas sem renda pode ter efeito tão grande ou maior.

Em parte, parece essa ideia do governo de Jair Bolsonaro com esse Contrato Verde Amarelo. Quem contratar jovens deixa de recolher a contribuição para o INSS, para o sistema S, paga menos para o FGTS e apenas metade da multa por demissão sem justa causa.

Quem vai pagar essa conta da redução de impostos sobre a folha? Os desempregados que recebem seguro-desemprego, como se sabe. Hum.

Adib Abdouni* - O trânsito em julgado é cláusula pétrea

- O Estado de S. Paulo

A discussão acerca da prisão em segunda instância antes mesmo do trânsito em julgado da sentença penal condenatória — festejada por uns e repudiada por outros — pode até soar casuísta à primeira vista caso se leve em conta que sua motivação gravita exclusivamente em torno da figura do ex-presidente Lula. Na verdade, não há casuísmo.

Em essência, cuida-se de temática penal de índole constitucional da mais elevada importância, tendo em vista que a eliminação definitiva dessa controvérsia afetará a vida de milhares de cidadãos brasileiros que se encontram em iguais condições processuais às de Lula.

Sabemos que em fevereiro de 2016 o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao rejeitar por maioria de votos o Habeas Corpus n. 126.292, alterou drasticamente sua jurisprudência para afirmar que a partir de então seria possível a execução provisória da pena após a confirmação em segunda instância da sentença penal condenatória, mesmo antes de seu trânsito em julgado.

Além do placar ter sido de 7 a 4 (acompanharam o saudoso ministro relator Teori Zavascki pelo indeferimento do HC, os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski), o julgamento atingiu somente as partes envolvidas naquele processo criminal, à míngua de efeito vinculante da decisão.

Daí a importância maior do desate final, havido dia 7 de novembro de 2019 por meio do julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 pelo Plenário do STF — palco próprio para aquilatações de questões dessa magnitude e impacto social — cujo resultado proclamado, por decisão majoritária de votos (6 a 5), deu pela constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal. Este afirma que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado, em exata harmonização com o artigo 5º., inciso LVII, da Carta da República, a prestigiar o princípio da inocência ou da não culpabilidade.

Entrevista Sérgio Abranches: ‘Não é momento de discutir 2ª instância no Congresso’

Para especialista, mudar a lei só para punir políticos não é bom: ‘Tem de ter uma discussão de direito, filosófica, doutrinária’

Paulo Beraldo | O Estado de S. Paulo

O Congresso Nacional deveria julgar em outro momento a possibilidade de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determine o cumprimento da pena após condenação em segunda instância, segundo o cientista político Sérgio Abranches.

Segundo ele, o debate político está contaminado pela soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última semana, após 580 dias preso. “Fazer uma mudança institucional apenas para punir ou permitir que alguém escape de punição não é bom. Tem de ser uma discussão de direito, filosófica, doutrinária”, afirmou. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

• Na sua avaliação, o que a soltura do ex-presidente Lula muda no cenário político brasileiro?

A oposição estava muito desarticulada e o principal partido da oposição no Congresso é o PT, que tem a maior bancada da Câmara e bancada razoável no Senado. E o PT estava, basicamente, envolvido no movimento “Lula Livre”, sem uma liderança clara. Com a saída do Lula, o impacto maior é estruturar e coordenar a direção da oposição.

• Há uma tese de que, caso o ex-presidente tenha um discurso mais radicalizado, isso pode favorecer Bolsonaro. Como vê isso?

Se Lula optar por uma polarização que leve a sociedade a ver o mundo entre lulismo e bolsonarismo, de fato será pouco produtivo e tende a dar a Bolsonaro e ao movimento que o levou ao poder mais longevidade e importância do que de fato ele tem. Agora, se fizer uma oposição estruturada, capaz de fazer frente às investidas do governo, seria positivo. O Lula é a liderança com maior capacidade de articular uma frente ampla contra o autoritarismo A questão é saber se ele vai querer.

• Como o senhor avaliou as primeiras manifestações de Lula após sua soltura?

Tomei como um desabafo. Ele ficou por um longo período sem poder falar de forma mais ampla, por 580 dias, apenas entrevistas ou mandando recados. Mas (ele) é um ser político e, agora, vai começar a refletir mais sobre qual papel estratégico ele vai desempenhar neste momento tão complicado.

• Existe interesse nos comandos do Senado e da Câmara dos Deputados em discutir uma proposta que assegure a possibilidade de prisão em segunda instância?

A discussão da segunda instância está contaminada por uma série de questões subjetivas e não de procedimentos de direito. Se fôssemos julgar abstratamente, é evidente que no Brasil a ideia do trânsito em julgado e a noção de quando é legítimo e justo iniciar o cumprimento da pena é leniente demais. Entendo que o cumprimento da pena a partir da segunda instância é o melhor caminho, de maneira abstrata.

• Há clima para essa discussão?

Vejo várias complicações. Nesse clima de radicalização e particularização de questões, talvez o Congresso não seja capaz de tomar uma decisão objetiva. Se ficar como uma tentativa de fazer com que o Lula ou o José Dirceu voltem a cumprir pena, é um mau começo. Se entrar o interesse dos parlamentares que estão prestes a serem julgados na segunda instância, também é ruim. Isso mancharia a legitimidade dessa decisão que já está muito contaminada pela instabilidade da decisão do Supremo Tribunal Federal, que é inexplicável e inaceitável uma Corte Constitucional mudar em tão pouco tempo várias vezes de opinião a respeito de uma questão tão importante. Então, fazer uma mudança institucional apenas para punir ou permitir que alguém escape de punição não é bom. Tem de ser uma discussão de direito, filosófica, doutrinária.

Alcolumbre sugere nova Constituinte, e parlamentares reagem

Ideia seria caminho para mudar regra de prisões em segunda instância. Rodrigo Maia diz que declaração é ‘sinalização ruim’

Amanda Almeida, Bruno Góes, Carolina Brígido e Gustavo Maia | O Globo

BRASÍLIA – O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEMAP), disse ontem que vai consultar líderes partidários sobre a disposição do Congresso em trabalhar por uma nova Constituinte. Para ele, é uma das possibilidades para resolver a polêmica sobre a prisão imediata de condenados em segunda instância. Inicialmente, a proposta surgiu como uma ironia, segundo a assessoria do parlamentar.

—Há muitos anos, estou há 19 anos no Parlamento, volta e meia, o debate da Constituinte vem à tona no Congresso. Se há esse debate (sobre prisão em segunda instância) no Congresso, se há novamente essas observações e conflitos, novamente eu quero trazer esse debate da Constituinte para este momento importante da História nacional. (...) Como agora há de fato um caso concreto (a discussão sobre o momento da prisão), quero também ouvir líderes partidários sobre a possibilidade de fazermos isso (Constituinte).

Ao saber da declaração de Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), considerou que “uma nova Constituinte é uma sinalização ruim”. Líderes das maiores bancadas do Senado também rejeitaram a proposta de Alcolumbre, sustentando que não há clima para a proposta avançar.

— Temos uma Constituição que tem coisas que precisam ser modificadas e coisas que precisam ser preservadas. Acho que a promulgação da Previdência é um exemplo disso. A gente pode avançar em vários assuntos, e alguns a gente tem de preservar. Agora, uma nova Constituição é uma sinalização ruim. Vai gerar uma insegurança grande se esse assunto prosperar nos próximos dias. Mas respeito o presidente Davi Alcolumbre —disse Maia.

A proposta do presidente do Senado também repercutiu no Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Marco Aurélio Mello disse ontem que uma eventual aprovação de mudança na regra das prisões de condenados seria afronta à Corte. Na semana passada, o tribunal mudou a regra anterior, que possibilitava a prisão de condenados em segunda instância, para permitir o início do cumprimento da pena só depois de analisados todos os recursos.

—Primeiro, seria uma tentativa de ultrapassar a decisão do Supremo, que foi tomada em processos objetivos. E em segundo lugar, teríamos que examinar se essa nova redação é harmônica ou não com a cláusula constitucional do inciso 57 do artigo 5º, que advém do poder constituinte originário — disse.

CLÁUSULAS PÉTREAS
O ministro se refere à regra da presunção de inocência contida na Constituição, segundo a qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado.

Para Marco Aurélio, essa regra não poderia ser modificada nem por emenda constitucional, nem por projeto de lei.

Alcolumbre fala em Constituinte; Maia critica ideia

Questionado sobre PEC da segunda instância, presidente do Senado sugere alternativa; para deputado, proposta vai gerar ‘insegurança’

Daniel Weterman Camila Turtelli Renato Onofre | O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), sugeriu ontem a formação de uma Assembleia Constituinte ao ser questionado sobre as propostas de emenda à Constituição que tramitam no Congresso para permitir a prisão após condenação em segundo grau.

A hipótese recebeu fortes críticas do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

O tema da prisão após condenação em segunda instância da Justiça, discutido em comissões das duas Casas legislativas, voltou ao centro dos debates após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que votou contra a medida, abrindo caminho para a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

“Há muitos anos, volta e meia o debate da nova Constituinte vem à tona no Congresso Nacional. Então, se há novamente esse impasse, se há novamente essas observações e esses conflitos, novamente eu quero trazer o debate da nova Constituinte para esse momento importante do País”, declarou Alcolumbre.

“A gente podia fazer uma nova Constituinte. Todo mundo renunciava os mandatos. Eu estou disposto a fazer, se for para o bem do Brasil.”

Em seguida, a uma pergunta sobre se o momento é oportuno para uma nova Assembleia Constituinte, o presidente do Senado respondeu: ‘Se for essa a prioridade...”

Alcolumbre resiste em pautar PEC da 2ª instância e pede alterações no texto

Presidente do Senado acredita que propostas em andamento no Congresso podem ser questionadas na Justiça

Daniel Weterman e Camila Turtelli - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA – O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resiste em patrocinar uma proposta para autorizar a prisão após condenação em segunda instância. Em reunião com senadores nesta terça-feira, 12, ele condicionou o movimento a mudanças no texto em discussão na Casa.

Para Alcolumbre, a proposta do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) afronta o artigo 5º da Constituição, apontado como uma cláusula pétrea, e sua aprovação poderia ser questionada na Justiça. A alternativa discutida é a elaboração de um texto que faça alterações no Código de Processo Penal.

Atualmente, há duas propostas sobre o tema no Congresso com o potencial de alterar o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF), que derrubou a possibilidade de prisão após condenação em segundo grau. Enquanto a da Câmara, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP), quer alterar o inciso 57 do artigo 5º da Constituição, a da Casa vizinha, do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), mexe com o artigo 93. Há questionamentos sobre essas medidas desrespeitarem a cláusula pétrea da Constituição.

Em manobra, senadora se declara presidente da Bolívia sem votação no Congresso

Opositora Jeanine Añez diz ser a próxima na linha sucessória após renúncia de Evo; Brasil reconhece

Sylvia Colombo | Folha de S. Paulo

LA PAZ, CIDADE DO MÉXICO E SÃO PAULO - Apesar de não ter reunido quórum nem na Câmara de Deputados nem no Senado, a senadora Jeanine Añez, 52, declarou-se presidente da Bolívia nesta terça (12), ocupando o vácuo de poder deixado pela renúncia de Evo Morales e de seu vice, Álvaro García Linera.

“Assumo a Presidência do Estado imediatamente”, disse ela na Assembleia Nacional, poucos minutos antes das 19h (20h em Brasília). “A Bolívia precisa ser livre, pacificada e democrática. Minha prioridade é convocar eleições o mais cedo possível.”

Ao final de seu pronunciamento, os senadores celebraram com gritos de “Bolívia, Bolívia” e entoaram o hino. Fogos de artifício foram ouvidos em La Paz e em outras grandes cidades do país.

Não houve votação, e muitos legisladores do MAS (Movimento para o Socialismo), partido de Evo, não estavam na sessão —parte deles não conseguiu chegar porque as estradas que ligam o aeroporto a La Paz estão bloqueadas.

Añez justificou que assumiria a Presidência de acordo com o que estabelece o regimento do Senado sobre sucessão na Casa. Segundo a interpretação que apresentou da regra, ante a renúncia do presidente e do primeiro vice-presidente do Senado, o regimento permite que ela, segunda vice-presidente, assuma o comando da Casa.

Adriana Salvatierra era presidente do Senado até o último domingo (10), quando acompanhou Evo e renunciou ao seu cargo, assim como o primeiro vice-presidente do Senado. Añez se tornaria então presidente da Casa.

Já a Constituição da Bolívia determina que, em caso de ausência do presidente, assume o vice-presidente. Na ausência dele, a Presidência é ocupada primeiro pelo líder do Senado e, na sequência, pelo da Câmara. A questão é que todos renunciaram junto com Evo.

Em uma interpretação controversa dos dois regimentos, ao se tornar presidente do Senado, Añez diz que também chegaria à Presidência, uma vez que os cargos de presidente e vice estão vagos.

Jeanine Añez foi escoltada por policiais e militares do parlamento até o Palácio Quemado, sede do governo. Estava cercada também por opositores de Evo, que reunidos em frente à Assembleia.

Ela subiu a escadaria com a Bíblia em mãos. “Agradeço aos que nos acompanham, o movimento cívico, os irmãos indígenas, a Igreja, amamos a Bolívia. Quero agradecer a essa juventude que saiu às ruas e que não conhecia outro objetivo. Eles saíram para mostrar que sim, se podia. Queria pedir um minuto de silêncio pelos que morreram nas últimas semanas.”

Chile decide enterrar a Constituição herdada da ditadura de Pinochet

Empurrado pela crise social e política, o conservador Sebastián Piñera se abre à possibilidade de um Congresso constituinte

Rocío Montes | EL PAÍS

SANTIAGO DO CHILE - Depois de 24 dias de crise política e social, a maior desde que a ditadura militar terminou, em 1990, o Governo chileno de Sebastián Piñera se abriu para mudar a Constituição de 1980, herdada de Augusto Pinochet, num passo sem precedentes para a direita nos últimos 30 anos. O anúncio foi feito na noite de domingo pelo ministro do Interior, Gonzalo Blumel, após uma reunião liderada pelo presidente e da qual participaram altos representantes do bloco governista. Não há mais detalhes sobre como será o processo, embora o Executivo esteja comprometido com um Congresso constituinte, uma ampla participação dos cidadãos e um plebiscito ratificador. Se isso se tornar realidade, será a primeira vez na história que o Chile terá uma Constituição discutida em democracia.

“É um feito histórico. O fim da transição para a democracia no que diz respeito ao aspecto constitucional, uma grande dívida. A explosão social vivida no Chile desde 18 de outubro colocou isso em evidência”, comenta Javier Couso, um acadêmico da Universidade Diego Portales e professor da Universidade de Utrecht. Para Tomás Jordán, que coordenou o processo constituinte do segundo Governo de Michelle Bachelet (2014-2018), “é a primeira vez desde 1990 que a direita se abre a uma nova Constituição, de modo que existe um consenso político da direita e da esquerda por uma nova carta fundamental”. “É uma mudança na linha da história chilena", diz ele, porque será discutida na democracia: "Todas as Constituições — as de 1833, 1925 e 1980 — foram precedidas de guerra civil, barulho de sabres ou golpes de Estado".

Os protestos de 2011
A mudança da Constituição começou pouco a pouco a ganhar força na sociedade chilena desde os protestos estudantis de 2011. Foi então que ficaram evidentes as dificuldades para mudar certas leis, em razão do elevado quórum requerido, como a Lei Orgânica Constitucional do Ensino (LOCE) "Muitos dos direitos sociais que foram discutidos na esfera pública nos últimos anos — o aborto, a saúde, a titularidade sindical, os direitos da água — esbarram na Constituição", explica Claudio Fuentes, professor da Universidade Diego Portais

Couso dá um exemplo: “A Constituição de 1980 estabelece questões que seriam consideradas exageradas em outros países, como que a previdência social seja prestada por instituições públicas ou privadas, o que confere status constitucional aos administradores de fundos de pensão (AFP)." "Se uma lei acabasse com esse sistema [de capitalização individual em vigor desde 1981, [pioneiro no mundo] e permitisse um semelhante ao da Inglaterra, Alemanha ou Espanha, alguém poderia recorrer ao Tribunal Constitucional (TC)". Para o acadêmico, o TC chileno atua como uma terceira câmara e durante 30 anos permitiu o poder de veto à direita: "É um dos mais poderosos do planeta", explica Couso.

Esquerda na Espanha chega a acordo para formar Governo de coalizão

PSOE, do presidente de Governo Sánchez, oferece o posto de vice ao líder do Unidas Podemos, Pablo Iglesias. Ainda será preciso, no entanto, obter apoio de outras siglas

CARLOS E CUÉ, JOSE MARCOS GARCIA | EL PAIS

MADRI - O que foi impossível durante seis meses se desbloqueou em menos de 48 horas. Dois dias após as eleições espanholas de domingo, em que o Partido Socialista dos Trabalhadores da Espanha (PSOE) buscava maioria para comandar o país, mas acabou permitindo a explosão da extrema direita, o primeiro-ministro em exercício, Pedro Sánchez, fechou nesta terça-feira um acordo para formar um “Governo de coalizão progressista” com o Unidas Podemos.

Com o acerto, Pablo Iglesias, do Podemos, será o vice-presidente de Governo (ou vice-primeiro-ministro). A repetição das eleições, a segunda realizada na Espanha neste ano, forçou Sánchez a aceitar as premissas de Iglesias, que avisou que sua retirada, em julho, de negociações para uma coalizão de esquerda não valia se houvesse um novo processo eleitoral.

Sánchez, que estava convencido de que melhoraria sua posição com novas eleições, acabou perdendo força e teve de ceder. O pacto ainda não está fechado, porque agora é preciso convencer os outros parceiros. Para que esse novo Governo seja empossado, será preciso buscar o “sim” do Mais País, Partido Nacionalista Basco (PNB), Partido Regionalista da Cantábria (PRC), Bloco Nacionalista Galego (BNG) e Teruel Existe, e ainda assim tudo dependeria da abstenção da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e da aliança basca Bildu, que sempre optaram por esse voto. Se não quiser depender desses apoios, o Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), de Sánchez, precisará convencer o Cidadãos a se abster.

Sánchez compareceu por volta das 14h30 ao Congresso com o líder da Unidas Podemos para explicar os detalhes desse pacto. Ao fim do encontro, e depois de seis meses de duros embates, os dois líderes trocaram um simbólico abraço e a sala, cheia de dirigentes dos dois partidos e de jornalistas, explodiu em um “oooooooh” quase zombeteiro. Sánchez se negou durante meses a aceitar que membros do Podemos, e particularmente Iglesias, pudessem estar em seu Governo. Durante a campanha eleitoral, repetiu isso muitas vezes. Mas os dois partidos perderam votos na votação de domingo, e isso tornou todos mais flexíveis, porque em uma nova repetição das eleições Sánchez correria o risco de perder o Governo.

Esquerda fecha acordo para formar governo na Espanha

Partido Socialista e esquerda radical, liderada pelo partido Podemos, formalizam aliança para tirar país de impasse político

Redação | O Estado de S.Paulo

MADRID – O premiê socialista Pedro Sánchez e o chefe da esquerda radical, representada pela agrupação Unidas Podemos, Pablo Iglesias, alcançaram nesta terça-feira, 12, um pré-acordo para um governo de coalizão na Espanha. A aliança precisará do apoio de outras legendas para obter a aprovação da Câmara Baixa, renovada nas eleições legislativas de domingo passado.

Segundo fontes da negociação, que durou uma hora, ouvidas pelo jornal El País, Sánchez decidiu fechar um acordo com Iglesias rapidamente, o que significou aceitar uma aliança sem vetos, algo que esteve próximo de ocorrer em julho. Segundo essas fontes, a decisão de aceitar tal acordo foi tomada apenas por Sánchez e os políticos de mais alto cargo de seu partido sabiam.

Caso o acordo seja confirmado, será o fim de meses de bloqueio político na quarta economia da zona euro. “Alcançamos um pré-acordo para compor um governo de coalizão progressista na Espanha, (...) que combine a experiência do Partido Socialista com a coragem do Podemos”, disse Iglesias, após a inesperada assinatura do documento no Parlamento espanhol.

Rubens Barbosa* - O desaparecimento do centro

- O Estado de S.Paulo

O Brasil deve se espelhar em países onde convivem forças de todo o espectro político

Com o desaparecimento do voto moderado de centro, a votação do referendo que aprovou a saída do país da União Europeia (UE) mudou radicalmente o cenário político no Reino Unido. A busca desse voto sempre teve muita influência nas eleições britânicas. As eleições deixaram de ser uma disputa entre a esquerda (Partido Trabalhista) e a direita (Partido Conservador) acima das diferenças ideológicas, econômicas e sociais. Quando as eleições são disputadas tendo como foco questões econômicas entre esquerda e direita, os partidos políticos podem escolher um ponto ao meio, mais moderado, e conquistar votos decisivos. Em contraposição, quando se trata de política de identidade ou questões que envolvam grandes reformas não há possibilidade de negociação. É mais fácil haver compromisso em questões econômicas, como impostos e salários, e muito mais difícil quando se trata de noções como soberania e papel do Estado.

Com a discussão sobre o Brexit como tópico principal da eleição britânica de 12 de dezembro, o voto de centro terá pouca influência pela polarização entre os que querem sair e os que querem permanecer na UE. Desapareceu o senso comum de que o partido que pudesse focalizar as preocupações do eleitor de centro poderia ganhar, enquanto que os partidos que buscassem os extremos seriam derrotados.

As posições moderadas de centro também estão desaparecendo em muitos países, tendo como pano de fundo a insatisfação da população com a crescente concentração de renda, a pobreza e a falta de oportunidades de emprego. Essa frustração se materializa em manifestações e confrontações em países como Líbano, Iraque e França, na cidade chinesa de Hong Kong e, na América do Sul, no Chile e na Bolívia. Essa reação não representa disputas entre os partidos de esquerda e direita por reformas sociais, mas a luta da população, sobretudo dos jovens sem liderança e sem coloração partidária, contra o establishment, ou seja, o governo da vez.

As situações descritas acima estão causando crescente instabilidade política, confrontações violentas e impasse institucional, sem perspectiva de solução pela ausência de negociações possíveis.

No caso do Brasil, nos últimos 20 anos a polarização ideológica começou com a ação política do “nós contra eles” e culminou com a campanha eleitoral de outubro passado. A eleição de 2018 foi um divisor de águas. Pela primeira vez na História recente do País surgiu, com sucesso, um candidato e um partido assumidamente de direita que disputaram a Presidência contra representantes da esquerda e de uma centro-esquerda fragmentada. O segundo turno, polarizado entre direita e esquerda, acentuou a divisão interna como nunca antes no País, refletindo, em parte, a crescente influência da mídia social.

República, 130 anos - Desigualdade é desafio persistente

Líderes e intelectuais apontam principais problemas a enfrentar para consolidar o espírito republicano

Marcelo Godoy e Paula Reverbel | O Estado de S. Paulo

A promoção da democracia e o combate à desigualdade são os valores mais citados por 53 líderes políticos, econômicos, sociais e intelectuais sobre quais valores devem ser reafirmados no ano em que a República completa 130 anos no País. Entre os entrevistados estão os presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro José Antonio Dias Toffoli, e do Congresso, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), quatro ex-presidentes, seis governadores, escritores, cientistas políticos, filósofos, historiadores, educadores e integrantes de grupos que defendem a renovação da política.

Todos responderam a duas perguntas ao Estado: quais promessas da República foram cumpridas e quais valores deveriam ser reafirmados em um novo manifesto republicano. Após a diminuição das desigualdades e a democracia, os entrevistados citaram a educação e a luta contra os privilégios. Completaram, ainda, a lista dos dez princípios mais lembrados a reforma do Estado contra o nepotismo, o clientelismo e o patrimonialismo, a garantia da liberdade, a afirmação da igualdade de todos perante a lei, o estabelecimento de novos laços entre representantes e representados, a garantia de oportunidade iguais para todos e, especificamente, a liberdade de expressão.

Ao lado da educação, o federalismo e a ampliação dos direitos políticos faziam parte do Manifesto Republicano de 1870. Sua publicação foi um marco na história do movimento que levou à Proclamação da República, em 1889. O documento não tratava das desigualdades sociais. Mas o peso atual desse tema foi lembrado por 31 dos 53 entrevistados e pode ser atestado por diversas declarações. Aqui, a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: “A produção, que se faz crescentemente por meios tecnológicos, não dá emprego e concentra renda. A ideia que parecia absurda – a renda universal – eu não sei mais se é absurda”.

Em 1870, os republicanos preocupavam-se ainda com a defesa do império da lei, da igualdade perante ela vilipendiada pelo “privilégio monárquico”. Esses mesmo valores foram reafirmados e outros acrescidos pelos entrevistados pelo Estado. O economista Armínio Fraga mostra como esses valores se complementam: “A democracia e a liberdade exigem um complemento de natureza solidária, que espelhe a importância de lacunas que ainda temos. Igualdade de oportunidades e uma rede de proteção solidária são cruciais”

PRIVILÉGIOS
Atacar a desigualdade é também combater o privilégio. Essa luta é defendida pelo filósofo Renato Janine Ribeiro e outros 26 entrevistados. “A sociedade deve ter claro que o objetivo de vivermos em conjunto é ter por meta o bem comum. Isso significa que vantagens pessoais, individuais, devem estar na esfera do direito e jamais do privilégio. Um regime republicano não pode ser um regime do privilégio.”

República, 130 anos - Grupo queria instituições livres em busca de justiça

Manifesto dos republicanos defendia a soberania do povo e o combatia o privilégio dinástico, de ‘origem quase divina’

- O Estado de S. Paulo

O texto surgiu no jornal A República, em 3 de dezembro de 1870. Seus signatários questionavam a legitimidade da Monarquia e, logo no segundo parágrafo, diziam aos concidadãos: “Não reconhecendo nós outra soberania mais do que a soberania do povo, para ela apelamos. Nenhum outro tribunal pode julgar-nos; nenhuma outra autoridade pode interpor-se entre ela e nós”.

Não queriam convulsionar a sociedade; em vez disso, esclarecê-la.
Identificavam sua causa com a do progresso do País e faziam de seu ideal o combate ao privilégio dinástico, de “origem quase divina”.

Era o “privilégio” um dos principais alvos dos republicanos, no qual viam a “fórmula social de nosso País”. “Privilégio de religião, privilégio de raça, privilégio de sabedoria, privilégio de posição, isto é, todas as distinções arbitrárias e odiosas que criam no seio da sociedade civil e política a monstruosa superioridade de um sobre todos ou de alguns sobre muitos.” A Monarquia era a influência “de um princípio corruptor e hostil à liberdade e ao progresso da Pátria” com seu poder inviolável e irresponsável, exercido acima das leis.

O País precisava de uma nova Constituição. Uma Carta que destruísse o Poder Moderador, que fraudava o princípio democrático, permitindo ao imperador a dissolução da Câmara, a demissão de ministros e nomeação de um Senado vitalício, o que impedia a constituição de uma legítima representação do País. Não era só a liberdade política que desejavam, mas também a econômica, a religiosa, a de ensino e as pessoais. Queriam instituições livres e independentes em busca de equilíbrio e justiça.

“O Manifesto Republicano defendia, em linhas gerais, o republicanismo democrático. Queria, antes de tudo, eliminar os privilégios de raça, ‘sabedoria’ e posição. Mas não se referia nem à escravidão e sua abolição nem aos privilégios de gênero”, disse o cientista político Sérgio Abranches. As províncias reclamavam da centralização do Império. E lá estava o princípio federativo que se impunha “pela topografia da Nação”. Queriam que a vontade dos governados fosse o único poder supremo.

O que a mídia pensa – Editoriais

- Leia os editorias de hoje dos principais jornais brasileiros:

‘Ensaios autoritários’ – Editorial | O Estado de S. Paulo

Ao receber o Prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa 2019, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo Tribunal Federal, lembrou que a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) foi criada em 1979 como resposta à necessidade imperiosa de reafirmar a importância da liberdade de imprensa. Naquela época, o regime militar ensaiava a abertura política, simbolizada pelo fim do AI-5, que havia estabelecido diversas medidas de força, entre as quais a censura prévia. Era o momento, portanto, de “sustentar a liberdade de expressão do pensamento e da propaganda, e o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios de responsabilidade”, como se lê no primeiro objetivo exposto no Estatuto da ANJ.

A pertinente lembrança do ministro Celso de Mello veio seguida de uma preocupante constatação: a de que hoje o País vive “um momento em que vozes autoritárias se insurgem contra a liberdade de expressão”. Se há 40 anos o surgimento da ANJ serviu para reafirmar que essa liberdade não é uma concessão do Estado, e sim uma das conquistas da democracia, hoje a preocupação da imprensa profissional é o risco nada desprezível de um retrocesso. “Temos que nos insurgir contra ensaios autoritários que buscam suprimir essa liberdade natural (...) em sociedades fundadas com bases genuinamente democráticas”, conclamou o ministro Celso de Mello.

A declaração fazia referência ao modo truculento com que o presidente Jair Bolsonaro tem lidado com a imprensa desde que tomou posse. Ao editar uma medida provisória que extinguia a exigência legal da divulgação de editais públicos em jornais diários, por exemplo, o governo deixou claro seu objetivo de sufocar economicamente alguns veículos. A esse propósito, o ministro Celso de Mello afirmou que a liberdade jornalística “não pode ser comprometida por interdições censórias ou por outros artifícios estatais utilizados para coibi-la”. Além disso, têm sido rotineiras as declarações de Bolsonaro hostilizando a imprensa, o que ajuda a naturalizar, entre seus eleitores, a ideia de que jornais e jornalistas críticos do governo são “inimigos” do País.

Poesia | Fernando Pessoa - Autopsicografia

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.