sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Luiz Carlos Azedo - Políticas diversionistas

- Nas entrelinhas | Correio Braziliense

“Vendeu-se um terreno na Lua para a opinião pública, com a reforma da Previdência, que era necessária e foi aprovada, mas não garantiu a retomada automática do crescimento, como se dizia”

Qualquer cidadão razoavelmente informado é capaz de identificar os três principais problemas da vida banal: emprego, saúde e educação. Se for acrescentar mais dois: moradia e mobilidade urbana. Dependendo da região, a violência atropela até a primeira lista, como nos morros e “complexos” do Rio de Janeiro. São temas que inevitavelmente estarão no centro do debate eleitoral do próximo ano e que dependem das políticas públicas federais, sob o peso da crise fiscal. Entretanto, quando abrimos os jornais (ou melhor, as redes sociais), as prioridades do governo Bolsonaro não são exatamente essas, são as pautas identitárias que supostamente levaram à derrota a oposição, em 2018.

Ao insistir numa agenda que confronta os movimentos identitários, o governo executa uma tática diversionista, para distrair a oposição e deslocar o eixo dos debates das verdadeiras prioridades do país. Essa política pode ser um tremendo tiro no pé, como foi a tentativa da esquerda de se refugiar nessa pauta para evitar a autocrítica de seus erros e o debate sobre sua própria crise ética, o que resultou na sua derrota eleitoral. A mais recente jogada para confrontar a pauta identitária foi a nomeação do novo presidente da Fundação Palmares, Sergio Nascimento de Camargo, adversário declarado do movimento negro e da política de cotas, que afrontou de tal forma as lideranças negras que foi chamado de “capitão do mato” pelo próprio irmão, o músico e produtor cultural Wadico Camargo.

Dora Kramer - Majestade perdida

- Revista Veja

Conduta errática preocupa e leva o Supremo a cair na boca do povo

O Brasil abandonou a cerimônia em relação ao Supremo Tribunal Federal. É um fato que está nas ruas, nas mentes, nas bocas, em toda parte. Não aconteceu de graça ou de repente. A nossa Corte maior de Justiça vem abdicando de sua majestade há tempos, desde que começou a se dar ao desfrute de engajamentos e comportamentos outros para além dos restritos à interpretação fria, coerente e consistente da Constituição.

A ausência de reverência tem duas mãos. Se de um lado se derrubou na prática o lema de que decisão judicial não se discute para se estabelecer país afora um ambiente de amplo debate em relação a sentenças proferidas no âmbito do STF, de outro os ministros (salvo uma ou duas exceções) abriram espaço para contestações ao optar por exercer protagonismo na vida nacional nem sempre de modo educado e/ou apropriado.

Embora os magistrados se considerem intocáveis, não são mais invioláveis no crivo da opinião pública. Não falo aqui só dos questionamentos de especialistas publicados na imprensa. Basta sintonizar estações de rádio no dia seguinte a um julgamento polêmico no Supremo para ouvir, mesmo nos programas populares, críticas pesadas ou defesas apaixonadas da conduta dos magistrados.

Murillo de Aragão - Novo arranjo institucional

- Revista Veja

O Legislativo assume o controle da agenda do país

A Presidência da República sempre foi, historicamente, o ponto focal da política brasileira. Os demais poderes atua¬vam, salvo momentos de exceção, como coadjuvantes. Uma soma extraordinária de poderes dava ao presidente uma situação hegemônica.

Além de poder editar medidas provisórias, cuja validade como lei é imediata, o presidente controla não apenas mais de 50% do sistema bancário, como também algumas das maiores empresas do país. Ainda pode nomear mais de 25 000 cargos de confiança e, até há pouco tempo, possuía um elevado poder discricionário sobre o Orçamento da União.

Para assegurar tal hegemonia, afora os instrumentos existentes, as relações políticas eram formatadas por meio do conhecido “presidencialismo de coalizão”, com indicações políticas para cargos, distribuição de verbas e acesso à formulação de políticas públicas.

Quando funcionava bem, o presidente conseguia uma maioria para aprovar parte expressiva de sua agenda e ficar protegido de tentativas de desestabilização. Quando não funcionava, terminava em impasses ou em impeachment.

Ricardo Noblat - Democracias sob estresse

- Blog do Noblat | Veja

Bolsonaro retalia jornal
Onde ficam os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência que devem nortear a administração pública como manda a Constituição quando o governo, por ordem do presidente da República, exclui do edital para renovação de assinaturas de jornais o que tem o maior número de leitores?

Foi o que aconteceu com a Folha de S. Paulo. Bolsonaro não gosta da imprensa que o critica, e ao seu governo. Não gosta especialmente da Folha que já chamou de “desonesta”. Chamou de coisas piores a TV Globo, mas dado à sua grande audiência sente-se obrigado a aturá-la. Decidiu então retaliar a Folha.

Não imagina que com isso o jornal mudará sua linha editorial, amenizando as críticas. Não. Segue apenas o exemplo do seu ídolo, Donald Trump, presidente dos Estados Unidos. No mês passado, Trump cancelou as assinaturas dos jornais The New York Times e Washington Post, os que mais lhe fazem oposição.

O dever número um dos jornalistas é com a verdade, mesmo que ela não seja algo facilmente identificável. O dever número dois é com a independência do seu ofício. O número três é com os cidadãos. Não se deve ter vergonha de tomar partido deles. O quarto dever é com sua própria consciência.

Bolsonaro e Trump são governantes autoritários. Se pudessem, se eternizariam no poder como tentou Evo Morales, o presidente da Bolívia que acabou fugindo para o México. Por mais antiga e testada, a democracia americana é mais resiliente do que a brasileira. Mas ambas têm sofrido o diabo nas mãos dos dois.

E assim será até que Trump e Bolsonaro não passem de uma triste memória na história dos seus povos. Enquanto isso não acontecer, uma vez que foram eleitos de acordo com as leis, só resta suportá-los, vigiando seus passos e combatendo todos os seus excessos. Uma das vantagens da democracia é a alternância no poder.

José de Souza Martins* – Muito aquém do jardim

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O problema do PT é o excesso de partido e a escassez de política. A longa crise do partido foi configurada com a Carta ao Povo Brasileiro de 2002

Um influente senador do PT declarou há poucos dias que seu partido precisa falar para além do terço que é o de seus eleitores fiéis. Ainda que, fiéis mesmo, menos de um terço. Já é alguma coisa num partido em profunda crise e historicamente fechado na armadilha de falar apenas para si mesmo.

Sobretudo, falar apenas aquilo que seus militantes estão acostumados a ouvir e sabem ouvir o que pode ser uma interpretação pobre e até deformada da situação e das ocorrências políticas do país.

O problema do PT, porém, é o excesso de partido e a escassez de política. A longa crise do petismo foi configurada com a Carta ao Povo Brasileiro, de 2002, feita basicamente para ganhar a eleição daquele ano a qualquer preço.

Uma proposta de aliança incondicional com o grande capital sem qualquer indicação de quais eram e seriam as ressalvas próprias de um partido de trabalhadores para semelhante entrega. Sem qualquer afirmação explícita de que com a carta o partido abria mão, num eventual governo seu, de uma potencial postura de esquerda e se deslocava para o centro-direita oligárquico e clientelista. Até para práticas de direita, nas formas anômalas de obter fundos para ficar no poder.

Isso está basicamente na alarmante redução da carta a considerações de ordem econômica e de política econômica e de crítica à política econômica do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Partido de trabalhadores e, portanto, partido da precedência dos temas sociais, o PT nada tinha a dizer quanto aos avanços de política social no governo que contestara durante anos. Tinha apenas objeções. Embora tivesse adotado como seu o Bolsa Família e o programa de combate à escravidão.

Fernando Abrucio* - Bolsonaro optou pela instabilidade

- Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Por causa das confusões criadas pelo bolsonarismo, este é o momento mais perigoso desde o início do seu governo

Após quase um ano de muitas confusões, conflitos e frases bombásticas, muitos se perguntam aonde vai parar o barco conduzido pelo governo Bolsonaro. Não há semana que o presidente ou um de seus ministros diletos não cometa uma gafe ou provoque uma crise. Qual é o sentido de tudo isso?

Há mais de um final possível nesta história, pois embora haja um forte pendão autoritário entre os bolsonaristas, muitas outras variáveis e atores estão no jogo, tornando o seu resultado incerto. Mas uma coisa é certa: a estratégia política presidencial aposta na instabilidade permanente para construir seu projeto de poder.

Ninguém pode dizer que ele não avisou. Desde a campanha presidencial, Bolsonaro anunciou várias ideias hoje consideradas muito controversas ou (em alguns casos) absurdas, porém, muita gente ignorou esses avisos. Para não ficar só no presidente, a família presidencial (mais uma inovação) e seus principais aliados procuram constantemente a polêmica. Pode ser na ONU, no Twitter, no Congresso Nacional, em suma, em qualquer lugar que seja possível espalhar para milhares de pessoas a proposta de que é preciso lutar contra alguém ou contra algo.

Há alguns temas preferidos para iniciar cada guerra comunicacional: luta contra a ideologia de gênero, o Foro de São Paulo, os petistas, os defensores dos direitos humanos, a imprensa, os artistas, o STF, a classe política tradicional e até a República! E quando é preciso acrescentar mais adrenalina nesta cruzada, brigas são criadas até contra os aliados.

Manter-se nesta lógica de guerra, como já escrevi aqui no Valor (17/05), é um dos mantras do bolsonarismo. Mas a estratégia vai além disso: é preciso criar um clima de instabilidade permanente para, num primeiro momento, chocar os interlocutores, e, num segundo momento, mostrar que o governo é perseguido e está do lado certo.

Reinaldo Azevedo - Lula é alvo de excludente de ilicitude

- Folha de S. Paulo

Juízes do TRF-4 e representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga

O julgamento do recurso de Lula pela 8ª Turma do TRF-4 na última quarta (27) nada teve a ver com direito, leis, Constituição e outros substantivos que afastam a barbárie em benefício do pacto civilizatório.

O que se viu no tribunal foi um concerto de vontades em favor de uma forma especial de excludente de ilicitude. Também nesse particular, o procurador-regional da República Maurício Gotardo Gerum e os três desembargadores se mostraram bastante afinados com o governo de turno.

Excludente de ilicitude? Os magistrados e o representante do Ministério Público Federal deram a entender que tudo é permitido a quem acusa e julga: do plágio descarado na sentença, praticado pela juíza Gabriela Hardt —só 1%, destacou João Pedro Gebran Neto, o relator—, aos pitos e lições de moral dirigidos ao réu. Wesley Safadão não sabia, mas estava rebolando um clássico do direito contemporâneo ao cantar: “99% anjo, perfeito/ Mas aquele 1% é vagabundo”.

Bruno Boghossian – Lição paraguaia

- Folha de S. Paulo

Caso mostra que não se deve tratar com leniência políticos que usam marketing do ódio

Quando senadores paraguaios abriram o primeiro processo contra Payo Cubas, em abril, um parlamentar fez um alerta. Ele disse que o colega tinha as características do fascismo, do autoritarismo e da intolerância. Acrescentou que, se nenhuma medida fosse tomada, aquele “monstrinho” cresceria.

Cubas foi suspenso do Senado por dois meses. Ele recebeu a punição por ter xingado outros legisladores e por ter atirado copos d’água no chefe da Polícia Nacional e no ministro do Interior durante uma reunião.

Depois das férias forçadas, sem receber salário, a criatura voltou ainda mais abominável. Nesta quinta (28), ele foi cassado por ter defendido o assassinato de “pelo menos 100 mil brasileiros” que vivem no país e por ter dado um tapa num policial.

Hélio Schwartsman - Não mudar para mudar

- Folha de S. Paulo

Apesar de os recentes governos terem sido bem avaliados, uruguaios decidiram que é hora de mudar

Num momento em que países latino-americanos passam por turbulências relacionadas à polarização política, chama a atenção a tranquilidade com que o Uruguai enfrentou um pleito disputadíssimo.

O candidato conservador Luis Lacalle Pou derrotou no segundo turno, por margem estreitíssima, Daniel Martínez, da Frente Ampla, uma coalizão de partidos de centro-esquerda. Mesmo assim, a campanha transcorreu sem radicalização. Os postulantes até discutiram seriamente questões importantes, como o aumento da violência. Qual é o segredo do Uruguai?

Peço aqui licença para voltar a citar o livro “Why Bother with Elections?”, do cientista político Adam Przeworski, de que falei há pouco. Przeworski é um minimalista. Define a democracia como a possibilidade de o eleitorado remover pacificamente um governante. Foi isso que os uruguaios fizeram ao pôr fim a 15 anos de governos da Frente Ampla.

Vinicius Torres Freire - Bife à moda de AI-5

- Folha de S. Paulo

Desde a Previdência, governo parece não ter rumo além de fazer propaganda autoritária

Alguém aí ainda se lembra do pacotão das medidas fiscais de emergência? Foi visto pela última vez faz três semanas, quando chegou ao Congresso, mas seu paradeiro é ignorado, assim como anda desaparecida a arenga reformista.

Entende-se. O governo andou ocupado promovendo a Aliança pelo AI-5, a licença para matar manifestantes de rua e gente sem luz e lustro para postos de relevo na Cultura.

Além do Flamengo, os assuntos são o dólar caro, o preço do bife e um novo surto de ameaças de morte do governo contra cidadãos oposicionistas e instituições da democracia.

O pacotão era um calhamaço de reformas constitucionais para cortar salário de servidor etc., início de uma campanha urgente a fim de evitar que as contas do governo mergulhem no vinagre na virada de 2020 para 2021. Era o começo da segunda onda de reformas, que contaria também com um pacote de emprego, que praticamente foi abortado.

Desde então, o governo e o governismo parecem ter mudado de estação, parece mais surtado com o transe nas ruas sul-americanas, caído depois do relativo vexame do leilão do petróleo e ainda mais desorientado na política partidária.

O governo não parece se abalar com a sequência de derrotas no Congresso —vetos que caem, projetos que caducam. Parece, sim, ainda mais disparatado, como na política e declarações sobre câmbio ou com essa atitude de tabela juros bancários por decreto.

Fernando Gabeira - Os fantasmas atacam de novo

- O Estado de S.Paulo

Paulo Guedes sobressalta a economia com sua miopia política ao reviver o AI-5

D repente o fantasma do AI-5 volta a assombrar. É como se tivéssemos entrado na máquina do tempo e ela nos levasse, célere, para 13 de dezembro de 1968. Zuenir Ventura escreveu um livro chamado 1968, o Ano que Não Acabou. O título pode ter sido mal interpretado, pois não fala em momento algum que o tempo correria para trás.

Estamos em 2019, que, por sinal, está quase acabando. Muita coisa mudou nestas seis décadas. Hoje, na sombra do AI-5, há outro mais assustador: as demonstrações no Chile. Ele estava embutido nas ameaças de Eduardo Bolsonaro, parcialmente apoiadas pelo general Heleno, e ressurge agora na entrevista de Paulo Guedes. É sempre o mesmo fantasma arrastando correntes nas névoas de uma miopia histórica.

Tanto o governo como Lula partem de um pressuposto equivocado: o de que um movimento como o chileno é provocado por exortações nos palanques ou inibido por ameaças de virar a mesa democrática. Tivemos grandes movimentos populares em 2013 e ninguém falou no AI-5. Mesmo no Chile, o que se vê é o horizonte de um novo acordo social.

O Financial Times disse que os acontecimentos no Chile foram uma ducha de água fria no governo Bolsonaro. Afinal, os mesmos objetivos econômicos fazem parte de sua agenda liberal. E o mesmo Paulo Guedes trabalhou no Chile sob Pinochet e reaparece agora conduzindo o processo no Brasil. Iria um pouco mais longe. Os acontecimentos no Chile abalaram a confiança do governo Bolsonaro e o que vemos desde então não passa de sinais de insegurança sobre os rumos da agenda liberal.

Marcelo Moraes - STF libera uso de dados sigilosos

- O Estado de S. Paulo

Por ampla maioria dos votos, o Supremo Tribunal Federal aprovou o compartilhamento de informações da Receita e Coaf com o Ministério Público

Flávio na mira. A decisão da Corte libera a retomada das investigações criminais de mais 900 casos, que tinham sido suspensas pela liminar dada pelo presidente do STF, Dias Toffoli. Entre esses casos, está o que envolve o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro. Dados do Coaf apontam movimentações atípicas de Fabrício Queiroz, seu assessor. O Ministério Público investiga se foram cometidas irregularidades e se esses recursos foram repassamos para o senador.

Dor de cabeça. A derrubada da liminar que paralisou as investigações traz de volta a pressão política sobre o governo, já que as investigações com Queiroz e Flávio Bolsonaro serão retomadas. Desde o início do governo Bolsonaro, o caso se tornou um dos maiores pontos de desgaste político do presidente. Com a decisão de Toffoli de suspender as investigações enquanto o Supremo analisava a questão, o problema acabou ficando de lado. Agora, a tendência é que a pressão por esclarecimento aumente ainda mais.

Desgaste. Para Toffoli, o resultado do julgamento acabou representando uma derrota dentro do tribunal. Ao todo, oito ministros votaram a favor do compartilhamento irrestrito dos dados, enquanto três fizeram restrições, defendendo que houvesse aval judicial. O ministro tinha bancado a suspensão das investigações e enfrentou forte desgaste na sua imagem por isso. O problema é que esse novo desgaste acontece justamente num momento em que o Supremo enfrenta críticas pesadas pela decisão que mudou a interpretação sobre a prisão depois de condenação em segunda instância.

Eliane Cantanhêde - Um espanto!

- O Estado de S.Paulo

Negros contra negros, índios contra índios, aparelhamento da cultura, Funai e Ambiente

Um negro que nega o racismo, uma índia contrária aos movimentos indígenas, um diretor da Funai aliado aos ruralistas, a estrutura de Meio Ambiente descolada do Meio Ambiente, um secretário de Cultura que xinga Fernanda Montenegro, uma secretária de Audiovisual distante do cinema e da televisão. Sem falar em ministros.

O que que é isso, minha gente? O presidente Jair Bolsonaro vive criticando os antecessores pelo “excesso de ideologia” e rejeita indicações de políticos eleitos tão democraticamente quanto ele próprio, mas não faz outra coisa senão nomear pessoas que simplesmente se classificam “de direita”, mesmo que não tenham nada a ver com os cargos. Boa governança?

O que dizer de Sérgio Camargo, que foi nomeado para a Fundação Palmares, apesar de negar o racismo, atacar a “negrada militante” e reduzir a injustiça e as humilhações contra os negros a um “racismo nutella?” Até o próprio irmão desse senhor, o músico e produtor cultural Oswaldo Camargo Júnior, abriu um abaixo-assinado contra a nomeação. Para Oswaldo, Sérgio é um “capitão do mato”. Um capitão do mato na Fundação Palmares...

Assim como pinçou um negro para desqualificar os movimentos negros, Bolsonaro levou para a abertura da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, a youtuber índia Ysani Kalapalo, que vive entre São Paulo e sua aldeia no Xingu (MT). Isso tem nome: “Lugar de fala”. Brancos não podem atacar os movimentos, mas um negro contra negros e uma índia contra índios faz toda a diferença.

Merval Pereira - Goleada

- O Globo

Foi uma derrota do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) ministro Dias Toffoli. Subsidiariamente, foram derrotados os que pretendiam limitar a atuação dos órgãos de fiscalização no combate à corrupção.

A maioria de oito votos em onze definiu que não há limitações à atuação da Receita Federal e da Unidade de Inteligência Financeira (UIF), podendo transmitir informações ao Ministério Público e à Polícia mesmo sem autorização judicial.

O presidente do STF, que já havia votado contra sua própria liminar anterior liberando a atuação da UIF, viu também diversos ministros criticarem sua decisão de juntar a um processo contra a Receita a atuação da UIF, pedida pela defesa do senador Flávio Bolsonaro.

No final do julgamento, ontem, os ministros Rosa Weber, Cármem Lúcia, Marco Aurelio Mello e Celso de Mello pediram que ficasse registrada a discordância deles sobre essa junção indevida. O ministro Marco Aurélio Mello nem sequer analisou em seu voto a atuação da UIF, pois considerou que ela não fazia parte do processo em julgamento.

Ele reclamou da paralisação de “um sem número de procedimentos criminais, prejudicando-se a jurisdição na área sensível, na área da persecução penal, na área criminal”, referindo-se à liminar de Toffoli que suspendeu mais de 900 investigações abertas com base em dados do órgão. “A legitimidade das decisões do Supremo são hoje muito questionadas”, ressaltou Marco Aurélio.

Bernardo Mello Franco - Um misto de tristeza e revolta

- O Globo

O primeiro presidente da Fundação Palmares se diz triste e revoltado com os rumos do órgão federal. Em 1988, o advogado Carlos Alves Moura ajudou a organizar as comemorações do centenário da Abolição. Aos 79 anos, ele acusa o governo Bolsonaro de tentar destruir as conquistas do movimento negro.

"Estou sentindo um misto de tristeza e revolta. Tristeza porque não foi brincadeira criar a Fundação Palmares. Revolta em ver que o racismo continua implacável", diz o advogado.

A Palmares foi fundada no governo José Sarney, quando o movimento negro se mobilizava para reivindicar espaço na política e na nova Constituição.

"Foi uma luta muito grande. Muitos dos que participaram dela, como Abdias do Nascimento e Caó, já não estão mais entre nós", lembra Moura, que voltaria a presidir a fundação no governo Fernando Henrique Cardoso.

Ontem o advogado se surpreendeu ao ler as declarações do novo presidente da fundação, Sérgio Nascimento de Camargo. Nas redes sociais, o ativista de direita disse que no Brasil não há "racismo real" e que o movimento negro deveria ser "extinto".

Rogério Furquim Werneck - Constatação desalentadora

- O Globo | O Estado de S. Paulo

O que interessa é a estreiteza de visão e o personalismo tacanho do projeto político explicitado pelo Planalto

À medida que se aproxima o fim do primeiro ano do governo Bolsonaro, cresce a apreensão com a desproporção entre a enormidade do desafio de repor o país na rota da prosperidade e a estreiteza do projeto político que vem sendo acalentado pelo Planalto.

Ao decidir abandonar o PSL e fundar novo partido em que seus correligionários mais fiéis possam estar congregados e claramente apartados, o presidente deflagrou um rearranjo do quadro político-partidário brasileiro que, em tese, poderia até deixá-lo um pouco menos caótico.

Se Bolsonaro conseguisse, de fato, criar o Aliança pelo Brasil (APB) e, aos poucos, nele congregar bolsonaristas incontestes hoje abrigados em várias outras agremiações — do PSL ao DEM, do PP ao Novo —, a distribuição de forças políticas entre partidos de maior relevância do país ficaria bem mais clara.

Tal separação ajudaria inclusive a dirimir as infindáveis controvérsias acerca das reais proporções do que vem sendo rotulado de bolsonarismo de raiz. E da importância que poderá vir a ter na evolução do quadro político brasileiro. Sobretudo quando se leva em conta que as linhas divisórias que distinguem a nova agremiação não deixam margem a dúvidas sobre a sua caracterização.

Míriam Leitão - Várias pressões sobre o dólar

- O Globo

O déficit comercial do setor de manufaturas subiu em três anos de zero para US$ 30 bilhões. E isso sem o Brasil crescer. Com capacidade ociosa e desvalorização cambial, a indústria não consegue exportar. É o que alerta o economista Samuel Pessoa, do Ibre, ao falar da atual pressão cambial. O economista Manoel Pires, também do Ibre, lembra que o aumento do déficit em transações correntes para 3% do PIB também é preocupante. São sinais de que o dólar continuará pressionado. Os dois fizeram fortes críticas à fala de Paulo Guedes sobre o AI-5.

Os ruídos criados pelo governo pioram a situação, mas há fatores concretos, diz Samuel:

— Em janeiro do ano passado, o dólar estava a R$ 3,10. Com toda essa desvalorização, a indústria não se mexe. Nas outras recessões, o setor exportador ajudou a tirar a economia do buraco.

Manoel Pires diz que o pano de fundo — o contexto da guerra comercial, as frustrações dos leilões de petróleo, a queda das taxas de juros — tem levado o dólar a outro patamar:

— O câmbio de equilíbrio, aquele que estabiliza o déficit, é muito mais alto.

Sobre o limite à taxa de juros do cheque especial, os dois economistas, que entrevistei ontem no meu programa na Globonews, têm visões diferentes. Manoel Pires acha que o Banco Central acabou ampliando a base de arrecadação dos bancos e, ao permitir a tarifa mesmo de quem não entra no cheque especial, está reduzindo a transparência. Samuel Pessoa diz que há experiência internacional de limites máximos para os juros do cheque especial. Diz que “não é muito ortodoxo”, mas outros países fazem.

Maria Cristina Fernandes - Um ministro agarrado à sua cadeira

- Valor Econômico (28/11/2019)

Se a ebulição do continente invadir o país, o presidente só terá duas alternativas, reprimir ou tirar Guedes

Se as labaredas do continente avançarem sobre o Brasil, o presidente da República terá duas alternativas: recorrer à repressão ou tirar Paulo Guedes do cargo. Ao enviar o projeto de excludente de ilicitude dos militares para o Congresso, Jair Bolsonaro mostra as fichas que depositou na primeira opção. Não dá, porém, para ignorar os sinais emitidos por um comandante do Exército que exalta a recusa da arma ao papel de capitão-do-mato. Daí porque o ministro da Economia, em barricada contra a segunda alternativa, mencionou a volta do AI-5 como desfecho de um país tomado por manifestações.

Desconhecer a insegurança de Guedes no cargo é incorrer no mesmo erro cometido por porta-vozes bem postos do mercado quando a dupla Alberto Fernández/Cristina Kirchner começou a fazer sombra sobre Mauricio Macri. A interpretação corrente foi a de que a Argentina afundara por não ter feito a lição de casa. Quando o Chile explodiu, porém, os bedéis do liberalismo emudeceram. Se o primeiro da classe entrou em combustão, a lição é outra.

Não é de hoje que o ministro custa a aceitar o custo da democracia. Ainda na campanha presidencial, Paulo Guedes revelou ao Valor sua ambição de implantar a fidelidade programática no Congresso. Quando se deu conta de que não poderia fazê-lo por decreto, passou a acalentar a ideia de transformar Sergio Moro num instrumento de persuasão parlamentar. O Congresso enquadraria o ministro da Justiça e logo frustraria Guedes.

William Waack - Dólar e os nervos do Jair

- O Estado de S.Paulo

Fatores estruturais explicam a subida do dólar, mas o raciocínio político do presidente também

Investidores tentam agir de cabeça fria. Portanto, é pouco útil associar a subida do dólar ao nervosismo de operadores de mercado diante de frases inapropriadas, confusas, indignantes, desconexas e que apenas geram barulho, bem ao gosto das frenéticas redes sociais, uma marca já estabelecida por integrantes do atual governo em seu repetitivo empenho em criar dificuldades políticas para si mesmo. Na superfície, os recentes recordes nominais do dólar contra o real são um “paradoxo”. Afinal, nos atuais 121 a pontuação do risco Brasil é a mais baixa desde 2012, quando começou a subir e beirou os 500 no auge da recessão e derrubada do PT em 2016. Da saída de Dilma em diante, o risco caiu, oscilou para cima na incerteza pré-eleitoral e, desde a vitória de Bolsonaro, só desceu – enquanto o dólar, nesse período de 12 meses, só subiu.

As raposas de mercado adiantam uma explicação para esse “paradoxo”. Olhando friamente a trajetória da dívida bruta brasileira, os investidores concluem que ela encostou nos 80% do PIB e que, mesmo com a relevante reforma da Previdência, ali continuará pelos próximos dez anos pelo menos. E conferem nos números do Banco Central que o desempenho das contas públicas entre 2018 e 2019 não está brilhante como se poderia pensar, para não falar da deterioração da balança comercial e das contas externas.

Há outro fator também levado em conta, este mais subjetivo: o índice de incerteza compilado pela FGV. Alguns podem alegar que se trata de uma falsa correlação, mas comparando-se os últimos 18 anos desse indicador de incertezas ao desempenho anual do PIB, salta aos olhos que, quanto maior a incerteza, pior é o desempenho da economia. A incerteza atual “calculada” pela FGV está nos mesmos patamares de 2015 – a mais alta dos últimos 10 anos – e o PIB ainda cresce pouco.

José Serra* - Fogo na casa para assar o leitão

- O Estado de S.Paulo (28/11/2019)

O ajuste fiscal é necessário e precisa ser endereçado, mas não a qualquer preço

O governo apresentou propostas de emenda à Constituição (PECs) para atacar o desequilíbrio das contas públicas. Uma delas prevê a extinção dos chamados fundos públicos, que geralmente contam com receita carimbada para financiar determinados gastos. Há algumas ineficiências nessa matéria, mas virar a mesa não parece ser o caminho mais sensato. Em meio à estagnação da economia brasileira, o papel do Estado é central e decisivo.

Seguramente, há fundos desnecessários. Alguns deles se transformaram em feudos controlados por grupos que se acham donos de fatias do orçamento público. Contudo existem fundos importantes para a sociedade e para a economia, que muitas vezes não estão associados a vinculações orçamentárias. Na verdade, são instrumentos para canalizar recursos para parcerias público-privadas (PPPs), exportações e agronegócio, dentre outras áreas.

É preciso avaliar caso a caso antes de sacar recursos desses fundos, como pretende o governo. Alega-se que o saldo acumulado seria utilizado para pagar dívida pública. No entanto, esses pagamentos representariam, em última instância, aumento do dinheiro em circulação na economia. O Banco Central (BC), por sua vez, teria de enxugar esse possível excesso de liquidez com títulos – as tais operações compromissadas. No fim das contas, a queda inicial da dívida seria neutralizada por esse aumento das operações do BC. Elas por elas.

Zeina Latif* - Presidente, a balança encolheu

- O Estado de S.Paulo (28/11/2019)

As importações têm crescido mais do que o sugerido pela recuperação da economia

Não é novidade o encolhimento da balança comercial. Ocorre que o tema entrou no radar dos mercados.

As exportações não estão crescendo, com poucas exceções, como as beneficiadas pela guerra comercial entre EUA e China. A razão principal é o comércio mundial estagnado. A demanda externa pelos produtos brasileiros é variável-chave para determinar a performance das exportações.

A cotação do dólar tem influência modesta, afetando mais a rentabilidade do exportador, e menos o volume exportado. Para começar, quando o real entra em ciclo de depreciação é porque o dólar está se fortalecendo nos mercados globais, o que significa que as moedas dos nossos concorrentes também estão se enfraquecendo.

Outra consideração é que nossos produtos são caros, refletindo a carga tributária elevada e cumulativa e a infraestrutura deficiente, entre outros. Não haveria cotação do dólar alta o suficiente para compensar tantas distorções internas sem causar riscos à dinâmica inflacionária. E, nesse caso, a depreciação cambial seria, ao final, ineficaz, pela corrosão inflacionária da taxa de câmbio.

As importações estão em alta. Sem surpresas aqui, afinal, a economia ganha tração. Mas há algo extra, já discutido neste espaço.

O que a mídia pensa – Editoriais

Populismo com cheque especial – Editorial | O Estado de S. Paulo

Tabelar juros do cheque especial é medida populista indisfarçável, incompatível com o discurso liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto. Pode ser politicamente útil ao presidente Jair Bolsonaro, mas do ponto de vista econômico é injustificável e até perigosa. “Se fosse tabelamento, não tinha tarifa”, disse o presidente do BC, Campos Neto, respondendo às primeiras críticas. É um argumento pobre e ineficiente. Os bancos poderão cobrar a tarifa de quem pedir cheque especial com limite superior a R$ 500. A cobrança será de até 0,25% sobre o valor acima daquele limite. Com isso haverá um ganho adicional para as instituições financeiras e muitos de seus clientes terão um custo a mais, mesmo sem fazer um saque ou pagamento além do saldo normal.

O teto de juros, decidido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pode parecer perfeitamente razoável diante do custo até agora imposto a quem se endivida no cheque especial. Em outubro, a taxa média para esse tipo de cobrança ficou em 305,9% ao ano, segundo o BC. Se os juros de 8% ao mês forem aplicados, o custo anual será de 151,8%. Ainda será enorme, mas a redução será considerável. A medida entrará em vigor em 6 de janeiro, segundo a resolução do CMN. Que ocorrerá a partir daí?

Poesia | Fernando Pessoa - Mar português

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.