sábado, 28 de dezembro de 2019

Opinião do dia: Armínio Fraga* - redução da pobreza e da desigualdade


  • A ideia que o governo Bolsonaro já considerou, de não reajustar o salário mínimo, poderia frear a redução da pobreza e da desigualdade?

Quem analisa no detalhe o papel do salário mínimo, reconhece que o aumento dele foi muito importante ao longo de mais de 20 anos. No entanto, como política social, existem também custos. Fica essa questão. Outro tema delicado, quase censurado, é a questão da informalidade, que merece mais discussão. Falta uma análise aberta e honesta dessa questão. Ter 50% das pessoas desempregadas ou empregadas na informalidade é um problema social e de produtividade gravíssimo. É inevitável analisar isso de uma maneira desapaixonada. Não é justo governar só para os que estão empregados na economia formal e pertencem a sindicatos, que são mais fortes e cuidam mais dos seus. Como ficam os outros? Isso é debatido na academia, mas não vejo esse tema chegando à política.”

*Armínio Fraga, em entrevista. O Estado de S. Paulo, 27/12/2019

Marco Aurélio Nogueira* - Um ano de bizarrices, sectarismo e ideologia

- O Estado de S.Paulo

Complexidade do Brasil e do mundo esteve além do entendimento médio do governo em 2019

Para dizer o mínimo: 2019 foi perturbador.

Chegamos a dezembro com sinais de que a economia começa a se recuperar. A taxa de crescimento bateu em 1% no ano, mas o desemprego e a renda continuaram a martelar os brasileiros. A produtividade permanece baixa, o crescimento não se mostra sustentado. Nos bastidores da estridência governamental, escorreu uma política econômica que se proclama liberal, mas age em nome de um governo que ameaça as liberdades básicas.

Nenhum país anda só com as pernas da economia. Depende de coisas que têm alto poder de determinação. É preciso olhar o todo, avaliar o que impacta o cotidiano da população, prestar atenção na política, naquilo que fazem as oposições e o governo, na repercussão de escândalos como o do senador Flávio Bolsonaro, nas atitudes intempestivas do presidente.

O balanço do ano não é animador. A política externa, ideologizada de modo caricatural, converteu o País em chacota mundial. Combinou sem critério o fundamentalismo religioso e o patriotismo rasteiro, trocando o pragmatismo característico do Itamaraty por pregações moralistas, subservientes, fechadas ao interesse nacional: uma visão que se aliena do mundo e do próprio País.

O meio ambiente foi tratado com desdém. As populações indígenas foram vistas como “entraves” à exploração do território e das florestas. Queimadas, desmatamento, óleo emporcalhando mares e praias, todo um cenário complicado a requerer uma atenção que não apareceu: em vez dela, sucederam-se insultos que isolaram o País.

A letalidade policial continuou a assustar. As mortes absurdas afetam principalmente os jovens, os mais pobres, os negros e mulatos, as periferias das grandes cidades. Uma parcela importantíssima da sociedade está sendo dizimada, encurralada, amedrontada.

A área da Cultura concentrou as principais aberrações, com encarregados a exibir seu reacionarismo e seu desprezo pelos produtos e produtores culturais. O aparelhamento é ostensivo: o que importa é a fidelidade ao chefe, não a competência. Artistas foram caçados como inimigos públicos. A Educação não ficou muito atrás, com a agravante de que o responsável por ela não só demonstrou completa falta de cultura e educação, como foi de uma inoperância a toda prova. Travou uma “guerra cultural” de baixíssimo nível contra escolas, professores, universidades, pesquisadores. Fez do MEC um deserto de ideias e iniciativas.

Merval Pereira - O diabo nos detalhes

- O Globo

Há quem considere que juízes de garantias não terão tempo hábil para realizar as audiências de custódia

Ainda teremos muita discussão até a implantação do juiz de garantias, que vai dividir os processos criminais com um juiz de julgamento. Afinal, o diabo está nos detalhes, e é disso que tratam os membros do grupo de trabalho do Conselho Nacional de Justiça, reunidos pelo presidente Dias Toffoli para regulamentar a medida.

Mas os juristas que a aprovam acham que está havendo muito barulho por nada. Foi o que disse, por exemplo, o presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Dias Toffoli, para quem a implantação do sistema é “perfeitamente factível”. O ministro Gilmar Mendes, também do STF, é da mesma opinião, e considera que a medida “é mais fácil de implementar do que parece”

Outro ministro do Supremo, Alexandre de Moraes, ressalva que a proposta não estava no seu projeto, nem no do Moro. Ele considera que não é urgente a adoção de tal instrumento, mas também acha um absurdo dizer que ele é inconstitucional, como alegam a Associação dos Magistrados do Brasil e a Associação dos Juízes Federais.

Moraes e Gilmar conversaram ontem sobre o tema, e algumas sugestões foram passadas para Toffoli, especialmente por Alexandre de Moraes, que tem conhecimento da experiencia com esse instrumento em São Paulo.

Ascânio Seleme - As respostas de Noel

- O Globo

Na semana passada, esta coluna publicou com exclusividade cartas ao Papai Noel escritas por algumas das pessoas mais importantes do Brasil. Aqui as respostas do bom velhinho, três dias depois do Natal.

Bolsonaro - O presidente pediu para se ver livre dos jornalistas que não saem de seu pé. Noel respondeu assim: “Impossível ajudá-lo. Por regras ancestrais, não tenho o direito de atentar em nenhuma hipótese contra a democracia. Jornalistas e liberdade de imprensa são fundamentais para a manutenção do estado de direito. Mesmo que pudesse, não lhe ajudaria por questões éticas. Com jornalistas, menu caro, é melhor já ir se acostumando”.

Guedes - O ministro da Fazenda pediu ajuda para aprovar as reformas que faltam, já que o seu chefe não colabora. Veja a resposta do velhinho: “Mesmo de longe dá para ver que o seu superior não ajuda mesmo. O seu colega Sergio Moro padece do mesmo problema. Ocorre que dentre as minhas atribuições não constam Medidas Provisórias e Projetos de Lei. Sorte sua que, ao contrário do Moro, você tem o Rodrigo Maia”.

Weintraub - O ministro da Educação na corda bamba pediu para Papai Noel ajudá-lo anão ser demitido, já que ele queria continuar inventando piadinhas bobas e xingando quem lhe desse na telha desde o gabinete na Esplanada. Resposta: “Nem que pudesse iria ajudá-lo. Vocêéo pio remais caótico ministro da Educação do Brasil que eu já conheci, e olha que eu ando por aqui há anos. Se me pedissem conselho, recomendaria sua imediata exoneração. Dizem que você chega a ser pior que o seu antecessor, que sequer
falava o idioma pátrio”.

Damares - Ela pediu um vestido azul, jurando usá-lo escondida dentro de casa. Papai Noel foi simpático :“Pedido atendido, menina. Mas recomendo que use o vestido azulem cerimônias públicas e oficiais. Vai engrandecê-la”.

Daniel Aarão Reis - Ócio e preguiça

- O Globo

Há desconfiança em relação às instituições políticas, desejo de reforma, conferindo-se protagonismo às gentes

‘O governo está surdo, cego e mudo em relação às demandas dos chilenos”. A autora da frase é Patricia Lillo, coordenadora do Coletivo Não + AFP (Administradoras dos Fundos de Pensão) em Santiago. Desde meados de outubro, a população nas ruas protesta contra as desigualdades sociais, a degradação dos serviços públicos e, em especial, o regime de aposentadorias, controlado por meia dúzia de bancos, para o qual só contribuem os trabalhadores. Para mais de metade das pessoas, paga-se uma pensão equivalente a menos de meio salário mínimo. Depois de grandes embates, impôs-se a elaboração de uma nova Constituição para superar a atual, legada pela ditadura do sinistro general Pinochet.

Em suas lutas, como assinalou Manuel Castells, os chilenos não estão sós.

Na América do Sul, no Equador e na Colômbia, movimentos de rua, nos últimos meses, conseguiram fazer com que os governos retirassem propostas atentatórias aos interesses e direitos das maiorias.

No norte da África, na Argélia, desde fevereiro, dezenas de milhares de pessoas nas ruas levaram de roldão um presidente que desejava eternizar-se no poder e agora questionam como farsescas eleições concedidas pelos militares no poder. Querem o fim do “sistema”, uma ditadura instaurada desde a Independência, em 1962, acusada de ter “roubado o país e nos roubado tudo”.

Em Beirute, capital do Líbano, desde meados de outubro, multidões, por cima de diferenças religiosas, algo inédito na história do país, estão nas praças públicas protestando contra as intrigas e a corrupção endêmica que gangrenam as instituições nacionais e descredenciam as elites governantes.

Míriam Leitão - Pequena melhora no desemprego

- O Globo

Há números indicando melhora no mercado de trabalho. É muito lenta, mas no Brasil de hoje comemora-se qualquer pequeno avanço

O desemprego caiu. Quem conhece as minúcias dos números sabe que foi um pouco melhor do que o esperado. Quem vê o quadro geral entende que não foi uma mudança relevante, porque o país ainda tem a multidão de 11,9 milhões de desempregados. E isso é mais do que um Portugal. E ainda tem 4,7 milhões de desalentados. Que é igual a uma Nova Zelândia. E tem 26,6 milhões de trabalhadores subutilizados, o que é mais do que toda a população da Austrália. Some-se os três países e se tem uma dimensão aproximada do problema brasileiro no mercado de trabalho.

A taxa, contudo, caiu para 11,2% no trimestre terminado em novembro. Era 11,8% no trimestre anterior que terminou em agosto. O mercado achou que cairia para 11,4%. Então, quando se diz que é melhor do que o esperado está se falando de dois pontos depois da vírgula.

Há notícias boas nos entremeios dos números. A lupa do jornalismo de economia consegue notar. O emprego formal subiu 1,1% em relação ao trimestre anterior, o que é mais 378 mil pessoas trabalhando com carteira.

Ricardo Noblat - Moro fustiga Bolsonaro e critica a lei que ele próprio assinou

- Blog do Noblat | Veja

Tiro ao alvo no capitão

Onde já se viu um ministro de Estado manifestar-se contrário a uma decisão tomada pelo presidente da República? Foi o que fez o ministro Sérgio Moro, da Justiça, em relação à lei sancionada por Jair Bolsonaro que criou a figura do juiz das garantias, como se os demais juízes fosse incapazes ou estivessem desobrigados de garantir os direitos das partes envolvidas em um processo. Seria o caso de se indagar por que Moro assinou a lei.

Ministro de Estado pode aconselhar o presidente, e mais não pode. Pode também ir para casa. Divergir, não pode. Muito menos tornar pública sua divergência. E por que Moro o fez e continua a fazer? Para enfraquecer seu chefe? Para se demarcar dele? Para dar satisfação aos seus seguidores? “Apesar disso, vamos em frente”, Moro escreveu. Como quem faz uma concessão e mais uma vez se oferece ao sacrifício de permanecer ministro.

Mesmo depois que Bolsonaro admitiu seu desconforto com o que parte de sua base anda dizendo a seu respeito, Moro voltou ao ataque. Escreveu no Twitter: “Leio na lei de criação do juiz de garantias que, nas comarcas com um juiz apenas (40 por cento do total), será feito um ‘rodízio de magistrados’ para resolver a necessidade de outro juiz. Para mim é um mistério o que esse ‘rodízio’ significa. Tenho dúvidas se alguém sabe a resposta”.

Rodrigo Maia* - Aos trancos e barrancos

- Folha de S. Paulo

Sociedade se organizou para corrigir ímpetos muito particulares

A quem está na vida pública não é dado o direito de ser pessimista ou a chance de deixar-se acomodar resignado ante os obstáculos. O ano de 2019 foi muito difícil para o Brasil; 2020 será ainda mais desafiador. Mas há um legado a ser celebrado no período que fica para trás.

Com alguma surpresa, o país descobriu a diferença entre governo e governança. Abriu os olhos também para a necessidade de fazer da ação política um catalisador permanente das forças da sociedade, e não apenas um elixir para animar períodos de campanha eleitoral. Por meio do Parlamento e contando com a moderação sempre bem-vinda do Judiciário, a sociedade se organizou para melhorar, corrigir e às vezes dar novos rumos aos ímpetos reformistas de quem tentou ler o resultado das urnas de 2018 com lentes muito particulares e sob prismas unipessoais.

A Câmara dos Deputados e o Senado Federal encontraram caminhos para melhorar a reforma da Previdência e aprovar um conjunto de mudanças que renovará o ânimo de empresas e de empreendedores ansiosos por investir aqui. Também driblamos os antagonismos daqueles resistentes a um novo marco legal para estimular obras e entregas na área do saneamento básico, ponto nevrálgico de carências para os brasileiros. A partir do próximo ano deveremos comemorar avanços reais na coleta e tratamento de esgotos e no abastecimento de água potável —isso se converterá em redução da mortalidade infantil e de doenças endêmicas nos municípios de todo o território nacional.

Julianna Sofia - Em busca de um álibi

- Folha de Paulo

Com sanção de juiz das garantias, Bolsonaro cria clima de barata-voa e insegurança jurídica

O presidente Jair Bolsonaro desdobra-se para encontrar um álibi que justifique ter atropelado o parecer do Ministério da Justiça que lista, pelo menos, cinco bons motivos para o veto da criação do juiz das garantias na sanção do pacote anticrime aprovado pelo Congresso.

No arrazoado que faz, começa por uma deferência ao Legislativo (“Não posso sempre dizer NÃO ao Parlamento”) —tão inverossímil quanto a recente declaração de que pode ficar fora do páreo de 2022. Neste primeiro ano de mandato, Bolsonaro não só vetou a rodo dispositivos votados pelos congressistas como recebeu em troca lugar de destaque no rol dos presidentes da República com mais vetos derrubados.

Em suas redes sociais, o mandatário afirma que tem muita gente a favor do juiz das garantias e que se trata de boa inovação. Segue dizendo que 90% dos que o criticam sequer sabem o que significa a novidade. “Se te prejudicar, é simples, não vota mais em mim”, reage.

Hélio Schwartsman - Uma defesa da censura

- Folha de S. Paulo

A sociedade, para funcionar bem, precisa que as pessoas exerçam algum grau de autocensura

Abaixo a censura, certo? Não tão rápido. Há um tipo de censura que, se exercida com discernimento, tende a ser pró-social. Falo da autocensura. É com satisfação, portanto, que leio a pesquisa Datafolha que informa que 51% dos brasileiros desistiram de fazer algum comentário ou compartilhar algum conteúdo para evitar brigas.

A internet teve efeito disruptivo não apenas sobre negócios mas também sobre relacionamentos sociais. Hoje, com mais de 3,5 bilhões de usuários da rede, é muito fácil encontrar quem pense igual a você, pouco importando quão idiossincráticas, exóticas ou mesmo malucas sejam as suas ideias.

O lado positivo disso é que ninguém mais precisa ser solitário. Por mais raro que seja o seu fetiche, sexual ou intelectual, são grandes as chances de que você tope com alguém que o complemente. Pode ser o início de um lindo romance ou de uma bela colaboração intelectual. A sociedade pode sair ganhando, se daí surgir alguma inovação relevante.

Demétrio Magnoli* - Mar dos Coliformes Fecais

- Folha de S. Paulo

Que se proíba o controle de balneabilidade, essa coisa de comunista

A Austrália tem um mar de Coral, pura poesia. Os atlas argentinos nomeiam o Atlântico Sul como mar Argentino, pura imaginação geopolítica. Numa derivação conceitual equivocada, os militares deram de chamar nosso mar territorial “Amazônia Azul”. Sugiro o realismo: mar dos Coliformes Fecais.

A Folha reuniu as informações, praia por praia. De norte a sul, os 7.367 km do litoral brasileiro formam a mais extensa faixa de poluição oceânica por águas de esgoto do mundo. É como se os Bolsonaros —o pai, os filhos e o espírito santo, que mora na Virgínia— tivessem discursado sequencialmente, do Oiapoque ao Chuí, envenenando um mar sem fim. Mas, de fato, a culpa (ainda) não é deles: o estado de nossas praias reflete os valores da política nacional.

As praias queridas da minha infância (Gonzaguinha, em São Vicente, Perequê-Mirim, em Ubatuba) estão imundas, assim como as dos meus 20 anos (Trindade, em Paraty, Farol da Barra, em Salvador, Lagoa da Conceição, em Florianópolis). As dos meus 40 (Porto de Galinhas, em Pernambuco, Morro de São Paulo, na Bahia) já rumam ao mesmo destino.

No Brasil, apenas 45% dos efluentes coletados são tratados. Grande parte do restante segue, pelos rios, até o mar. O cenário deprimente deteriora-se cada vez mais. No conjunto do litoral, em 2019, 35% das praias são classificadas como ruins ou péssimas e 27% como regulares.

Marcus Pestana - A agenda para 2020

O ser humano tem esta estranha mania de partir o tempo. Como se a vida não fosse um moto-contínuo. Mas a quebra do calendário tem uma função simbólica importante. É como se fosse uma pausa para respirar fundo, revisitar e avaliar o presente e o passado e projetar o futuro. O fim de um ano acende a fogueira das previsões. O que se dirá sobre o fim de uma década? 2020 bate à porta! Essa é a senha para que cartomantes, videntes, economistas, analistas políticos se assanhem a prever o que ocorrerá no novo ano, na nova década.

E isso se agrava no Brasil. Aqui temos sempre o sentido da urgência e a ideia de que vamos começar do zero. Aqui, nos trópicos, tudo é aventura e desafio de curto prazo.

Certamente, o plano mais importante é o da economia. Viramos o ano com o nível de desemprego alto, a desigualdade extrema intacta, a produtividade insuficiente, as finanças públicas gravemente combalidas e os investimentos em patamares pífios. Isso apesar da retomada que projeta um crescimento do PIB de 2,5% no próximo ano, ancorado na enorme capacidade ociosa da indústria e no crescimento do consumo e do crédito, nos juros baixos e na inflação controlada. Mas nada que nos permita “dormir em berço esplêndido”, já que choques externos podem mexer com variáveis que parecem sob controle.

O que a mídia pensa – Editoriais

Água na fervura – Editorial | O Estado de S. Paulo

Em clima de retrospectiva de fim de ano, o New York Times e o Financial Times publicaram, coincidentemente no mesmo dia 5, matérias especiais sobre a Amazônia. Os títulos são sugestivos. A matéria nova-iorquina, repleta de imagens impactantes, abre com a chamada “A Amazônia está completamente sem lei: a floresta tropical após o primeiro ano de Bolsonaro”. O caderno de quatro páginas londrino anuncia: “Espectro de devastações dispara batalha feroz pelo futuro da Amazônia”, e especifica: “Chefões do crime visam ao lucro rápido com a busca por desenvolvimento e votos do presidente”.

As matérias ilustram dois fenômenos opostos que não se excluem, ao contrário, se retroalimentam. Por um lado, a imprudência do presidente Jair Bolsonaro em relação às preocupações ambientais, que, oscilando entre a indiferença e a hostilidade, está não só estimulando infrações, como arruinando a imagem do País junto à opinião pública internacional. Por outro lado, a extrema suscetibilidade desta opinião.

Poesia | Vinícius de Moraes - Balada das meninas de bicicleta

Meninas de bicicleta
Que fagueiras pedalais
Quero ser vosso poeta!
Ó transitórias estátuas
Esfuziantes de azul
Louras com peles mulatas
Princesas da zona sul:
As vossas jovens figuras
Retesadas nos selins
Me prendem, com serem puras
Em redondilhas afins.
Que lindas são vossas quilhas
Quando as praias abordais!
E as nervosas panturrilhas
Na rotação dos pedais:
Que douradas maravilhas!
Bicicletai, meninada
Aos ventos do Arpoador
Solta a flâmula agitada
Das cabeleiras em flor
Uma correndo à gandaia
Outra com jeito de séria
Mostrando as pernas sem saia
Feitas da mesma matéria.
Permanecei! vós que sois
O que o mundo não tem mais
Juventude de maiôs
Sobre máquinas da paz
Enxames de namoradas
Ao sol de Copacabana
Centauresas transpiradas
Que o leque do mar abana!
A vós o canto que inflama
Os meus trint'anos, meninas
Velozes massas em chama
Explodindo em vitaminas.
Bem haja a vossa saúde
À humanidade inquieta
Vós cuja ardente virtude
Preservais muito amiúde
Com um selim de bicicleta
Vós que levais tantas raças
Nos corpos firmes e crus:
Meninas, soltai as alças
Bicicletai seios nus!
No vosso rastro persiste
O mesmo eterno poeta
Um poeta - essa coisa triste
Escravizada à beleza
Que em vosso rastro persiste,
Levando a sua tristeza
No quadro da bicicleta.