sábado, 11 de janeiro de 2020

Alvaro Costa e Silva* - Bumbum de bebê

- Folha de S. Paulo

Autor do atentado contra o Porta dos Fundos está testando suas chances na política

De cabeça de juiz e bunda de neném, ninguém sabe o que vem. Depende.

Como era de se esperar, o Supremo Tribunal Federal suspendeu a decisão do desembargador Benedicto Abicair, da Justiça do Rio, que censurou o especial de Natal do Porta dos Fundos. Além de ferir a Constituição, a decisão reinstalava uma espécie de censura prévia no país, como nos tempos da ditadura militar.

O espantoso é que, ao determinar que o vídeo com sátiras a Jesus Cristo fosse retirado do ar, Abicair tenha convenientemente se esquecido do que havia formulado antes. Ao relatar, em novembro de 2017, um processo no qual Jair Bolsonaro, então deputado estadual, era acusado de ter feito declarações homofóbicas e racistas num programa de tevê, o desembargador construiu uma peça de respeito à democracia para votar a favor do recurso contra a condenação: "Tudo é direito de cada cidadão, desde que não infrinja dispositivo constitucional ou legal".

Agora Abicair alegou que a sociedade brasileira é "majoritariamente cristã", esquecendo que o Estado é laico. Em outro trecho, o mais intrigante de todos, justificou-se afirmando que pretendia "acalmar os ânimos". De quem? Referia-se o desembargador àqueles que desde a exibição do humorístico vivem a promover mentiras, insultos, ameaças e acusações nas redes sociais? Se a hipótese estiver correta, o juiz estaria legitimando o esdrúxulo conceito de "tribunal da internet".

Ou a referência é a Eduardo Fauzi, que confessou ter cometido o atentado contra a produtora do Porta dos Fundos? Da Rússia, para onde fugiu, o new-integralista anda deitando falação à imprensa e fazendo propaganda da própria idiotice. Ao saber da censura, ele gravou um vídeo em apoio a Abicair e ao Centro Dom Bosco: "O Brasil tem homem, o Brasil tem macho". É bem capaz de vir a ser candidato a vereador no Rio. Posso até adivinhar por qual partido.

*Alvaro Costa e Silva, jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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