terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Andrea Jubé - A alfabetização digital dos partidos

- Valor Econômico

Eleições terão explosão de ‘fake news’ e menos robôs

Com uma tropa de generais abatida nas urnas em 2018 - Romero Jucá, Eunício Oliveira e Roberto Requião, para lembrar alguns -, justo quando governava o país, o MDB começou a treinar soldados para a guerra eleitoral deste ano.

Com 54 anos de história e protagonista do capítulo da transição democrática brasileira, o MDB colocou a militância na sala de aula para aprender a técnica das redes sociais.

O partido tenta traçar uma estratégia digital em um comportamento que deverá ser seguido por outras siglas tradicionais que também têm história, mas podem perder votos pela falta de interação com o eleitor nas mídias sociais.

Com expertise na área, o instituto Ideia Big Data foi contratado pela Fundação Ulysses Guimarães (FUG) para dar consultoria e supervisionar o treinamento digital dos emedebistas. A aula inaugural ocorreu em Porto Alegre na sexta-feira. Até maio, estão previstos 44 encontros, com 50 vagas por turma, para ensinar a esse batalhão de 2,2 mil militantes desde os passos elementares nas redes sociais até a formulação de uma campanha digital.

Um primeiro vídeo distribuído aos aprendizes, por exemplo, ressalta que o Brasil é o quinto país em ranking de uso diário de celulares no mundo: as pessoas passam em média três horas por dia no celular. Em contrapartida, os seguidores veem menos de 2% das postagens de um perfil no Facebook, a rede mais popular.

Uma primeira lição explica que para ampliar esse público é preciso investir em anúncios, mas com a observância das regras eleitorais. No primeiro módulo - o conteúdo é produzido pela FUG - o aluno aprende a criar uma conta de anúncio e os tipos de campanhas no Facebook e no Instagram.

O economista Maurício Moura, fundador do Ideia Big Data e professor da Universidade George Washington, nos Estados Unidos, diz que os partidos foram pegos de surpresa com a onda que elegeu personalidades das redes em 2018, que não faziam parte do processo político.

“A quantidade de eleitos em diversas instâncias que fizeram uso disso surpreendeu e a tendência é que os partidos de forma geral reajam em relação a isso”. Moura é coautor, ao lado de Juliano Corbellini, da obra “Eleição disruptiva - Por que Bolsonaro foi eleito”, em que investiga por que um candidato sem tempo de televisão, sem partido e com o discurso antissistema venceu as eleições.

O MDB é reconhecido pela força regional, a partir do capital de mais de 1 mil prefeitos e 7 mil vereadores no interior do país. Depois da derrota no último pleito, a tentativa de reviravolta implica ampliar esse contingente ou preservar a liderança no ranking de gestores municipais.

O impasse é que a dimensão dessa capilaridade é inversamente proporcional à desenvoltura dos emedebistas nas redes, que se consolidaram como a arena por excelência da última eleição, da próxima e das vindouras.

A partir da pesquisa da eleição de 2018 e de outras democracias modernas - como Estados Unidos, México e Índia - Maurício Moura aponta quatro pilares das próximas eleições. Prevalecerá a regra de que a pauta é local e as questões paroquiais se sobrepõem aos embates ideológicos; e a narrativa do outsider, que catapultou Jair Bolsonaro, João Doria e Wilson Witzel, entre outros, esgotou-se. O eleitor exigirá a ficha limpa, mas vai se guiar pela realidade local.

Um terceiro pilar é a campanha na palma da mão, ou seja, no smartphone. “Em 2018 discutiu-se o que era mais importante, a campanha na televisão ou no celular”, relembra. “Agora é uma campanha só, todo o conteúdo de vídeo e rádio passará pelo celular”.

Quem não se lembra do sorriso do Gato de Cheshire no semblante do candidato tucano à Presidência, Geraldo Alckmin, quando anunciou a coligação com dez partidos que lhe proporcionou 44,4% do tempo de propaganda no rádio e na televisão? Com ar de “já ganhei” na largada, o tucano teve o tempo no horário eleitoral 40 vezes maior que o de Bolsonaro. Mas acabou em quarto lugar, com 4,7% dos votos.

A pesquisa do instituto Ideia Big Data para a FUG mostrou que os meios mais utilizados pelo eleitor para se informar sobre política são a televisão, mas tecnicamente empatada com sites da internet, e em terceiro lugar as redes sociais, citadas por 56% dos entrevistados. A rede preferida é o Facebook, que no Brasil tem 127 milhões de usuários.

A hegemonia das redes é fato consumado. Mesmo acusado de recorrer a robôs, Bolsonaro impôs-se como o quarto líder mundial com mais seguidores, segundo levantamento da consultoria Bites. Quem encabeça a relação é o primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, seguido do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e do presidente da Turquia, Recep Erdogan.

Apesar do peso institucional de alguns partidos, o poder de engajamento nas redes emana das personalidades. Bolsonaro tem 9,9 milhões de seguidores no Facebook, enquanto o partido que está fundando, o Aliança pelo Brasil, tem 371 mil curtidas.

Também no Facebook, o MDB tem apenas 76 mil seguidores. Em contrapartida, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), tem um capital de 155 mil seguidores.

Moura pondera que as relações na rede são pessoais, e por isso o cidadão prefere seguir os políticos aos partidos. “O cidadão quer entender a vida da pessoa, sentir-se próximo de sua rotina”. Depois vem a descrença com o sistema.

Moura também antevê uma explosão de “fake news”, levando os partidos a empenharem tempo e energia reagindo ao bombardeio. Um agravante é o “deep fake”, pelo qual se produz montagens sofisticadas, imprimindo veracidade a fatos inverídicos ou inexistentes.

Moura diz que combater essa espécie de praga da era digital ainda é como enxugar gelo. “Os mecanismos de produção e difusão hoje são monstruosos, quase atômicos, e a reação das instituições oficiais não tem a mesma velocidade”.

Em contrapartida, ele vê menor emprego de robôs. Observa que ferramentas como o WhatsApp já mudaram as configurações para impedir disparos em massa como ocorreu em 2018.

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