segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

Entrevista | A democracia está bem, diz ex-senador Pedro Simon às vésperas de seus 90 anos

Um dos líderes do movimento pelas Diretas diz que Bolsonaro fala demais e critica falta de consistência de Luciano Huck

Paula Sperb | Folha de S. Paulo

XANGRI-LÁ (RS) - Os carros passam mais devagar em frente à casa de varanda ampla a poucas quadras do mar. A baixa velocidade é para que consigam enxergar o morador, o ex-senador Pedro Simon (MDB), que completa 90 anos na próxima sexta-feira (31).

O gaúcho responde aos acenos levantando o braço. Foram ao menos dez cumprimentos em uma hora de entrevista, incluindo os apertos de mão na beira da praia de Rainha do Mar, em Xangri-lá, onde "veraneia" há pelo menos 50 anos.

Seu aniversário será celebrado no dia 1º, em Capão da Canoa, mesma cidade litorânea onde liderou a passeata das Diretas-Já em 1984, com cerca de 50 mil pessoas em um domingo de verão.

Nascido em Caxias do Sul, onde iniciou sua vida política como vereador, foi deputado estadual, governador, ministro e senador. De 1979 a 2015, Simon só não se elegeu para o Senado quando foi eleito governador.

O emedebista tem viajado pelo Brasil para realizar palestras gratuitas para estudantes. Seu livro de cabeceira é a Bíblia, que alterna com leituras sobre atualidades. Incentivado pela mulher Ivete Fülber Simon, ele pratica pilates, vai à academia e sobe e desce seis lances de escadas do seu apartamento, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre.

Lembrado especialmente por sua atuação pela redemocratização, Simon acredita que, sob o governo Jair Bolsonaro, a "democracia está bem". Diz que votou em branco pela primeira vez em 2018 e negou ter dado "apoio crítico" a Bolsonaro, como o MDB gaúcho no segundo turno.

• Depois de sua luta pela redemocratização, como o senhor avalia o Brasil de hoje? A democracia vai bem ou mal?

A democracia está bem. Tivemos os governos do PT, que todo mundo se assustava. "O Lula, que vai implantar o comunismo, o não sei o quê", diziam. Sob o ponto de vista institucional, ele se saiu bem.

Teve o [Fernando] Collor, um cara todo complicado, cassado pelo impeachment. Saiu o impeachment, a normalidade democrática continuou. O Itamar [Franco] foi um governo espetacular. Veio o Lula, o afastamento da Dilma [Rousseff], que não foi por corrupção, foi por não cumprir regras da administração pública.

Agora veio o Bolsonaro. Sob o ponto de vista institucional, estamos bem. Sinceramente, estamos bem. As reformas estão saindo, é altamente positivo. Uma das coisas que gostei do Bolsonaro, quando assumiu, foi convidar o [Sergio] Moro e dizer: "Vai ser meu ministro da Justiça e da Segurança, ele vai ter plena e total [autonomia] e pode até ser meu filho [investigado], eu compreendo". Agora, no dia a dia que estamos vivendo, a coisa está um pouco diferente. O filho do Bolsonaro [Flávio] está em uma confusão enorme e, em função disso, o Bolsonaro não está tendo mais aquela firmeza que ele tinha com relação ao Moro.

• O que o senhor pensa sobre Bolsonaro?

Ele fala demais e fala equivocado. Ele diz algumas coisas que não precisava dizer.

Ele criou um problema com os israelitas, falou que ia transferir a embaixada de Tel Aviv para Jerusalém. Ele fez a confusão com o presidente norte-americano, que matou o general do Irã. Essas confusões que ele faz, ele não está sendo feliz.

• Como o senhor viu o episódio do secretário da Cultura [Roberto Alvim, que parafraseou um discurso nazista]?

É uma piada, não entendo. Fico pensando, será ingenuidade? Será falta de visão? Pegar aquela frase e mudar duas, três palavras. Não entendo. Acho que foi uma coisa à beira da irresponsabilidade. Foi muito infeliz.

• O senhor se sente incomodado quando vê esse tipo de comentário? O próprio Bolsonaro elogia o coronel Ustra [torturador na ditadura], por exemplo, uma figura que o senhor ajudou a combater.

São as infelicidades dele. O comandante Ustra é uma figura já marcada, todo mundo sabe quem ele é. Lembrar ele para elogiar, essas coisas... Parece que ele quer se definir como o cara de direita. Nisso, ele não está sendo feliz.

• O senhor defende uma coalizão de centro para as próximas eleições?

A forma de se organizar pode ser a mais variada. Os de centro, os da esquerda, da direita. O essencial é um movimento que consista no que fazer, em torno de quem vamos nos reunir e para onde nós vamos caminhar. O Bolsonaro tem o movimento dele, o Lula tem o movimento dele.

• Qual sua opinião sobre o Lula fora da prisão?

Ele não foi feliz quando saiu da prisão.

Ele tinha que imitar o [Nelson] Mandela. Falar em união, em entendimento, que é hora da paz, organizar para fazer as coisas. Não para derrubar o Bolsonaro, não para unir o povo contra. Todo mundo imaginava que ia acontecer isso, o Lula e o presidente [em confronto]. Dessa briga, os dois sairiam ganhando. É isso que se imaginou.

Mas aí, surpreendentemente, acho que não foi o Bolsonaro, mas a equipe dele, deixou o Lula, não respondeu. Ninguém respondeu. Ele parou de falar.

• O que o senhor acha do nome do Luciano Huck para candidato a presidente?

Não vejo consistência nenhuma. Inventaram o Collor. A Globo elegeu ele presidente, deu no que deu. Esse Huck é um bom homem de televisão, um bom comunicador. Mas ser bom comunicador e ser um bom presidente são coisas diferentes. Acho que não tem lógica.

Mas é que está um vazio. O Lula vai ser ou não vai ser [candidato]? Não sei. No meio desta confusão do Brasil, acho que temos que fazer alguma coisa. O problema é que essa eleição que passou, nunca aconteceu [semelhante] na história do Brasil.

Bolsonaro se elegeu sem fazer um comício, sem usar os programas de televisão, sem ir aos debates. Olha a facada que ele levou. Muita gente diz que ele se elegeu por causa disso. Com essa confusão que ele cria quando fala, se tivesse ido para o debate, o pessoal tinha amassado ele.

• Sobre Bolsonaro, na época da eleição o senhor declarou apoio crítico.

Não, não.

• Mas o MDB do Rio Grande do Sul fechou posição de apoio crítico.

Eu votei em branco. Tinha certeza de que o Bolsonaro ia ganhar. Não tinha nenhuma dúvida. Não comprometi meu voto. Votei em branco. Não me arrependo de votar em branco. Foi a primeira vez na vida que votei branco. Fiquei velho para votar em branco, mas ali não tinha saída.

Eu gosto muito do [Fernando] Haddad. É um cara que tem dignidade, tem correção. Foi um bom prefeito de São Paulo, foi um bom ministro, não tenho uma vírgula contra ele. Mas o Lula comprometeu tudo. Tirou qualquer perspectiva de vitória quando a campanha não deu bola para o Haddad e era "Lula livre, Lula livre".

• Como o senhor avalia a Operação Lava Jato?

Sou totalmente a favor. No Senado, briguei, lutei [contra corrupção]. O Brasil se divide em dois: um antes e um depois da Lava Jato. Até a Lava Jato, é triste dizer, mas o Brasil era o país da impunidade. A cadeia cheia de gente, mas um cara com dinheiro, militar, um político e um grande empresário nunca iam para a cadeia. Lamentavelmente, o STF voltou atrás no meio do processo [sobre prisão de condenados em segunda instância].

• O senhor acha que as mensagens reveladas pela Vaza Jato abalaram a credibilidade da operação?

Todas as coisas que a gente vê, pode ter algum equívoco, coisa errada. Mas não vejo nada que influiu no processo.

Naquela época havia uma empolgação. Numa das falas, Moro com o procurador, sobre o Fernando Henrique, e o Moro diz que não tem nada contra ele. O procurador denunciou, mas não teve nada. Foi uma das manchetes [da Vaza Jato]. Quando a Dilma nomeou o Lula chefe da Casa Civil, o Moro publicou a gravação. Não discuto... Só tem uma coisa: era verdade ou mentira? E se o Lula tivesse sido nomeado, mudava tudo.

• Qual a sua avaliação da configuração atual do STF?

É muito triste. Legisla mais do que o Congresso. No início, achei positivo transmitir [sessões do STF] pela TV [Justiça]. Hoje acho que não. Fazem sentenças de três, quatro horas que não representam coisa nenhuma. Não é para convencer o povo, mas o colega que está do lado dele.

• O que o senhor pensa para o futuro do Brasil?

Tem coisas boas, por exemplo, cotas para os negros entrarem na faculdade. Mas os erros são tão grandes que a gente se pergunta o que vai acontecer. A elite brasileira é muito triste.

O início da ditadura foi um golpe de cima para baixo. Hoje, é diferente. A participação é muito maior e mais significativa. Esses nossos celulares são uma arma do povo. Se o governo fizer algo de violento e radical, o povo vai para a rua.

*Pedro Simon, 89 Nascido em Caxias do Sul (RS), foi um dos líderes do movimento Diretas-Já. Iniciou a vida política no PTB como vereador da cidade. Com o AI-2 da ditadura, que implantou o bipartidarismo, ajudou a fundar o MDB. Foi deputado estadual (1963-1979), senador (1979-1987), governador do Rio Grande do Sul (1987-1990) e novamente senador (1991-2015). É formado em direito pela PUC-RS

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