quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Mario Mesquita* - A recuperação é sustentável?

- Valor Econômico

O crescimento seguirá sendo liderado pela demanda doméstica, consumo e investimento

A economia brasileira terminou 2019 em um ritmo mais robusto, o PIB do quarto trimestre deve ter apresentado alta de aproximadamente 0,5% ante o trimestre anterior, com ajuste sazonal. Esse crescimento deve ter sido exacerbado pelos efeitos do desembolso dos recursos do FGTS, e pode apresentar certa acomodação no primeiro trimestre de 2020. Contando com tal acomodação, os economistas do Itaú projetam crescimento de 2,2% no ano. A economia deve reacelerar ao longo de 2020, terminando com um ritmo próximo a 3% ao ano.

Esse crescimento seguirá sendo liderado pela demanda doméstica, consumo e investimento, visto que o crescimento dos gastos públicos deve continuar contido e que a economia global não deve acelerar muito. Especificamente, projetamos que o consumo das famílias cresça 2,5%, enquanto o investimento deve apresentar alta de 4,0%. Para tanto, será preciso que continuemos observando crescimento do crédito para o setor privado a um ritmo de 10% ao ano para o consumo e 17% para o investimento. Note-se que não se tratam de projeções muito agressivas, visto que, no momento, estimamos que o crédito ao consumo já esteja crescendo a uma taxa próxima a 10% ao ano, enquanto o crédito privado ao investimento (empréstimos imobiliários residenciais, crédito para pessoas jurídicas com prazo superior a um ano e emissão de debêntures de infraestrutura) se expande a um ritmo de 14% ao ano - esse último conceito inclui operações de mercado de capitais, então trata-se de um indicador de condições de financiamento, o que vai além do crédito bancário propriamente dito.

A questão é saber se há incentivos para a expansão do crédito, ou obstáculos para a sua continuidade. Do lado dos incentivos, o principal determinante é a taxa de juros. Com o avanço da flexibilização monetária e das reformas fiscais, as taxas de juros tendem a permanecer em patamares reduzidos. Com as expectativas de inflação 12 meses à frente estáveis, um pouco abaixo de 4% ao ano, as taxas de juros reais de curto prazo estão um pouco abaixo de 1% ao ano, e um pouco acima desse patamar se considerarmos as taxas de dois anos (implícitas em contratos de derivativos de taxas de juros). Muito importante, as taxas de juros longas também caíram: as taxas de juros nos títulos públicos indexados vincendos em 2050 caíram de 7,4% para 3,5% desde janeiro de 2016.

Esse patamar de taxas de juros pressiona instituições financeiras, em busca de retornos, a aumentar seus empréstimos. Investidores, visando elevar os ganhos de capital, tendem a reduzir sua exposição a títulos públicos e diversificar, expandindo as alocações para títulos de dívida corporativa e ações.

A crise fiscal, e a consequente redução do ritmo de crescimento dos gastos públicos, bem como a desaceleração do crédito subsidiado, aumentaram consideravelmente a eficiência da política monetária. Estimamos que a elasticidade média do PIB em relação à taxa Selic, que era 0,6 antes da crise de 2008, caiu para quase zero no período do hiperativismo fiscal e auge da expansão do crédito publico, entre 2011 e 2014, e subiu mais recentemente para próximo da unidade. A aceleração do PIB, como resultado da flexibilização monetária, só não foi maior porque a economia mundial não tem ajudado.

Dito isto, cabe considerar fatores que podem inviabilizar o crescimento do crédito, mesmo que existam condições de oferta favoráveis. Considerando o financiamento ao consumo, as perspectivas de crescimento do crédito dependem da evolução do emprego. Em linhas gerais, consideramos que a taxa de desemprego não vai se alterar muito em 2020, caindo de 11,9% para 11,5% (final de período), com média também relativamente estável (11,7% em 2020, ante 12,0% em 2019).

O que oferece alento, no que se refere à sustentabilidade do crédito, é a expectativa que o processo de crescente formalização do mercado de trabalho, que teve início em agosto passado, se acentue: enquanto o emprego com carteira assinada cresceu menos que o sem carteira em 2019 (1.4% ante 2.2%), em 2020 o comportamento deve se inverter, o emprego com carteira assinada deve crescer a um ritmo quase duas vezes mais rápido do que o emprego sem carteira. Cabe notar que estas projeções são baseadas em séries históricas, e no relacionamento tradicional entre atividade econômica e emprego, e podem não captar os efeitos da reforma trabalhista, que favorece a maior formalização, com plenitude. Com o aumento da formalização, e certa alta da massa salarial real (2,4% em 2020), em ambiente de juros baixos, o comprometimento de renda das famílias com o serviço de dívidas deve seguir contido, e o mesmo vale para a inadimplência - projetamos que estes encontrem-se em 4,7% e 20,6% respectivamente ao final do ano.

Considerando-se o financiamento às empresas, o indicador amplo de endividamento, que inclui empréstimo bancário e mercado de capitais, no Brasil e internacional, recuou de 57,6% do PIB, em janeiro de 2016, para cerca de 52% recentemente - sendo que a tendência de alta verificada mais recentemente esteve associada às operações de mercado de capitais voltadas para o alongamento de prazos e redução dos custos financeiros.

O grau de endividamento de famílias e empresas não parece, no momento, oferecer maiores restrições para a continuidade da expansão do crédito.

Entretanto, um arrefecimento do processo de formalização no mercado de trabalho, bem como uma alta inesperada da taxa de juros, que elevaria o custo de financiamento para empresas e famílias, seriam riscos para tal cenário e, em termos mais amplos, para o próprio ritmo de recuperação da economia.

*Mario Mesquita é economista-chefe do Itaú Unibanco

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