quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Míriam Leitão - A verdade não cabe numa caixa-preta

- O Globo

Erros do BNDES já eram conhecidos, mas Bolsonaro prometeu abrir uma tal caixa-preta e perdeu

O presidente Jair Bolsonaro queria encontrar algo escandaloso no BNDES para justificar o discurso de campanha, a demissão espalhafatosa de Joaquim Levy e a nomeação de um amigo dos filhos para o banco. Gustavo Montezano foi com a missão de encontrar a tal “caixa-preta” para alegrar o chefe. Não encontrou por vários motivos. Um deles é que o BNDES vinha aumentando o grau de transparência nas últimas gestões. A auditoria pode ter encontrado tudo no lugar nos seus pormenores, mas uma visão mais ampla sempre mostrará que custaram muito caro os erros dos governos do PT no BNDES.

O Tesouro se endividou em R$ 500 bilhões a juros altíssimos para transferir para o BNDES e ele emprestar para as empresas a taxas mais baixas. Os beneficiários dos maiores créditos foram escolhidos com o delírio dirigista que repetia a mesma ideologia da ditadura militar de subsidiar o capital para que ele fosse a alavanca do crescimento do país.

As operações com o grupo J&;F foram escandalosas. Mesmo que não houvesse corrupção —e houve, pelo que disse Joesley Batista —elas teriam sido. Os delatores do grupo disseram que não houve ato errado dos funcionários. Os servidores dizem que seguiram as diretrizes dadas por seus superiores. Como foram várias dessas operações? O grupo emitia debêntures, o banco comprava uma grande parte ou quase tudo. Com o dinheiro em caixa, a companhia adquiria ativos no exterior.

No caso da Pilgrim’s Pride, 99,9% do capital da aquisição foi do BNDES. Isso é escandaloso em si. Qual o sentido de usar o dinheiro subsidiado — fruto de endividamento público ou vindo de poupança compulsória do trabalhador (o FAT) — para que um grupo familiar fique muito mais rico e gere empregos e renda no exterior? Claro que a empresa pode fazer isso, mas não com dinheiro público. O resultado foi que o JBS ficou com mais ativos fora do que aqui dentro. A administração Maria Silvia impediu que o grupo transferisse sua sede fiscal para a Irlanda. Isso, se consumado na época, seria o golpe final no bolso do contribuinte.

Jair Bolsonaro errou porque quis perseguir o banco correndo atrás de uma caixapreta. Ele não tem muito apetite para se debruçar sobre temas complexos, por isso se esconde atrás do biombo de que não entende de economia. Queria apenas comprovar a frase da campanha. Ficou agora numa situação vexaminosa. Prometeu abrir a tal caixa-preta. Atropelou o ministro Paulo Guedes na demissão de Joaquim Levy. E agora, nada encontrou. Só lhe restou levantar mais uma suspeita difusa.

Uma auditoria olha os registros do banco, os processos que são seguidos nas análises de risco das operações, a avaliação da qualidade do crédito, os documentos exigidos pela burocracia de uma instituição estatal. O que isso mostra? Que as operações foram corretas do ponto de vista formal. Os cálculos nunca incluem o custo de oportunidade. Ou seja, qual o ganho para o país se o dinheiro fosse aplicado, com transparência e fiscalização, em saneamento, por exemplo?

Qual o tamanho do subsídio com essas e outras opções? Isso era necessário saber. Não por briga política, mas para que o país não cometa os mesmos desatinos.

Montezano disse ontem que não foram encontradas ilegalidades em operações do BNDES, nem nessas nem em outras. A verdade é que há vários erros. Os empréstimos concedidos para obras de empreiteiras, principalmente a Odebrecht, em outros países que foram escolhidos não pela capacidade de pagamento do crédito, mas pela ideologia do governo em questão. A compra de ações do frigorífico Independência, que quebrou meses depois do aporte de capital. Tudo ficou depois resolvido porque o JBS comprou o frigorífico quebrado. Empréstimos concedidos ao grupo Bertin que à beira da falência foi comprado pelo JBS. O TCU analisou todas essas operações envolvendo o JBS e calculou as perdas do banco em cada uma delas. As contas estão expostas no site do Tribunal.

O passo mais importante para acabar com os benefícios do dinheiro barato para empresas favoritas foi a criação da TLP no governo Michel Temer. O erro do governo Bolsonaro é tratar o assunto sem a profundidade que ele exige. Criou a expectativa de que conseguiria revelar algum grande segredo, mas a verdade já era bem conhecida.

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