segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Nunca esquecer- Editorial | Folha de S. Paulo

Aniversário de 75 anos da libertação de Auschwitz ocorre em ambiente de intolerância

Após os horrores do Holocausto terem sido revelados, ao final da Segunda Guerra Mundial (1939-45), Theodor Adorno escreveu um epitáfio famoso sobre aquele período: “Depois de Auschwitz, escrever poesia é barbaridade”.

O filósofo alemão falava do complexo de prisão e extermínio de Auschwitz-Birkenau, na Polônia ocupada pelos nazistas. Há exatos 75 anos, tropas soviéticas libertaram o campo, que se tornou símbolo do regime de Adolf Hitler.

A assertiva de Adorno é precisa: poucos momentos da história humana se equiparam em desolação à aniquilação sistemática e industrial de 6 milhões de judeus, além de integrantes de outras minorias.

Só em Auschwitz, foram cerca de 1 milhão de mortos. Em um evento alusivo à libertação do campo, realizado na quinta (23) em Jerusalém, um alerta coube ao presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier.

“Eu gostaria de dizer que os alemães aprenderam com a história de uma vez por todas. Mas não posso dizer isso quando o ódio está se espalhando”, disse Steinmeier.


Troque alemães por americanos, poloneses, brasileiros, indianos.Neste começo de século há inúmeros exemplos de um espraiamento da intolerância, no mundo todo.

O fenômeno acompanha a revolução da comunicação instantânea, que permite a aspersão do veneno da desinformação sem filtros.

Nesse contexto, chama a atenção a rusga entre Rússia e Polônia em razão de o presidente Vladimir Putin ter sido convidado a falar em Jerusalém, enquanto seu colega Andrzej Duda não o foi.

Os países disputam versões sobre as origens do conflito mundial. Em Israel, Putin ainda lembrou que colaboradores do nazismo podiam ser piores que os opressores, uma referência indireta à Polônia.

Tal ambiente só favorece o cenário lamentado por Steinmeier. O combate a isso se dá com educação e sobriedade na análise histórica. E ela é inequívoca quanto à extensão da tragédia do Holocausto.

Daí o mote “nunca esquecer” dos programas de divulgação sobre o período. O risco de manipulações por motivos políticos é real, mas é compensado pela necessidade de evitar a repetição da história.

Quando o então secretário de Cultura brasileiro, Roberto Alvim, macaqueou o propagandista nazista Joseph Goebbels e espalhou seu detrito ideológico na internet, não havia espaço para relativismo: a punição tinha de ser rápida. Até Jair Bolsonaro, não exatamente um modelo de líder tolerante, entendeu isso.

Conta a pagar – Editorial | Folha de S. Paulo

Novo piso dos professores e teto de universidades estaduais são desafios fiscais

O governo federal anunciou neste mês reajuste de 12,8% no piso nacional dos professores da educação básica, elevando-o a R$ 2.886,24. O valor ainda pode ser considerado baixo, já que os docentes recebem, em média, pouco mais da metade do que ganham empregados de outras profissões de nível superior.

O que pode parecer boa notícia esconde, no entanto, um problema para estados e municípios, responsáveis pelo pagamento desses salários. Em 2019, quando o piso era de R$ 2.557,74, oito estados não conseguiram cumprir a determinação.

Sabe-se que diversas cidades também não pagam o valor mínimo aos tutores da educação básica, ainda que não exista levantamento sobre o cumprimento do piso pelos municípios.

A folha de pagamento dos docentes é um dos maiores custos de estados e prefeituras —e diversas unidades da federação já enfrentam grave crise fiscal, com dificuldade para honrar pagamentos. É difícil imaginar como poderão arcar com o reajuste de 12,8%, muito acima da inflação de 4,31% em 2019.

No caso das cidades, há muitas que, sem arrecadação própria, dependem do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) para manter as atividades. O Fundeb vence neste ano, e sua renovação ainda está em discussão no Congresso —um dos pontos em debate é o aumento do papel da União no financiamento.

A valorização dos professores só será possível se a sociedade e os entes federativos discutirem a sério o financiamento da educação e a responsabilidade de cada um, chegando a um modelo sustentável; seja um Fundeb com novas regras ou mecanismo que o substitua.

Ao mesmo tempo, outra decisão recente impactou os cofres dos estados. O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, decidiu de forma provisória que o teto para o salário dos professores das universidades estaduais deveria ser igual ao pago aos docentes das federais, que é mais alto, chegando a R$ 39,3 mil.

Nos estados, o limite costuma ser o equivalente ao salário do governador; em São Paulo, é de R$ 23 mil.

Ainda que tal diferença resulte em distorção que leva professores com qualificação similar a receber salários diversos, a decisão pode criar novos gastos para os estados.

Em especial, a medida deverá impactar três universidades estaduais paulistas (USP, Unicamp e Unesp) que têm consumido quase todo o seu orçamento com salários.

Com a elevação do teto, torna-se cada vez mais difícil que elas atinjam a recomendação do decreto que proporcionou sua autonomia, de não gastar mais de 75% das receitas com a folha de pessoal. O resultado é que há cada vez menos dinheiro para novos investimentos.

Mudar política ambiental pode atrair capitais – Editorial | O Globo

Criação do Conselho da Amazônia indica decisão de transformar a questão em assunto de Estado

Há dez dias, uma das maiores administradoras de fundos de investimentos enviou carta aos clientes alertando-os sobre uma inexorável reformulação dos fundamentos das finanças globais. E comunicou: “Estamos situando a sustentabilidade no epicentro da forma como a BlackRock administra riscos, constrói carteiras, desenha produtos e interage com as empresas”. Isso vai representar significativa mudança de rumo na gestão dos US$ 7,4 bilhões em ativos. “O capital não é nosso”, justificou o executivo-chefe Larry Fink, “pertence a pessoas que tratam de financiar seus objetivos de longo prazo, como a aposentadoria”. A sustentabilidade será o “pilar” dos investimentos da novaiorquina BlackRock.

Essa perspectiva havia sido sinalizada em setembro por 230 financeiras, responsáveis por US$ 16,3 trilhões em investimentos, pouco mais que o Produto Interno Bruto da China. Na época, a Amazônia ardia em incêndios e havia protestos em cidades de todo o mundo contra a inércia de governos e empresas diante das mudanças climáticas. “Estamos preocupados com o impacto financeiro que o desmatamento (na Amazônia) pode ter sobre as empresas investidas, aumentando potencialmente os riscos de reputação, operacionais e regulatórios” — diziam os gestores de fundos em carta pública.

Parecia ser apenas uma resposta aos donos do dinheiro incomodados com a sua associação ao impasse ambiental. Na semana passada, porém, o Fórum Econômico de Davos mostrou que existe algo além das conveniências politicamente corretas. Trata-se de lucro, como explicou a BlackRock a seus clientes e afirmaram gestores de fundos no evento anual na cidade suíça, cenário do romance A Montanha Mágica, do escritor alemão Thomas Mann.

A novidade está na percepção de que estratégias de investimentos assentadas na sustentabilidade ambiental têm potencial de proporcionar melhores resultados aos donos do dinheiro. É mais do que proteção da imagem dos investidores ou prevenção a eventuais reações hostis a marcas e produtos específicos.

Trata-se da abertura de uma nova e lucrativa fronteira de expansão dos negócios financeiros — aposta promissora, sintonizada com expectativas sociais de melhor qualidade de vida, com empresas ambientalmente sustentáveis lucrando mais que as outras. Faz parte da essência do desenvolvimento capitalista.

O governo brasileiro, aparentemente, começa a compreender a mensagem. O anúncio da criação do Conselho da Amazônia, entregue ao vice-presidente Hamilton Mourão, indica a intenção de transformar a política ambiental em assunto de Estado, ultrapassando a inépcia que até agora caracterizou a gestão setorial, sob o ministro Ricardo Salles. É bom sinal. Sobra dinheiro no mundo. Dono da maior biodiversidade do planeta, o Brasil deveria atrair uma fração desses capitais para explorar de forma responsável este patrimônio.

Uma distorção que precisa ser corrigida com urgência – Editorial Valor Econômico

Questão da preferência distorce a concorrência entre as empresas interessadas, reduzindo os preços dos ativos públicos e a receita a ser obtida pela União

Na semana passada, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, informou que o governo estuda mudanças na legislação para tornar mais atrativos às petroleiras os futuros leilões de petróleo na área do pré-sal. A ausência das grandes empresas internacionais nos leilões realizados em novembro causou grande frustração e incômodo ao governo.

Nos leilões do excedente de petróleo da chamada cessão onerosa, dos quatro campos ofertados, dois não receberam oferta. No caso da 6ª rodada de partilha de produção, dos cinco oferecidos, apenas o campo de Aram foi arrematado. Nos dois eventos, a Petrobras só não ficou sozinha porque conseguiu pequenas associações com petroleiras chinesas.

O direito de preferência da Petrobras nos leilões de partilha é apontado pelos especialistas como o principal motivo para explicar o desinteresse das companhias estrangeiras. A Lei 12.351/2010 concede à Petrobras o direito de ser operadora dos blocos do pré-sal contratados sob o regime de partilha de produção.

Pela lei, a Petrobras deverá manifestar-se sobre o direito de preferência em cada um dos blocos ofertados, no prazo de até 30 dias a partir da comunicação pelo Conselho Nacional do Política Energética (CNPE). Na 6ª rodada de partilha, a estatal do petróleo manifestou preferência por três das cinco áreas ofertadas.

Na hora do leilão, no entanto, a estatal desistiu da compra de duas delas (Sudoeste de Sagitário e Norte de Brava). As áreas ficaram sem oferta, pois as petroleiras não querem competir pelas mesmas áreas de interesse da Petrobras, pois ela tem o direito de cobrir qualquer oferta em caso de derrota nas áreas pelas quais tenha manifestado preferência.

Um precedente fundamenta os receios das companhias internacionais. Em 2018, na 4ª rodada de partilha de produção, a empresa Shell chegou a apresentar uma oferta superior à do consórcio liderado pela Petrobras pela área de Três Marias. A estatal brasileira cobriu a proposta e ficou com o ativo, deixando a Shell na posição de sócia minoritária.

Em novembro do ano passado, o país descobriu que o direito de preferência previsto na Lei 12.351/2010 deu à Petrobras um outro direito, sobre o qual até então não se tinha conhecimento: o do arrependimento. Primeiro, a estatal manifesta preferência, depois se arrepende e fica por isso mesmo, com prejuízo evidente para o país, pois as áreas ofertadas não são arrematadas, como ocorreu na 6ª rodada de partilha de produção.

Este é um problema que exige solução urgente, antes da realização do próximo leilão do pré-sal, pois ele distorce a concorrência entre as empresas interessadas na exploração do petróleo, reduzindo os preços dos ativos públicos e a receita a ser obtida pela União.

Em meados de novembro do ano passado, poucos dias após a realização dos leilões, o ministro Raimundo Carrero, durante pronunciamento no plenário do Tribunal de Contas da União (TCU), defendeu um aprimoramento do regime de partilha de produção, com a supressão do direito de preferência da Petrobras.

Para Carrero, se não houver o direito de preferência, todas as licitantes, inclusive a Petrobras, poderão disputar em condições de igualdade a totalidade do contrato e a condição de operadora, o que é, na opinião do ministro, um aspecto bastante relevante nas licitações e fator de atratividade para as empresas.

O ministro é o relator no TCU dos processos de desestatização dos excedentes de petróleo da cessão onerosa. “Nesta situação [sem o direito de preferência da Petrobras], espera-se maior nível de competitividade no certame, o que, potencialmente, valorizará as ofertas”, disse na ocasião.

Outras autoridades também já manifestaram opinião contrária ao direito de preferência da Petrobras nos leilões de partilha. Para o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, o direito reduz a competitividade dos leilões. Após a frustração da 6ª rodada, Bento Albuquerque chegou a dizer que manter o regime de partilha nos moldes de hoje “não parece ser de bom senso”.

O diretor executivo de relacionamento institucional da estatal, Roberto Ardenghy, disse, após o leilão, que as regras colocam a Petrobras em um certo desconforto porque “nós somos capazes de competir em um mercado sem privilégios”. O assunto está, portanto, maduro e precisa ser submetido ao Congresso Nacional, a quem cabe a decisão final.


Abertura necessária – Editorial | O Estado de S. Paulo

O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou em Davos a intenção do governo de aderir ao Acordo Internacional de Compras Governamentais (Agreement on Government Procurement – GPA, na sigla em inglês), o que permitirá que o poder público compre bens e serviços de empresas estrangeiras. Trata-se de uma medida promissora, que pode reduzir custos, aumentar a eficiência e diminuir os riscos de corrupção. “O Brasil está querendo entrar para a primeira liga, para a primeira divisão de melhores práticas. Isso realmente é um ataque frontal à corrupção”, disse Paulo Guedes.

Firmado originalmente em 1994 no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), o GPA está em vigor desde abril de 2014. Atualmente, o acordo tem 20 partes, com a participação de 48 países. Entre eles estão Estados Unidos, Japão e os membros da União Europeia. Há outros 34 países que participam do Comitê do GPA como observadores, e 10 deles estão em processo de adesão ao acordo.

Em agosto de 2017, o governo de Michel Temer solicitou a participação como observador no Comitê do GPA. Na época, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão era o responsável pela operacionalização do sistema de compras públicas brasileiro. Na América Latina, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Paraguai e Peru são também países observadores do Comitê do GPA.

O objetivo do acordo é assegurar o livre acesso e a concorrência justa e transparente nos mercados de compras governamentais, de forma a promover ganhos de eficiência econômica. Estima-se que o mercado de contratações públicas de bens, serviços e obras civis, regido pelo acordo, seja da ordem de US$ 1,7 trilhão ao ano.

O atual sistema de compras públicas do Brasil é manifestamente ruim, caracterizado por uma política protecionista e sujeito a pressões e ao lobby de vários setores. A consequência é que o poder público compra mal e compra caro, resumiu ao Estado um membro da equipe econômica. “O governo é um grande comprador de tecnologia, de insumos, de material de consumo diário, de peças de reposição. E quando dizemos governo, entende-se também empresas estatais, autarquias, fundações, Estados e municípios”, lembrou.

A abertura das licitações de bens, serviços e obras a empresas estrangeiras possibilitaria ao governo um leque mais amplo de fornecedores e melhores preços. Por isso, o anúncio de Paulo Guedes é muito positivo. Mas não é uma medida de aplicação imediata. É longo, podendo durar vários anos, o processo de adesão ao GPA.

Último país a integrar o acordo de compras governamentais da OMC, a Austrália levou cinco anos para concluir o processo. A China, que ainda não aderiu ao GPA, está em negociação desde a década de 1990. As dificuldades para integrar o acordo variam em função das resistências de setores da economia e de órgãos do governo na definição dos itens que vão integrar a lista de bens e serviços do acordo.

No processo de adesão ao acordo plurilateral de compras governamentais da OMC, os países podem negociar exceções dentro de cada setor econômico. O que gera tensões e atrasos é precisamente a negociação sobre o que integra e o que fica de fora dos compromissos de cada país. No caso brasileiro, prevêem-se especiais dificuldades em relação aos setores de saúde e defesa.

A equipe econômica ainda não apresentou um cronograma relativo ao processo de adesão. O tema merece especial diligência. Além de representar melhores e mais eficientes compras públicas – o que significa melhor uso do dinheiro público –, a adesão ao GPA pode ser uma excelente ocasião de ampliar a abertura da economia nacional.

Mais do que meras exigências burocráticas, o processo de adesão ao GPA é caminho para modernizar diversos setores da economia nacional, integrando o País às cadeias globais de negócio. Aqui, uma vez mais, o governo Bolsonaro acerta ao dar continuidade às políticas iniciadas no governo do presidente Michel Temer.

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