sábado, 22 de fevereiro de 2020

Alvaro Costa e Silva* - Um cuiqueiro no front da Itália

- Folha de S. Paulo

Com tantos militares mandando e desmandando no país, urge que se erga uma estátua para o cabo Laurindo

É incrível que, com tantos milicos mandando no país, até agora o cabo Laurindo não tenha sido homenageado. Não digo uma estátua, um busto, uma placa de bronze, mas seu nome bem poderia batizar uma escola militar, aproveitando a onda. O cabo foi um exemplo. Sua patente era modesta, mas os feitos de Laurindo não.

Tocador de cuíca em Mangueira, sempre lutou pela justiça social desde seus tempos no sindicato da estiva. Mulherengo, envolveu-se num triângulo amoroso com Zizica e Conceição e teria sido morto, conforme relatado por Noel Rosa no samba “Triste Cuíca”. Era rebate falso. Tanto que, em 1943, partiu com a FEB para o front da Itália, onde passou frio e comeu na lata.

“Lá Vem Mangueira”, de Haroldo Lobo e Wilson Baptista, registrou a ausência do sambista: “Conceição/ O que aconteceu?/ Laurindo foi pro front/ Este ano não desceu”. Ao retornar, ostentava as divisas de cabo. De novo, Haroldo e Wilson contaram sua história —“Laurindo voltou/ Coberto de glória/ Trazendo garboso no peito/ A cruz da vitória”— e o que ela poderia representar —“Dizem que lá no morro/ Vai haver transformação/ Camarada Laurindo/ Estamos a sua disposição”.

Em “Comício em Mangueira”, de Wilson Baptista e Germano Augusto, ele afirmou: “Eu não sou herói/ Heróis são aqueles/ Que tombaram por nós”. Os invejosos rebateram com “Conversa, Laurindo”, de Zé com Fome e Ari Monteiro: “Anda dizendo que lutou como um herói/ E no entanto nem saiu de Niterói”.

Cansados da laurindomania, Herivelto Martins e Heitor dos Prazeres, em “Desperta, Dodô”, de 1945, resolveram matar o personagem, arranjando-lhe um substituto, o tal Dodô. A troca só foi possível porque Laurindo era uma ficção. A qual aparece em outros quatro sucessos carnavalescos da época e chegou ao cinema com “Samba em Berlim”, interpretado por ninguém menos que Geraldo Pereira.

¨*Alvaro Costa e Silva, jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

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