quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

Após repúdio de líderes, Bolsonaro muda o tom

Envio de vídeo era de ‘cunho pessoal’, diz presidente

- Amanda Almeida, Carolina Brígido, Daniel Gullino, Gustavo Maia, Naira Trindade e Thais Arbex | O Globo

Diante das críticas dos presidentes dos demais Poderes e do decano do STF, Celso de Mello, que considerou indigna do cargo sua atitude de divulgar vídeos de apoio a ato convocado contra o Congresso e o Judiciário, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que as mensagens eram de “cunho pessoal’’ e pediu a ministros que evitem o tema.

Do ‘ZAP’ ao freio de dois Poderes

Ministros do STF, Maia e políticos reagem s vídeo de Bolsonaro, que muda de tom

O envio de um vídeo de WhatsApp pelo presidente Jair Bolsonaro, relacionado a protestos que têm como alvo o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), provocou reação dos Poderes contra o apoio a manifestações que questionam o equilíbrio institucional do país. O presidente da Corte, Dias Toffoli, afirmou que “o Brasil não pode conviver um clima de disputa permanente”, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), declarou que “criar tensão institucional não ajuda o país”.

Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes e parlamentares de diversos partidos também reagiram. Bolsonaro afirmou que as mensagens eram de “cunho pessoal” e também pediu aos seus ministros que não falem mais sobre o tema. Após a repercussão, o primeiro escalão do governo não deve comparecer aos atos.

O vídeo encaminhado pelo presidente tem um minuto e meio e não faz menção direta ao Congresso ou ao Supremo. São exibidas imagens de protestos em Brasília na época do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Com o hino nacional ao fundo, um narrador pergunta logo no início: “Por que esperar pelo futuro se não tomarmos de volta o nosso Brasil?”.

A narração segue com imagens da posse de Bolsonaro, do momento da facada, durante a campanha eleitoral, em Juiz de Fora (MG), e de suas passagens pelo hospital. “Basta”, diz o narrador em outro trecho. “O Brasil só pode contar com você. O que você pode fazer pelo Brasil? O poder emana do povo. Vamos resgatar o nosso poder. Vamos resgatar o Brasil.”

VISÃO “INDIGNA”
Embora não haja referência direta aos outros Poderes da República, a peça deixa explícita a chamada para os atos que têm sido convocados como protesto contra as duas instituições.

Decano do STF, o ministro Celso de Mello afirmou ontem que o envio do vídeo demonstra “uma visão indigna de quem não está à altura do altíssimo cargo que exerce”. Em nota, Celso de Mello afirmou que Bolsonaro “desconhece o valor da ordem constitucional” e “ignora o sentido fundamental da separação de poderes”. “O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredira supremacia político jurídica da Constituição e das leis da República!”, escreveu o decano.

O presidente do STF, por meio de nota, defendeu a necessidade de harmonia entre os Poderes. “O Brasil não pode conviver com um clima de disputa permanente. É preciso paz para construir o futuro. A convivência harmônica entre todos é o que constrói uma grande nação”, disse Tofolli. Segundo o presidente do STF, “não existe democracia sem um Parlamento atuante, um Judiciário independente e um Executivo já legitimado pelo voto”.

Outro ministro do STF, Gilmar Mendes afirmou, no Twitter, que “a harmonia e o respeito mútuo entre os Poderes são pilares do Estado de Direito”. De acordo com Gilmar, que não fez referência a Bolsonaro, “nossas instituições devem ser honradas por aqueles aos quais incumbe guardá-las”.

O presidente da Câmara, por sua vez, avaliou caber às autoridades dar “exemplo” de respeito à Constituição. “Criar tensão institucional não ajuda o País a evoluir. Somos nós, autoridades, que temos de dar o exemplo de respeito às instituições e à ordem constitucional. O Brasil precisa de paz e responsabilidade para progredir. Acima de tudo e de todos está o respeito às instituições democráticas”, afirmou Maia.

O líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), afirmou que classe política recebeu a informação com perplexidade. Ele disse que “quer imaginar que seja alguém usando o celular de Bolsonaro, como já ocorreu em outras circunstâncias”.

— Se não for, ele acaba apagando incêndio com gasolina. Já temos uma relação difícil entre governo e Congresso —avalia Olímpio.

Diante da polêmica, Bolsonaro usou suas redes sociais. Na manhã de ontem, afirmou que as mensagens trocadas com amigos pelo celular são “de cunho pessoal”. Sem fazer referência direta ao episódio, afirmou que usa suas redes para “uma intensa agenda de notícias não divulgadas por parte da imprensa tradicional”. Acrescentou que “qualquer ilação fora desse contexto são tentativas rasteiras de tumultuar a República”. No início da noite, em outra publicação, citou dois versículos bíblicos e acusou a imprensa de “mentir, deturpar, caluniar”.

O ministro da SecretariaGeral de Governo, Luiz Eduardo Ramos, afirmou à colunista do GLOBO Bela Megale que o presidente repassou o vídeo sobre os protestos devido à carga emotiva do filme:

—Ele fala da facada e sempre enche os olhos de água.

Não foi a primeira vez nos últimos dias que um integrante do Palácio do Planalto emite sinais de confrontamento com outras instituições da República. Na semana passada, gerou polêmica uma declaração do ministro do Gabinete de
Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, acusando parlamentares de fazerem “chantagem” com o governo.

Congresso e Executivo negociam sobre vetos feitos por Bolsonaro a mecanismos do chamado orçamento impositivo. Os parlamentares desejam derrubar os vetos para poder indicar a ordem de execução de R$ 46 bilhões de emendas. O governo negocia para que, caso o Congresso tome essa decisão, ao menos R$ 15 bilhões deste total voltem para o controle do Executivo e que não seja prevista nenhuma punição caso gestores não cumpram a ordem indicada pelos parlamentares.

“O presidente, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia da Constituição” Celso de Mello, ministro do STF

“O Brasil não pode conviver em disputa permanente. (...) Não existe democracia sem Parlamento atuante, Judiciário independente e Executivo já legitimado pelo voto” Dias Toffoli, presidente do STF

“Criar tensão institucional não ajuda o país. Só a democracia absorve sem violência as diferenças da sociedade. Acima de todos está o respeito às instituições democráticas” Rodrigo Maia, presidente da Câmara

“No WhatsApp, algumas dezenas de amigos onde trocamos mensagens de cunho pessoal. Qualquer ilação fora desse contexto são tentativas de tumultuar a República” Jair Bolsonaro, presidente da República

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