sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Armando Castelar Pinheiro* - Incertezas, conhecidas e desconhecidas

- Valor Econômico

Com o coronavírus saindo de cena, entram as incertezas sobre a eleição americana e a trajetória do câmbio no Brasil

É comum, na análise de risco, diferenciar a incerteza conhecida da desconhecida. A primeira diz respeito a variáveis que se conhecem, mas cuja trajetória futura é incerta. No segundo caso, nem mesmo a variável de interesse é conhecida. Um choque com incerteza conhecida ocorre quando a variável em questão atinge um valor antes considerado improvável. Já na desconhecida, esse se dá quando entra em cena uma variável que não estava no radar.

Janeiro passado foi intenso nessa segunda categoria de choque. Logo na volta do réveillon, ocorreu o ataque que matou o general Qassem Soleimani, líder militar iraniano. Nos dias seguintes, o preço do petróleo (Brent) subiu 4,8% e as bolsas caíram em toda parte.

A queda, porém, durou pouco, pois se percebeu que o evento não teria maiores repercussões. Logo voltou o otimismo que prevalecia na virada do ano, com a aposta na recuperação da economia, por conta da trégua comercial entre EUA e China. De fato, em 15 de janeiro os dois países celebraram a “fase 1” de um acordo que impediu uma escalada tarifária.

Foi também em meados de janeiro, porém, que o mundo despertou para o coronavírus, que tinha surgido no início de dezembro em Wuhan, China, mas cuja disseminação fora, até então, pequena. Na segunda metade de janeiro, o número de pessoas infectadas e de pessoas mortas pelo vírus aumentou exponencialmente e o medo se espalhou pelos mercados. Nessas duas semanas, o S&P 500 caiu 3,1%; o STOXX 600 (Europa) 3,3% e o Ibovespa 4%. As commodities também sofreram: o CRB caiu 1,7%, com o (petróleo) Brent e o cobre recuando 14% e o minério de ferro 9% (e despencando na segunda passada).

As bolsas e as commodities caíram por dois motivos principais. Primeiro, pois aumentou a aversão a ativos de risco, como bem capturado pela valorização de ativos considerados seguros, como os títulos públicos americanos, o ouro e o yen, a moeda do Japão.

Segundo, e mais importante, pela perspectiva de que a queda de confiança e as medidas de combate ao vírus derrubassem o crescimento econômico global. Milhares de voos foram cancelados na, de e para a China; restaurantes, cinemas, parques de diversão e shopping centers chineses ficaram vazios; e as receitas de outros países com turistas chineses despencaram. E países que têm a China como principal destino de suas exportações, como o Brasil e outros países sul-americanos, são naturalmente sensíveis ao que acontece por lá.

Obviamente, essa não é uma perspectiva positiva para o Brasil, que já vai ser negativamente impactado pelo acordo comercial entre China e EUA. Especialmente quando se considera que em 2019 nossas exportações já tinham caído e o movimento de câmbio contratado foi bem negativo, a ponto de o Banco Central decidir vender reservas, o que segurou a taxa de câmbio, que ainda assim se desvalorizou 4% frente ao dólar. Janeiro, de fato, teve outra vez um saldo líquido negativo no movimento de câmbio contratado e uma desvalorização de 5,9% do real.

Nos três primeiros dias desta semana, porém, tudo mudou: o S&P 500 (+3,4%), o STOXX600 (+3,1%) e o Ibovespa (+2%) todos subiram, batendo ou encostando nos seus recordes históricos. Até o cobre ficou mais caro. E, na outra ponta, os treasuries americanos, o yen e o ouro se desvalorizaram.

Por trás desse movimento está uma dinâmica mais favorável de disseminação do coronavírus, mostrando que as medidas restritivas do governo chinês estão funcionando. As projeções mais recentes indicam que o número de pessoas infectadas deve atingir um pico na virada de fevereiro para março e depois cair com rapidez. Confirmada essa dinâmica mais favorável do vírus, e dados os estímulos adotados pelo governo chinês, a economia da China deve ter forte recuperação no segundo trimestre, com impactos positivos para o resto do mundo.

Com o coronavírus saindo de cena, duas incertezas conhecidas ganharão proeminência. Uma diz respeito à eleição americana, caso candidatos mais à esquerda sigam avançando nas pesquisas. Ainda que esteja atrás de Joe Biden nas pesquisas de opinião, com cerca de 5 pontos percentuais (pp) a menos de intenções de votos (ver bit.ly/2vdkdfe), Bernie Sanders segue liderando nas bolsas de apostas, com uma probabilidade de ser nomeado candidato 16,7 pp à frente de Michael Bloomberg, que aqui aparece na segunda colocação (bit.ly/2UuMZ5r).

A outra incerteza conhecida refere-se à trajetória da nossa taxa de câmbio, em um ambiente de juros muito baixos para padrões históricos, especialmente após a última decisão do Banco Central (arriscada, na minha visão) de cortar de novo a Selic, para 4,25%. Isso trouxe os juros reais no Brasil ainda mais para perto de zero: tomando as próprias projeções do BC, o CDI real este ano ficaria em cerca de 0,5 pp, menos que o risco país: o CDS de 5 anos está hoje em 0,97 pp. De acordo com o Boletim Focus, porém, o mercado segue apostando que o real se valorizará, fechando o ano em R$ 4,10 / US$. A conferir.

*Armando Castelar Pinheiro é Coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ

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