quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Bolsonaro faz insulto a repórter; entidades reagem

Presidente reitera acusações contra repórter feitas por testemunha em CPMI, desmentidas pelo jornal ‘Folha de S. Paulo’. Associações de jornalismo, parlamentares e partidos repudiam agressão de cunho sexual

Daniel Gullino | O Globo

BRASÍLIA - O presidente Bolsonaro insultou a repórter Patrícia Campos Mello, da “Folha de S. Paulo", ao reiterar depoimento de Hans River à CPMI das Fake News em que disse que a jornalista se insinuara sexualmente em busca de notícias. Diálogos revelados desmentiram o relato. Entidades reagiram à fala do presidente.

O presidente Jair Bolsonaro insultou ontem a repórter do jornal “Folha de S. Paulo” Patrícia Campos Mello com uma insinuação sexual sobre o seu trabalho. Bolsonaro fez referência ao depoimento à CPMI das Fake News de Hans River do Nascimento, ex-funcionário de uma empresa que fez disparos em massa pelo WhatsApp nas eleições de 2018.

Hans River atacou Patrícia afirmando que a repórter “se insinuou” e queria “sair” com ele, o que foi desmentido pelo jornal com a publicação de troca de mensagens entre os dois. A declaração do presidente foi criticada por associações de jornalismo, partidos e parlamentares. O jornal “Folha de S. Paulo” declarou, em nota, que a atitude de Bolsonaro agride a repórter e todo o jornalismo profissional.

— Olha a jornalista da “Folha de S. Paulo”. Tem mais um vídeo dela aí. Eu não vou falar aqui que tem senhora aqui do lado, ela falando: “Eu sou a tatatata do PT”. Está certo? E o depoimento do River, foi no final de 2018 para o Ministério Público, ele diz do assédio da jornalista em cima dele, ela queria um furo, ela queria dar um furo a qualquer preço contra mim —disse Bolsonaro, rindo, diante de uma claque, no Palácio da Alvorada, antes de uma cerimônia de hasteamento de bandeira.

TROCA DE MENSAGENS
O histórico de mensagens divulgado pelo jornal mostra que, ao contrário do que disse na CPMI, foi Hans River quem tentou desviar o foco do diálogo. Ele convidou a jornalista para assistir a um show, mas Patricia não respondeu ao convite. Em nota, a “Folha de S. Paulo” afirmou que “o presidente da República agride a repórter Patrícia Campos Mello e todo o jornalismo profissional com a sua atitude”. O texto diz que Bolsonaro “vilipendia também a dignidade, a honra e o decoro que a lei exige do exercício da Presidência”.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) protestou, em nota conjunta com a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner), contra a postura do presidente e chamou de “lamentáveis declarações ao ecoar ofensas contra a repórter Patrícia Campos Mello”. “As insinuações do presidente buscam desqualificar o livre e exercício do jornalismo e confundir a opinião pública.

Como infelizmente tem acontecido reiteradas vezes, o presidente se aproveita da presença de uma claque para atacar jornalistas, cujo trabalho é essencial para a sociedade e a preservação da democracia”, diz o texto.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e o Observatório da Liberdade de Imprensa da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) repudiaram a fala do presidente. “Os ataques aos jornalistas empreendidos pelo presidente são incompatíveis com os princípios da democracia, cuja saúde depende da livre circulação de informações e da fiscalização das autoridades pelos cidadãos”, dizem em nota conjunta.

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) declarou que o comportamento de Bolsonaro é “misógino”, desmerece o cargo de presidente da República e afronta a Constituição. A associação pediu ainda que a Procuradoria-Geral da República (PGR) adote as medidas cabíveis.

Entre os partidos políticos, o PSDB e o PSL estiveram entre as legendas que se pronunciaram contra as declarações de Bolsonaro. Os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff e a deputada estadual Janaina Paschoal (PSLSP) também criticaram o presidente.

Hans River foi procurado por Patrícia depois de abrir um processo trabalhista contra a agência Yacows. Após a empresa ter sido procurada para comentar a denúncia sobre o uso que supostamente fazia do WhatsApp, o exfuncionário voltou atrás e desistiu de contribuir com o trabalho da repórter. Em seguida, formalizou um acordo trabalhista com a Yacows.

Na semana passada, a relatora da CPMI das Fake News, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), apresentou à PGR uma representação contra Hans River. Lídice da Mata afirmou que o ex-funcionário da Yacows apresentou “falso testemunho”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário