quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Bruno Boghossian - Bolsonaro tira bomba do colo

- Folha de S. Paulo

Presidente ganha fôlego e evita choques ao fabricar impasse com governadores

Jair Bolsonaro sabe o prejuízo que um governante pode ter com o giro dos centavos nas bombas de combustíveis. Quando caminhoneiros bloquearam estradas em protesto contra o preço do diesel, em 2018, ele incentivou o movimento e disse que só uma paralisação poderia "forçar o presidente da República a dar uma solução para o caso".

Embora o valor cobrado nos postos envolva fatores como custos de produção, preços internacionais e tributos, a ira dos motoristas costuma ficar concentrada nos inquilinos do Palácio do Planalto. Michel Temer e Dilma Rousseff foram alvos de ataques. Bolsonaro aplicou um drible para se proteger desse mau humor.

O presidente fabricou um impasse com os 27 governadores e ganhou fôlego para enfrentar os choques provocados por futuras altas nos preços. Nas últimas semanas, Bolsonaro insistiu que o aumento dos combustíveis não era culpa sua, mas dos impostos cobrados nos estados.

O argumento fazia pouco sentido, já que três tributos federais também incidem sobre a gasolina, o diesel e o etanol. Nesta quarta (5), o presidente emendou uma provocação: desafiou os governadores e disse que zeraria essas cobranças da União se os estados fizessem o mesmo. Ele sabe que isso jamais acontecerá, mas pode se dar por satisfeito.

Foi uma jogada política barata, mas eficaz. Bolsonaro apresentou uma solução impossível e tirou temporariamente essa bomba de seu colo. Se o custo nos postos não mudar, ele pode voltar a alimentar dúvidas sobre os responsáveis pelos preços.

Essa manipulação foi tão elementar que não assustou nem os cães de guarda liberais dentro e fora do governo. Se Bolsonaro zerasse os tributos, Paulo Guedes perderia cerca de R$ 27 bilhões no ano, mas o ministro nem piscou. No mercado financeiro, o silêncio também foi revelador.

A manobra pode ter dado certo por enquanto, mas as pressões não desapareceram. Hipersensível ao tema, o presidente já mostrou que poderá ficar tentado a fazer interferências mais radicais no futuro.

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