quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Carlos Alberto Sardenberg - Populismo à direita

- O Globo

Parece que o presidente não se conforma com o fato de que não pode mandar na Petrobras, ou no Banco Central ou na PF

Populistas adoram oferecer gasolina barata. Populistas que controlam uma estatal de petróleo, mais ainda. Repararam nas palavras do presidente Bolsonaro? “Eu já cortei o preço três vezes, e o preço não cai na bomba”.

Ora, a Petrobras não tinha autonomia para administrar os preços de combustíveis? Bolsonaro já havia feito uma intervenção direta, quando a estatal elevara seus preços, mas a questão acabou sendo contornada, e — disseram — o presidente da República havia sido convencido de que era melhor deixar a coisa por conta da Petrobras.

Devem ter dito a ele que a então presidente Dilma quebrara a estatal ao obrigá-la a vender gasolina e diesel a preços mais baratos do que pagava na importação. Ele não era contra tudo do PT?

Então, ficou assim: o custo do combustível tem uma estrutura que envolve diversos fatores, inclusive externos, e a Petrobras administra isso.

Acontece que os fatores externos, desta vez, estão ajudando: os preços do petróleo estão em queda por causa da demanda menor causada pela crise do coronavírus. Há menos aviões, navios e caminhões circulando na China, que é uma das maiores consumidoras do combustível.

Pintou a chance para Bolsonaro. Na verdade, não foi ele que reduziu os preços três vezes e mais uma vez ontem. O preço caiu no mundo todo, e o presidente achou que poderia tirar uma boa lasquinha e oferecer ao consumidor uma gasolina mais barata — sem quebrar a Petrobras.

Para os governadores estaduais, porém, o preço mais barato do combustível é até uma oportunidade de arrecadar mais — oportunidade de ouro para administrações que estão em dificuldades financeiras.

Logo, na cabeça de Bolsonaro, a culpa é dos governadores e daí a aposta: “Eu zero o federal se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui, agora”, disse o presidente numa daquelas conversas na saída do Palácio da Alvorada.

Claro que os jornalistas foram perguntar no posto Ipiranga. Paulo Guedes, claro, fugiu do assunto.

Se fosse dizer qualquer coisa sensata, só poderia ser algo assim: bobagem, impossível, falta de informação etc.

Os impostos federais (PIS/Cofins e Cide, que não são impostos, mas contribuições) somaram R$ 27,3 bilhões no ano passado. O déficit primário do governo central ficou em torno dos R$ 90 bilhões. Seria um terço maior sem as contribuições sobre os combustíveis.

Para os estados, o ICMS sobre os combustíveis representa de 20% a 30% do total da receita. Todos também apresentam déficit primário.

Ou seja, Bolsonaro partiu para o populismo e deu errado. Para os governadores ficou fácil responder: o senhor corta primeiro os impostos federais.

O que coloca Guedes numa saia justa. Se bobear, a culpa vai para ele.

Tirante a confusão, o episódio revela muita coisa, a começar pela incapacidade administrativa de Bolsonaro. O sistema tributário brasileiro, sem exagero, é o pior entre as nações relevantes. Não apenas as pessoas e empresas pagam impostos demais, como é difícil e caro, especialmente para pequenas e médias empresas, manter em dia suas obrigações fiscais.

Há propostas de reforma tributária tramitando no Congresso, complexas e boas, o governo federal ficou de enviar sua sugestão e, no meio disso, o presidente entra nesse populismo irresponsável. “Zero o imposto hoje”.

Nem zera, nem faz o que devia — coordenar a tramitação de uma completa reforma, que, registre-se, vai precisar do apoio e do empenho dos governadores.

Portanto, não se trata de apenas uma bobagem.

Trata-se de uma manifestação de insegurança jurídica e econômica. Empresas nacionais e sobretudo o capital internacional esperam a reforma tributária para organizar seus investimentos no Brasil. Precisam saber quanto e onde vão pagar os impostos.

A expectativa, digamos, otimista depende de dois personagens, Guedes e Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados. Guedes, contornando a coisa dentro do governo. E Maia, continuando a tocar a reforma como se nada tivesse acontecido.

De todo modo, fica claro mais uma vez o caráter autoritário do presidente Bolsonaro. Parece que ele não se conforma com o fato de que não pode mandar na Petrobras, ou no Banco Central ou na Polícia Federal.

Qualquer dia desses dá um rolo maior.

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