sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

César Felício* - Céu de brigadeiro, horizonte distante

-Valor Econômico

Bolsonaro quer ficar só e suas alianças são de curto prazo

Falar de 2022, para o presidente Jair Bolsonaro, é levar a discussão para uma zona de conforto. O presidente hoje - dois anos e oito meses antes do sufrágio - concretamente não tem adversários. A pesquisa divulgada ontem pelo site da revista “Veja”, realizada pela FSB com 2 mil entrevistas por telefone, é mais uma indicação neste sentido. Além de Bolsonaro liderar em todos os cenários em que é incluído, há um tanto de irrealismo em considerar como ameaças seus principais rivais.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, benzido pelo papa ou não, é inelegível, pelas normas da Lei da Ficha Limpa. O ministro da Justiça, Sergio Moro, por ora é um candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal, não há elementos para se pensar o contrário. O apresentador Luciano Huck é só uma conjectura. Ciro, Haddad e Amoêdo são puro “recall”. E Doria é o último colocado em qualquer cenário testado.

O antibolsonarismo é uma força, basta olhar a rejeição ao presidente, que não é capitalizada por ninguém. Há um vácuo, um posto vazio no cockpit, e Bolsonaro dá suas voltas no circuito. Seu maior inimigo, no momento, é o tempo. Faltam 30 meses e a quantidade de variáveis que podem surgir inviabilizam qualquer projeção de favoritismo. No começo de 2015, mesma antecedência em relação ao pleito futuro que vivemos hoje, também era impossível divisar quem encarnaria o antipetismo.

Bolsonaro deu partida para seu plano de reeleição em 2022 redobrando a aposta na comunicação direta com seu público de estimação, sem se comprometer com nenhuma liderança intermediadora.

Nada mais irônico do que o nome que adotou para o partido que articula, o Aliança pelo Brasil. Não há aliança com ninguém. O partido que se ergue é uma mistura de uma estratégia jurídica e de operação de marketing. Quem encabeça a ação são os advogados Luis Paulo Belmonte, Admar Gonzaga e Karina Kufa, com a ajuda do publicitário Sérgio Lima. Não existem quadros fora da família Bolsonaro. Os integrantes da bancada do PSL que devem migrar para a sigla, como Carla Zambelli (SP), o príncipe Luiz Philippe (SP), Filipe Barros (PR), Carlos Jordy (RJ) e Daniel Silveira (RJ) são fenômenos da internet.

O empresário Paulo Skaf é a mais gritante exceção a este quadro, já que para ele parece reservada a vaga de candidato do bolsonarismo ao governo estadual em São Paulo. É o único aliancista que tem alguma força própria, não necessariamente eleitoral, para agregar ao presidente. No mais, as parcerias são operações de resgate a curto prazo, como a que se desenha agora para a prefeitura da capital. Os aliancistas cortejam o apresentador José Luiz Datena, mas essa é mais uma estratégia para chegar ao jornalista antes que outras forças políticas o façam. Um certo ceticismo permanece sobre a disposição de Datena em se candidatar. O que parece certo é que não interessa aos aliancistas patrocinar ninguém da direita pura e dura na eleição de São Paulo.

Não havendo Datena no horizonte, poderá até haver um pacto sutil entre o bolsonarismo e um nome de centro-esquerda, como o ex-governador Márcio França (PSB). Ele mesmo, o “Márcio Cuba”, como o acusou durante a campanha eleitoral João Doria. As pontes existem. Caso se concretize, será um movimento meramente tático. O que se busca é a derrota de Doria, de um modo que não fortaleça nem o PT, nem apoiadores futuros de Huck.

Um eventual sucesso de França - cenário atualmente pouco provável - seria especialmente amarga para o governador. Na campanha eleitoral de 2018 França foi um opositor público da privatização da Sabesp, a joia da coroa que Doria quer vender ainda em seu mandato. O principal ativo da Sabesp é o serviço de água e esgoto em São Paulo e o resultado da eleição municipal pode atrapalhar esta equação.

Passada a eleição, Bolsonaro se manteria no mesmo lugar em que está hoje, e Doria com suas pretensões seriamente comprometidas. Impedir o antagonista de crescer é a estratégia.

Guedes
Ficou nítido na manhã de ontem que há um descompasso entre o presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Não apenas pareceu ter irritado o presidente o comentário desastroso de Guedes a respeito do suposto acesso que empregadas domésticas tiveram a viagens internacionais com o câmbio mais favorecido no passado, como também há indícios de visões diferentes em relação ao próprio desempenho da moeda brasileira. “Está um pouquinho alto o dólar”, disse o presidente cedo, durante o seu tradicional encontro com jornalistas na porta da Alvorada. Anteontem, em dia que o dólar teve sua quinta alta consecutiva e fechou a R$ 4,35, Guedes afirmou que a moeda americana estar em um patamar alto era “bom pra todo mundo”.

O ministro anda provocando problemas para Bolsonaro, o que não é habitual neste governo, mas não chega a ser inédito. A comparação de servidores públicos a parasitas, na semana passada, gerou um desgaste que ainda não se dissipou. O presidente foi obrigado agora a expor sua divergência com o ministro para dissociar a sua imagem à dele: “Pergunta para quem falou isso”, disse ao repórter que o abordou para repercutir a declaração do ministro na véspera. “Eu respondo pelos meus atos”, concluiu. A Bolsonaro pareceu melhor o risco de comentar sobre tema tão explosivo quanto o câmbio do que perder pontos junto a um eleitorado em que precisa avançar: o de pessoas de renda mais baixa que nos últimos anos tiveram alguma ascensão no padrão de consumo.

Na breve declaração, Bolsonaro frisou que não interfere na política cambial e de juros. Mas a simples menção ao tema já representa uma interferência. É curioso que, ao conversar com jornalistas, Bolsonaro tenha mencionado que “de vez em quando”, conversa com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. A instituição financeira anunciou 40 minutos depois desta declaração a venda de 20 mil contratos de swap cambial. O presidente entrou em um terreno perigoso ao comentar sobre o dólar e suas conversas com Campos Neto, mas a ação da autoridade monetária deixou patente que o erro original ao estimular especulações altistas partiu de Guedes na véspera.

*César Felício é editor de Política.

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