domingo, 2 de fevereiro de 2020

Elio Gaspari - O vexame da patrulha contra McCloskey

- O Globo / Folha de S. Paulo

Não se pode saber como vai acabar a lambança do Enem, mas exemplos mostraram que as redes sociais são uma das boas coisas deste século

Dizer que a terra é plana ou que o nazismo foi de esquerda fazem parte de um bestiário incontrolável, mas entra-se no caminho do vexame quando uma empresa como a Petrobras cancela uma palestra da economista Dreirdre McCloskey porque ela disse que os governos de Donald Trump e de Jair Bolsonaro são “qualquer coisa, menos liberais”.

Trata-se de um vexame pela falta de educação, pela truculência e pelo obscurantismo. Falta de educação porque os áulicos da Petrobras cancelaram a palestra sem dizer uma só palavra à professora. 

Pela truculência, porque o ex-Robert McCloskey teve coragem para mudar de sexo e com isso já enfrentou paradas bem mais duras do que pitis de burocratas amedrontados. É dela a mais sólida resposta às patrulhas que associam Milton Friedman à ditadura chilena do general Pinochet. (O texto da palestra está na rede com o título “Ethics, Friedman, Buchanan, and the Good Old Chicago School”.) Pelo obscurantismo, porque a professora é uma economista respeitada 
internacionalmente.McCloskey veio da cepa da universidade de Chicago e trabalhou com Friedman. 

Seus três livros sobre as virtudes, a igualdade e a dignidade dos burgueses são aulas de História para quem quer conhecer as raízes do mundo moderno. Em poucas palavras (dela), nada a ver com a luta de classes de Marx, com os protestantes de Max Weber, com instituições ou com as teorias matemáticas da acumulação de riquezas. Foi tudo coisa das ideias: “Comércio e investimentos sempre foram rotinas, mas uma nova dignidade e a liberdade das pessoas comuns foram únicas dessa época”. O construtor do mundo moderno foi o burguês.

Bolsonaro não é liberal, finge mal e, se quiser sê-lo, terá muito chão pela frente. Cancelar uma palestra de McCloskey porque ela criticou o capitão foi atitude de quem passa por qualquer vexame para ficar bem na nominata das cerimônias.

Se esse triste episódio levar alguma editora a publicar a trilogia burguesa de McCloskey, a patrulha terraplanista terá prestado um serviço ao país.

O MEC está deseducando uma geração

A ruinosa gestão do Enem de Abraham Weintraub cravou mais um prego na juventude de milhões de brasileiros. No seu primeiro contato relevante com a máquina do Estado, a garotada não soube que haviam sido cometidos erros na correção de suas provas. Aprendeu que a máquina não aceitava reclamações. Felizmente, percebeu que a mobilização das redes sociais poderia dobrar a máquina.

É o caso de se procurar entender como um jovem de 19 anos recebe a informação de que a lambança foi uma “inconsistência” e tudo não passou de um “susto” (palavras do doutor Weintraub). Centenas de milhares de estudantes saíram desse Enem com um gosto amargo na boca, até porque as regras dos educatecas dificultam os recursos em busca da revisão das notas.

O ruinoso do Enem de Weintraub junta-se a outro desastre, com o qual ele nada teve a ver e, pelo contrário, já denunciou. É o caso dos inadimplentes do Fundo de Financiamento Estudantil. Invenção dos ministros da Educação petistas, para gosto dos donos de faculdades privadas, o Fies transferiu para a Viúva o risco de inadimplência dos estudantes da rede privada.

Hoje, o rombo está em R$ 32 bilhões. Isso aconteceu porque os financiamentos eram dados sem um fiador verificado e os educatecas não analisavam os empréstimos que o Fies concedia.

Weintraub apontou o pior lado dessa desgraça, o moral:

“São 500 mil jovens começando a vida com o nome sujo”.

Com o nome sujo e estimulados a não pagar o que devem, porque foram induzidos a isso pelos espertíssimos donos de faculdades.

É sempre bom lembrar que um estudante da faculdade de Direito de Harvard formou-se em 1991 e só quitou sua dívida depois de 1996, com o que ganhou publicando seu primeiro livro. Chamava-se Barack Obama.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e vai a Brasília para tentar convencer Jair Bolsonaro a manter Onyx Lorenzoni na chefia da Casa Civil.

Não foi Lorenzoni quem teve a ideia de colocar Vicente Santini na Casa Civil. Também não foi ele quem o mandou num jato da FAB para Davos e, de lá, para Délhi.

Também não foi Lorenzoni quem sugeriu a Bolsonaro que, depois de demiti-lo, o colocasse noutra função.

Todo mundo sabe que Lorenzoni estava de férias, mas foi ele quem acabou na frigideira.

Se o doutor pode ser frito por tanta coisa com a qual nada teve a ver, seria melhor mantê-lo e, sempre que acontecer uma trapalhada, dá-se uma fritadinha no Lorenzoni.

Os pés de Zema
Com mais de 50 mortos e 50 mil desabrigados nas enchentes de Minas Gerais, o governador Romeu Zema foi entrevistado na Globonews e, por quase uma hora, falou bem de si e mal dos outros, inclusive de algumas vítimas. Revelou que é candidato à reeleição e que, no Brasil, há muita coisa errada, à espera de um novo tipo de administrador (ele). Até aí é o jogo jogado, mas Zema inovou.

A certa altura, contou que foi à cidade de Governador Valadares (15 mil desabrigados) e teve que levar dois pares de sapatos, porque havia muita lama.

Zema descobriu que enchentes sujam sapatos.

Corrupção legalizada
O doutor Gustavo Montezano, presidente do BNDES, deu-se a um voo de ciência política e ensinou:

“A gente construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa”.

A gente quem, cara pálida? Machado de Assis já ensinou que “a ocasião faz o roubo, o ladrão já nasce pronto”.

Para ficar num caso ocorrido durante o atual governo, as leis mandam que as compras para o serviço público sejam feitas por licitações e que compete à Controladoria-Geral da União fiscalizar a lisura desses certames.

Em agosto passado, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação anunciou um pregão para a compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops para escolas da rede pública. Coisa de R$ 3 bilhões.

A CGU sentiu cheiro de queimado e descobriu que numa escola de Minas Gerais cada um dos 255 alunos receberia 118 laptops. Soado o alarme, o edital foi suspenso e depois revogado.

As leis e as normas foram seguidas, mas até hoje ninguém explicou como esse edital foi concebido, armando a ocasião para interessados que, na visão de Machado, nasceram prontos. Parece falta de educação falar do assunto.

Fiesp
De um empresário abatido pelo desembaraço político de Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias de São Paulo.

“Do jeito que estão as coisas aquele prédio da avenida Paulista podia passar por um retrofit. O térreo e o espaço do rés-do-chão poderiam ser entregues às moças que vendem milho e aos rapazes do yakissoba. Nos andares superiores ficaria o museu da indústria e o auditório seria entregue aos músicos e malabares”.

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