segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Marcus André Melo* - Presidente fraco?

- Folha de S. Paulo

Mudança no padrão do regime presidencial não significa parlamentarização

Há uma nova expressão no léxico político: a parlamentarização. Estaríamos vivendo um parlamentarismo branco: o poder Legislativo autonomizou-se, e o poder Executivo vem perdendo protagonismo. A intuição da parlamentarização vai na direção correta, mas no fundo a expressão é enganosa.

O traço distintivo do parlamentarismo é que a origem e a sobrevivência do chefe do poder Executivo depende do Parlamento. No presidencialismo, o presidente é eleito diretamente e o mandato é fixo, independe de confiança parlamentar.

Um conflito entre os dois poderes não tem arbitragem fácil devido à legitimidade dual: ambos têm mandato popular. Sob o parlamentarismo, há uma válvula de escape para o conflito: a moção de confiança seguida de novas eleições. A estrutura de incentivos no presidencialismo pode levar sob certas condições a uma situação de confronto radical.

A ideia de parlamentarização ignora que há grande variação dentro do presidencialismo: há presidentes com amplos poderes constitucionais (Brasil, com escore de 0,46 no índice Elgie/Doyle; ou Chile, com 0,57) e com escassos poderes —EUA e Costa Rica (ambos 0,28). O apoio que recebe do seu partido também importa à análise. Nos EUA, o presidente tem estado em situação minoritária em uma das casas legislativas em 59% dos anos de 1945 a 2020.

A combinação difícil ocorre quando um presidente forte não conta com apoio parlamentar e tenta unilateralmente impor sua agenda. Sob um presidente fraco, o risco seria menor. Mas essa análise assume equivocadamente que presidentes minoritários não têm incentivo para a formação de coalizões, o que mitiga o risco.

Cerca de 1/3 das democracias é parlamentarista, e nelas as coalizões multipartidárias chegam a 80%.

Segundo Timothy Power (Oxford University), entre 1974 e 2013, presidentes minoritários formaram coalizões multipartidárias em 52% do tempo.

O Parlamento brasileiro já desfruta de prerrogativas institucionais expressivas, que se expandiram com a aprovação do orçamento impositivo. No índice de poderes legislativos de Chernykh, Doyle e Power, o escore do país é 4,12, abaixo do parlamento mais poderoso do mundo —o alemão (escore de 5,93)— e do dos EUA (4,67) —mas acima de Chile (4,04), Argentina (3,6) e México (3,1).

O que está ocorrendo no país não significa parlamentarização, mas transformação no padrão do regime presidencial. Tampouco equivale ao semipresidencialismo, porque o presidente brasileiro detém amplas prerrogativas (ex. o poder de nomear e demitir ministros).

Feita em 1988 em nome da eficiência, a delegação de poderes no Brasil está sendo revertida. Suas consequências não são claras.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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