sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Rogério L. Furquim Werneck* - Na mão do Congresso

- O Estado de S.Paulo / O Globo

A escala de prioridades do presidente da Câmara não espelha as urgências do ministro da Economia

Foi dada a largada para a maratona de aprovações de medidas econômicas que, em meio a muitas dificuldades, o governo terá de extrair do Congresso nos próximos meses, antes da mobilização dos parlamentares com as eleições municipais.

A articulação do Planalto com o Congresso continua imprudentemente precária. Tendo o ministro Onyx Lorenzoni caído em irremediável desgraça, a interface do Palácio com o Legislativo ficou a cargo do ministro-chefe da Secretaria de Governo da Presidência e do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. E nem o general Luiz Eduardo Ramos, comandante militar do Leste até julho do ano passado, nem o major da PM do Distrito Federal Jorge Oliveira, alçado há poucos meses ao cargo graças à sua relação com a família Bolsonaro, parecem ter perfil adequado para dar conta da densa e complexa agenda de articulação com o Congresso que se vislumbra em 2020.

O presidente continua convicto de que não precisa de uma base parlamentar confiável. Desde que o País passou a ter eleições presidenciais diretas, há três décadas, nunca houve tanta desconexão entre a participação dos partidos no Ministério e o tamanho de suas bancadas na Câmara (Estado, 2/2).

Neste quadro, as apostas no avanço da agenda do governo no Congresso baseiam-se, hoje, na esperança de que as deficiências da interface do Planalto com o Poder Legislativo possam ser supridas por uma articulação direta do Ministério da Economia com o Congresso, fundada nas boas relações do ministro Paulo Guedes com os presidentes da Câmara e do Senado.

Por singular que tenha sido a experiência de aprovação da reforma da Previdência, em 2019, o que agora se espera é que o “parlamentarismo branco” do primeiro ano do governo Bolsonaro – em que o Congresso ocupou com responsabilidade o vácuo deixado pelo Planalto – possa ser replicado, em 2020, para fazer avançar as reformas pendentes.

Sem base parlamentar relevante, o governo terá de se submeter aos prazos e às prioridades do Congresso. Embora Rodrigo Maia pareça inequivocamente comprometido com o avanço de boa parte da agenda legislativa do governo na área econômica, sua escala de prioridades não parece espelhar as urgências do ministro da Economia. O que, tendo em vista a exiguidade de tempo com que se debate o governo, não é uma discordância menor. Muito pelo contrário.

É compreensível que, preocupado em não explicitar divergências, Paulo Guedes esteja sendo um tanto vago sobre o que, a seu ver, deveria ser prioritário na agenda do Congresso. Salta aos olhos, contudo, que, para a continuidade do círculo virtuoso que vem ganhando força na economia, o mais urgente é a aprovação das medidas complementares de ajuste fiscal, que possam tornar mais crível a ideia de que a preservação do Teto de Gastos não exigirá uma compressão sem fim das despesas discricionárias.

Um complicador adicional é estarem tais medidas dispersas em três Propostas de Emenda Constitucional (PECs) distintas, a serem tramitadas a partir do Senado. Teria sido mais prudente uma única PEC, que abarcasse as medidas emergenciais prioritárias e contemplasse metas claras de alívio fiscal progressivo. Dessa perspectiva, é mais do que claro o contraste com a reforma da Previdência, que, além de bem focada, contava com a totalização do “alívio fiscal acumulado em dez anos” para explicitar com clareza custos de supressões e emendas desfiguradoras.

Mas, de imediato, o governo está às voltas com um problema bem mais básico: é à reforma tributária que Rodrigo Maia quer dar prioridade; não à aprovação das medidas complementares de viabilização do Teto de Gastos. Além de não esconder sua resistência às propostas de reforma tributária que vêm sendo tramitadas no Congresso, o Ministério da Economia teme que a complexidade da sua discussão empantane o processo legislativo e acabe levando à temerária procrastinação das medidas emergenciais de ajuste fiscal.

É só o começo de um jogo intrincado, no qual o governo estará na mão do Congresso. A maratona mal começou.

* Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

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