quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

Simon Johnson* - Desigualdade e crescimento econômico

- Valor Econômico

A desigualdade, nos níveis contemporâneos, não é um acaso. Resulta de escolhas de políticas públicas influenciadas ou impulsionadas por pessoas relativamente ricas

Em eras anteriores, as principais autoridades da área econômica consideravam a desigualdade como algo que se distinguia das principais preocupações da política macroeconômica. Desde a Revolução Industrial, a visão geral é a de que, em média, as pessoas querem ter maior renda e um maior número de bons empregos - e que a melhor maneira de alcançar essas metas é por meio de um crescimento econômico mais acelerado. Não surpreende, portanto, que muita energia mental tenha sido dedicada à questão de como projetar e gerir políticas monetárias e fiscais capazes de sustentar taxas mais elevadas de crescimento agregado.

A desigualdade era encarada como um problema distinto, que poderia ser enfrentado, no limite, pela conversão dos impostos líquidos em mais ou menos progressivos. As pessoas ricas contribuiriam com uma maior parcela de sua renda total para as finanças públicas do que a classe média.

Está cada vez mais evidente que há três problemas principais nessa visão de mundo, pelo menos considerando-se sua adequação aos Estados Unidos contemporâneos. Todos esses três aparecem com toda a sua clareza no brilhante livro novo da economista Heather Boushey, “Unbound: How Inequality Constricts Our Economy and What We Can Do About It”.

Em primeiro lugar, o sistema fiscal deixou de ser progressivo. Warren Buffett observou, celebremente, em 2011, que sua alíquota de imposto é mais baixa que a de seu assistente - e essa não é uma ocorrência isolada. Desde a década de 1970, as alíquotas efetivas de impostos sobre a renda auferida por meio de ganhos de capital (para Buffett) caíram drasticamente, enquanto permaneceram muito mais estáveis os impostos cobrados dos que auferem renda do trabalho assalariado como os assistentes (inclusive os de bilionários, pelo visto).

Se incluirmos custos com assistência médica - prêmios de seguros, itens dedutíveis e despesas do próprio bolso -, a média da renda líquida (disponível para gastar em qualquer outro item, excetuando-se assistência médica) praticamente não se alterou nas últimas décadas. Não há, de longe, tanta redistribuição quanto houve nas décadas pós-Segunda Guerra Mundial. (No livro que escrevi juntamente com Jon Gruber, “Junp-Starting America”, examinamos os dados estatísticos e a história de maneira mais detalhada.)

Em segundo lugar, o grau de desigualdade aumentou, devido em parte a barreiras ao ingresso no mercado, que também solapam o crescimento da economia. É fácil entender por que Buffett gosta de investir em empresas dotadas de “fossos” - por exemplo, em seguros, ferrovias e outros setores. Controlar empresas que são difíceis de desafiar é, sem dúvida, bom para os lucros dele. Mas o objetivo dos formuladores de política econômica não deveria ser maximizar os lucros de um setor, menos ainda de um grupo de investidores.

Na economia como um todo, mais empreendedorismo e maior ingresso no mercado tendem a corroer os lucros dos agentes econômicos estabelecidos e, portanto, a mitigar a desigualdade, porque o ingresso de novas empresas em um setor provavelmente criará mais empregos, elevará a renda e levará à oferta de novos produtos, de melhores serviços, ou a ambos.

Em terceiro lugar, a desigualdade se tornou um fator impulsionador da deterioração dos resultados em um sentido mais amplo de economia política. Quando pessoas ricas gastam seu dinheiro para influenciar decisões políticas, elas não tentam, normalmente, garantir maior liberdade de ingresso para outras nos setores que geram a sua riqueza, exatamente porque isso poderia significar diminuição da renda delas. Ao contrário, poderosos agentes econômicos estabelecidos querem mais proteção em relação à concorrência interna e externa. Querem também mais subsídios, seja por meio do código fiscal, ou outro canal. E sua meta mais acalentada é se tornar importante demais para falir, o que as tornam prováveis candidatas a receber pacotes de socorro financeiro em tempos difíceis.
Boushey liga esses pontos de uma maneira notável e revigorante.

Mesmo para pessoas que estudaram a questão, as ligações e questões específicas de política pública identificadas por ela são esclarecedoras. Este não é um argumento contra os mercados ou contra o empreendimento privado, mas é uma importante advertência: nós temos a desigualdade que escolhemos, independentemente de termos ou não consciência de que estamos fazendo uma escolha.
“Unbound” não é um livro explicitamente partidário, mas é fácil fazer inferências para a atual temporada política.

Para começar, se o sistema em vigor está quebrado, a maneira mais fácil e mais justa de repará-lo seria a adoção de um modesto imposto sobre fortunas. Os detalhes podem ser discutidos, mas um imposto sobre fortunas superiores a US$ 50 milhões impactaria apenas a camada do 0,1% mais rico de todos os americanos.

Além disso, se barreiras ao ingresso no mercado estão se tornando um problema, deveríamos mudar o foco da atividade antitruste a fim de reduzir essas barreiras de uma maneira razoável e rápida. Se critérios tradicionais, desenvolvidos na e para a era pré-internet, se mostram de difícil manejo ou ineficazes, deveríamos atualizá-los.

E, se pessoas ricas estão comprando acesso político, com a consequência de que a economia está se tornando mais distorcida e menos justa, deveríamos mudar as regras de financiamento de campanha e de lobby. Nos EUA, uma alíquota mais elevada de imposto sobre fortunas superiores a US$ 1 bilhão (ou sobre um nível muito alto equivalente) afetaria apenas cerca de 600 pessoas, mas emitiria um sinal poderoso de que sua influência desproporcional será enfrentada.

A desigualdade, nos níveis contemporâneos, não é um acaso. Resulta de escolhas de políticas públicas que foram influenciadas ou impulsionadas por pessoas relativamente ricas (mais uma vez, os detalhes estão em“Unbound”). O pêndulo pode - e deveria - voltar a oscilar na outra direção.

Os formuladores de política econômica não podem mais se dar ao luxo de encarar a desigualdade como um problema distinto da ampliação do emprego e da renda. Enfrentá-lo por meio de um imposto sobre fortunas, associado a políticas antitruste e fiscalização do cumprimento das leis mais eficazes, se tornou essencial para sustentar o crescimento econômico, inclusive por meio do estímulo à criação e desenvolvimento de novas empresas. (Tradução de Rachel Warszawski)

*Simon Johnson, professor do MIT Sloan, foi economista-chefe do FMI e é assessor da campanha da senadora Elizabeth Warren à presidência dos EUA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário