sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Vinicius Torres Freire - Ano começa com certo cheiro ruim de 2019

- Folha de S. Paulo

Economia frustrou um tanto, desvarios de Bolsonaro afetam mudanças econômicas

Este 2020 começa com algum cheiro ruim de 2019, com um pouco de mofo e poeira. Há pelo menos paralelismos entre o primeiro e o segundo ano da “nova era”.

1) O crescimento da economia na virada do ano foi frustrante, pelos dados conhecidos até agora, oficiais. Indústria e comércio cresceram menos em 2019 do que em 2018; serviços, um tico mais. O investimento em máquinas, instalações produtivas e residências foi menor, pela estimativa do Ipea.

2) O governo cria crises políticas e de imagem gratuitas e grotescas, atirando no próprio pé, tentando mirar na própria cabecinha.

3) Embora o “parlamentarismo branco”, a nova preponderância do Congresso, tenda a permanecer, mudanças ministeriais, a militarização do Planalto, incompetências políticas e outras barbaridades do governismo vão exigir algum rearranjo da relação com o Parlamento.

4) A demagogia de Jair Bolsonaro levanta outra vez a suspeita, ainda que risco ora remoto, de que o presidente avacalhe de vez a dita “agenda de reformas”, o programa da elite econômica.

Como se sabe, Bolsonaro causou confusão ao tratar de impostos sobre combustíveis ou de dólar, além de fraquejar com a reforma administrativa.

5) O governo parece uma balbúrdia mesmo em assuntos cruciais, de interesse do “bloco de poder”. Bolsonaro, numa contradança com Paulo Guedes, cria confusão sobre a reforma tributária. Em parte, o governo não sabe o que quer; em parte, ideias de Guedes têm sido vetadas em público pelo presidente (CPMF, “imposto do pecado”).

As perspectivas, no entanto, pelo menos até agora, são certamente melhores do que as de 2019, ao menos no que diz respeito à retomada da economia (para quem considera “retomada” um crescimento de uns 2% neste ano).

Ainda assim, o investimento continua catatônico e o governo não consegue colocar na rua um programa de concessões para a iniciativa privada ou medidas que removam o entulho burocrático da economia. Vai tudo ficando para 2021.

Os dados de indústria, comércio e serviço foram frustrantes, mas não há cheiro de queimado ou chabu. Além do mais, os dados publicados até agora não cobrem toda a produção que acaba aparecendo na medida do PIB. Pode haver surpresa (até surpresa ruim, claro).

O regime acidental do “parlamentarismo branco’’, que inexistia até março de 2019, tende a durar pelo menos até o final do ano, o que deve permitir a aprovação de alguma reforma, como a do arrochão dos gastos (PEC Emergencial), sem o que o teto de gastos vai ser furado em 2021. No entanto, o Congresso está meio farto de Bolsonaro.

Com o começo do ano legislativo e protestos dos donos do dinheiro grosso, é possível que Bolsonaro se controle ao menos no que diz respeito a esses interesses econômicos maiores.

Ou seja, delegaria a condução da economia para o premiê acidental Rodrigo Maia e seu ministro Paulo Guedes, dedicando-se como de costume à sua preocupação maior, o desvario ideológico e ultrajes autoritários.

Enfim, em vez da guerra econômica sino-americana, neste ano temos o risco ainda sem medida do novo coronavírus, que vai morder algum crescimento no Brasil.

Em resumo, apesar das perspectivas melhores, o governo recria ou alimenta riscos velhos, engaja-se no desvario e não define prioridades racionais.

Com a economia frágil e a possibilidade normal de choques, por definição fora do nosso controle, conclui-se que o governo está dando muita chance para o azar.

Bolsonaro se importa?

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