segunda-feira, 23 de março de 2020

Carlos Pereira - O preço da loucura

- O Estado de S.Paulo

Insanidade de Bolsonaro de ir a manifestação é expressão do presidencialismo plebiscitário

Diante dos últimos comportamentos do presidente Bolsonaro, muitos têm vaticinado que o presidente está louco. Alguns, inclusive, defendem que o Ministério Público peça que uma junta médica avalie a sanidade mental de Bolsonaro para saber se ele de fato teria condições para exercício do cargo de presidente da República.

Ter conclamado e participado de manifestação contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal em plena pandemia do novo coronavírus e ainda sob suspeita de estar contaminado, colocando em risco os demais participantes da manifestação, seria um sinal de perturbação mental ou, pelo menos, de enorme irresponsabilidade.

Existiria cálculo racional nesse comportamento aparentemente insano?

A loucura é um fenômeno muito complexo e multifacetado. A negação da realidade é uma das suas expressões ou sintomas mais comuns. No caso específico do presidente Bolsonaro, sua suposta insanidade nasce da negação da própria política.

Bolsonaro é produto de uma sucessão de eventos inusitados. A conjunção de recessão econômica de graves proporções e exposição visceral a escândalos sucessivos de corrupção gerou, em uma parcela considerável do eleitorado brasileiro, uma espécie de aversão à política. Como se a política “tradicional” fosse necessariamente “suja”.

Bolsonaro preencheu as expectativas de “limpeza” da política brasileira. Fez uma associação direta entre o tipo de presidencialismo de coalizão predatório implementado pelo petismo à corrupção. Ao mesmo tempo em que essa estratégia se mostrou vitoriosa nas eleições, fez, paradoxalmente, o presidente vítima desta narrativa. Terminou por aprisionar o governo a um modelo de governar que contraria a essência do nosso sistema político.

Diante da negação sistemática dos instrumentos tradicionais de governo em um presidencialismo multipartidário, restam poucas alternativas a Bolsonaro. A conexão direta com seus eleitores mais fiéis, que beira a insanidade, tornou-se o modus operandi do governo. A estratégia dominante passou a ser o desenvolvimento de crises quase que diárias, confusão e belicosidade com adversários, briga com os próprios aliados, ataques indiscriminados a todos que lhe impõem restrições.

É por isso que Bolsonaro governa sempre testando e avançando os limites institucionais. Portanto, na aparente loucura do estilo de governar confrontacional há uma estratégia nítida de sobrevivência política.

É sonho de todo governante que quer deixar um legado histórico enfrentar crises agudas tais como guerras ou pandemias para unir o país em torno dele e assim enfrentar o inimigo comum. Entretanto, Bolsonaro não consegue se desvencilhar das amarras que se auto impôs. Para Bolsonaro, essa oportunidade foi perdida. Em vez de unir o País para combater o inimigo mortal e invisível, ele o dividiu. Ao invés de reconhecer a gravidade da guerra, ele a menosprezou.

Bolsonaro não percebeu que o medo da população em perder vidas com o coronavírus suplantava os riscos de crise econômica, pois não se deu conta que as pessoas tendem a descontar o futuro. Ou seja, as preocupações de hoje são sempre maiores do que as que estão por vir. Bolsonaro, portanto, contrariou os anseios da população e os sinais de rejeição entre seus supostos seguidores começaram a aparecer.

O panelaço e os vários pedidos de impeachment evidenciam isso. Dessa vez, a loucura de Bolsonaro pode lhe custar caro.

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