sexta-feira, 20 de março de 2020

Eliane Cantanhêde - Coisa de doido

- O Estado de S.Paulo

País parado e o vírus matando pessoas e empresas. É hora de o ‘03’ chutar a China?

Enquanto o ministro Luiz Henrique Mandetta contrariava a percepção geral e chamava o presidente de “grande timoneiro” da reação ao coronavírus, indiretamente comparando Jair Bolsonaro a Mao Tsé-Tung na revolução cultural chinesa, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) dava mais uma canelada infantil, mas doída, na China, principal parceiro comercial do Brasil. Ao falar da pandemia, o “03” acusou que “a culpa é da China”.

Assim, o deputado piorou ainda mais as coisas não só para o papai, que não anda nos seus melhores dias, mas principalmente para o Brasil, que está parado, com Bolsas derretendo, dólar disparando, as pessoas trancadas em casa, os shoppings, academias, bares e restaurantes fechados e as empresas em sistema de “home office”, num ambiente internacional de tragédia. O pai Jair demorou a compreender e se interessar por essa chatice chamada realidade. E o filhote Eduardo ainda está no mundo da lua.

“Quem assistiu Chernobyl vai entender o que ocorreu. Substitua a usina nuclear pelo coronavírus e a ditadura soviética pela chinesa”, sugeriu o ex-quase embaixador do Brasil em Washington e atual presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, papagaiando o que o ídolo Donald Trump diz nos Estados Unidos. E não é que bolsonaristas e terraplanistas compram fácil, fácil, essa versão do complô chinês para devastar o mundo? Coisa de doido.

Pouco diplomático, vá lá, mas com boa dose de razão, o embaixador chinês em Brasília reagiu e não dourou a pílula. Classificou as palavras do deputado de “extremamente irresponsáveis” e matou dois coelhos com uma cajadada só, ao dizer que o filho do presidente, “ao voltar de Miami, contraiu um vírus mental que está infectando a amizade entre nossos povos”.

Se fosse fato isolado, já seria grave, mas é mais grave ainda com o Brasil precisando preservar cada tostão e cada parceiro, e porque não foi uma novidade. A birra dos Bolsonaro com o país asiático vem de longe. Desde a campanha, Jair Bolsonaro e o depois chanceler Ernesto Araújo atacavam e ironizavam a China. Essa China que, no primeiro ano do governo, comprou US$ 65,4 bilhões do Brasil, é vital para o agronegócio e a balança comercial brasileira.

Por tudo isso, a reação contra a manifestação do “03” e a favor da parceria com a China se espalhou como vírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, pediu desculpas aos chineses pela instituição. O interino do Senado, Antonio Anastasia, apresentou “respeito, solidariedade e desculpas”, em nome da Casa. O governador João Doria classificou de “lamentável e irresponsável” o post do deputado. A bancada ruralista, que é (ou era?) bolsonarista, deu um pulo.

No fim, até o vice Hamilton Mourão se meteu, ao declarar que o deputado não representa o governo e sua fala só teve essa enorme repercussão pelo sobrenome de Sua Excelência. Cá entre nós, não é a primeira vez que generais do governo têm de apagar incêndios criados pelos Bolsonaro com a China. O próprio Mourão e o chefe do GSI, Augusto Heleno, agora contaminado pela covid-19, já estão calejados.

Quem entrou na contramão, cobrando retratação não do autor da pancada, mas de quem revidou? Ora, ora, o chanceler Araujo, que acusou o embaixador chinês de “ferir a boa prática diplomática”. Será que foi da própria cabeça? Ou ele recebeu ordens do presidente? É essa pergunta que não quer calar entre diplomatas brasileiros, estupefatos.

Isso tudo, gente, quando o vírus já contaminava centenas de brasileiros e adentrava os Poderes da República, os mortos já somavam sete, os panelaços de protesto ainda ecoavam nas cidades e nos ouvidos palacianos e o risco de quebradeira de empresas e de perda de empregos apavorava o País inteiro. É ou não coisa de louco?

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