sexta-feira, 6 de março de 2020

Lu Aiko Otta - Ruídos na política reeditam “pibinhos”

- Valor Econômico

Declarações do governo desviam o foco da enorme lista de mudanças que precisam ser feitas para romper o ciclo de baixo crescimento

Aqui em Goiás, onde está encravado o “quadradinho” do Distrito Federal, costuma-se chamar de “situação de vaca não ‘conhecer’ bezerro” os momentos de desorganização como o que se viu na Esplanada dos Ministérios após o anúncio do “pibinho” de 1,14% em 2019, um resultado mais mirrado do que os do governo Temer.
Começou com o presidente Jair Bolsonaro escalando um humorista para comentar a taxa de crescimento econômico. Depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou não ter entendido o “alarde” em torno do resultado, porque o esperado era 1%.

Pareceu um recado a quem espalhou, nos bastidores da Esplanada, que há frustração no Planalto com a economia fraca e com o “posto Ipiranga”, que na campanha eleitoral prometia uma recuperação rápida. Em novembro de 2018, disse que o país poderia entrar 2019 crescendo a 3,5%.

O desconforto com o “pibinho” foi escancarado ontem por um integrante da sua equipe, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida. “Não é normal país em desenvolvimento como o Brasil crescendo 1% ao ano”, afirmou. Horas depois, Guedes respondeu pela imprensa. “Se Mansueto esperava que PIB fosse crescer 3%, deve estar frustrado; nossa previsão sempre foi 1%.”

De quebra, o ministro renegou a estimativa de crescimento de 2,4% em 2020 divulgada por sua pasta. Disse que é um cálculo da Secretaria de Política Econômica (SPE), e não seu. Guedes aposta em 2%.

Toda essa estridência desvia o foco da enorme lista de mudanças que precisam ser feitas para romper o ciclo dos “pibinhos” e colocar o Brasil numa trajetória de crescimento sustentado. São medidas que dependem fundamentalmente do Congresso Nacional.

O próprio ministro imprimiu tom dramático à lista de pendências no Legislativo. Reunido com movimentos de rua para pedir-lhes apoio à agenda de reformas, disse que o governo tem 15 semanas para mudar o Brasil. Este é o prazo até o recesso parlamentar de julho. Depois disso, o calendário eleitoral vai dominar as atenções no Legislativo. Temas complexos, como reformas, têm menor chance de avançar.

A lista de prioridades legislativas de Guedes contempla, além das reformas tributária e administrativa, as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) Emergencial, do Pacto Federativo e dos Fundos, a autonomia do Banco Central, a autorização para privatizar a Eletrobras, a nova lei do gás, o marco legal da cabotagem, o novo marco do setor elétrico e alterações no regime de partilha dos recursos do pré-sal.

O próprio governo se atrapalha nessa agenda. O envio da reforma administrativa foi novamente adiado. Guedes ainda não encaminhou ao Congresso suas contribuições à reforma tributária.

“Aprovar tudo em 15 semanas é difícil”, avalia o diretor de Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha. “Mas uma coisa é perder tempo discutindo temas complexos com a sociedade, e outra é a agenda não andar por causa dos ruídos.”

Sem as reformas, o impulso dado ao consumo das famílias com a liberação do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) não deflagrou a retomada do crescimento, como se esperava. “Pisaram no acelerador, mas mantiveram o freio de mão puxado”, comparou. Ao lado desse, o outro fator de alerta no resultado do PIB é a queda de 3,3% nos investimentos.

“Se não tem investimento público, a roda não gira”, afirmou. Por mais que o setor privado tenha aumentado sua presença na infraestrutura, por meio do programa de concessões, há um limite para isso. “Empresa nenhuma entra em chão de terra”, disse. E 86% das rodovias brasileiras não são pavimentadas.

A Abdib sugere que os recursos arrecadados pelo governo com outorgas em concessões sejam integralmente direcionados aos investimentos públicos. Essa forma de financiamento é ideia é defendida há anos pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e foi incluída no novo marco regulatório das concessões, que está sendo elaborado pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania - SP). Mas a área econômica é contrária a esse dispositivo.

A adoção de estímulos fiscais ao crescimento foi defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao comentar o resultado do PIB. “A grande mensagem é que a participação do Estado será sempre importante para que o Brasil possa crescer e se desenvolver.”

O Ministério da Economia pensa o contrário. Dada a situação das contas públicas, com déficit ainda elevado, aumentar os gastos públicos traria mais insegurança aos agentes econômicos. Assim, em vez de ajudar, prejudicaria a atividade econômica, segundo explicou o secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida. É preciso persistir nas reformas e no combate à má alocação de recursos, disse.

Antes de partir para os estímulos fiscais, o governo deveria usar mais seu arsenal monetário e creditício, comentou o economista-chefe da corretora Tullett Prebon, Fernando Montero. “Nossa melhor chance é na política monetária”, disse.

Ou seja, redução de juros e avanço da agenda do Banco Central. Ele acha que haveria pouco espaço para elevar investimentos públicos e a medida traria insegurança. “É muito risco para sairmos de quase nada para quase algo”, afirmou Montero.

O governo de Jair Bolsonaro tem sido marcado por polêmicas vazias e, na relação com o Legislativo, pela falta de uma base congressual. Mesmo assim, foi aprovada a reforma da Previdência. Se o ambiente fosse de construção, certamente a agenda de reformas estaria mais avançada. E um novo “pibinho”, mais distante.

A próxima semana pode trazer novos lances na disputa sobre o controle de verbas federais. Com o Orçamento impositivo, o governo terá ainda menos controle sobre o destino dos poucos recursos públicos que restam para investir.

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