sexta-feira, 6 de março de 2020

Monica de Bolle* - A economia da epidemia

- Revista Época

A esta altura da epidemia que se alastra rapidamente pelo planeta é razoável dizer que não sabemos absolutamente nada. Nessas situações, a reação é a mais extrema possível

Já compraram montanhas de desinfetantes para as mãos, máscaras, papel higiênico? E quanto a pilhas, antitérmicos, termômetros e vitamina C? Velas e lanternas? Já não há álcool ou sabonete líquido nas farmácias? Vai faltar comida?

O comportamento que tem levado ao desaparecimento de medicamentos das farmácias, ao sumiço de produtos de higiene pessoal e de alimentos não perecíveis das prateleiras dos supermercados é o mesmo que leva às corridas bancárias. Explico: a crise bancária típica ocorre quando as pessoas, temendo que os bancos não serão capazes de devolver seus depósitos, correm para sacá-los o mais rapidamente possível.

Como os bancos não mantêm 100% dos depósitos em caixa, se todos os depositantes correrem ao mesmo tempo, alguns de fato não receberão o dinheiro de volta, justificando o pânico inicial.
Nenhuma farmácia ou supermercado estoca toda a quantidade de suprimentos que a população pode vir a demandar em casos excepcionais. Logo, quando há uma epidemia, ou o risco de que ela aconteça, as pessoas farão exatamente a mesma coisa que fazem quando imaginam que não terão acesso a seus depósitos: correm para as farmácias e para os supermercados, esgotando produtos. Os afortunados garantirão seus suprimentos, enquanto os demais ficarão a ver navios. Esse é apenas um dos aspectos da economia da epidemia.

Outro aspecto é o comportamento das pessoas diante de situações de incerteza. Incerteza não é risco — incerteza é tudo aquilo que pode ser descrito como um imponderável desconhecido, enquanto risco envolve algum conhecimento sobre a probabilidade de diferentes cenários. A esta altura da epidemia que se alastra rapidamente pelo planeta é razoável dizer que não sabemos absolutamente nada — inclusive não sabemos aquilo que não sabemos.

Nessas situações, a reação é a mais extrema possível: cancelam-se de viagens a eventos de massa, exaltam-se a quarentena e as medidas que cerceiam brutalmente as liberdades individuais. Mas, vejam: não entrem em pânico! Trata-se de precaução, nada mais. E lavem as mãos com sabão, usem desinfetantes, não se esqueçam de estocar medicamentos, produtos de higiene e limpeza, alimentos não perecíveis.

A Organização Mundial da Saúde divulgou a nova taxa de mortalidade global desse coronavírus, ou SARS-CoV-2, para os íntimos. É de 3,4%, dizem. Mas, por favor, não entrem em pânico, ainda que a taxa seja uma média ponderada de países atingidos de modo diferente, com sistemas de saúde distintos, com as mais variadas capacidades de resposta das autoridades responsáveis.

Ou seja, a taxa de mortalidade gravíssima é nada mais do que uma média sem sentido, sobretudo quando se considera a enorme variância entre países, para não falar da variância dentro da própria China, epicentro da epidemia. Na Coreia, o país com maior número de casos depois da China e que está testando gente por meio de drive-through, a taxa é de 0,7%; aqui nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta, a taxa de mortalidade é de 7%. Falta explicar que os 7% são todos os casos de morte registrados em um estado apenas (até agora), onde um lar de idosos foi duramente atingido. A divulgação de números sem as qualificações necessárias acelera o pânico e o desabastecimento generalizado que as mesmas autoridades querem evitar.

Em meio a isso, está a economia — a global, a brasileira. A paralisia que resulta da incerteza haverá de retirar um bom pedaço do que se esperava para o crescimento mundial em 2020, ainda que o mundo mais do que descoordenado de hoje, ao contrário de como estava na crise de 2008, consiga fazer medidas de estímulo mais ou menos simultâneas. 

O Brasil, pobre Brasil, continua entregue à historinha de que se as reformas andarem a coisa vai, mesmo que isso não tenha acontecido nos últimos três anos. O corre-corre de nossas galinhas sem cabeça entregou crescimento de 1,1% em 2019, ano da reforma da Previdência. No ano do coronavírus não é difícil imaginar que o país pare de crescer ou mesmo sofra uma leve recessão — no melhor dos casos, quiçá cheguemos a nossa marca registrada, o PIB de 1%.

A economia da epidemia, afinal, é isso aí. Uma grande balbúrdia em meio à falência cognitiva generalizada. Para os que aterrissaram do Carnaval, feliz 2020.

*Monica de Bolle é Pesquisadora Sênior do Peterson Institute for International Economics e professora da Universidade Johns Hopkins

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