domingo, 1 de março de 2020

O que a mídia pensa - Editoriais

O que é importante para o presidente – Editorial | O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro foi ao Facebook na noite de quinta-feira para se queixar do Congresso. Disse que “gostaria de fazer muita coisa pelo Brasil”, mas os parlamentares não deixam. Como exemplos do que “gostaria de fazer pelo Brasil”, o presidente citou diversos projetos e medidas provisórias que ou foram recusados ou nem sequer foram discutidos. “Estou há seis meses com um projeto de lei dentro da Câmara para que a validade da carteira de motorista passe de cinco para dez anos, mas não vai para frente”, declarou o presidente, com ar indignado. “Estou também há seis meses com um projeto fazendo com que você perca a sua carteira (de motorista) depois de completar 40 pontos no ano, e não 20 como é atualmente”, continuou Bolsonaro.

A lista de prioridades citadas pelo presidente incluiu ainda a medida provisória que instituiu a carteira de estudante digital e a medida provisória que dispensou as empresas de publicarem balanços em jornais de grande circulação – ambas caducaram sem votação.

Bolsonaro mencionou também o projeto de lei “maravilhoso” que dá “direito ao índio de ser um cidadão igual a você, igual eu (sic)” – em referência ao projeto que permite o desenvolvimento de atividades como mineração, produção de petróleo e gás e geração de energia elétrica em terras indígenas. “Lamentavelmente”, disse, “a Câmara nem vai discutir” o projeto.

Em nenhum momento, na quase meia hora que gastou para falar do que “gostaria de fazer pelo Brasil”, o presidente Bolsonaro mencionou as reformas administrativa e tributária, que deveriam ser as reais prioridades do Executivo. Provavelmente não falou porque o governo nem sequer enviou suas propostas ao Congresso. E o clima de confronto criado pelos bolsonaristas – e alimentado pelo próprio presidente – contra os parlamentares pode procrastinar ainda mais o envio e a votação dessas matérias fundamentais para o País.

O resultado disso é que o relativo otimismo com a retomada do crescimento, verificado no final do ano passado, especialmente depois da aprovação da reforma da Previdência, vai se transformando em ceticismo e dúvida: afinal, não se pode condenar quem hesita em investir num país cujo governo cria crises diárias e não demonstra compromisso com as reformas.

No seu pronunciamento, o presidente Bolsonaro disse que se encontrará com empresários da Fiesp em breve e, em vez de mencionar as muitas dificuldades do setor produtivo, preferiu destacar que um dos principais assuntos a tratar será o comportamento da imprensa. Bolsonaro disse que pedirá aos empresários que não anunciem mais em jornais “que mentem o tempo todo” e “trabalham contra o governo”. Em sua lógica, a imprensa crítica ao governo é prejudicial ao País, pois, “se o governo der errado, toda a economia do Brasil vai sofrer”.

Assim, enquanto gasta energia com carteiras de motorista, radares móveis e carteirinhas de estudante, o presidente quer que os brasileiros acreditem que o maior problema do País não é sua óbvia inaptidão para o cargo, mas sim o comportamento do Congresso e da imprensa.

Desde sempre incapaz de assumir as graves responsabilidades inerentes ao exercício da Presidência, Bolsonaro revela cada vez mais um comportamento perigosamente próximo daquele que notabiliza as redes sociais bolsonaristas, nas quais a verdade dos fatos é hostilizada. Em seu discurso no Facebook, reafirmou sua ânsia de desmoralizar jornalistas ao partir para insultos e ao tratar como verdadeiras as mentiras produzidas pelo bando bolsonarista que manipula a internet para achincalhar o trabalho de repórteres que revelaram o que ele gostaria de esconder.

E não há perspectiva de Bolsonaro se emendar. “O recado para a imprensa: não vou desistir, vou buscar fazer tudo aquilo que eu falei durante a campanha”, anunciou o presidente. O fracasso em aprovar até mesmo mudanças na pontuação da carteira de motorista, consideradas prioritárias pelo presidente, mostra que Bolsonaro ainda precisará brigar muito com a realidade para pelo menos parecer um bom presidente.

Negociações sobre tributação digital – Editorial | O Estado de S. Paulo

A tributação da economia digital é possivelmente o desafio mais premente para a economia mundial neste início de século. Como disse o secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, “o fracasso em chegar a um acordo até 2020 poderia aumentar muito o risco de que os países ajam unilateralmente, com consequências negativas para uma economia global já fragilizada”.

Desde 2015, a OCDE e o G-20 trabalham com uma força-tarefa de 137 países – o Quadro Inclusivo sobre Erosão de Bases e Transferência de Lucros – na elaboração de um acordo para que multinacionais altamente lucrativas, incluindo as digitais, recolham impostos onde quer que tenham consumidores e gerem lucros. O grupo se comprometeu a chegar a um consenso até o fim do ano.

A negociação se desenvolve sobre “dois pilares” que abordam desafios fiscais resumidos na fórmula “nexo, dados e caracterização”. O “Pilar Um” foca na alocação de direitos de tributação e busca estabelecer novas regras sobre onde os tributos devem ser pagos (regras de “nexo”) e sobre qual porção dos lucros deve ser tributada (regras de “alocação de lucros”). O “Pilar Dois” foca em assuntos remanescentes e busca desenvolver regras que forneçam a cada jurisdição o direito de “tributar de volta” quando outras jurisdições não tiverem exercido seus direitos de tributação ou tenham arrecadado com base em baixos índices de tributação.

O problema central do “Pilar Um” pode ser resumido na seguinte questão: como os direitos de tributação sobre a receita gerada pelas atividades transnacionais da era digital devem ser alocados entre as jurisdições? A resposta deve articular tópicos como certeza fiscal, simplificação no cumprimento das regras, prevenção e resolução de disputas e a eliminação de dupla tributação. Para negociar estes tópicos, propõe-se estabelecer como base três tipos de lucros tributáveis.

O tipo A prevê que uma parcela dos lucros seja alocada às jurisdições segundo fórmulas aplicáveis às multinacionais. Este novo direito de tributação pode ser aplicado independentemente da presença física, especialmente a serviços digitais automatizados. O tipo B prevê uma remuneração fixa sobre as funções de distribuição e marketing na jurisdição em questão com base no Princípio da Plena Concorrência (Arm’s Length Principle, na fórmula mais literal em inglês), que assegura que os preços das transações entre multinacionais sejam estabelecidos com base no valor de mercado, impedindo que os lucros sejam desviados para países com baixa tributação. O tipo C cobre qualquer lucro adicional nos casos em que funções domésticas excedam a linha de base compensada sob o tipo de B.

Segundo a OCDE, estas soluções aumentariam a arrecadação derivada da tributação global sobre empresas em até 4%, ou US$ 100 bilhões anuais. Os ganhos serão proporcionalmente similares para as economias de alta, média e baixa rendas – com relativa vantagem para as duas últimas. Mais da metade do lucro realocado viria dos 100 maiores conglomerados multinacionais. Segundo a OCDE, o efeito direto sobre os custos de investimento será pequeno, uma vez que as reformas miram empresas com altos níveis de lucratividade e baixos índices de tributação. Além disso, as reformas também reduziriam a influência dos impostos sobre as decisões relativas à alocação de investimentos.

Os membros do Quadro Inclusivo se encontrarão em julho em Berlim para buscar um consenso político sobre os detalhes arquitetônicos destas propostas. O progresso nesse consenso é indispensável para evitar a proliferação de medidas unilaterais, a dupla tributação e exigências excessivas de cumprimento das regras e para restaurar a estabilidade e a segurança do sistema internacional de tributação – do contrário, o processo de globalização da ordem liberal será severamente comprometido.

O empuxo do setor imobiliário – Editorial | O Estado de S. Paulo

Com boas chances de ser um dos principais motores da economia neste ano, o setor imobiliário já se destaca nas operações de crédito. Especialmente importante pela criação de empregos e pelo estímulo a outras atividades, como as indústrias de aço, vidros, plásticos, cimento, cerâmica e equipamentos, a construção começou no ano passado a recuperar-se de uma longa crise. As operações de empréstimos são marcos dessa reação. O saldo de todos os financiamentos imobiliários aumentou 0,3% em janeiro, para R$ 640,40 bilhões, e acumulou expansão de 6,9% em 12 meses. Nos 12 meses até janeiro, as concessões de empréstimos imobiliários a pessoas físicas aumentaram 16,2%. De dezembro para janeiro, houve queda de 21,3%, mas esse recuo é basicamente explicável como um fato sazonal. No começo do ano, os juros médios anuais cobrados em novas operações estavam em 7,4%, abaixo da taxa de janeiro de 2019 (8,3%), segundo o Banco Central (BC).

A reativação do setor imobiliário, uma das esperanças de movimentação dos negócios e de abertura de vagas em 2020, é o dado mais animador do novo balanço das operações de crédito. O cenário geral é marcado pela redução das concessões de empréstimos em janeiro. A queda é atribuível principalmente a fatores sazonais, lembrou o chefe do Departamento de Estatísticas do BC, Fernando Rocha. Sinais de recuo, no entanto, aparecem mesmo quando efeitos da sazonalidade já estão descontados.

Esse fato é observável nas concessões totais de crédito pelo Sistema Financeiro Nacional (SFN). Essas concessões diminuíram 19% em janeiro, para R$ 322 bilhões, e o recuo é explicado basicamente pela sazonalidade. Com os ajustes sazonais, isto é, com a eliminação dos efeitos típicos do período, ainda se encontra uma redução geral de 0,3%. A comparação com janeiro de 2019 aponta uma expansão de 13,6% – de 15,5% no crédito às famílias e de 10,8% nos empréstimos a empresas.

Um detalhe importante – e um tanto inquietante, quando se pensa nas possibilidades de crescimento econômico neste ano – é a diferença entre as taxas de expansão dos empréstimos destinados a empresas e famílias.

O financiamento às famílias tem crescido mais, indicando a disposição de gastar nas compras de imóveis e de bens de consumo duráveis, como veículos e outros produtos normalmente financiados. Já os dirigentes de empresas mostram pouca disposição de se endividar, seja para acumular estoques ou para ampliar e modernizar a capacidade produtiva de suas companhias. Em 12 meses, o estoque de crédito às famílias cresceu 12,2%, enquanto o saldo do financiamento a empresas só aumentou 0,4%.

O quadro fica mais feio quando se examinam as operações do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), principal fonte de financiamento, durante décadas, do investimento empresarial. O saldo de financiamento a empresas diminuiu 0,5% de dezembro para janeiro, chegando a R$ 380,47 bilhões. Em 12 meses – é o dado inquietante – a queda acumulada atingiu 12,5%.

Essa queda pode refletir o desinteresse dos empresários, a mudança de estratégia e de objetivos do BNDES e, muito provavelmente, uma combinação dos dois fatores.

Uma das metas oficiais é deslocar o financiamento para as fontes de mercado, reduzindo o papel das fontes ligadas ao governo. Pode-se defender essa política, mas seus méritos são discutíveis, especialmente num quadro de baixo crescimento, investimento escasso, ampla desatualização tecnológica e alto desemprego. Os possíveis benefícios da mudança são pouco visíveis nos números do crédito e da atividade.

A queda dos juros é um dos poucos dados animadores no cenário do crédito, além da reativação do setor imobiliário. Mas essa reanimação está concentrada em São Paulo e em parte do Sul, como indicou recente reportagem do Estado. Também esse detalhe é muito importante.


Pobres na fila – Editorial | Folha de S. Paulo

Governo Bolsonaro erra ao poupar no Bolsa Família, enquanto cede a militares

Em seu primeiro ano, o governo Jair Bolsonaro evitou elevar os recursos para a expansão da clientela do Bolsa Família, o que criou uma fila de cerca de 1 milhão de candidatos aos benefícios do programa —de R$ 190 mensais, em média.

O custo adicional para atender a esses demandas teria sido de R$ 1,4 bilhão, em um programa que contou com R$ 32,5 bilhões em 2019. Haveria margem para a ampliação das verbas, dado que os gastos federais terminaram o ano abaixo do teto inscrito na Constituição.

É evidente que não sobra dinheiro nos cofres da União. Mesmo com despesas abaixo do limite, o Tesouro Nacional ainda tem déficit primário, ou seja, arrecadação insuficiente para seus compromissos cotidianos e os investimentos.

O governo Bolsonaro, no entanto, foi capaz de injetar R$ 10,1 bilhões em estatais, dos quais R$ 7,6 bilhões engordaram uma empresa ligada à Marinha —a verba foi destinada majoritariamente à construção de navios de guerra.

De junho até o final do ano passado, poucos milhares de beneficiários foram incluídos no Bolsa Família, o programa social mais eficiente do país. O número de famílias atendidas baixou de 14,1 milhões, no final de 2018, para 13,1 milhões em dezembro de 2019.

É verdade que o governo concedeu o que foi propagandeado como um “13º salário” à clientela, mas a medida valeu apenas para 2019 —e o Executivo tem se oposto a propostas do Legislativo para torná-la permanente. O Orçamento de 2020 projeta uma redução na casa dos R$ 2,5 bilhões, na comparação com os montantes de 2019.

Trata-se de uma escolha errada, para nem dizer desumana. Se a restrição orçamentária é indiscutível, uma iniciativa que atende à parcela mais miserável da população deve merecer tratamento privilegiado. Afinal, o número de pessoas vivendo na extrema pobreza cresce desde a recessão de 2014-16, segundo dados do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas.

O Bolsa Família diminui a insegurança alimentar; melhora a educação e a saúde das crianças das famílias atendidas; favorece a condição socioeconômica das localidades mais carentes —e custou apenas, em 2019, o equivalente a 0,45% do Produto Interno Bruto.

Há subsídios e benefícios tributários em excesso ao setor privado, que poderiam ser revistos conforme entendimento da própria área econômica; o corporativismo militar, tanto na forma de reajustes salariais como de investimentos, deve ser contido. Todas são opções melhores que ver aumentar a fila de pobres e miseráveis.

Desigualdade togada – Editorial | Folha de S. Paulo

Mulheres estão sub-representadas na 2ª instância do Judiciário, mostra pesquisa

Raramente a desigualdade de gênero se apresenta de forma tão evidente quanto em levantamento feito pela Folha nos Tribunais de Justiça, a segunda instância estadual.

As mulheres representam 37,5% do total de magistrados nos estados; nos postos dos TJs, porém, essa proporção cai para 20%. As discrepâncias são de graus variados: em São Paulo, há 31 desembargadoras, meros 9% dos 360 cargos do gênero disponíveis. Em outras seis unidades da Federação, o percentual fica abaixo dos 10%.

Mudar este cenário requer, de um lado, esforço institucional coordenado e, de outro, mudança da cultura que vê tribunais de segunda instância e superiores (TST, TSE, STM, STJ e STF) como clubes masculinos da elite judiciária.

Louvável, quanto ao primeiro quesito, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha instituído em 2018 a Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário.

Preveem-se medidas “para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento, em bancas de concurso e como expositoras em eventos institucionais”. Daí a dar concretude a tais objetivos louváveis, entretanto, vai considerável distância.

A mudança cultural ganhará força, por exemplo, quando mulheres tiverem participação equânime nas bancas de concurso, das quais participam desembargadores e juízes. Dados da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) revelam que historicamente elas ocupam só 10% das cadeiras.

Resolução pendente no CNJ busca aliar paridade de gênero ao princípio de antiguidade —este, embora seja tradicional no Judiciário, tende de forma inercial a reproduzir as disparidades de gênero.

O cenário tende a piorar quando se levar em conta a intersecção entre raça e gênero. Também está por ser examinado o pedido de juízes e juízas negros de 2018 para que o CNJ crie um fórum permanente sobre discriminação racial.

Urge, como se vê, avançar em medidas concretas por um Judiciário que melhor espelhe a sociedade que, por ofício, julga.

Leniência dos Tribunais de Contas agrava a crise – Editorial | O Globo

Muitos desses órgãos têm validado artifícios contábeis que permitem expressivos aumentos de gastos

A deliberada leniência de Tribunais de Contas estaduais e municipais está contribuindo para grave corrosão na aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal na Federação.

Com interpretações astutas, porém essencialmente incoerentes com a rigidez da LRF, muitos desses órgãos responsáveis pelo controle e pela fiscalização das finanças públicas têm validado artifícios contábeis que permitem expressivos aumentos de gastos no Executivo, Legislativo e Judiciário.

Despesas com pessoal (ativo e inativo) são o principal item dos orçamentos estaduais e municipais. A lei diz que não podem ultrapassar 60% da receita corrente líquida.

Nos últimos anos, no entanto, vários Tribunais de Contas têm aceitado que desse cálculo sejam excluídos alguns itens relevantes, como pagamentos de aposentadorias e pensões.

Essa “leitura” dos parâmetros da Lei de Responsabilidade Fiscal conduziu estados como Rio Grande do Sul, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Sergipe, entre outros, à insolvência ou à beira da falência. A situação se repete em dois de cada três dos 5.570 municípios.

Mudar a base de cálculo é a receita esperta para inflar o limite de gastos. Dá-se elasticidade ao conceito de receita corrente líquida.

Para efeito contábil, passou-se a considerar como parte integrante da receita estadual os repasses de fundos nacionais como o Fundeb, destinado à educação básica, e valores recebidos como financiamento de obras, estabelecidos no Orçamento Geral da União por iniciativa do Congresso, via emendas parlamentares.

Há casos em que o Tribunal de Contas até aponta o desvio, mas o governo ou o Tribunal de Justiça estadual rejeita, com base numa peculiar interpretação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, segue-se em frente com um teto de gastos de pessoal “ajustado”.

Isso aconteceu no ano passado em São Paulo. O TCE indicou que o Tribunal de Justiça estava estourando o limite de despesas. O Judiciário estadual reagiu. Argumentou que usava os “mesmos critérios” de cálculo do próprio Tribunal de Contas e, também, pela Secretaria da Fazenda e pelo Tribunal de Justiça Militar.

É provável que, nas próximas semanas, o Supremo Tribunal Federal dê uma resposta à arguição da legitimidade desse tipo de manobra contábil nos orçamentos estaduais e municipais.

Por todo o país multiplicam-se casos nos quais a complacência dos organismos de controle e fiscalização proporcionou a governadores e prefeitos meios para implodir o teto de gastos com pessoal.

Ocultaram um desastre financeiro, os responsáveis ficaram impunes e, agora, resta uma conta extra para a sociedade pagar.

Lacalle Pou precisa unir o Uruguai em torno da estabilidade econômica – Editorial | O Globo

Foco prioritário do novo presidente tem o objetivo de preservar o país com ‘grau de investimento’

Luis Alberto Lacalle Pou assume hoje a presidência do Uruguai. Amanhã apresenta ao Congresso suas metas de governo. Prevê-se um projeto de lei com mais de três centenas de artigos, com medidas de redução do desequilíbrio nas contas públicas, que já beira 5% do Produto Interno Bruto.

Lacalle Pou liderou uma coalizão de centro direita que pôs fim a um ciclo de década e meia de governos de centro esquerda, resultantes da Frente Ampla que o havia derrotado na eleição presidencial de 2014.

Ele venceu por apertada margem (1,2% do votos) o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez. Na reta final, Lacalle Pou acabou derrotado nos seus principais redutos eleitorais, a capital e Canelones. O adversário Martínez, agora, aparece como favorito nas pesquisas para a eleição de prefeito de Montevidéu, em maio.

A tarefa prioritária de Lacalle Pou é unir os 3,4 milhões de uruguaios em torno da estabilidade econômica, preservando a sobriedade institucional que distingue o país entre as democracias sul-americanas.

O novo presidente demonstra zelo institucional, e, por isso mesmo, decidiu não convidar para a posse os líderes de Cuba, Miguel Díaz-Canel; da Venezuela, Nicolás Maduro; e, da Nicarágua, Daniel Ortega. Não ocultou o motivo: eles chefiam regimes ditatoriais, onde é proibido discordar. Está certo. Ditaduras merecem absoluto repúdio, não importa a cor da bandeira ou a ideologia, se de esquerda ou de direita.

Lacalle Pou, de 46 anos, é um integrante exemplar da centro direita que compõe o mosaico político uruguaio. Foi deputado, presidiu a Câmara e desde de 2015 ocupava uma cadeira no Senado. É o terceiro presidente numa família de tradição na política — seu bisavô Luis Alberto de Herrera, o caudilho “blanco”, ocupou o poder entre 1925 e 1927, e foi candidato à presidência nas cinco eleições sucessivas; já o seu pai, Luis Alberto Lacalle Herrera, presidiu o país de 1990 a 1995.

O foco prioritário na agenda econômica tem o objetivo de preservar o país com “grau de investimento”, o que faz do Uruguai uma ilha de segurança no Mercosul para os maiores fundos globais de investimentos.

Essa situação favorece, também, o projeto de Lacalle Pou de atuar como eixo diplomático regional. Pretende ser o principal negociador entre sócios do Mercosul, propondo uma flexibilização das regras para acordos de comércio fora do bloco. As diferenças entre Jair Bolsonaro, em Brasília, e Alberto Fernández, em Buenos Aires, sugerem que a habilidade negociadora de Lacalle Pou será testada constantemente.

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