segunda-feira, 16 de março de 2020

O que a mídia pensa – Editoriais

Bolsonaro dá exemplo duplo de irresponsabilidade – Editorial | O Globo

Presidente descumpre protocolo médico em apoio a manifestações que afrontam a Constituição

Talvez o maior modelo político, ideológico e comportamental de Jair Bolsonaro, Donald Trump não parecia levar muito a sério o coronavírus até que, na quarta-feira, anunciou o fechamento do país a voos que partem da Europa. Como é do feitio dos políticos radicais, tentou usar politicamente a medida: estabeleceu uma exceção para a Grã-Bretanha do aliado Boris Johnson, como se ingleses, escoceses etc. não tivessem o mesmo poder de disseminar o vírus. Na sexta, foi obrigado a decretar “emergência nacional” e tomar uma série de medidas importantes.

O presidente brasileiro, nacional-populista de raiz, no figurino de Trump, deve ter tido vontade de chamar o patógeno da pandemia de “vírus estrangeiro”, imitando o presidente americano. Mas não há informação de que tenha criado empecilho a qualquer das decisões adequadas que vêm sendo tomadas pelo seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e por outras áreas do governo.

Os erros de Bolsonaro, reforçados ontem, são de outra ordem, tão ou mais graves: demonstrações de irresponsabilidade política e pessoal. O presidente entrou em terreno institucionalmente perigoso, na última semana de fevereiro, ao fim do carnaval, quando ajudou a divulgar por sua conta de WhatsApp a convocação de manifestações contra o Congresso e o Supremo realizadas ontem em algumas cidades. De sentido golpista. Inconstitucionais, ilegais.

Inspirado numa reação dura do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, contra o Congresso, registrada sem seu consentimento, o movimento, por absurdo, passou a ter o apoio do presidente da República, referendando assim um ataque às instituições. Diante das reações negativas à sua atitude, Bolsonaro ensaiou um dúbio recuo. E ontem tirou qualquer dúvida, se havia, sobre sua verdadeira posição em favor de um ato político intoxicado de ilegalidades. Tornou-se cúmplice.

O presidente deixou de ficar muito perto da claque que o acompanha em frente ao Alvorada. Não deveria permitir sequer esta aglomeração, se obedecesse às instruções do próprio Ministério da Saúde. Mas ontem aproximou-se de manifestantes na calçada do Planalto e ainda tocou na mão de alguns. Com este gesto conseguiu ser duplamente irresponsável: deu mau exemplo à população, que vem sendo instruída a evitar esses contatos, e atacou a democracia.

O tamanho da falta de sensatez de Bolsonaro, no plano pessoal, pode ser medido pelo fato de que, também no domingo, foi informada mais uma contaminação pelo coronavírus na comitiva que viajou com ele aos Estados Unidos. Seu primeiro teste foi negativo. Serão feitos outros. Por óbvio, deveria se precaver.

Quanto ao aspecto político, deverá haver desdobramentos, com a finalidade de que o Planalto respeite os limites que a Carta estabelece ao Executivo.

Milícias no Rio já não são apenas um problema de segurança – Editorial | O Globo

Grupos paramilitares degradam a ordem urbana com a construção e exploração de moradias irregulares

Na última quarta-feira, durante a operação Condomínio Fechado, deflagrada pelo Ministério Público estadual, seis pessoas foram presas, acusadas de explorar moradores de um loteamento irregular dominado por milicianos na Taquara, Zona Oeste do Rio. Não chega a ser surpresa que, entre os detidos, estivesse um policial da ativa: o capitão da PM Vítor Alexandre Silveira de Araújo, lotado no Batalhão Especializado em Policiamento de Estádios (Bepe). Nem que a operação tenha flagrado estranhas conexões políticas — um dos encarcerados, Ricardo de Souza Negrellos da Silva, se apresentava como assessor do vice-prefeito de Itaboraí, Wanderson Dias (PRB), embora a prefeitura tenha informado que ele já havia sido exonerado. Segundo as investigações, a quadrilha cobrava taxas ilegais por serviços essenciais, como água e luz, e ameaçava os inadimplentes.

O exemplo é emblemático, porque explica como esses grupos paramilitares, que surgiram em favelas da Zona Oeste no início dos anos 90, se alastraram pela capital, Baixada e por outras regiões do estado, formando organizações criminosas tão nefastas quanto o tráfico e, em alguns casos, a ele se associando, dando origem a poderosos conglomerados do crime. Há tempos a milícia se infiltrou na estrutura do Estado, contaminando inclusive as forças de segurança. Alguns de seus representantes frequentam casas legislativas.

Moradores do loteamento ilegal da Taquara contaram ao Ministério Público que a milícia entrou na Associação do Bosque Pedra da Boiúna em 2016. Elegeu presidente e vice em assembleia forjada. Não basta extorquir dinheiro de Moradores e ameaçá-los. Há que se ter representatividade.

A questão é que a milícia não significa apenas um problema de segurança, que se soma ao do tráfico, controlando extensas áreas do território fluminense. Ela é também uma ameaça à ordem urbana. Sabe-se que hoje uma das principais fontes de renda desses grupos paramilitares é a construção e a exploração de condomínios ilegais, muitos deles erguidos em locais de risco geológico ou áreas de preservação ambiental sob vista grossa do Estado, que não consegue ou não quer impedir essas atividades ilegais. O condomínio da Taquara, por exemplo, invade o Parque Nacional da Pedra Branca e já tinha sido embargado pela prefeitura do Rio.

Essa aventura ilegal pelo ramo imobiliário costuma gerar grandes lucros para as quadrilhas e enormes prejuízos aos moradores e à cidade, pois não é raro que resulte em tragédias. Como na Muzema, onde dois prédios clandestinos erguidos pela milícia desabaram, matando 24 pessoas. Portanto, o combate a essas organizações mafiosas tem de ser sistemático. E não apenas da polícia e do MP, mas de toda a sociedade.

Zelar as reservas – Editorial | Folha de S. Paulo

BC deve intervir com parcimônia no mercado, mantendo elevado estoque de divisas

Num país onde as contas públicas se encontram em estado precário e a moeda carece de credibilidade, como é o caso do Brasil, há necessidade de manter um colchão de proteção na forma de reservas em dólares e outras divisas.

O Banco Central aproveitou o salto dos preços das matérias-primas, entre 2004 e 2011, e a grande disposição do mundo em aportar capital nos mercados emergentes para acumular reservas cambiais em montante expressivo.

Com US$ 358,5 bilhões em caixa na última quinta-feira (12) e um regime de câmbio flutuante, o país hoje não corre mais o risco de insolvência nas transações com o restante do mundo —que tantas crises gerou no passado.

Mesmo assim, sendo o Brasil um país pequeno diante dos fluxos de capital internacional, é importante adotar uma postura responsável e conservadora, valorizando o seguro construído a duras penas.

Cumpre anotar, afinal, que as reservas não constituem um tipo de poupança. Elas foram adquiridas por meio de endividamento público em moeda nacional, que gera obrigações na forma de juros.

A questão mais complexa reside em quanto se deve manter no cofre e em que medida o BC pode dispor de seus dólares para enfrentar pressões contra a moeda brasileira —que podem dificultar a gestão da politica econômica e as expectativas de crescimento.

Já há algum tempo o real sofre forte depreciação. Em parte trata-se de um rearranjo diante do novo cenário de juros baixos, que levam o país a atrair menos capital especulativo. Empresas também pagam dívidas em dólar e passam a se financiar mais na moeda nacional.

Nas últimas semanas, contudo, a pressão contra o real se intensificou com a crise internacional ocasionado pelo coronavírus. Com a cotação da divisa americana acima de R$ 4,70, o BC age para suavizar o movimento e evitar descontrole.

Em intervenções nos últimos dias, a autoridade monetária ofertou volume estimado em cerca de US$ 7 bilhões no mercado à vista. No ano passado, foram US$ 36,9 bilhões.

O BC está certo em atuar na crise, embora alguns economistas sugiram que as vendas devam seguir um programa anunciado, em vez de vendas pontuais. Acima de tudo, é imperativo obedecer ao princípio do câmbio flutuante —tentar administrar as cotações só alimentaria mais especulação.

A médio prazo, cabe avaliar o montante ideal de reservas. Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) sugerem que o país tem espaço para reduzir as reservas em volume significativo (algo entre 20% e 30%) e ainda manter um patamar tido como seguro. As circunstâncias importam, contudo.

Embora possa ser considerado natural que o BC se desfaça de parte dos dólares no momento em que o real está desvalorizado, reduzindo a dívida pública, qualquer decisão nesse sentido deve, no mínimo, aguardar a consolidação do longo e ainda claudicante processo de recuperação orçamentária.

Furou o pneu do trem – Editorial | Folha de S. Paulo

Paralisia de linha do Metrô em SP expõe falha de origem em projeto de monotrilho

Os usuários do já saturado sistema de transporte público de São Paulo enfrentam há inacreditáveis duas semanas mais um transtorno —a paralisia da linha 15-prata, operada pelo Metrô, que liga a Vila Prudente a São Mateus, ambos na zona leste da capital paulista.

Os 57 mil passageiros que usam esse monotrilho (trem com pneus sobre uma estrutura elevada) diariamente agora têm de seguir por outro trajeto ou usar os ônibus do sistema emergencial Paese, o que significa demora, filas e lotação.

A parada da linha foi causada pelo estouro de um pneu, o que levou uma peça a cair do elevado sobre o qual circula o trem, a cerca de 15 metros de altura, na rua abaixo.

Ainda não se sabe o que causou a falha e há dúvidas sobre a segurança dos comboios. Daí a decisão acertada de paralisar a circulação até que se entenda o que aconteceu.

A demora em retomar os serviços ou explicar o que está ocorrendo, no entanto, é inaceitável. O secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Alexandre Baldy, diz que vai cobrar das empresas que construíram a linha (OAS, Queiroz Galvão e Bombardier) pelo prejuízo com a paralisação do modal, estimado em R$ 1 milhão por dia.

Nem ao menos está claro se o problema foi causado pela manutenção dos equipamentos (caso em que a responsabilidade seria do Metrô) ou pela construção. Técnicos vêm analisando os trens parados e os trilhos, mas não se conhecem conclusões até aqui.

Há tempos os usuários relatam transtornos na linha, como trepidação excessiva. Já houve ali outros incidentes graves: em um deles, trens se chocaram; em outro, um terceiro trilho se soltou.

Especialistas questionam o modelo desde seu anúncio pelo então governador José Serra (PSDB), em 2009. Prometida para o ano seguinte, a linha começou a ser testada em 2014 e só começou a circular sem restrições no ano passado.

No restante do mundo, essa modalidade de de monotrilho é utilizada apenas para trajetos curtos e com número de usuários bem mais restrito. Difícil imaginar que o sistema de transporte público paulistano seria capaz de promover uma exceção bem-sucedida à regra.

Escassez de estadistas – Editorial | O Estado de S. Paulo

No Brasil, o cargo de estadista está vago, pois temos um presidente que não está à altura nem do cargo nem dos desafios que se lhe apresentam

Em novembro de 1954, o então primeiro-ministro britânico, Winston Churchill, ao completar 80 anos, foi homenageado no Parlamento de seu país. Em seu pronunciamento, o líder da oposição trabalhista Clement Attlee destacou que os discursos de Churchill durante a 2.ª Guerra Mundial, que tanto inspiraram os britânicos a enfrentar a tirania nazista, “expressavam a determinação não só do Parlamento, mas de toda a nação”. Essa capacidade inigualável de traduzir em palavras a alma de um povo, motivando-o a seguir adiante e superar as piores adversidades, fez de Churchill o maior estadista de seu tempo.

Seu grande legado é a preciosa lição de que governantes não são apenas gestores de recursos públicos; antes, são líderes políticos que devem ser a referência de sobriedade e determinação em momentos de incerteza, quando a voz respeitada da moderação deve se sobrepor ao alarido irresponsável da confusão.

Assim, são justamente turbulências graves como esta causada pelo coronavírus, com consequências tão amplas quanto imprevisíveis, que separam os estadistas dos políticos medíocres. Os primeiros são aqueles que sabem preparar seus governados para os inevitáveis sacrifícios que certamente terão de ser feitos nos próximos tempos, em razão do impacto econômico e social da crise. Já os segundos são aqueles que mobilizam a opinião pública com assuntos irrelevantes ou apenas polêmicos, muitas vezes com o objetivo de esconder sua incapacidade de governar e lidar com problemas dessa profundidade.

No primeiro caso, os estadistas, por se interessarem genuinamente pelo futuro e o bem-estar da nação, conseguem atrair o apoio mesmo de quem deles pensa diferente, com o objetivo de superar eventuais divergências e unir esforços para fazer o que é necessário.

Infelizmente, o mundo em geral, e o Brasil em especial, enfrenta uma escassez de estadistas e um excesso de governantes despreparados, não apenas do ponto de vista da administração, mas, sobretudo, sob o aspecto da liderança.

Nestes tempos de vulgaridade militante, confunde-se liderança política com capacidade de arregimentar seguidores em redes sociais. Quanto mais barulhentos e irracionais forem os discursos desses oportunistas, maior é o engajamento de quem prefere a ofensa ao diálogo. Pouco importa, no ambiente tóxico das redes, se esse tipo de liderança é eficiente para conduzir o País a bom porto; ali, o que interessa é apenas alimentar o tribalismo e, assim, estigmatizar, muitas vezes em termos violentos e impublicáveis, quem tem outra opinião.

É evidente que, nesse clima de guerra, não se pode falar em convergência de esforços e ideias para solucionar os problemas ou ao menos para mitigar seus efeitos mais sérios. Ao contrário, são cada vez mais numerosos os que torcem pela ampliação da crise como forma de minar o governo e as chances eleitorais do presidente. Em qualquer circunstância, trata-se de um óbvio disparate, pois o colapso da economia e a deterioração das instituições não ajudam ninguém - a não ser os incendiários.

Por mais difícil e desgastante que seja, é preciso que os políticos conscientes de seu papel se apresentem ao duro trabalho de convencer os brasileiros de que esse confronto, tão ruidoso quanto vazio de significado, não levará a nada, a não ser a um dispêndio de preciosa energia, necessária para o enfrentamento dos graves transtornos que o País atravessa.

No Brasil, o cargo de estadista está vago, pois temos um presidente que não está à altura nem do cargo nem dos desafios que se lhe apresentam. É claro que nenhum dos candidatos a essa missão precisa ser um Churchill, mas é possível pelo menos almejar seu grande exemplo. Na tempestade perfeita que une um governo perdido, uma atmosfera de discórdia, uma economia letárgica e um vírus descontrolado, urge parar de perder tempo com tolices extremistas, produzidas pelo submundo delinquente da internet, e concentrar esforços para mobilizar a opinião pública contra o nosso grande e resiliente inimigo: a mediocridade.

A saúde na década de 20 – Editorial | O Estado de S. Paulo

OMS alerta sobre os desafios na saúde nesta década, incluindo surgimento de novo vírus

A Organização Mundial da Saúde (OMS) elencou os desafios globais urgentes na saúde para a década que se inicia. Os dez tópicos foram elaborados tendo em vista o prazo para a concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, em 2030.

Em primeiro lugar há os desafios genéricos e perenes de aprimoramento dos sistemas de saúde, como por exemplo a valorização dos profissionais de saúde e investimentos em saneamento básico. Um destes desafios é tornar o atendimento mais equitativo.

Entre os países ricos e pobres a diferença na expectativa de vida é de 18 anos. O crescimento de enfermidades não transmissíveis como câncer ou algumas doenças respiratórias tem imposto um peso desproporcional aos gastos com saúde das famílias mais pobres em países de renda média e baixa. Segundo a OMS, um dos melhores meios de reduzir as desigualdades é o aprimoramento do atendimento primário, que cobre a maior parte das necessidades com saúde de uma pessoa.

Na mesma linha está a expansão do acesso a medicamentos. Um terço da população mundial não tem acesso a remédios, vacinas, instrumentos diagnósticos e outros produtos que compõem o segundo maior gasto dos sistemas de saúde, depois das despesas com pessoal, e o maior gasto na saúde privada em países de renda média e baixa.

Em 2020, as doenças infecciosas devem matar 4 milhões de pessoas, a maioria pobres, enquanto em 2019 doenças evitáveis por vacinação mataram 140 mil, a maioria crianças. A OMS acusa os níveis insuficientes de financiamento e a debilidade dos sistemas de saúde em países endêmicos, concomitantemente à falta de compromisso por parte dos países ricos.

Há ainda as projeções de risco. Em 2019, a maioria dos surtos de doenças que exigiram o nível máximo de resposta da OMS ocorreu em países que enfrentavam conflitos prolongados. Se a conjuntura geopolítica se tornar mais instável, esses casos podem aumentar, exigindo novas estruturas de atendimento humanitário. Além disso, a OMS considera inevitável o surgimento de uma pandemia provocada por um novo vírus ainda mais infeccioso que o coronavírus – provavelmente uma variação da influenza – ao qual a maior parte das pessoas não é imune. A Organização conclama os países a preparar seus sistemas de saúde para o momento em que tais emergências eclodirem.

“A resistência antimacrobial ameaça um retrocesso de décadas para a medicina, rumo à era pré-antibiótica”, alerta a OMS. A elevação da resistência é causada por uma miríade de fatores, como prescrição e uso desregulado de antibióticos, falta de acesso a medicamentos e a água e esgoto. É importante atacar estas causas e, paralelamente, investir no desenvolvimento de novos antibióticos.

Um terço das doenças globais é causado por falta de alimentação ou dietas insalubres. Ao mesmo tempo que a fome flagela milhões, sendo às vezes uma arma de guerra, a obesidade tem crescido globalmente. Em 2019, a indústria alimentícia se comprometeu a eliminar a gordura trans até 2023. Mas é necessário seguir investindo em reformas dos sistemas alimentares.

Naturalmente, um dos tópicos de maior preocupação para a atual geração diz respeito à poluição e às mudanças climáticas. Em 2019, mais de 80 cidades em 50 países comprometeram-se a se alinhar com as diretrizes da OMS sobre qualidade do ar.

Mas o desafio mais singular desta geração é provavelmente a exploração das novas tecnologias. “A edição de genomas, a biologia sintética e as tecnologias de saúde digital como a inteligência artificial podem solucionar muitos problemas, mas também levantar questões para a fiscalização e a regulação.” Reflexões e diálogos aprofundados sobre as implicações éticas e sociais do desenvolvimento tecnológico são mais importantes do que nunca. Um trabalho constante de revisão das evidências associado a deliberações regulatórias por parte dos poderes públicos será essencial para que as tecnologias de última geração, que incluem a criação de novos organismos, não causem danos às pessoas que deveriam ajudar.

Limites aos partidos – Editorial | O Estado de S. Paulo

A Lei 13.107/2015 é positiva, ao aumentar as restrições para a criação de novas legendas

Em 2015, o Congresso aprovou alterações na Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), estabelecendo regras mais rígidas para a criação e a fusão das legendas. Diante do cenário nacional, com mais de 30 partidos, quase todos sem nenhuma densidade ideológica ou programática, as mudanças trazidas pela Lei 13.107/2015 foram positivas, ao aumentar as restrições para o surgimento de novas legendas. Em vez de beneficiar a democracia, a profusão de siglas prejudica a qualidade da representação e dificulta a governabilidade.

Como era de esperar, já que a nova lei dificultava os planos de partidos e políticos acostumados a regras frouxas, a constitucionalidade da Lei 13.107/2015 foi questionada perante o Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, o Supremo negou pedido de liminar, mantendo a validade da nova lei. Recentemente, o plenário do STF confirmou a decisão liminar, reconhecendo a constitucionalidade da Lei 13.107/2015.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o Partido Republicano da Ordem Social (Pros) questionava a exigência legal de que, para admitir o registro de um partido político, seus apoiadores não sejam filiados a nenhuma outra legenda. Também se insurgia contra o artigo da Lei 13.107/2015 prevendo que “somente será admitida a fusão ou incorporação de partidos políticos que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, cinco anos”. Segundo o Pros, as duas modificações afrontariam preceitos constitucionais, ao restringir valores como pluralidade, liberdade, autonomia política e a participação do cidadão no processo político-partidário do País.

No seu voto, a ministra Cármen Lúcia, relatora da ADI, lembrou que a Constituição de 1988 protege a livre criação, fusão e incorporação de partidos políticos, desde que sejam respeitados os princípios do sistema democrático-representativo e do pluripartidarismo. Ressaltou, no entanto, que as limitações trazidas pela Lei 13.107/2015 não afrontam esses princípios constitucionais.

“Os cidadãos são livres quanto às suas opções políticas, mas não são civicamente irresponsáveis nem descomprometidos com as escolhas formalizadas”, disse a ministra Cármen Lúcia a respeito da exigência de que os apoiadores da nova legenda não tenham filiação partidária. Para a relatora da ADI, a exigência de tempo mínimo para a fusão e incorporação das legendas é um sinal de respeito à opção política do cidadão que apoiou a criação daquele partido, evitando um “estelionato eleitoral”, nas palavras da ministra Cármen Lúcia.

O pluripartidarismo é elemento fundamental da democracia representativa. Faz bem a Constituição, portanto, em assegurar inequivocamente a liberdade de criação de partidos. Mas essa garantia não é uma autorização para que meras siglas, sem nenhuma representatividade e sem nenhuma consistência programática, usufruam do sistema partidário como se partidos fossem. Atualmente, há 33 legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mais 76 partidos em formação. Um sistema partidário com esses números é claramente disfuncional.

Além de consolidar limites razoáveis para a criação de partidos, exigindo que as novas legendas de fato representem politicamente uma parcela significativa da população – e, para tanto, não bastam assinaturas, é preciso contar com um programa mínimo de ideias e projetos –, cabe ao Poder Legislativo rever o sistema de financiamento público dos partidos. Enquanto houver recursos públicos sustentando legendas, existirá estímulo para que novos partidos sejam criados.

No Brasil, ter um partido político é um bom negócio, financeiramente rentável. Por isso, há tanto interesse na criação de mais legendas. O sistema deve ser precisamente o oposto. Deve ser tão difícil criar e manter um partido político que só existam aqueles partidos reais, com apoiadores realmente interessados nas suas causas e, portanto, que os financiam. Dinheiro público deve ter outra destinação.

É preciso aprovar as reformas e evitar as ‘pautas-bomba’ – Editorial | Valor Econômico

Não há previsão no Orçamento deste ano para pagar o aumento do benefício concedido de forma irresponsável pelo Congresso

Os parlamentares estão brincando com o povo brasileiro. Esta é uma forma, bastante defensável, de encarar a votação da semana passada, na qual o Congresso Nacional derrubou um veto do presidente Jair Bolsonaro e mudou o critério de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em meio a uma crise mundial, provocada pela pandemia do coronavírus, em que todos os governos mobilizam recursos para preservar a vida de seus cidadãos e suas economias, os parlamentares brasileiros decidem pendurar uma nova conta de R$ 21,5 bilhões por ano nos cofres do Tesouro Nacional.

O que fizeram eles? Até agora, apenas as pessoas com renda familiar per capita de um quarto do salário mínimo por mês tinham direito de requerer os benefícios do BPC, que concede uma aposentadoria de um salário mínimo para o idoso acima de 65 anos e à pessoa portadora de deficiência. Com a derrubada do veto de Bolsonaro ao projeto de lei 55/1996, agora poderão ter acesso aos benefícios do BPC as pessoas com renda familiar per capita de meio salário mínimo por mês.

Aqui não se discute a questão do mérito da medida. Este é um debate importante que a sociedade precisa fazer.

O que se discute é a forma como o aumento do benefício foi concedido, sem que os parlamentares tivessem definido como a nova despesa será custeada. Na verdade, e isso é o que deve ser destacado, os deputados e senadores não respeitaram as regras constitucionais que eles mesmos aprovaram e que sustentam o arcabouço das finanças públicas.

O parágrafo quinto do artigo 195 da Constituição, por exemplo, diz, textualmente, que “nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”.

O que ocorreu na semana passada no Congresso é ainda mais grave, pois, em dezembro de 2016, os parlamentares instituíram um novo regime fiscal para o país, com a criação de um teto de gastos para a União. O princípio básico do novo regime é que, se uma despesa é aumentada, outra terá que ser cortada para que o teto seja mantido. Ou seja, é necessário fazer a compensação, pois, do contrário, o teto não será respeitado. Os parlamentares que derrubaram o veto do presidente não tiveram essa preocupação, mesmo com todos os assessores que eles possuem e que são pagos pelos contribuintes.

O desrespeito às normas constitucionais foi ainda mais longe, pois um dos artigos da Emenda 95, que criou o teto de gastos, estabelece que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”.
É claro que os parlamentares não fizeram nenhuma estimativa do impacto orçamentário e financeiro da mudança de critério de acesso ao BPC. Não há previsão no Orçamento deste ano para pagar o aumento do benefício concedido de forma irresponsável pelo Congresso. Como o governo poderá cumprir a decisão dos parlamentares se não há previsão orçamentária para o gasto?

A previsão para este ano é de um déficit primário de R$ 124 bilhões do governo federal. Isto significa que qualquer despesa adicional terá que ser paga com o aumento do endividamento público. Além de todos os impedimentos legais, o governo teria que pedir autorização ao Congresso para fazer novas operações de crédito para pagar gastos correntes, em claro desrespeito à chamada “regra de ouro” das finanças públicas, que autoriza o aumento do endividamento apenas para pagar despesas de capital.

Há artigos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que também não foram cumpridos pelos parlamentares, a quem cabe não apenas respeitar a Constituição, como a legislação vigente. Seria maçante enumerar aqui todos os dispositivos legais que foram violados. O importante é observar que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm farto material legal para considerar inconstitucional a decisão, no momento em que ação com esse objetivo ingressar naquela Corte.

Em meio à profunda crise provocada pelo coronavírus, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tenta mostrar ao Congresso a necessidade de aprovação das reformas, que tornaria o Brasil mais robusto para enfrentar as turbulências atuais e as que virão. Mas, além das reformas, ficou claro agora para todos que é necessário ter uma ação diuturna contra as chamadas “pautas-bomba” no Congresso, ou seja, contra os projetos que, de forma sorrateira e irresponsável, aumentam as despesas da União, descumprindo a legislação em vigor.

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