terça-feira, 10 de março de 2020

Pedro Fernando Nery* - E o que fazer?

- O Estado de S.Paulo

Nesta crise do mercado global, cortes de juros seriam pouco efetivos para aumentar gastos e investimentos

Já antes do derretimento dos mercados, alguns analistas e entidades – como a OCDE – alertavam para o risco de uma recessão global. Com taxas de juros já baixas, e diante da natureza anormal da crise, estímulos dos bancos centrais fariam pouco sentido. Restaria a política fiscal, mas muitos países teriam chegado em 2020 sem espaço para gastar. Seria o caso do Brasil. Então o que fazer?

O economista Chris Rupkey resumiu a dificuldade da política monetária: nesta crise, cortes de juros seriam pouco efetivos para aumentar gastos e investimentos. As empresas estariam atrás de liquidez: “Elas não querem empréstimos e investir no futuro. Elas estão correndo para as montanhas”. A economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, avalia que o choque do coronavírus não pode ser tratado somente pelos bancos centrais: “Ele tem realmente de ser acompanhado por medidas fiscais”.

Algumas convergências aparecem nas primeiras análises sobre o uso da política fiscal como remédio econômico para o coronavírus. Há papel de destaque para o que aqui chamamos de Seguridade.

Uma 1.ª prescrição é óbvia: é preciso que haja recursos para a saúde, inclusive nos entes subnacionais. Uma 2.ª é ampliar os benefícios pagos aos trabalhadores que perdem renda com a crise, o que inclui os que precisam ficar em casa. Uma 3.ª é dar fôlego às médias e pequenas empresas dos setores mais afetados, por exemplo, com desonerações sobre a folha de pagamento.

Estas são algumas das propostas de economistas do FMI. Os diretores de assuntos fiscais do Fundo propõem expandir as transferências de renda para grupos vulneráveis. Lembram que a China suspendeu temporariamente o pagamento de contribuições previdenciárias das empresas, além de focar sua atuação nos setores de transporte e turismo, mais afetados.

Igualmente, o presidente Donald Trump sugeriu desonerar a folha de pagamento por um ano. Já Jason Furman, espécie de economista-chefe da Casa Branca no governo Obama, propôs transferências de renda incondicionais aos americanos.

A opção por usar instrumentos da Seguridade contra o coronavírus nos Estados Unidos, Ásia e Europa contrasta com as primeiras propostas que surgem por aqui, focadas no investimento público. De fato, obras de infraestrutura têm grande capacidade de empregar trabalhadores. Contudo, não parecem a melhor ideia no caso de uma pandemia.

Se é complicado executar o investimento público em situações normais, pode ser mais complicado diante da incerteza da evolução do vírus aqui. No norte da Itália ou em Wuhan, o esforço dos governos foi de manter os trabalhadores em casa, não reunidos ao ar livre construindo pontes.

Nesse sentido, Douglas Holtz-Eakin, economista do governo Bush, aponta para a dificuldade de elaborar medidas para uma crise que tende a ser temporária, mas sem que se saiba a profundidade da queda e a sua duração (o formato do “V”, no jargão). Ele defende que as medidas tomadas frente ao coronavírus sejam aquelas desejáveis por si, não apenas pelo impacto que podem ter por alguns meses.

Nessa lógica, a resposta ao coronavírus deve envolver as propostas que fortalecem o combate à pobreza e forçar o governo a escolher as prioridades da sua agenda. O Bolsa Família é a transferência mais bem posicionada para conter a perda de renda dos trabalhadores informais, que não têm poupança para consumir nem a proteção dos formais (como auxílio-doença, seguro-desemprego, saque do FGTS, aviso prévio).

Seu efeito em curto prazo no consumo é maior do que qualquer outro na folha de pagamentos do Tesouro. Neste momento, o programa se encontra em crise: com mais de 3 milhões de brasileiros habilitados sem receber. A fila se formou a despeito da modesta recuperação econômica, e as regras do governo federal faz com que ela seja maior na região mais pobre do País (o Nordeste). Propostas tramitam no Congresso fortalecendo o programa. O gasto pode ser compensado pela redução do déficit da Previdência no funcionalismo (via a contribuição extraordinária prevista na reforma da Previdência) ou redução dos salários (que consta da PEC emergencial).

Já a desoneração da folha proposta pelo FMI e Trump e feita na China é antigo objetivo do Ministério da Economia, mas que ainda não apresentou essa proposta no âmbito da reforma tributária. Nos últimos dias, se discutia compensar a arrecadação com o imposto de renda dos mais ricos (dá para fazer por lei).

* Doutor em economia

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