sexta-feira, 6 de março de 2020

Um governo de outro mundo – Editorial | O Estado de S.Paulo

Enquanto preocupações atrapalham a bolsa, jogam o dólar para cima e levam o mercado a rever projeções, o ministro Guedes diz que o País está reacelerando

Danos econômicos já se espalham por todo o mundo, produzidos pela epidemia de coronavírus, mas o governo brasileiro tem-se comportado como se estivesse em outro planeta. O crescimento mundial poderá cair de 2,6% em 2019 para cerca de 1% neste ano, segundo o Instituto de Finanças Internacionais (IIF), formado por 500 dos maiores grupos financeiros do mundo. No Brasil, já há quem projete expansão abaixo de 2% para o Produto Interno Bruto (PIB). Exportadores de petróleo voltaram a rebaixar a demanda mundial esperada para este ano, enquanto a Associação Internacional de Transportes Aéreos (Iata) calcula perdas entre US$ 63 bilhões e US$ 113 bilhões, em 2020, para a indústria da aviação civil. Mas os brasileiros deveriam ficar tranquilos, garantiu na quarta-feira, em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

O Brasil, segundo ele, está longe de ser “uma folha ao vento do comércio internacional”. Além disso, o País avança, de acordo com o ministro, em sentido oposto ao do resto do mundo. “Agora o mundo começou a desacelerar e nós estamos reacelerando – estamos fora de fase com eles.”

Se o ministro falou, essa deve ser a posição oficial de seu Ministério e também do governo, mas nem dentro do Ministério há entendimento. Isso é evidenciado pela confissão do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em palestra ontem de manhã. “Durmo preocupado”, disse ele, “por não saber o que vai acontecer com o crescimento do mundo. A gente sabe o que é a China crescendo 6%, 7% ao ano. Não sabe o que é a China crescendo 3% ao ano. Que vai acontecer com o mundo num cenário de crescimento baixo, em que ainda se está numa fase de recuperação? Assusta.” O Brasil, lembrou o secretário, também é afetado pela piora mundial.

Talvez seja impossível, neste momento, uma resposta precisa à interrogação do secretário do Tesouro. Mas toda resposta sensata é por enquanto preocupante, segundo os economistas de instituições financeiras e das principais consultorias. O Banco Fibra reduziu de 2,6% para 1,8% o crescimento do PIB estimado para 2020. A projeção do Banco Safra foi diminuída de 1,9% para 1,6%. A da LCA Consultores foi rebaixada de 2,3% para 1,9%. A da XP Investimentos foi revista de 2,3% para 1,8%. O crescimento esperado para o Brasil foi mantido em 1,7% pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em relatório divulgado na segunda-feira. De toda forma, a previsão para a economia brasileira já era baixa no documento anterior, publicado em novembro.

Para o PIB global a estimativa da OCDE passou de 2,9% para 2,4%, mas, se a epidemia for pior do que pareceu inicialmente, a expansão mundial poderá ficar em cerca de 1,5%. O cálculo divulgado pelo IIF já incorpora, portanto, uma avaliação mais dramática da nova emergência sanitária. O crescimento próximo de 1% será o mais fraco desde a crise de 2008. O instituto mudou de 2% para 1,3% a expansão prevista para a economia americana e de 5,9% para 4% o aumento esperado para o PIB chinês.

A epidemia também motivou a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) a reduzir de novo a projeção da demanda global. Pelas contas do fim de 2019, a procura mundial de petróleo teria um acréscimo de 1,14 milhão de barris/dia neste ano. O crescimento agora esperado é de 480 mil barris/dia.

Enquanto as preocupações atrapalham a bolsa, jogam o dólar para cima e levam o mercado a rever projeções, o ministro da Economia parece habitar outro mundo, ao contrário do secretário do Tesouro. Não é normal, segundo o secretário, um país como o Brasil crescer 1%, como no ano passado.

Em São Paulo, o ministro Guedes disse ontem esperar uma expansão de 2% em 2020 e reafirmou a aceleração nacional. O Brasil, afirmou, é pouco vulnerável às flutuações externas, por ser uma economia fechada. Além disso, atribuiu à Secretaria de Política Econômica a projeção de 2,4% para este ano. A dele, insistiu, sempre foi de 2%. Curiosamente, a tal secretaria é subordinada ao ministro Paulo Guedes.

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