sexta-feira, 20 de março de 2020

Vinicius Torres Freire - Economia de guerra contra o corona

- Folha de S. Paulo

É hora de pensar em produção extra e preços de recursos para os hospitais da epidemia

Há notícias de que o preço de máscaras hospitalares disparou. É muito provável que seja necessário inventar UTIs ou equivalentes, com ventiladores pulmonares, ao menos, e outros equipamentos auxiliares.

Em momentos de calamidade oficial e similares, a lei prevê intervenções estatais na atividade econômica, as quais podem incluir tabelamentos ou requisições. Tabelamentos tendem a não funcionar, exceto em situações de guerra de fato. De resto, não adianta fazer requisições se não há produtos, assim como não adianta tabelar o preço do que não existe.

É bem provável que esse seja um dos muitíssimos problemas da administração da economia e da epidemia. Trata-se de administrar uma economia como a de guerra, de mobilização de recursos e no gasto público (assunto que fica para logo mais).

Não, não se trata de “militarizar” o assunto. Trata-se de tomar medidas excepcionais quando a paralisação de fábricas, serviços e comércios e o número de baixas se assemelha aos efeitos da destruição causada por guerras.

São necessários o controle e o estímulo da produção de bens essenciais, a começar por aqueles de uso médico-hospitalar, caso não exista material suficiente para o serviço de cuidar dos feridos, doentes, e dar instrumentos aos profissionais da saúde. Esperar que a escassez também se espalhe de modo epidêmico é jogar com a morte.

Na Itália, país muito mais rico que o Brasil, o problema se tornou dramático, é evidente. Não se sabe qual será o ritmo do crescimento do número de doentes por aqui. Por ora, é assustador, já ultrapassando a velocidade da epidemia em grandes países europeus.

Embora a série de dados seja curta para especular com estatísticas, temos motivos mais fundamentados para levantar hipóteses sobre os riscos brasileiros. Para começar com o mais evidente, há milhões de pessoas a viver em habitação precária ou inaceitável, em aglomerações insalubres, sem acesso bastante ou algum a serviço de água limpa regular. São pessoas com saúde mais frágil, por vários motivos.

Trata-se de gente que vive em casas mais lotadas, que passa horas no transporte público lotado, que muita vez não deixará de trabalhar, até porque vive de bicos na rua, que ainda tentará fazer, no desespero. Muita vez é gente com menos acesso a informação ou com menos compreensão de diretrizes de saúde, por falta de escola. Como se não bastasse, ainda são francamente desorientadas por esse indivíduo que ora ocupa a Presidência da República.

É razoável imaginar que, sem outras medidas de controle, a epidemia pode se espalhar mais facilmente entre as pessoas que vivem na pobreza brasileira do que nas regiões mais ricas da Europa.

Não precisa ser assim. Talvez as medidas aqui mais precoces de controle de aglomerações possam atrasar a epidemia. Mais uma vez, é melhor fazer em excesso do que fazer muito pouco e descobrir demasiadamente tarde que não há recursos para cuidar dos feridos.

Na verdade, já não há. Joga na loteria da morte quem não começar desde agora a preparação para o pior. Isso pode incluir a convocação de produção de insumos a preços razoáveis, de fornecimento de instalações e mão de obra para colocar em operação essa capacidade adicional de atendimento.

É como a operação de uma economia de guerra, literalmente, não para produzir máquinas de morte, mas para salvar vidas.

Pode ser um exagero? No Brasil, não será, mesmo que a epidemia desacelere.

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