quarta-feira, 1 de abril de 2020

Bruno Boghossian - Bolsonaro sentiu o baque

- Folha de S. Paulo

Quem dizia só lamentar a morte de milhares de brasileiros finge agora alguma preocupação

Jair Bolsonaro sentiu o baque. Por semanas, o presidente desprezou os alertas de autoridades internacionais sobre a gravidade do coronavírus. Agora, ele busca uma correção de rumo forçada, com direito a falsificação das avaliações técnicas desses mesmos personagens.

O presidente abandonou os diminutivos "resfriadinho" e "gripezinha" em seu pronunciamento desta terça (31). Depois de conduzir a crise com uma estratégia cruel e insensata, Bolsonaro percebeu que a catástrofe na saúde pública poderia esfarelar a popularidade de seu governo.

O homem que dizia apenas lamentar a morte de milhares de brasileiros resolveu fingir alguma preocupação com a saúde da população. Ensaiou um lance de empatia com os espectadores, afirmou já ter perdido entes queridos e emendou: "Sei o quanto isso é doloroso".

Bolsonaro agora tenta recuar a um ponto de equilíbrio entre sua obsessão pela preservação da economia e a intenção de salvar vidas --embora não dê a menor pista de qual é esse ponto. O jogo de manipulação presente em seu discurso, aliás, mostra que ele ainda prioriza o primeiro elemento desse binômio.

Em seu malabarismo, o presidente deturpou na TV as declarações do diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus. Depois que o dirigente afirmou que os países deveriam levar em conta as necessidades dos trabalhadores impactados pela crise, Bolsonaro inventou a versão de que a entidade defende a retomada imediata da atividade econômica.

O presidente, porém, sonegou o trecho em que Tedros reforça a importância do isolamento social e diz que os governos precisam proteger a população mais vulnerável. Apesar do ajuste no tom, ele continua evitando um encontro com a realidade.

Bolsonaro nunca respeitou a organização, já que seus especialistas contradizem a estratégia inconsequente de lançar milhões de pessoas às ruas no meio de uma pandemia. Contrariado, o presidente quer asfixiar a verdade e torturar os fatos para que eles fiquem a seu favor.

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