segunda-feira, 6 de abril de 2020

Carlos Pereira* - De quem será a conta da pandemia?

- O Estado de S.Paulo

O presidente pode se beneficiar ao empurrar para governadores o custo econômico da pandemia

É certo que, em situações de normalidade, o chefe do Executivo não é capaz de transferir responsabilidade pelo desempenho de políticas macro ou universais para outros. Por exemplo, se a inflação e/ou desemprego aumentam, o presidente será inexoravelmente responsabilizado. Por outro lado, se os indicadores da atividade econômica melhoram, é também o chefe do Executivo federal quem será capaz de extrair os maiores benefícios políticos decorrentes dessa boa performance.

Essa responsabilização do presidente decorre da distribuição geográfica da sua representação política. Como recebe votos em todo o território nacional, é dele a responsabilidade de políticas nacionais. Os legisladores e governadores, por sua vez, por serem eleitos por uma base geográfica delimitada, respondem às preferências das redes locais e estaduais de interesse, respectivamente.

Será que esse perfil de responsabilização seria também observado quando o País é acometido de choques exógenos de grande magnitude, como a atual pandemia do Covid-19?

A pandemia criou um novo tipo de polarização política no Brasil. Governadores e legisladores, de um lado, têm apresentado preocupação com os riscos de estrangulamento do sistema de saúde causado pela pandemia, que pode levar a um grande número de vítimas fatais. Como resposta, os governadores têm implementado medidas muito duras, como o fechamento de escolas, cinemas, praias, teatros, e comércio em geral.

De outro lado, Bolsonaro tem minimizado os riscos de contágio bem como os impactos epidemiológicos da doença. Sua maior preocupação tem se concentrado nas consequências negativas que medidas de isolamento social acarretam para a economia.

O presidente tem tentado transferir para outros atores políticos a responsabilidade pela potencial diminuição ou mesmo recessão da atividade econômica. A estratégia do presidente será bem-sucedida?

Para responder a essa e a outras perguntas, eu e minha colega da FGV EBAPE, Amanda Medeiros, fizemos, com apoio do Estadão, uma pesquisa experimental via WhatsApp. Uma das perguntas quis justamente saber quem seria o principal responsável pelo controle e consequências da pandemia do Covid-19. Os resultados preliminares, obtidos com uma amostra de 1148 respondentes, indicam que 79,5% responsabilizam o presidente e apenas 19,5% os governadores.

A maioria dos respondentes acredita que o presidente não está fazendo um bom trabalho (68%). Entre os que avaliam positivamente o presidente, 72% se identificam como de direita e 9% como de esquerda, o que evidencia uma grande polarização. Por outro lado, essa polarização não ocorre na avaliação do desempenho positivo dos governadores (75% dos respondentes), dos quais apenas 20% e 19% se identificam como de esquerda e direita, respectivamente.

Os respondentes também foram aleatoriamente submetidos a dois choques informacionais: 1) consequências negativas para a saúde, com crescimento exponencial do número de mortes; e 2) para a economia, com retração de 3 pontos percentuais do PIB. Surpreendentemente, receber as manipulações aumenta a chance de as pessoas avaliarem mal o trabalho do governador e de avaliarem bem a atuação de Bolsonaro.

Portanto, o comportamento do presidente de minimizar as consequências da pandemia e enfatizar o impacto para economia, tido por alguns como irracional, pode vir a se revelar uma estratégia bem-sucedida.

Análises mais aprofundadas da pesquisa serão publicadas em breve.

*É professor titular da FGV/EBAPE, no Rio de Janeiro

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